William James a construcao da experiencia

64 Pages·2017·47.134 MB·Portuguese

by  David Lapoujade

DAVID LAPOUJADE
WILLlAM JAMES, A CONSTRUÇÃO DA EXPERIÊNCIA
Título original: William James, empirisme et pragmatisme
© n-l edições, 2017
© Oavid lapoujade, 2007
WILLIAM JAMES,
Embora adote amaioria dos usos editoriais do âmbito brasileiro,
A CONSTRUÇÃO
an-l edições nâo segue necessariamente asconvenções das
Instituições normativas, pois considera aedição um trabalho de
criação que deve interagir com a plural idade de linguagens ea DA EXPERIÊNCIA
especificidade de cada obra publicada.
COORDENACÃEODITORIAPLeter Pál Pelbart e
Ricardo Muniz Fernandes
ASSISTENTEEDITORIAILsabela Sanches
PROJETGORÁFICOÉrico Peretta
PREPARAÇÃHOumberto Amaral
REVISÃORoberta Vasconcelos
A reprodução parcial deste livro sem fins lucrativos, para uso
privado ou coletivo, em qualquer meio impresso ou eletrônico, está
autorizada, desde que citada afonte. Sefor necessária areprodução
na íntegra, solicita-se entrar em contato com os editores.
Dados Internacionais de Catalogação naPublicação (CIP)
t.apoujade, David [1964--]
Willlam James, aconstrução da experiêncíe
SãoPaulo: n-l edições, 2017
ISBN978-85-66943-31-3
1.James, William (1925-1995) 2.Filosofia Estaduruense 3.Pragmatismo
I.Titulo
79-0279 CDD:191
144.3
lndices para catálogo sistemático:
1Filósofos estadunienses 191
2.Pragmatismo :Filosofia 144.3
n-l edições
São Paulo IFevereiro, 2017 Tradução Hortência Santos Lencastre
n-1edicoes.org Revisão técnica Cassiano Terra Rodrigues
INTRODUÇÃO
09 A CONSTRUÇÃO DA EXPERIÊNCIA
CAPiTULO 1
23 O EMPIRISMO RADICAL
Plano ematerial: aexperiência pura
O"rnonismo vago": uma experiência sem "ego"
Ainterpretação easséries significantes
Função econvenção (contra ohilemorfismo)
CAPiTULO 2
51 VERDADE ECONHECIMENTO
Como criar verdades?
Linhas epedaços
Oconhecimento deambulatório
CAPiTULO 3
85 CONFIANÇA ECOMUNIDADE PRAGMATlSTA
Confiar
Asconvenções oucomo escolher uma filosofia?
Acomunidade de interpretação
CONCLUSÃO
117 ACREDITAR NESTEMUNDO
123 EDiÇÕES UTILIZADAS
125 SOBRE O AUTOR

A CONSTRUÇÃO DA EXPERIÊNCIA
Tudo o que conservamos de William [ames é uma contribuição à psi-
cologia - a célebre descrição do "fluxo de consciência" [stream of
consciousness]- eainstauração doutrinal do pragmatismo, principal-
mente através de sua teoria instrumentalista da verdade: "Nossa expli-
cação da verdade éuma explicação de verdades no plural [... ]que têm
somente essa qualidade em comum, a de que elas pagam. [...]Para
nós, a verdade é simplesmente um nome coletivo para processos de
verificação, do mesmo modo que saúde, riqueza, força etc. são nomes
para outros processos ligados à vida e também perseguidos porque
compensa persegui-los"! Averdade éaquilo que érentável, aquilo que
"paga"," é a ação vantajosa bem sucedida. Basta reverter a definição
para ver no pragmatismo apenas a caricatura do símbolo do sucesso
à moda americana: o lucro, a saúde e a força são as únicas verdades.
A obra de [ames é vista com frequência como a filosofia do capi-
talísmo selvagem, das ideias que "pagam", das verdades que "vivem a
crédito" - enfim, tudo aquilo que o senso comum entende hoje por
"pragmatismo', uma espécie de ready-made do capitalismo. Éassim,
por exemplo, que Horkheimer expõe o pragmatismo, de Peirce a
1.Pragmatism: anew namefor some oldways ofthinking, p.104[Ed.bras.:"Pragrnatismo"
inPragmatismo eoutros textos, trad. deJorgeCaetano daSilvaePabloRúben Mariconda.
Coleção Os Pensadores. SãoPaulo: Abril Cultural, 1979, p.78. Aqui, como na grande
maioria dasvezes,atradução foimodificada. Indicaremos talmudança, apartir deagora,
pelaassinalação T.M.].
2. Optamos por não utilizar opronome apassivador (como em "aquilo que sepaga")
porque, para [arnes,osprocessos - averdade, asaúde, ariqueza, aforça etc.- valem,
compensam, satisfazem, sem um caráter retroflexo, mas justamente porque levam a
experiência adiante. [N.RT.]
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Dewey: "Afilosofia deles reflete, com uma sinceridade quase ingênua, sentido em que apelaria constantemente àação como um fim último.
oespírito da cultura comercial predominante, aprópria atitude de 'ser O pretenso "sejamos práticos" não quer dizer: "tem que dar certo" de
prático' sendo algo em relação aque ameditação filosófica como tal qualquer maneira, sob qualquer condição, desde que se tire daí um
era tido como oposta." Esforçamo-nos para estabelecer aimagem de rendimento satisfatório. Adefinição pragmatista da verdade também
uma filosofia propriamente americana - direta, inocente, mercan- não se resume auma validação pela própria ação, mesmo que James
til - da qual o pragmatismo de [ames seria a mais forte encarnação. afirme que averdade de uma ideia reside em parte nas suas "conse-
Curiosamente, quando se trata de [arries, invocamos, mais do que o quências práticas': Continuamos aidentificar ocampo da prática com
fazemos em relação aos seus contemporâneos - Peirce ou Royce,por o domínio da ação. No entanto, em [ames, o termo "prática" não diz
exemplo -, aideia de uma filosofia propriamente americana. Nós o respeito necessariamente ao domínio da ação por oposição ao campo
apresentamos como aquele que dá àAmérica sua filosofia nacional, da reflexão teórica; ele designa antes de mais nada um ponto de vis-
tal como o fazemos com Fenimore Cooper e Walt Whitman com ta: "prática" significa que consideramos arealidade, opensamento, o
relação àliteratura. conhecimento (e também a ação) enquanto elesestão seproduzindo.
E, no entanto, nada está mais distante dele, por exemplo, do que De maneira ainda muito genérica, afilosofia de William [ames éuma
as recentes teses ditas "neopragmatistas" de um Rorty, que propõe filosofia do homem que se produz num mundo que está ele mesmo
estabelecer um critério especificamente americano da Conversação seproduzindo. O que elecriticará nos racionalistas enos absolutistas
democrática universal ou promover os Estados Unidos como fonte (particularmente os hegelianos, que no entanto foram os primeiros a
originária fundamental devalores. Nada menos pluralista, nada mais introduzir movimento no conceito) échegar tarde demais, depois do
estranho ao pensamento de [ames ou de Dewey do que isso que Rorty, acontecido, "quando uma forma de vida envelheceu" eo mundo já
entretanto, reivindica. Os esforços de [ames para dissipar os contras- deu tudo oque poderia dar.
sensos não acarretaram nenhuma mudança: o pragmatismo conti- Como diz [ames, "aquilo que realmente existe não são ascoisas fei-
nuou sendo afilosofia do homem de negócios americano eopróprio tas, mas as coisas sefazendo': Temos que considerar toda realidade
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termo nada mais designa a não ser um sentido de ação oportunista. no momento em que ela se cria. Isso não significa no entanto que se
Entretanto, é o próprio William [arries quem denuncia, em diversas trata de uma filosofia do self-made man (individualismo pelo qual foi
ocasiões, as ambições imperialistas dos Estados Unidos, seu mercan- muitas vezes criticado), pois éevidente que o indivíduo não poderia
tilismo generalizado, seu culto do dinheiro edo sucesso financeiro.' se produzir se não estivesse ao mesmo tempo tomado pelo imenso
O pragmatismo de Iames também não é uma "filosofia da ação", fluxo do mundo, atravessado pelo movimento incessante daquilo
no sentido de que teria como objetivo, ao estabelecer a teoria, des- que está sendo feito. Um problema percorre toda afilosofia de [ames:
crever os mecanismos para obter uma maior eficácia; ou, ainda, no como o conhecimento, averdade, a crença podem se produzir se o
mundo no qual vivemos está sujeito a uma perpétua novidade? Não
3·Max Horkheimer, Eclipseda razão, trad. bras. de Sebastião Uchoa Leite. São Paulo: basta dizer, por exemplo, que uma ideia épensada pela mente ou que
Centauro, 2010, p. 57.Cf. igualmente oprimeiro capítulo deIa philosofieaméricaine, de a mente faz uma representação da ideia. Uma definição como essa
Ludwig Marcuse (trad. fr.de Danielle Bohler. Paris: Gallirnard, 1967,p. 845), no qual o
está privada de movimento e, em relação a isso, bastante incomple-
autor destaca afrase de Russell: "Penso que oamor àverdade éobscurecido na América
pelo comercialisrno, do qual opragmatismo éaexpressão filosófica:' ta; éainda preciso mostrar como a ideia seproduz na mente ecomo
4·[ames denuncia, numa carta de IIde setembro de 1906 aH. G. Wells, a"flacidez moral a mente éproduzida através dela, introduzir nessa definição aquilo
nascida do culto exclusivo da deusa cadela chamada Sucesso.Éesta - com o sórdido que [ames chama de "consequências práticas", critério essencialmente
sentido monetário que atribuímos à palavra sucesso - a nossa doença nacional" in
Henry [ames (org.), Thelettersof William[ames,v.2. Boston: Little, Brown, and Com-
pany, 1920, p. 259. 5.A Pluralistic Universe,p.ll7·
10 WllilamJames.aconstrução daexperiência Introdução 11
pragmatista. Aideia não émais definida como uma representação ou qualquer distinção de significado tão sutil que consista em algo dife-
uma modificação da mente, mas como um processo através do qual rente de uma distinção de prática." Éverdade que [ames, apartir de
amente seproduz. 1907, dá uma dupla definição de pragmatismo que sugere que oprag-
Esse já era o tema dos avanços essenciais da psicologia, por volta matismo seja outra coisa além de um simples método: "Esse, então,
dos anos 1880-1890.6 Nos Princípios depsicologia (1890), asrealidades seria o escopo do pragmatismo - primeiramente um método, em
psicológicas são tratadas como fluxos que se cruzam e se interpe- segundo lugar, uma teoria genética do que se entende por verdade."
netram num verdadeiro "emaranhado': A consciência não se define Mas essa teoria éum efeito do próprio método, e,por isso mesmo, é
como uma realidade substancial, nem mesmo como um ato reflexivo; inseparável dele. Podemos, apartir de então, destacar esses dois aspec-
ela éo movimento daquilo que setorna consciente. Ali está demons- tos do pragmatismo.
trado, na verdade, como aconsciência não para de traçar seus limites Em primeiro lugar, eleéum método deavaliaçãoprática. Eleexami-
no pensamento, como elaseestende ou secontrai fora do inconscien- na asideias, os conceitos, asfilosofias, não mais do ponto de vista da
te que acontorna. sua coerência interna ou da sua racionalidade, mas em função da sua
O mesmo movimento éretomado mais tarde (por volta de 1904), "consequência prática" Devemos avaliar asideias segundo seu objetivo
porém bem mais amplificado, quando [ames instaura o "empirismo denos fazer agiroupensar. Éexatamente omesmo que fazer aseguinte
radical" e introduz a noção de experiência pura. Trata-se dessa vez pergunta: oque éque fazaverdade dasnossas ideias? Ou então: como
de mostrar que existe um plano de pensamento que precede todas as uma ideia se torna verdadeira? Como se faz uma ideia verdadeira?
categorias psicológicas ou filosóficas tradicionais eque estas últimas, Portanto, o método pragmatista é, em segundo lugar e inseparavel-
longe de serem constitutivas, devem, pelo contrário, ser constituídas mente, umaferramenta deconstrução (ou uma teoria genética daquilo
apartir desse plano. O sujeito, oobjeto, amatéria eopensamento são que entendemos por verdade, segundo os termos de [ames), O prag-
descritos não como dados ou formas apriori, mas como processos matismo responde assim àpergunta: como fabricar ideias para agir
que se formam no pensamento ou fora dele. Tanto no plano psico- ou pensar? A única coisa que elepode fazer, como método de avalia-
lógico como no plano filosófico, destacar o movimento daquilo que ção, énos ajudar aescolher, entre as filosofias, as religiões, os ideais
está sendo feito implica, acada vez, uma crítica das formas nas quais sociais, aqueles que mais favorecem nossa ação ou nosso pensamento.
costumamos distribuir com antecedência os fluxos de vida, de pen-
samento ede matéria.
7.De acordo com Peirce, a regra para atingir o terceiro grau de clareza de apreensão:
Seo empirismo radical éafilosofia de [ames propriamente dita, o
"Considere quais efeitos, que concebivelmente poderiam ter consequências práticas, conce-
que dizer então do pragmatismo? Opragmatismo não éuma filosofia. bemos teroobjeto de nossa concepção. Então, aconcepção desses efeitos éotodo de nossa
Como em Peirce, ele é um método, apenas um método, cuja máxi- concepção do objeto:' Cf. C. Peirce "How to make our ideas clear" in Collected Papers of
Charles Sanders Peirce, v.5.Cambridge: Harvard University Press, 1934, parágrafo 402.
ma geral, tomada de empréstimo aeste último, éa seguinte: "não há
Como épadrão em relação aPeirce, indicamos ao final de cada citação anumeração dos
Collected Papers ofCharles Sanders Peirce, editados pela Harvard University Press. Assim,
6. Iarnes nasceu em 1842. Orientou-se primeiramente para os estudos de fisiologia ede CP5.402 refere ao volume 5dos Collected Papers, parágrafo 402.
medicina; mas, sob influência de Wundt ede Helmholtz, que admirava, voltou-se para a 8.Pragmatism, op. cit., p. 37 [p.25T.M.].O termo humanismo era reservado àteoria da
psicofisiologia. Apartir de 1877,tornou-se professor, publicando seus primeiros artigos verdade (sob ainfluência de Schiller), como podemos ver em TheMeaning of truth. Se
importantes. Amaioria dos artigos desse período, reforrnulados, resultou, ao fim de doze [ames chega afalar de "filósofos pragmatistas" éapenas por razões táticas, para fazer
anos de trabalho, na publicação de Princípios depsicologia (1890) ao qual se seguiram do pragmatismo uma máquina de guerra contra correntes filosóficas rivais. Cf. Letters,
A vontade decrer(1897), Variedades da experiência religiosa (1902), Pragmatismo (1907), p. 297,carta para Wilhelm Ierusalem de 15de setembro de 1907: "Pragmatismo éuma
O significado da verdade e O universo pluralístico (1909). Iames morreu em 1910 em palavra infeliz sob certos aspectos, eos dois significados que dou aela são algo hetero-
decorrência de problemas cardíacos, deixando uma obra inacabada (Alguns problemas gêneo. Mas ela já estava na moda na França ena Itália, assim' como na Inglaterra ena
defilosofia) euma série de artigos reagrupados sob otítulo Ensaios em empirismo radical. América, eera taticamente vantajoso utilizá-Ia:'
12
William James, aconstrução da experiência Introdução 13
aconfiança. O indivíduo deve ser opioneiro que tem confiança em si
Por exemplo, écurioso que apartir de um mesmo mundo possamos
mesmo, nas suas próprias forças, no seujulgamento, tanto quanto con-
chegar à conclusão tanto de um determinismo generalizado quanto
fiana força da Natureza àqual seune num sentimento de fusão (mes-
de um livre arbítrio soberano, como seisso não mudasse nada. Mas se
mo desconfiando do conformismo da sociedade eda cidade, como é
podemos de maneira indiferente escolher teoricamente entre determi-
nismo elivre arbítrio, o mesmo não acontece na prática. Nossa ação ocaso de Emerson, etambém de Thoureau quando conclama à"deso-
bediência civil"). A confiança éinseparável de uma união romântica
não éa mesma se formos partidários de um ou de outro. O pragma-
com um Todo. Como diz Emerson em Autoconfiança [Self-Reliance],
tismo não é uma filosofia, mas um método para escolher entre filo-
sofias. Porém, o que'eletem que fazer - desta vez como ferramenta aprece dolavrador que arranca aservas daninhas seestende por toda a
de construção - énos ajudar afabricar asideias que possam servir à Natureza. Ele comunga com agrande unidade total da Supra-Alma
ação ou ao pensamento. Elesetorna, dessa maneira, uma ferramenta [Over-Soul]. Logo,não sepode ter confiança em simesmo sem confiar
de criação. Como sejazem as ideias eo quejazemos com ideias, esses no homem, em todos os homens, na Natureza eem Deus. Aliás, essa
é a grande trindade circular, a Divina-Natural-Humanidade de um
são osdois eixos do método pragmatista. De um ponto devista muito
geral, opragmatismo, portanto, concebe as ideias como causa para a outro grande transcendentalista, Henry [ames Sr.,pai de William.!'
Vemos que o pragmatismo prolonga, sob certos aspectos, o trans-
ação que nos permite criar eavaliar. Essa éagrande dificuldade: não
um método da criação, mas um método para acriação. cendentalismo: como este, ele também apela para a ação individual,
Esses dois aspectos inseparáveis remetem aduas formulações que para o risco, para a confiança. Entretanto, há uma ruptura essen-
sesobrepõem com frequência em James:arealidade sefaz;arealidade cial: não sepode mais conservar agrande harmonia fusional entre o
está por fazer. Écomo se houvesse uma exigência moral do devir: o Homem, aNatureza eDeus. Como diz [ames, quando observamos o
desenvolvimento das ciências, seu pluralismo, a desordem ea inde-
mundo não sefazsem estar ao mesmo tempo por fazer. Isso significa
que aação, longe de ser asolução universal, tornou-se um problema. terminação que elas revelam na estrutura do nosso universo - para
ficar apenas com esse exemplo -, torna-se difícil acreditar que exis-
Um problema porque, apartir deagora, agir epensar tornam-se riscos.
"É no decorrer do jogo da vida toda que a cada instante arriscamos a ta um Deus único cujos arquétipos copiamos. O pluralismo quebra
nós mesmos." Éclaro que nem todas asnossas ações enem todos os
nossos pensamentos são arriscados; mas antes de setornarem hábitos Hegel facilitou aintrodução deste último, Olivro mais técnico de J.H. Stirling, Osegredo
deHegel (1865), iria ter uma notável influência sobre ageração seguinte. Quase ao mes-
tranquilos, foram primeiro experimentações. Como dissemos, éesseo
mo tempo, William T.Harris fundava 1he[ournal ofspeculative philosophy. Através dele
momento que interessa aIames. Demodo mais amplo, opragmatismo desenvolveu-se uma nova escola, da qual T.H. Green eos irmãos Caird foram os princi-
se dirige àquele que, num domínio ou no outro, não consegue mais pais iniciadores. Ouso que os americanos fazem de Hegel diz respeito principalmente à
noção de totalidade - sob ainfluência do transcendentalismo - enquanto deixam de
agir, àquele para quem justamente aação constitui um problema ou
lado, com muita frequência, as progressões dialéticas. Será preciso esperar ageração de
um risco. Ora, só podemos nos arriscar setivermos confiança. Royce (colega eamigo de [ames), com 1he world and the individual, eo inglês Bradley,
Esse tema não épropriamente de [ames. Éacondição essencial já com Appearance and reality, para ver um hegelianismo mais rigoroso se desenvolver,
baseado, contudo, numa lógica das relações diferente da de Hegel. Éneles que James
invocada pelo transcendentalismo.w Eleapelava constantemente para
mira diretamente quando critica o absolutismo. Sobre essas questões, cf. H. W.Schnei-
der, Histoire deIaphilosophie américaine, trad. fr.de Cl. Sirnonnet. Paris: Gallimard, 1955,
9, 1he Will toBelieve, p,78, p. 343; Gérard Deledalle, Laphilosophie américaine. Bruxelas: De Boeck, 1992, pass.; e
Emmanuel Leroux, Lepragmatisme, américain etanglais. Paris: Alcan, 1922,pp. 19ss.
10,Otranscendentalismo, sob ainfluência de Carlyle, Coleridge eEmerson, foiorientado
11.Sobre estas questões, cf. H.W. Schneider, op. cit., em particular capítulos IIIeIV;G.
para um pensamento de um Todo-Natureza inspirado no romantismo alemão (podemos
Deledalle, primeira parte, IlI, p.36: "Emerson insiste neste último ponto: ter confiança
ver isso no pai de William [ames, cuja filosofia émuito influenciada por Swedenborg).
Todas ascoisas sefundem, são absorvidas na grande unidade Deus- Natureza, Aconfusão em si mesmo éter confiança no homem, em todos os homens". Sobre Henry [ames Sr.,
entre ostemas transcendentalistas da Fusão, da Supra-Alma (em Emerson) eafilosofia de ibid., pp. 43-45.
14 WilliamJames.aconstrução daexoeríêncre 1. Introdução 15
a unidade fusional assim como o darwinismo quebrou afinalidade O método pragmatista é inseparável desse problema geral. Quando
harmônica. Há uma inocência, um otimismo confiante do qual nós, [ames pergunta "oque éuma ideia verdadeira?': isso significa: "quais
modernos, não somos mais capazes. James faz amesma constatação são os signos nos quais podemos confiar?" Pois ésó em signos que
num outro plano, quando descreve, nas Variedades da experiência reli- podemos ou não confiar - mas em signos específicos que o método
giosa, numerosos casos em que acrença sedesfaz, em que oindivíduo pragmatista deve permitir encontrar. Assim, por exemplo, o outro
não consegue mais acreditar não apenas em Deus ou num ideal, mas se manifesta através de signos, mas é preciso outros signos além
nele mesmo e até mesmo no mundo que está diante dele. Quando daqueles manifestados explicitamente para saber se podemos acredi-
atravessamos essas crises, o mundo de repente perde toda significa- tar naquilo que sediz. Os signos através dos quais compreendo oque
ção. As diversas conexões que nos ligam aelevão se rompendo uma o outro diz não são os mesmos através dos quais acredito naquilo
após aoutra. Enfim, não podemos mais acreditar como antes; aação que édito. Da mesma forma, quando dizemos que não conseguimos
setornou impossível porque perdemos aconfiança. mais acreditar neste mundo, isso significa na realidade que deixamos
O pragmatismo nasce dessa constatação. Ele não éum eco triun- de acreditar em certos signos que fazem com que ele exista para nós.
fante da América; pelo contrário, éosintoma de uma ruptura profun- Nesse sentido, opragmatismo precisa de uma nova teoria dos signos.
da no todo da ação. Ele não segue o movimento daquilo que se faz O pragmatismo não éuma filosofia, mas exige com todas as suas
sem lutar contra omovimento daquilo que sedesfaz. Énesse sentido forças uma filosofia que torne nossa ação novamente possível - não
que afirmamos que aação éum problema, enão, de forma alguma, a uma filosofia na qual possamos acreditar, mas uma filosofia que nos
solução universal. O diagnóstico de James évizinho do de Nietzsche: faça acreditar. Não nos faltam ideias em que acreditamos e que nos
não acreditamos em mais nada. Nietzsche fazessediagnóstico através levam aagir - Deus, Eu, a Revolução, o Progresso -, mas alguma
do sintoma do niilismo, principalmente da "vontade do nada" do nii- coisa sequebrou no nosso poder de acreditar. Amenos que ométodo
lismo ativo. Iames ofaznessa profunda perda de confiança traduzida de avaliação pragmatista revele exatamente o seguinte: que o plura-
por uma profunda crise de ação.Aquele que não acredita mais, aquele lismo, mais do que qualquer outra filosofia, nos dá motivos de ação.
que não confia mais permanece imóvel esem reação, desfeito. Écomo Então, apergunta passa aser: qual éaparticularidade do pluralismo
setivesse sido atingido por uma morte da sensibilidade.P Continua- que nos fazagir? E,em correlação: oque éque falta àsoutras filosofias
mos agindo como sempre, etalvez até mesmo com um "rendimento" para produzir esse mesmo efeito?
considerável, mas será que ainda acreditamos nisso? Com que intensi- O paradoxo éque [ames vê no pluralismo a forma mais capaz de
dade? Será que ainda acreditamos no mundo que nos fazagir? Como restaurar essa crença, enquanto outros, pelo contrário, veem ali um
confiar no outro, como confiar em simesmo, e,inclusive, como con- puro esimples relativismo - e,no relativismo, aforma que engendra
fiarno mundo? Será que tal filosofia, tal doutrina nos dará confiança? todos os ceticismos. Não seria apluralidade dos espaços em geome-
Essas perguntas são asvárias subdivisões do problema central. tria que nos faz duvidar da verdade dos axiomas, a pluralidade das
A tarefa da filosofia não é,portanto, procurar o verdadeiro ou o filosofias que nos faz duvidar da verdade de cada doutrina etc.? Por
racional, e sim nos dar razões para acreditar neste mundo, assim que a forma do pluralismo? Aquele que afirma a existência de uma
como o religioso encontra razões para acreditar num outro mundo. verdade única, de uma ciência única, de um dogma único, aquele
que Iames chama de "absolutista', esse também acredita. Eleacredita
tão firmemente quanto o pluralista. Então, por que dizer que o plu-
12. Podemos lembrar que [ames passou por uma crise semelhante, como eleconfessa a ralismo émais capaz de nos fazer acreditar quando, pelo contrário,
o.w.Holmes numa carta de17desetembro de 1867: "minha história externa... parece
ele nos dá mais razões para duvidar do que o absolutismo? Precisa-
ade uma anêmona marinha:' Nasequência, elefalade uma "mortalidade do espírito
produzida com isso"(Letters,p.48). mos tentar resolver essa questão: em que opluralismo do empirismo
16 WliliamJames.aconstrução daexperiência Introdução 17
radical favorece a confiança (se ele supostamente engendra adúvida segundo as quais podemos agir ou aumentar nossa potência de agir;
e a desconfiança)? Ou melhor, como fazer da pluralidade em geral oempirismo radical, cujo problema consiste em determinar como se
um objeto de confiança? constituem os signos ede acordo com que regras eles se organizam;
Não vamos supor, porém, que afilosofia de [ames foipara ele um e,em menor escala, apsicologia, cujo problema consiste em determi-
meio de "sair" da psicologia. Opragmatismo também precisa de uma nar aquilo que permite à consciência dar sentido aos signos que ela
psicologia. O pensamento de [ames sempre se definiu como um plu- percebe ecomo elareage aelesatravés dasvariações do seu fluxo. São
ralismo, eessepluralismo como um perspectivismo. Épara cada cons- esses três problemas que precisamos tentar resolver.
ciência, tomada em simesma, que sefazapergunta: como acreditar e
agir? Nesse sentido, ométodo pragmatista pode ser definido legitima-
mente como "democrático":" Elenão pode ditar nenhuma regra uni-
versal. É aí que vemos em que o pragmatismo precisa de uma psico-
logia, já que ele examina o efeito produzido pelas ideias em uma
consciência. Essa ligação é ainda muito vaga; ela não diz respeito
especificamente aessa psicologia. Em que oproblema da consciência
exige uma psicologia da consciência concebida como um fluxo?
Por definição, o fluxo não para de variar, de passar por subidas
e descidas, e os campos da consciência que correspondem a essas
variações não param de seampliar ou de seestreitar. Logo, uma cons-
ciência acredita, age, quando asvariações que a afetam ultrapassam
um certo limite; daí uma psicologia que estude asvariações do cam-
po de consciência, uma psicologia da intensidade. Nas Variedades da
experiência religiosa,[ames mostra que um campo de consciência se
amplia, estende suas conexões, em função da extensão da confiança.
Isso significa que asvariações de intensidade da consciência não são
outra coisa senão asvariações de seu sentimento de confiança. Éuma
psicologia da confiança ou, sepreferirmos, para o problema da con-
fiança. Nesse caso, longe de ser independente do pragmatismo, ela é
a única psicologia possível para o problema geral que [ames coloca
epara o qual épreciso encontrar a solução: do que uma consciência
necessita para que os signos tenham um sentido, ou seja, para que
eles a façam agir, ou, ainda, para que eles alevem aproduzir outros
signos, ações ou pensamentos, ligados aos primeiros? Sobessa forma
condensada, encontramos três eixos distintos: o pragmatismo, cujo
problema consiste em determinar quais são os signos ou as ideias
13· Pragmatism, p.44 [p.30]: "Vê-sedesde já, porém, quão democrático [opragmatis-
mo] é."
18 WilllamJames.aconstrucão daexperiência Introdução 19