Table Of ContentFicha Técnica Copyright © 2013 Ina Gracindo
Copyright © 2013 Casa da Palavra Todos os direitos
reservados e protegidos pela Lei 9.610, de 19.2.1998.
É proibida a reprodução total ou parcial sem a expressa anuência da editora.
Este livro foi revisado segundo o Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.
Direção editorial
Martha Ribas
Ana Cecilia Impellizieri Martins Editora
Fernanda Cardoso Zimmerhansl Editora assistente
Beatriz Sarlo
Copidesque
Bárbara Anaissi
Revisão
Lilia Zanetti
Capa e diagramação
Adriana Cataldo e Priscila Andrade Zellig | www.zellig.com.br
Fotos de capa e contracapa
©Artefy/Dreamstime.com ©Hong Chan/Dreamstime.com Fotos de miolo
Márcia Clayton
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
G757v
Gracindo, Ina
Viagem ao mundo do chá / Ina Gracindo. 1. ed. Rio de Janeiro : Casa da Palavra, 2013.
Inclui bibliografia
ISBN 9788577343942
1. Chá. 2. Chá História. I. Título.
13-02045 CDD: 641.877
CDU: 641.87
12/06/2013 12/06/2013
CASA DA PALAVRA PRODUÇÃO EDITORIAL
Av. Calógeras, 6, 1001 – Rio de Janeiro 21.2222-3167 21.2224-7461 [email protected] www.casadapalavra.com.br
À Sonia Gorenbein, minha mãe,
à Chagdud Rinpoche,
meus mestres,
-in memoriam
Tao é o caminho, Te a virtude
Those who cannot feel the littleness of great
things in themselves are apt to overlook
the greatness of little things in others.1
Kakuzō Okakura, The book of tea
1 “Aqueles que não conseguem enxergar a pequenez de seus grandes feitos estão fadados a desprezar a
grandeza dos pequenos atos alheios.”
O chá na história
Muitas fontes de onde se bebe informação oscilam quanto a sua precisão,
muitos dados são perdidos ao longo da história da humanidade e, às vezes,
traduções confusas apresentam informações que podem levar a conclusões
precipitadas. Quem escreve sobre assuntos polêmicos termina com alguma
dificuldade de distanciamento, o que rouba um pouco a possibilidade de
simplesmente narrar os fatos. São necessárias muitas buscas para tentar
equacionar denominadores mais ou menos comuns entre as informações
coletadas para que não discordem muito umas das outras e, assim, em uma
costura cuidadosa, tentar se aproximar o máximo possível do retrato de uma
época. Mas todo cuidado é pouco porque nunca se está livre de esbarrar em
arroubos ansiosos por revelar alguma descoberta bombástica que nem sempre
acrescenta e, sim, nubla a história.
Depois da pimenta, o chá foi a “especiaria” mais avidamente desejada e
comercializada pelos descobridores do Novo Mundo. Talvez pela distância e o
consequente mistério que evocava de lugares e povos nunca dantes imaginados,
talvez pela exclusividade oferecida a altíssimos preços. Ou pela promessa de
cura para os diversos males que encontravam mais que tudo efeitos colaterais
nos tratamentos obsoletos oferecidos na Europa. Ou talvez, quem sabe, por
todos esses motivos juntos. Milagres eram esperados do chá e, em alguns
casos, milagres ele operou, sendo um deles bastante concreto e com resultados
diretos na saúde de seus consumidores, diminuindo muito os casos de doença e
óbitos: a água se tornava potável já que necessitava ser fervida para o preparo
do chá.
Desde o primeiro gole documentado na China, no período da dinastia Han
(206 a.C.-220 d.C.), o chá foi reconhecido como medicamento e, ao longo do
tempo, a ciência vem apenas confirmando suas propriedades. O auge de sua
popularidade aconteceu a partir da dinastia Tang (618-907), e se até ali o chá
frequentava apenas as salas de meditação e as receitas medicinais, pelas mãos
de Lu Yu, talvez o maior estudioso de chá de quem se tem notícia, entrou nos
salões aristocráticos, no convívio com intelectuais e na vida do chinês comum,
desembarcando mais tarde nos quatro cantos do mundo. Como um convite ao
convívio mais extrovertido, abriu as portas das casas europeias, criando um
novo costume e permitindo que as mulheres as atravessassem
desacompanhadas e sem temerem por sua reputação.
Impossível falar de chá sem voltar no tempo, sem se reportar às fábulas das
dinastias chinesas e japonesas ou às histórias e aos costumes de uma época na
qual os rituais budistas se misturavam à profunda sabedoria do tao e do zen e
deles para a vida do homem comum. Impossível ignorar que, para frequentar as
mesas aristocráticas europeias, um rastro amargo ficou gravado na rota
empreendida do Oriente ao Ocidente. O cotidiano ritualístico voltado para a
introspecção, a beleza e a harmonia foi subitamente invadido e desorganizado,
transformando o chá em objeto de disputa feroz quando os chineses não
demonstraram qualquer intenção em negociar com os ingleses que, munidos até
os dentes, deixaram clara sua pouca disposição em aceitar um não. O preço
final dessa disputa foi uma China devastada pelo ópio e que, vencida, entregou
os pontos. Assim, a cultura milenar de uma civilização foi lentamente
pulverizada pela força do vício e pela pólvora de canhões.
Os europeus tiveram seu primeiro contato com o chá, de acordo com contas
publicadas, em um negócio travado entre um cidadão italiano e um mercador
persa chamado Haji Mahomet, em 1559. Anexado a essas contas estava um rol
de compras que descrevia, entre outras coisas, a compra de um medicamento
chamado chá.
Inicialmente comercializado por portugueses e holandeses como digestivo, e
repassado por farmacêuticos como panaceia universal a preços absurdamente
altos, o chá aguçou a curiosidade e o paladar de quem dispunha de meios para
pagar, por alguns gramas apenas, o equivalente ao soldo total mensal dos
empregados de uma casa aristocrática.
Na Europa e no Oriente o chá motivou um ritual voltado ao refinamento
estético, além de desempenhar o papel de remédio caríssimo, dote entre
realezas, legado de heranças, moeda de troca e motivo de tráfico e contrabando.
Razão de ser da aristocracia europeia, o chá foi responsável por colonizações,
às vezes mais, às vezes menos, sanguinolentas, que resultaram no
enriquecimento sem fronteira de uns e empobrecimento miserável de outros. Se
no Oriente o chá serviu a um ritual meditativo, no Ocidente desfilou frívolo
entre as mesas da aristocracia desde os primeiros carregamentos embarcados
para a Europa, nos porões de galés holandesas e portuguesas para assunto de
poucos. O chá só se popularizou definitivamente na Inglaterra do século XIX
sob a regência vitoriana.
Em nome desse ouro líquido foram idealizadas embarcações especiais em
uma corrida para encher cofres e bolsos, guerras foram declaradas e nações
ruíram diante de seu poder. Na Grã-Bretanha seu valor foi medido pelas
toneladas contrabandeadas para dentro de seu território como resultado das
altas taxas cobradas para sua importação, e que foram as responsáveis pelo
primeiro tiro dado em direção à desanexação das terras americanas de domínio
britânico, no episódio que ficou conhecido como The Boston Tea Party.
Responsável pela mudança na vida de orientais e ocidentais, o chá
redesenhou mapas de territórios inteiros, mudou hábitos e foi unânime e
democrático apenas nos breves intervalos em que, de suas folhas mergulhadas
em água fervente, escapou o inconfundível bouquet que inspirou leigos e
religiosos, nobres e plebeus, doutos e camponeses em torno de uma xícara.
Ritualístico por natureza, implantou um modismo que se tornou tradição na
Europa da rainha Vitória, o afternoon tea, que foi responsável por uma
mudança radical nos hábitos britânicos e revolucionou não apenas a indústria
alimentícia, a de utensílios, mobiliários e de entretenimentos, mas também as
cozinhas das moradias e as próprias moradias, os guarda-roupas, guarda-louças
e despensas; mexeu no número de empregados de uma casa e, claro, na
economia doméstica e nacional.
A era vitoriana trouxe mudanças radicais nos hábitos e costumes britânicos
que transformaram o comportamento da Europa do século XIX, dando início à
modernidade no Ocidente do século XX. A era testemunhou a Revolução
Industrial a todo o vapor e o trabalho em regime semiescravo feito por
mulheres e crianças por longas horas a paga de pão e água. Testemunhou
também o lançamento de O Capital, de Marx, e acompanhou a psicanálise
tomando forma a partir do divã de Freud. O período foi determinante para as
áreas de medicina, engenharia e sanitarismo e para a diminuição dramática da
mortandade infantil.
As portas para a cirurgia moderna, antes dever de dentistas e açougueiros,
foram finalmente abertas aos médicos. Com a especialização foram
introduzidas ferramentas modernas, anestésicos, raio-X e esterilização que,
trazidos para dentro dos centros cirúrgicos, aumentaram em muitas vezes a
chance de recuperação e sobrevivência de pacientes que antes morriam por
absoluta falta de assepsia nos procedimentos.
Houve grande investimento na área das pesquisas resultando em vacinas e
remédios, a higiene negligenciada passou a ser uma prioridade, e do controle
sanitário à construção de esgotos com escoamento adequado foi apenas um
passo para que a população passasse a sofrer menos contágios tão comuns e
letais. A modernidade chegava trazendo a eletricidade, telefone, telégrafo e
fotografia, entre as muitas invenções que hoje de tão comuns parecem fazer
parte da história da humanidade desde sempre. Mas nem sempre foi assim.
No Brasil o chá também fez história a partir de Dom João VI, rei de Portugal
que, pressionado a deixar seu país pelas tropas de Napoleão, rumou para o
Brasil. Com sua chegada o que até então era uma colônia passou a ser a sede da
monarquia portuguesa. Dom João criou a Escola Médico-cirúrgica da Bahia; a
Escola Anatômica, Cirúrgica e Médica do Rio de Janeiro; a Academia Real
Militar; a Biblioteca Real; a Academia Imperial de Belas Artes; a Imprensa
Régia; o Real Teatro de São João; o Banco do Brasil, e o Real Horto, atual
Jardim Botânico do Rio de Janeiro, onde a partir de 1814 foram plantadas as
primeiras mudas de chá. Também a mando de Dom João uma plantação foi
feita na Fazenda Santa Cruz, no Rio de Janeiro. Foi contratada mão de obra
chinesa para o plantio que se estendeu até 1890, na Fazenda do Macaco, de
propriedade de Amélia de Leuchtenberg. Em São Paulo, o bairro do Morumbi
abrigou durante o século XIX uma grande fazenda na qual em centenas de
hectares plantava-se chá. Não existem documentos que datem a história da
venda dessas terras, mas a então Casa Grande hoje abriga a Academia
Brasileira de Arte, Cultura e História, a ABACH.
Pan Ku e Nü Wa
a origem do chá no mito
Description:Hoje símbolo de paz e tranquilidade, o chá - também conhecido como "ouro líquido" - já foi motivo de guerra, de pirataria e protagonista de momentos decisivos da história mundial. Responsável pela mudança de costumes na vida de orientais e ocidentais, a bebida redesenhou mapas de território