Table Of ContentUNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO
NÍVEL DOUTORADO
ÂNGELA KRETSCHMANN
UNIVERSALIDADE DOS DIREITOS HUMANOS E DIÁLOGO NA
COMPLEXIDADE DE UM MUNDO MULTICIVILIZACIONAL
São Leopoldo
2006
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
2
ÂNGELA KRETSCHMANN
UNIVERSALIDADE DOS DIREITOS HUMANOS E DIÁLOGO NA
COMPLEXIDADE DE UM MUNDO MULTICIVILIZACIONAL
Tese de Doutorado em Direito
Para a obtenção do título Doutor em Direito
Universidade do Vale do Rio dos Sinos
Centro de Ciências Jurídicas
Programa de Pós-Graduação em Direito
Orientador: Prof. Dr. Ielbo Marcus Lobo de Souza
Co-Orientador: Dr. Vicente de Paulo Barretto
São Leopoldo
2006
3
4
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao Dr. Ielbo Marcus Lobo de Souza, por tudo.
O aprendizado foi muito além dos limites da realização da
presente tese. Sua orientação tão cuidadosa, foi sempre
motivadora, a ponto de ter sido necessário, algumas vezes,
me fazer retomar o caminho proposto, que ele sempre
soube indicar de maneira imprevisível e fraterna. O
descaminho, entretanto, é uma tentação permanente.
Agradeço ao Dr. Vicente de Paulo Barretto, também por
tudo, mas principalmente por suas palavras otimistas,
determinando que seguisse sempre, e que enfrentasse
obstáculos com coragem, e as conquistas, com prudência.
Agradeço à UNISINOS e à FUNDEPE, por todo apoio
recebido.
5
RESUMO
A despeito da afirmada universalidade dos direitos humanos, a concepção,
desenvolvimento histórico e aplicação dos direitos humanos apresenta-se de forma
variada no contexto de civilizações distintas. Uma análise comparativa entre as
civilizações ocidental, hinduísta, muçulmana e chinesa revela sua diversidade e a
influência de suas concepções próprias sobre ser humano, ordem social, direito e
direitos humanos. A diferença dos valores está presente no constitucionalismo que
passou a fazer parte da história de cada uma e no privilégio dado a direitos sociais e
coletivos, ou às liberdades individuais. A resistência ao discurso universalista dos
direitos humanos surge também como um aspecto da política internacional, visto
que a análise de sua dimensão política na normativa internacional e na prática dos
Estados revela desafios civilizacionais à sua implementação, tais como a oposição à
seletividade e politização dos direitos humanos e o apelo a particularidades
regionais e nacionais e aos vários antecedentes religiosos, culturais e históricos. Os
desafios à universalidade dos direitos humanos ficam mais claros na visão
muçulmana e chinesa, diante do poder exercido pelos governos nacionais, que
manifestam a necessidade de respeito à diversidade, opondo-se a um “modelo
acabado” exportado pelo Ocidente. Já na Índia hindu percebe-se que, se de um lado
tem ocorrido um processo de adequação legislativa pacífica aos direitos humanos,
persiste um debate em torno da distingüibilidade do sistema de castas, que não
poderia ser considerado uma espécie de racismo, conforme as manifestações do
país perante a ONU. Os contrastes geram a necessidade do diálogo
intercivilizacional. O conhecimento e o reconhecimento dos modos de compreensão
distintos, bem como a atenção à fala do outro, enquanto diferente, é fundamental
para um diálogo. A solução, portanto, indica uma construção que depende não
apenas do respeito à universalidade e indissolubilidade dos direitos humanos, mas
também do reconhecimento das diferenças como garantia dessa mesma
universalidade. A dinâmica do paradoxo garante a possibilidade do devir histórico,
visto hoje não mais como um produto acabado do Ocidente, mas o resultado de um
diálogo aberto, que não promete o consenso, mas abre-se para a sua possibilidade.
Palavras chave:
Universalidade – direitos humanos – civilizações – pluralismo – diálogo –
6
ABSTRACT
In spite of the affirmated universality of Human Rights, the conception,
historical development, and its application are presented in a varied way in the
context of different civilizations. A comparative analysis among the Occidental,
Hindu, Muslim and Chinese civilizations reveals their diversity and the influence of
their own conceptions about the human being, social order, Law and Human Rights.
The difference of the values is present in the constitutionalism which became part of
the history of each civilization, and in the privilege that is given to the social and
collective rights or to the individual liberties. The resistance to the universalistic
speech of Human Rights also emerges as an aspect of international politics, because
the analysis of the Human Rights political dimension in the international Law system
and in the States practice reveals civilizational challenges to its implementation, like
the opposition to their selectiveness and politicization and the appeal to regional and
national particularities and to the numerous religious, cultural, and historical
precedents. The challenges to the universality of Human Rights become clearer in
the Muslim and Chinese visions, in face of the power exercised by the national
governments, which show the necessity to respect diversity, opposing theirselves to
a “finished model” exported by the Occident. On the other hand, in the Hindu India it
is perceived that, if in one side has been occurred a process of pacific legislative
adequacy to Human Rights, persists a debate about the differentiation of the caste
system, that could not be considered a type of racism, according to the country’s
manifestations before the U.N. The contrasts create the necessity of the
intercivilizational dialogue. The knowledge and recognition of the distinct ways of
understanding, as well the attention given to other’s speech, while different, is
fundamental for a dialogue. The solution, therefore, indicates a construction which
depends, not only, on the respect to the universality and undissolvibility of Human
Rights, as well on the recognition of the differences as a guarantee of this same
universality. The dynamic of the paradox guarantees the possibility of the historical
construction, observed nowadays not as a finished product of the Occident, but as
the result of an open dialogue, that do not promise the consensus, but opens itself to
this possibility.
- Universality – human rights – civilizations – pluralism - dialogue
7
RESUMÉ
Malgré l’universalité affirmée des droits humains, la conception, de
développement historique et les applications de ces droits se presentent de façon
variée dans le contexte des civilisations distinguées. Une analyse comparative entre
les civilisations occidentales, hinduiste, musulmanne et chinoise revèle leur diversité
et l’influence de leurs propres conceptions sur l’être humain, l’ordre social, le droit et
les droits humains. La différence des valeurs est presente dans le
constitutionnalisme qui est devenu partie de l’histoire de chacun et, dans le privilège
donné aux droits sociaux et collectifs, ou aux libertés individuelles. La résistence au
discours universaliste des droits humains devient aussi un aspect de la politique
internationale, étant donné que l’analyse de sa dimension politique dans la normative
internationale et la pratique des États revèle des défits civilisationnels à son
implémentation, tels l’opposition à la selectivité et la politisation des droits humains et
l’appel aux particularités regionales et nationales ainsi qu’aux plusieurs précedents
religieux, culturels et historiques. Les défis à l’universalité des droits humains sont
alors clairs dans la vision musulmanne et chinoise, devant le pouvoir exercé par les
gouverneurs nationaux, qui expriment le besoin du respect à la diversité, en
s’opposant à un « modèle achevé » exporté par l’occident. Cependant, en Inde
hindue il est possible de voir que, si d’une part un processus d’adéquation législative,
pacifique aux droits humains se produit, il persiste un débat au tour de la
distingabilité du système de castes, qui ne pourrait pas être consideré comme une
espèce de racisme, selon les manifestations du pays face à l’ONU. Les contrastes
engendrent le besoin du dialogue intercivilisationnel. La connaissance et la
reconnaissance des moyens de compréhension distingués, ainsi que l’attention au
discours d’autrui, autant que différent, est fondamental pour un dialogue. La solution
alors indique une construction qui ne dépend pas seulement du respct à l’universalité
et à l’indissolubilité des droits humains, mais, aussi de la reconnaissance des
différences comme garantie de cette universalité. La dymnamique du paradoxe
assure la possibilité d’existênce de l’avenir historique ; qui n’est plus vu aujourd’hui
comme un produit achevé de l’occident, mais comme le résultat d’un dialogue ouvert,
qui ne promet pas un consensus, mais qui s’ouvre à sa possibilité.
- Universalisme – droits humains – civilisations – pluralisme - dialogue
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10
1 CIVILIZAÇÕES, CULTURAS E SOCIEDADES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
1.1 CONCEITOS E RELAÇÕES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
1.1.1 Civilização, civilizações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
1.1.2 Culturas nas civilizações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
1.2 CIVILIZAÇÃO OCIDENTAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
1.2.1 Cristandade e formação dos Estados seculares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
1.2.2 Contratualismo, capitalismo e modernização . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44
1.2.3 A Ciência do Direito e a administração da Justiça . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
1.3 CIVILIZAÇÃO HINDU . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59
1.3.1 Hinduísmo e a unidade do múltiplo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60
1.3.2 Hierarquia, castas e a herança colonial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68
1.3.3 O Direito, o dharma e a justiça dos panchayats . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81
1.4 CIVILIZAÇÃO MUÇULMANA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 88
1.4.1 A unidade religiosa-política e a fragmentação imperial . . . . . . . . . . . . . 88
1.4.2 A Sharia, a Umma a justiça do cádi . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 98
1.4.3 Ressurgimento do Islã, fundamentalismo e jihad . . . . . . . . . . . . . . . . . . 106
1.5 CIVILIZAÇÃO CHINESA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 118
1.5.1 Do Império à República Popular . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 118
1.5.2 Confucionismo, legalismo e o papel da ideologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . 130
1.5.3 Reforço da tradição e um novo conceito de modernização . . . . . . . . . . 140
2 CIVILIZAÇÕES E DIREITOS HUMANOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 149
2.1 DIREITOS HUMANOS NA VISÃO OCIDENTAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 149
2.1.1 O individualismo e a historicidade dos direitos humanos . . . . . . . . . . . 150
2.1.2 Valores ocidentais e desenvolvimento dos direitos humanos . . . . . . . 162
2.1.3 A constitucionalização dos direitos humanos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 166
2.2 DIREITOS HUMANOS NA VISÃO HINDU . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 171
2.2.1 O indivíduo no oriente hindu . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 172
2.2.2 Tolerância e sociedade de castas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 174
2.2.3 Constitucionalismo e prática dos direitos humanos na Índia . . . . . . . . 182
2.3 DIREITOS HUMANOS NA VISÃO MUÇULMANA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 199
2.3.1 O indivíduo e a crítica ao individualismo no Islã . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 199
2.3.2 Valores islâmicos e direitos humanos . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . 202
2.3.3 Constitucionalismo e prática dos direitos humanos no Islã . . . . . . . . . 214
9
2.4 DIREITOS HUMANOS NA VISÃO CHINESA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 234
2.4.1 A função do indivíduo na harmonia social chinesa . . . . . . . . . . . . . . . . 236
2.4.2 Valores chineses e desenvolvimento dos direitos humanos . . . . . . . . . 239
2.4.3 Constitucionalismo e prática dos direitos humanos na China . . . . . . . 242
3 CULTURA, PODER E DIREITOS HUMANOS: A DIMENSÃO POLÍTICA DO
DEBATE EM TORNO DA UNIVERSALIDADE DOS DIREITOS HUMANOS. . 258
3.1 A UNIVERSALIDADE DOS DIREITOS HUMANOS NOS INSTRUMENTOS
INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 258
3.2 OS DESAFIOS CIVILIZACIONAIS AOS DIREITOS HUMANOS . . . . . . . . . . 273
3.3 POLÍTICA INTERNACIONAL E DIREITOS HUMANOS SOB A ÓTICA DA
VERTENTE REALISTA CIVILIZACIONAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 285
3.4 PLURALISMO CIVILIZACIONAL E POLÍTICA INTERNACIONAL . . . . . . . . 303
4 A UNIVERSALIDADE DOS DIREITOS HUMANOS NA COMPLEXIDADE DE
UM MUNDO GLOBALIZADO E MULTICIVILIZACIONAL: UMA
CONSTRUÇÃO POSSÍVEL? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 307
4.1 GLOBALIZAÇÕES, MODERNIDADES E IDENTIDADES . . . . . . . . . . . . . . 307
4.1.1 Modernidades no tempo e no espaço global e local . . . . . . . . . . . . . . . . 307
4.1.2 Repercussões nas identidades e fundamentalismos . . . . . . . . . . . . . . 320
4.1.3 Desmodernização, pós-modernismo e seus efeitos político-
civilizacionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 326
4.2 CONTRIBUIÇÃO DO DEBATE MULTICULTURALISTA PARA A
UNIVERSALIDADE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 334
4.2.1 Relativismo e multiculturalismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 334
4.2.2 Debate comunitarista e pluralismo civilizacional . . . . . . . . . . . . . . . . . . 346
4.3 O DIÁLOGO INTERCIVILIZACIONAL E OS LIMITES DO CONSENSO . . . . 357
4.3.1 Alteridade e pluralismo civilizacional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 357
4.3.2 As bases do diálogo intercivilizacional: alteridade, dignidade e
direitos humanos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 364
4.3.3 A universalidade dos direitos humanos no pluralismo civilizacional.... 373
CONSIDERAÇÕES FINAIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
389
REFERÊNCIAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
406
Description:islâmica e chinesa, mas considerando, pelo menos, que os próprios gregos seriam. “herdeiros das civilizações ROY, Arundhati. Confronting the