Table Of ContentJerry Brotton
Uma história do mundo em doze mapas
Tradução:
Pedro Maia
Para minha esposa, Charlotte
Sumário
Introdução
1. Ciência: a Geografia de Ptolomeu, c.150 d.C.
2. Intercâmbio: al-Idrisi, 1154 d.C.
3. Fé: o mapa-múndi de Hereford, c.1300
4. Império: o mapa mundial Kangnido, 1402
5. Descoberta: Martin Waldseemüller, mapa do mundo, 1507
6. Globalismo: Diogo Ribeiro, mapa do mundo, 1529
7. Tolerância: Gerard Mercator, mapa do mundo, 1569
8. Dinheiro: Joan Blaeu, Atlas maior, 1662
9. Nação: família Cassini, mapa da França, 1793 325
10. Geopolítica: Halford Mackinder, “O eixo geográfico da história”, 1904
11. Igualdade: a projeção de Peters, 1973
12. Informação: Google Earth, 2012
Conclusão: o olho da história?
Lista de figuras
Lista de ilustrações
Notas
Agradecimentos
Índice
Introdução
Sippar (Tell Abu Habbah, atual Iraque), século VI a.C.
Em 1881, o arqueólogo iraquiano Hormuzd Rassam descobriu um pequeno
fragmento de tabuleta de argila com caracteres cuneiformes de 2.500 anos de
idade nas ruínas de Sippar, antiga cidade babilônica localizada nos arredores do
sudoeste da Bagdá moderna e hoje conhecida como Tell Abu Habbah. A tabuleta
era apenas mais uma das quase 70 mil desenterradas por Rassam durante um
período de dezoito meses e enviadas para o Museu Britânico, em Londres. A
missão de Rassam, motivada por um grupo de assiriologistas ingleses que
lutavam para decifrar a escrita cuneiforme, era descobrir uma tabuleta que –
assim se esperava – fornecesse um relato histórico do Dilúvio bíblico.1 De início,
a tabuleta foi deixada de lado, em favor de exemplos mais completos, mais
impressionantes. Em parte, isso se deveu ao fato de Rassam não saber ler
cuneiforme e não ter conhecimento de seu significado, que viria a ser
compreendido somente no final do século XIX, quando a escrita foi traduzida
com sucesso. Hoje, a tabuleta está em exibição pública no Museu Britânico, com
o título de “Mapa Babilônico do Mundo”.
Além de ser o primeiro mapa conhecido do mundo, a tabuleta descoberta por
Rassam é o mais antigo objeto subsistente representando, em um plano, uma
vista aérea do mundo inteiro. O mapa é composto por dois anéis concêntricos, e
dentro de cada um deles encontra-se uma série de círculos aparentemente
aleatórios, oblongos e curvos, todos centrados em um orifício, aparentemente
feito por um par de compassos primitivos. Distribuídos de modo uniforme ao
redor do círculo externo encontram-se oito triângulos, apenas cinco dos quais
permanecem legíveis. Somente quando o texto cuneiforme é decifrado é que a
tabuleta passa a fazer sentido como mapa.
O círculo exterior é chamado de “marratu” ou “mar salgado”, e representa um
oceano que rodeia o mundo habitado. Dentro do anel interno, a curva oblonga
mais proeminente, que passa pelo furo central, representa o rio Eufrates, que flui
de um semicírculo no norte rotulado de “montanha” e termina no retângulo
horizontal meridional chamado de “canal” e “pântano”. O retângulo que
atravessa o rio Eufrates é chamado de “Babilônia” e é rodeado por um arco de
círculos que representam cidades e regiões, entre elas, Susa (no sul do Iraque),
Bit Yakin (um distrito da Caldeia, perto de onde o próprio Rassam nasceu),
Habban (terra da antiga tribo cassita), Urartu (Armênia), Der e Assíria. Os
triângulos que emanam para fora do círculo exterior do mar são rotulados de
“nagû”, que pode ser traduzido por “região” ou “província”. Ao lado deles
encontram-se legendas enigmáticas que descrevem distâncias (tais como “seis
léguas entre as quais o sol não é visto”)2 e animais exóticos – camaleões, íbex,
zebus, macacos, avestruzes, leões e lobos. São espaços desconhecidos, lugares
distantes e míticos, para além dos limites circulares do mundo babilônico
conhecido.
O texto cuneiforme na parte superior da tabuleta e em seu avesso revela que
estamos diante de mais do que um simples mapa da superfície da Terra: é um
diagrama abrangente da cosmologia babilônica, tendo o mundo habitado como
sua manifestação. Os torturantes fragmentos falam do mito da Criação, que seria
resultante da batalha entre os deuses babilônicos Marduk e Tiamat. Na mitologia
babilônica, a vitória de Marduk sobre o que a tabuleta chama de “deuses
arruinados” levou à fundação do céu e da terra, da humanidade e da linguagem,
todos centrados na Babilônia, criada “sobre o mar inquieto”. A tabuleta, feita do
barro da terra, é uma expressão física das realizações míticas de Marduk, da
criação da terra e das conquistas posteriores da civilização humana, formada a
partir do caos aquático primordial.
As circunstâncias da criação da tabuleta permanecem obscuras. O texto da
parte de trás identifica seu escriba como descendente de alguém chamado “Ea-
bel-ili”, da antiga cidade de Borsippa (Birs Nimrud), ao sul de Sippar, mas não
sabemos por que e para quem foi feita. No entanto, podemos dizer que se trata
de um dos primeiros exemplos de um dos objetivos mais básicos do
conhecimento humano: impor alguma espécie de ordem e estrutura ao espaço
vasto e aparentemente sem limites do mundo conhecido. Junto com sua
descrição simbólica e mítica das origens do mundo, o mapa da tabuleta apresenta
uma abstração da realidade terrestre. Ele organiza a Terra em círculos,
triângulos, figuras oblongas e pontos, unificando escrita e imagem em um retrato
do mundo no centro do qual está a Babilônia. Mais de 8 mil anos antes de o
sonho de ver a Terra do espaço se tornar realidade, o mapa do mundo babilônico
oferece aos seus observadores a chance de ver o mundo de cima e adotar uma
perspectiva divina da criação terrena.
Ainda hoje, o viajante mais dedicado não pode esperar conhecer nada além do
que uma fração da área da superfície da Terra, de mais de 510 milhões de
quilômetros quadrados. No mundo antigo, até mesmo uma viagem de curta
distância era uma atividade rara e difícil, geralmente empreendida com
relutância e positivamente temida por aqueles que a faziam.3 “Ver” as dimensões
do mundo reproduzidas numa placa de argila que media apenas doze por oito
centímetros devia ser uma experiência inspiradora, até mesmo mágica. Eis o
mundo, a tabuleta diz, e a Babilônia é o mundo. Para aqueles que se viam como
parte da Babilônia, era uma mensagem tranquilizadora. Para aqueles que não
eram babilônios e viam a tabuleta, a descrição do poder e do domínio da
Babilônia era inequívoca. Não admira que, desde os tempos antigos, o tipo de
informação geográfica transmitida por objetos como a tabuleta babilônica fosse
exclusivo da elite mística ou dirigente. Como veremos ao longo deste livro, para
xamãs, sábios, governantes e líderes religiosos, os mapas do mundo conferiam
autoridade secreta e mágica aos seus criadores e proprietários. Se essas pessoas
entendiam os segredos da Criação e a extensão da humanidade, então elas
certamente deviam saber como dominar o mundo terrestre em toda a sua
diversidade aterradora e imprevisível.
Embora o mapa babilônico do mundo represente a primeira tentativa de que
se tem notícia de mapear todo o mundo conhecido, trata-se de um exemplo
relativamente tardio da cartografia humana. Os primeiros exemplos conhecidos
de arte pré-histórica que mostram a paisagem no plano estão inscritos em pedra
ou argila e precedem o mapa babilônico em mais de 25 mil anos; eles remontam
ao período paleolítico superior, de 30 mil a.C. Essas inscrições iniciais, muito
debatidas pelos arqueólogos no que diz respeito à data e ao significado, parecem
representar cabanas com figuras humanas, cercados de gado, as divisões entre
habitações básicas, representações de territórios de caça, até mesmo rios e
montanhas. A maioria é tão rígida que pode ser facilmente confundida com
tentativas abstratas, geométricas, de representar a distribuição espacial de
objetos ou eventos, quando é provável que sejam mais marcas simbólicas,
ligadas a indecifráveis referências míticas, sagradas e cosmológicas para sempre
perdidas. Hoje, os arqueólogos são mais cautelosos do que seus antecessores do
século XIX ao atribuir o termo “mapa” a essas primeiras peças de arte rupestre;
estabelecer uma data precisa para o surgimento da arte rupestre pré-histórica
parece ser tão inútil quanto definir quando um bebê aprende pela primeira vez a
diferenciar-se espacialmente do ambiente em que vive.4
O anseio de mapear é um instinto humano básico e duradouro.5 Onde
estaríamos sem mapas? A resposta é, obviamente, “perdidos”, mas os mapas
fornecem respostas a muito mais perguntas do que simplesmente como ir de um
lugar a outro. Desde a primeira infância, temos consciência de nós mesmos em
relação ao resto do mundo físico a partir do processamento espacial de
informações. Os psicólogos chamam essa atividade de “mapeamento cognitivo”,
o dispositivo mental pelo qual os indivíduos adquirem, ordenam e lembram as
informações sobre seu ambiente espacial, em cujo processo eles distinguem e se
definem espacialmente em relação ao mundo vasto, aterrorizante e incognoscível
que está “lá fora”.6 O mapeamento desse tipo não é exclusividade dos seres
humanos. Os animais também usam procedimentos de mapeamento, como a
demarcação de território pelo odor feita por cães e lobos, ou a localização do
néctar de uma colmeia definida pela “dança” da abelha.7 Mas somente os seres
humanos deram o salto crucial do mapeamento para a confecção de mapas.8
Com o aparecimento de métodos gráficos de comunicação permanentes, há mais
de 40 mil anos, os seres humanos desenvolveram a capacidade de traduzir
informações espaciais efêmeras para formas permanentes e reprodutíveis.
Então, o que é um mapa? A palavra portuguesa “mapa” (e seus derivados) é
usada em várias línguas modernas europeias, como espanhol, inglês e polonês, e
vem do termo latino mappa, que significa toalha de mesa ou guardanapo. A
palavra francesa para mapa – carte – tem sua origem numa palavra latina
diferente, carta, que também fornece a raiz para os termos italiano e russo carta
e karta, e se refere a um documento formal. Por sua vez, é derivada da palavra
grega para papiro. O termo em grego antigo para mapa – pinax – sugere um tipo
diferente de objeto. Um pinax é uma placa feita de metal, madeira ou pedra em
que palavras ou imagens eram desenhadas ou gravadas. O árabe toma o termo
em um sentido mais visual: usa duas palavras, surah, traduzida por “figura”, e
naqshah, ou “pintura”, ao passo que o chinês adotou uma palavra semelhante, tu,
que significa desenho ou diagrama.9 O termo map (ou mappe) só entra no idioma
inglês no século XVI, e desde então até os anos 1990 dele foram propostas mais
de trezentas definições concorrentes.10
Hoje, os estudiosos aceitam geralmente a definição apresentada em History of
Cartography, obra em vários volumes que vem sendo publicada desde 1987, sob
a direção geral de J.B. Harley e David Woodward. No prefácio ao primeiro
volume, Harley e Woodward propuseram uma nova definição inglesa da palavra:
“Mapas são representações gráficas que facilitam a compreensão espacial de
coisas, conceitos, condições, processos ou eventos no mundo humano.”11 Essa
definição (que será adotada ao longo deste livro) “estende-se naturalmente à
cartografia celestial e aos mapas de cosmografias imaginárias”, e os livra das
definições geométricas mais restritas do termo. Ao incluir a cosmografia – que
descreve o universo, analisando a terra e os céus –, a definição de mapa de
Harley e Woodward nos permite ver artefatos arcaicos, como o mapa do mundo
babilônico, ao mesmo tempo como um diagrama cósmico e um mapa do mundo.
As percepções autoconscientes dos mapas e a ciência de sua criação são
invenções relativamente recentes. Por milhares de anos, o que as diferentes
culturas chamavam de “mapa” era feito por pessoas que não pensavam neles
como pertencendo a uma categoria separada da escrita de documentos formais,
da pintura, do desenho ou da inscrição de diagramas em uma variedade de meios
diferentes, da rocha ao papel. A relação entre mapa e o que chamamos de
geografia é ainda mais sutil. Desde os gregos, a geografia é definida como o
estudo gráfico (graphein) da Terra (gé), da qual o mapeamento representa uma
parte vital. Mas, como disciplina intelectual, a geografia só foi devidamente
formalizada no ocidente como profissão ou objeto de estudo acadêmico no
século XIX.
É nessa variedade díspar de mapas – em tecidos, tabuletas, desenhos ou
gravuras – que reside muito de seu notável poder e fascínio. Um mapa é
simultaneamente um objeto físico e um documento gráfico, e é tanto escrito
como visual: não se pode entender um mapa sem escrita, mas um mapa sem um
elemento visual é simplesmente uma coleção de nomes de lugares. O mapa se
vale de métodos artísticos de execução para criar uma representação, em última
análise, imaginativa de um objeto incognoscível (o mundo); mas também é
moldado por princípios científicos, e abstrai a Terra de acordo com uma série de
linhas e formas geométricas. O mapa diz respeito ao espaço como seu objetivo
final, segundo a definição de Harley e Woodward. Ele oferece uma compreensão
espacial dos eventos no mundo humano, mas, como veremos neste livro, muitas
vezes diz respeito ao tempo, pois pede ao espectador que observe como esses
eventos se desdobram um após o outro. Nós, é óbvio, enxergamos os mapas pelo
aspecto visual, mas também podemos lê-los como uma série de histórias
diferentes.
T se encontram no tipo de mapa que é o tema deste livro:
ODAS ESSAS VERTENTES
mapas do mundo. Mas assim como a palavra “mapa” tem suas próprias
qualidades esquivas e inconstantes, o mesmo ocorre com o conceito de
“mundo”. “Mundo” é uma ideia social, criada pelo homem. Refere-se ao espaço
físico completo do planeta, mas também pode significar um conjunto de ideias e
crenças que constituem uma “visão de mundo” cultural ou individual. Para
muitas culturas ao longo da história, o mapa foi o veículo perfeito para expressar
ambas essas ideias de “mundo”. Centros, limites e todas as outras parafernálias
incluídas em qualquer mapa mundial são definidos tanto por essas “visões de
mundo” como pela observação física da Terra feita pelo cartógrafo ou “fazedor
de mapas”,a a qual, de qualquer modo, nunca é feita a partir de um ponto de vista
cultural neutro. Os doze mapas deste livro apresentam visões do espaço físico de
Description:Com uma pesquisa de fГґlego e argumentos surpreendentes, o historiador e especialista em mapas Jerry Brotton examina a importГўncia de doze marcos da cartografia universal – das representaГ§Гµes mГsticas da Antiguidade atГ© as imagens de satГ©lite de hoje. Brotton mostra de que