Table Of ContentDAVID WALTER HAMLYN
Uma História da Filosofia Ocidental
Tradução de Ruy Jungmann
Jorge Zahar Editor
1990
D. W. Hamlyn
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SOBRE O LIVRO:
O professor Hamlyn enfrenta com sucesso o desafio de escrever uma
história da filosofia ocidental em um volume compacto. Não têm sido
muitas as tentativas desse gênero, das quais esta é a mais recente e a
primeira a aparecer em muitos anos. Esta história da filosofia ocidental,
que cobre desde o momento mesmo de surgimento da filosofia com os Pré-
Socráticos até as principais correntes da filosofia contemporânea, oferece
de forma clara e acessível um panorama bastante completo da formação e
do desenvolvimento de nossa tradição filosófica. Sua apresentação histórica
estrutura-se em torno de três eixos fundamentais: o exame das principais
figuras representativas de pensamento filosófico, tais como Platão,
Aristóteles, santo Tomás de Aquino e Kant, dentre outros; a análise das
correntes e escolas mais influentes na formação deste pensamento, como o
neoplatonismo, o estoicismo, o ceticismo, o empirismo, o racionalismo, etc.;
e a consideração de áreas temáticas básicas da filosofia como a metafísica,
a teoria do conhecimento e a filosofia da ciência, a lógica, a ética e a
política. Algumas obras de importância capital, como a República de
Platão e a Crítica da Razão Pura de Kant, merecem justificadamente uma
análise mais detalhada.
A história da filosofia deve ser ela própria filosofia, isto é, deve estimular a
reflexão filosófica e não ser apenas uma exposição cronológica de
pensadores e de suas obras. Com efeito, Hamlyn reconstrói, com a
brevidade necessária a uma obra desse gênero, os argumentos centrais dos
filósofos aqui examinados e apresenta os aspectos mais importantes da
contribuição das principais correntes filosóficas, sem contudo empobrecê-
los. Tem-se assim uma visão de nossa tradição filosófica que inclui não só
aqueles pensadores que tiveram uma influência mais marcante e que não
poderiam estar ausentes, mas também aqueles que por vários motivos
permaneceram mais obscuros, mas cujo pensamento tem sido muitas vezes
recuperado e revalorizado, com vem ocorrendo por exemplo com os sofistas
e com os céticos.
Uma História da Filosofia Ocidental [A History of Western Philosophy,
1987] constitui assim importante subsídio para aquele que pretende iniciar-
se nos estudos filosóficos ou mesmo aprofundá-los, permitindo situar este
pensamento em seu contexto histórico e possibilitando uma visão das
influências e das rupturas de que é feita esta história.
Danilo Marcondes
Pontifícia Universidade Católica – RJ
Universidade Federal Fluminense
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Uma História da Filosofia Ocidental
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SOBRE O AUTOR:
D. W. Hamlyn é professor de filosofia e diretor do departamento de filosofia
do Birbeck College, Universidade de Londres, desde 1964. É vice-reitor do
College, e foi também diretor do departamento de estudos clássicos durante
cinco anos, até 1986. Seus trabalhos refletem amplo interesse filosófico na
cobertura de todos os aspectos da história da filosofia, em especial a
filosofia da psicologia. Além de colaborar com numerosos artigos para
revistas e livros - incluindo a Encyclopaedia of Philosophy -, o professor
Hamlyn é autor de muitos livros notáveis nesse campo: The Psychology of
Perception (1957, reedição ampliada 1969), Sensation and Perception
(1961), Aristotle’s “De Anima” Books II and III (1968), The Theory of
Knowledge (1971), Experience and the Growth of Understanding (1978),
Schoppenhauer (1980), Perception, Learning and the Self (1983) e
Metaphysics (1984).
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D. W. Hamlyn
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SUMÁRIO
[01] Introdução
[02] Os pré-socráticos
[03] Os sofistas e Sócrates
[04] Platão
[05] Aristóteles
[06] As escolas pós-aristotélicas
[07] Filosofia medieval I
[08] Filosofia medieval II
[09] A Renascença
[10] Racionalismo
[11] O Empirismo Britânico
[12] O Iluminismo
[13] Kant
[14] A filosofia alemã pós-kantiana
[15] Duas reações a Hegel: Marx e Kierkegaard
[16] O empirismo do século XIX e algumas reações a ele
[17] A filosofia analítica
[18] Fenomenologia e movimentos correlatos
[19] O futuro
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Uma História da Filosofia Ocidental
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INTRODUÇÃO
Uma história da Filosofia não deve ser apenas uma história de idéias. Nem
simplesmente um ramo da história. Deve ser também Filosofia. Do ponto de vista
da história das idéias, é importante para o autor tentar imaginar-se na situação da
qual emergiram essas idéias. Não é suficiente apenas mostrar-lhes a influência
sobre outras pessoas. Mas fazer isso exclusivamente poderia ser prejudicial ao
entendimento da contribuição dessas idéias à Filosofia como um todo. Necessita-
se, portanto, de equilíbrio. Se queremos nos imaginar na mente de um filósofo do
passado, precisamos para essa tarefa, em última análise impossível, conhecer não
só sua biografia, mas o ambiente em que viveu, tanto social como intelectual.
Não é evidente que precisemos de tudo isto a fim de compreender-lhe o
pensamento como contribuição à Filosofia.
Dirão talvez alguns que não foi sem motivo que usei a palavra “filósofo” no que
acabei de dizer. Por motivos históricos e sociais, a Filosofia tem sido uma
disciplina dominada quase que exclusivamente pelo homem. No que se segue,
mencionarei apenas uma filósofa e ela não é inteiramente típica. Eu poderia,
talvez, ter-me referido a mais uma ou duas nos tempos modernos, mas isto não
teria afetado realmente o fato de que a Filosofia tem sido uma província
masculina. Este é um fato que teríamos que levar em conta se estivéssemos
interessados nos antecedentes históricos da Filosofia. Eles formam parte do
ambiente social e uma história do pensamento e da cultura teria que levá-los em
conta. Mas, embora feministas talvez não gostem que eu diga isto, trata-se de um
ponto sem importância na história da Filosofia.
De tempos em tempos, alguns historiadores da Filosofia protestam contra este
tipo de julgamento, sustentando que corremos sério risco de entender mal o
pensamento do passado, a menos que demos o devido lugar às circunstâncias
históricas nas quais foi produzido e às idéias que serviram de base à sua
manifestação. Na opinião de tais comentaristas, o historiador da Filosofia deve
ser igual ao antropólogo e embeber-se do pensamento do período que o interessa.
O problema com isto é que, se tivéssemos realmente êxito na tentativa de
penetrar na mente de um filósofo do passado, perderíamos a perspectiva histórica
que torna possível a avaliação de tal pensamento. Por outro lado, se passássemos
ao outro extremo e nos concentrássemos apenas no que um filósofo do passado
tem a nos dizer, poderíamos ter que descartar grande parte, embora não toda, da
filosofia do passado como sem importância. Temos que manter o equilíbrio e isto
acarreta perigo de crítica de ambos os lados.
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De qualquer modo, a história da Filosofia não pode dizer respeito meramente a
idéias. A Filosofia se concentra em problemas, mesmo que apenas nos problemas
de compreender isto ou aquilo. A solução de problemas requer justificação e esta
exige argumentos. Uma história da Filosofia – mesmo uma interessada como esta
na filosofia em grande escala – nada seria se não transmitisse o sabor dos
argumentos usados pelos filósofos e não acrescentasse uma avaliação dos
mesmos. Há histórias da Filosofia esplêndidas na sua riqueza de fatos – fatos
sobre os filósofos estudados e sobre o que disseram – mas que pouco dizem se os
filósofos em causa são filosoficamente importantes e por quê. Há igualmente
histórias da Filosofia não menos soberbas pela maneira como encaixam os
filósofos na história e filosofia de seus períodos, mas que, de igual maneira, não
transmitem o senso do que é filosoficamente importante e por quê.
Fornecerei as datas relativas aos filósofos que estudar e, na maioria dos casos,
alguns detalhes biográficos, mas apenas na medida em que isto parecer relevante
para a compreensão da sua filosofia. Praticamente nada direi sobre seu ambiente
histórico, exceto na medida em que isto parecer essencial para a mesma
compreensão. E igualmente quase nada direi sobre o ambiente social.
Concentrar-me-ei, em todos os casos possíveis, no argumento e isto significa
concentração no que os filósofos escreveram. O estilo filosófico varia, no
entanto, e os filósofos nem sempre aceitaram os mesmos modelos de argumento.
Às vezes – e este é um ponto de importância histórica -, procuraram seus
modelos em disciplinas que se revelaram especialmente bem-sucedidas em seu
tempo, como, por exemplo, alguns racionalistas filosóficos do século XVIII que
se inspiraram na geometria. Essas orientações quase sempre se revelaram
equivocadas. De uma maneira ou de outra, o argumento filosófico permanece
dialético, da forma como Platão e Sócrates o entendiam. Trata-se de uma questão
de discussão, argumento e contra-argumento. Nos casos em que, contudo, o
contra-argumento depende, como não acontecia no tempo de Sócrates, de
publicações, é de alguma importância para o desenvolvimento do assunto que a
justificação de uma posição filosófica deva envolver explicação de como o
indivíduo chegou a ela. Isto significa que o melhor argumento filosófico é
discursivo.
Nos casos em que um filósofo do passado formulou esse argumento, farei o
melhor que puder para esmiuçá-lo. Isto ocupará mais espaço do que um simples
sumário de seu pensamento e conclusões. Se, por conseguinte, dedicar mais
espaço a alguns filósofos do que a outros, isto nem sempre acontecerá porque o
primeiro escreveu mais, mas, sim, porque argumentou mais discursivamente.
Nesse sentido, dado o que disse sobre o valor do argumento discursivo, o espaço
que reservar a um filósofo constituirá alguma indicação, embora não
preponderante, da sua importância. Isto porque, se o argumento é claro, qualquer
que seja o meio formativo que o originou, cabe a nós hoje avaliar e decidir até
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que ponto podemos aceitá-lo, mesmo que necessitemos de algumas mudanças
nos termos de referência.
Mais ou menos pelas mesmas razões, ou, de qualquer modo, por razões
correlatas, serei seletivo na escolha dos filósofos que discutirei. É preciso frisar
aqui que houve muito mais filósofos do que os mencionados neste livro e,
quando passarmos aos contemporâneos, talvez nos falte o apropriado senso
histórico e fiquemos um tanto embaraçados com a escolha feita. As perspectivas
históricas se modificam e filósofos que no passado se afiguraram importantes,
hoje não nos parecem mais. Sem dúvida, tal será o destino de muitos que
atualmente julgamos importantes. Seria um erro, no entanto, apresentar a
importância filosófica como algo muito relativo. O escopo da Filosofia é dos
mais amplos, ainda que a opinião popular sobre ela, como dizendo respeito à
filosofia de vida, com recomendações sobre como devemos viver, tenha por base
uma visão sobremodo estreita do assunto e que tem muito a ver com o
romantismo. Não obstante, embora amplo o campo da Filosofia, ainda assim é
possível perceber uma continuidade de interesses e problemas a partir dos gregos,
que deram origem a tudo, até os dias atuais. A continuidade talvez não seja
sempre clara e pode ser superada por outras coisas, mas acho que ela existe.
É possível que ela aconteça também na filosofia oriental, que não examinaremos
neste livro. Há, segundo penso, muitas concepções errôneas sobre a filosofia
oriental, nem toda de orientação mística e religiosa. Especialistas em filosofia
oriental indicam ocasionalmente paralelos entre ela e a filosofia ocidental e seria
de fato surpreendente se eles não existissem. Foram poucos os contatos, porém,
entre as duas tradições e por este motivo não há uma continuidade real entre elas,
exceto aquela que a natureza geral da Filosofia e seus problemas inevitavelmente
produz. Isto é em si uma boa razão para estudar em si e por si mesma a história
da filosofia ocidental. Pois nela há uma inegável continuidade, ainda que, às
vezes, siga um curso tortuoso.
É muito comum ouvirmos dizer que a Filosofia não progride e talvez alguém
possa sugerir que o que eu disse sobre continuidade meramente confirma isso.
Mas é um erro até mesmo colocar essa questão, porquanto presume que filósofos
são como cientistas: resolvem um problema e passam ao seguinte. Se uma
história da Filosofia deve deixar uma coisa bem clara é que não ocorre isto. O
que não implica dizer que algumas perspectivas filosóficas não sejam melhores
que outras. É possível argumentar, por exemplo, que quaisquer que tenham sido
os méritos de sua filosofia, em outros sentidos, Descartes deflagrou uma
revolução no pensamento ao concentrar-se no ponto de vista do indivíduo, o que
encerra um erro fundamental, erro que até agora não foi inteiramente corrigido, a
despeito dos esforços de Wittgenstein. Se o erro fosse eliminado, os filósofos
teriam com isso eliminado uma perspectiva que fez com que problemas fossem
enfocados de certa maneira, maneira esta que pode ser um obstáculo à sua
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solução. Eles mesmos, portanto, não teriam solucionado os problemas. Isto,
contudo, não implica dizer que não haja tais soluções e que nenhuma tenha sido
alcançada.
Demais disso, a solução de um problema filosófico pode consistir na maneira de
colocá-lo, uma maneira que elimine equívocos. Podemos receber assim um mapa
para descobrir intelectualmente nosso caminho, como sugeriu certa vez
Wittgenstein. Como sabe qualquer cartógrafo, não precisamos sempre do mesmo
mapa para os mesmos fins. Assim, se um dado mapa deixar de ser útil, isto não é
razão para se falar em falta de progresso ou em retrocesso. Estaremos de alguma
maneira em melhor situação do que Platão para responder a algumas das
perguntas que ele formulou? A resposta é indubitavelmente “Sim”, embora ele
talvez não tivesse considerado nossas respostas como aquilo que queria. O
mesmo pode acontecer com a próxima geração em relação a nós.
Qual, então, a importância da história da Filosofia? À parte o senso estritamente
histórico que deve fornecer aos filósofos, ela deve neles instilar também o devido
senso da complexidade e multiplicidade de aspectos das questões filosóficas. Isto
pode reverter em benefício da Filosofia, uma vez que nenhum indivíduo pode
resolver por si mesmo todos os aspectos de um problema ao qual deva dar
atenção. Nesse sentido, uma história da Filosofia, caso se concentre no
argumento, deve ser uma fonte de considerações filosóficas. Significa isto que
deve ser não apenas um livro-fonte de falácias filosóficas, um registro de erros
humanos, mas também uma fonte de compreensão mais ampla.
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OS PRÉ-SOCRÁTICOS
OS MILESIANOS
Costuma-se dizer que a filosofia ocidental começou com os gregos. De fato, mas
não na Grécia. Os primeiros filósofos cujos nomes chegaram até nós viveram
perto de fins do século VII a.C. em Mileto, uma cidade portuária situada na costa
da Ásia Menor. Era, na verdade, uma colônia grega, mas localizada em um ponto
em que forçosamente sofreria a influência de indivíduos de outras nacionalidades
que viviam no interior – na Lídia, na Pérsia, na própria Babilônia. Não que isto
nos ajude a compreender por que a Filosofia começou então e onde, porquanto
não há indicação de filosofia, como viemos a considerá-la, nessas culturas. A
Índia ficava longe demais e as comunicações eram demasiado precárias para que
julguemos plausíveis influências originárias dessa fonte. No mundo antigo,
considerava-se o Egito como a origem da matemática, como a Babilônia o era da
astronomia (os movimentos aparentes dos corpos celestiais eram registrados em
tabuinhas de argila). O emprego da matemática pelos egípcios era considerado
tão importante que os gregos tendiam a considerar que, qualquer compatriota seu
que mostrasse capacidade matemática e espírito de inovação, devia ter estudado
naquele país. Consta de documentos que Tales, o primeiro dos denominados
filósofos milésios, dirigiu-se para o Egito. De modo geral, é improvável que o
tenha feito. Essas influências, contudo, combinadas com idéias religiosas e
mitológicas endêmicas entre os gregos, de alguma maneira geraram a Filosofia.
Mas o que foi que geraram? Aristóteles disse que a Filosofia começa com o
senso de maravilha e há certamente indicação disto no pensamento dos primeiros
filósofos gregos. Conta-se que Tales, que viveu por volta do ano 600 a.C.,
afirmava que todas as coisas estavam repletas de deuses e há numerosas
referências a certas coisas como divinas em filósofos subseqüentes, sem que isso
implicasse uma atitude religiosa específica. A natureza era simplesmente
considerada como algo divino. Ao mesmo tempo, a alegação de Aristóteles de
que Tales dissera que o “primeiro princípio” de todas as coisas era a água, e a
tese subseqüente proposta por Anaxímenes, sucessor de Tales, de que as
diferentes matérias são formadas de ar mediante processos recíprocos de
condensação e rarefação, parecem ciência primitiva – uma tentativa antiga de
identificar a natureza básica da realidade física e explicar como os fatos
observáveis de coisas físicas são derivados das mesmas. Ainda assim, o mais
longo dos três fragmentos que temos dos escritos de Anaxímenes (se foram
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escritos) diz que o ar envolve todo o mundo, da mesma maneira que nossa alma,
“sendo ar”, nos mantém íntegros e nos controla. O que quer que mais fosse, a
alma era para os gregos o princípio da vida. O ar ou a respiração eram as
indicações mais claras da vida. Daí a conexão entre alma e ar. A implicação,
porém, era que o mundo em geral possuía também vida e alma. Se assim era, a
escolha do ar por Anaxímenes como matéria básica não teria sido determinada
exclusivamente por considerações físicas. Este pensamento seria uma mistura de
diferentes elementos.
Falei acima em fragmentos. Isto é tudo que temos dos escritos dos denominados
filósofos pré-socráticos, os filósofos que antecederam Sócrates. Esses fragmentos
foram preservados por autores gregos posteriores, nem todos os quais sentiam
um claro interesse pela história do pensamento. Coube a Aristóteles demonstrar,
pela primeira vez, um interesse sistemático pela história de seu tema, mais tarde
evidenciado também por Teofrasto, seu principal discípulo. Comentários gregos
sobre Aristóteles, como, por exemplo, os de Simplício no século VI d.C., citam
às vezes trechos de filósofos mais antigos. A extensão das citações, no entanto, é
obscura (situação esta em nada melhorada pela ausência de aspas em grego). Há
leituras variantes e testemunhas de confiabilidade desigual, às vezes extraídas de
filósofos de outras orientações que se referiram a colegas seus mais antigos,
ocasionalmente com aprovação, quando não com críticas, mas com grande
freqüência para seus próprios fins. Tudo isso tornou o estudo da filosofia antiga
dependente do trabalho de eruditos, em especial do grande sábio alemão Herman
Diels, que, na passagem deste século, publicou a primeira edição do Die
Fragmente der Vorsokratiker, no qual se basearam todas as coletâneas
subseqüentes e observações sobre os velhos filósofos gregos. Por outro lado, isto
significa que mais ou menos todas as afirmações sobre esses filósofos devem ser
acompanhadas da ressalva “se são corretas nossas fontes”. Essa ressalva deve ser
levada sempre em mente na leitura do que diremos a seguir.
Dados esses fatos sobre o pensamento de Tales e de Anaxímenes (e cumpre
confessar que há outros fatos relatados a respeito dos mesmos, incluindo
especulações sobre a natureza dos corpos celestiais, a Terra e certos fenômenos
naturais), o leitor pode indagar o que os torna especificamente filosóficos. No
caso de Anaximandro, o sucessor imediato de Tales em Mileto, há talvez mais
matéria de estudo. O que impressionou Aristóteles e outros sobre Anaximandro
foi que ele se recusou a identificar a matéria básica, subjacente, com qualquer um
dos quatro elementos tradicionais – terra, fogo, ar e água -, preferindo invocar o
que chamou de apeíron (infinito, ou ilimitado) neste particular. Fez isso
presumivelmente sobre o fundamento de que era impossível gerar esses
elementos de qualquer um de seus membros. Autores que comentam as opiniões
de Anaximandro, porém, falam dos céus e dos mundos como tendo se originado
do apeiron, dizendo que é a fonte do devir para as coisas e que elas não são
destruídas ao voltar à origem. A palavra sugere menos uma matéria que poderia
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