Table Of ContentAVANÇAR SUMÁRIO [ »» ]
PRELÚDIO
INTRODUÇÃO
I. TÉCNICAS E TÁTICAS
1. Metodologias do ambiente hostil
2. Genealogia do Predator
3. Princípios teóricos da caça ao homem
4. Vigiar e aniquilar
5. Análise das formas de vida
6. Kill box
7. Contrainsurgência pelo ar
8. Vulnerabilidades
II. ÉTHOS E PSIQUÊ
1. Drones e camicases
2. “Que morram os outros”
3. Crise no éthos militar
4. Psicopatologias do drone
5. Matar a distância
III. NECROÉTICA
1. A imunidade do combatente
2. A arma humanitária
3. Precisões
IV. PRINCÍPIOS DA FILOSOFIA DO DIREITO DE MATAR
1. Os assassinos indelicados
2. A guerra fora de combate
3. Licence to kill
V. CORPOS POLÍTICOS
1. Tanto na guerra como na paz
2. Militarismo democrático
3. A essência dos combatentes
4. A fábrica dos autômatos políticos
EPÍLOGO: Da guerra, a distância
NOTAS
SOBRE O AUTOR
EXIT
CRÉDITOS
REDES SOCIAIS
COLOFÃO
Em memória de Daniel
Prelúdio
Naquela noite, um pouco antes de o dia nascer sobre as montanhas afegãs,
eles haviam observado no chão um comportamento inabitual.
– Você pode dar um zoom? Quero dar uma olhada.
– Pelo menos quatro atrás da picape.
– E esse cara, debaixo da flecha norte, parece que ele tem uma coisa no peito.
– É, é meio estranha a mancha fria que eles têm no peito.
– É o que eles têm feito aqui ultimamente: eles embrulham as porras de suas
armas nas roupas pra que a gente não possa fazer identificação positiva.
O piloto e o operador escrutam a cena em um monitor. Eles trajam uniforme de
brim cáqui, com um brasão no ombro – uma coruja de asas abertas, sobre fundo
vermelho, com raios entre as presas. Estão sentados lado a lado, com fones de
ouvido, em cadeiras de couro sintético. Por toda parte, painéis com botões
luminosos. Mas o lugar não parece um cockpit comum.
A vigilância ocorre a milhares de quilômetros dali. As imagens dos veículos,
captadas no Afeganistão, são transmitidas por satélite aqui, na base de Creech,
perto de Indian Springs, em Nevada.
Nos anos 1950, era lá que eram feitos os testes nucleares norte-americanos.
Era possível, então, de Las Vegas, ver erguer-se ao longe o cogumelo atômico.
Hoje, os motoristas que passam pela Route 95 podem avistar silhuetas de outro
tipo acima de suas cabeças: uma forma oblonga de cabeça arredondada, como
uma grande larva branca cega.
A base de Creech é o berço da frota dos drones da US Air Force. Os militares
a apelidam de “o lar dos caçadores” – the home of the hunters. A organização
antiguerra Code Pink, por sua vez, a descreve como “um local de incredulidade,
confusão e tristeza”.[1]
O trabalho é de um tédio extremo. Noites a devorar Doritos ou M&M’s na
frente da tela, para ver quase sempre as mesmas imagens de um outro deserto, do
outro lado do planeta, esperando que alguma coisa aconteça: “Meses de
monotonia por alguns milissegundos de alvoroço”.[2]
Amanhã de manhã, virá outra “tripulação” para revezar no comando do
aparelho. O piloto e o operador assumirão de novo o volante de seu 4×4 para
encontrar, a 45 minutos dali, mulher e filhos no ambiente tranquilo de um
encontrar, a 45 minutos dali, mulher e filhos no ambiente tranquilo de um
subúrbio residencial de Las Vegas.
Os passageiros dos três veículos que saíram há poucas horas do vilarejo na
província de Daikundi não sabem, mas já faz bastante tempo que dezenas de
pupilas os observam. Entre esses espectadores invisíveis, o piloto e o “operador
de sensores”, mas também um “coordenador de missão”, um “observador de
segurança”, uma equipe de analistas de vídeo e um “comandante das forças
terrestres” que acabará por dar sinal verde para o ataque aéreo. Essa rede de
olhos está em comunicação permanente, eles falam entre si, e, nessa noite de 20
de fevereiro de 2010, como de costume, a conversa é gravada.
0h45 GMT – 5h15 no Afeganistão
O piloto: Será a porra de um fuzil ali?
O operador: Talvez só uma mancha quente de onde ele estava sentado, não dá
para dizer agora, mas parece mesmo um objeto.
O piloto: Eu esperava que a gente pudesse detectar uma arma, mas não
importa.
1h05
O operador: Esse caminhão daria um belo alvo. OK, é um 4×4 Chevrolet, um
Chevy Suburban.
O piloto: É.
O operador: Tem razão.
1h07
O coordenador: O screener disse que há pelo menos uma criança perto do
4×4.
O operador: Puta merda… Onde?
O operador: Envie-me uma porra de um clichê, mas não acho que eles
tenham crianças a essa hora, sei que eles são barra-pesada, mas não precisa
exagerar.
[…]
O operador: Bom, talvez um adolescente, mas não vi nada que parecesse tão
baixo, e eles estão todos agrupados ali.
baixo, e eles estão todos agrupados ali.
O coordenador: Eles estão verificando.
O piloto: Então verifiquem essa merda… Por que ele não disse “possível
criança” então? Por que têm tanta pressa de falar de porras de crianças mas não
de porras de armas?
O coordenador: Duas crianças atrás do 4×4.
1h47
O coordenador: Parece que são cobertores. Eles estavam orando, eles
tinham…
O piloto: Jag25, Kirk97, a conta está certa ou ainda não?
O operador: Eles estão orando, estão orando.
1h48
O operador: É essa, afinal, a força deles. Orar? É sério, é isso que eles estão
fazendo.
O coordenador: Eles estão maquinando alguma coisa.
1h50
O coordenador: Adolescente perto da traseira do 4×4.
O operador: Ah, bom, adolescentes podem lutar.
O coordenador: Com uma arma na mão você é um combatente, é assim que
funciona.
1h52
O operador: Um homem ainda orando na frente do caminhão.
O piloto: Para Jag25 e Kirk97, todos os indivíduos estão acabando de orar e
se reúnem agora perto dos três veículos.
O operador: Que belo alvo. Eu tentaria passar por trás para acertar em cheio.
O coordenador: Ah, seria perfeito!
2h41
O operador: Senhor, se importaria se eu desse uma parada rápida pra ir ao
banheiro?
O piloto: Não, de jeito nenhum, cara.
3h17
Um desconhecido: E aí, qual é o plano, pessoal?
O piloto: Não sei, espero que a gente possa atirar nesse caminhão com todos
os caras dentro.
O operador: É.
[Uma vez que o drone Predator tem apenas um único míssil a bordo –
insuficiente para atingir três veículos –, é dada ordem a dois helicópteros Kiowa,
nome de código “Bam Bam41”, que se ponham em posição para o ataque. Um
plano é aprovado: os helicópteros atirarão em primeiro lugar, depois o drone
terminará o trabalho atirando seu míssil Hellfire nos sobreviventes.]
3h48
O comandante [falando ao piloto do drone a respeito dos helicópteros]: […]
Ao sinal do comandante das forças terrestres, poderemos mandá-los vir, ativar os
alvos e deixar você utilizar seu Hellfire para um tiro de limpeza.
O piloto: Kirk97, recebido, parece bom.
4h01
O operador: Operador pronto, que a festa comece!
[…]
O operador: Quer saber? Poderia ter toda uma frota de “Preds” aqui.
O piloto: Ah, quem dera, cara…
4h06
O piloto: Assim que tivermos a ordem de ataque, cara, a gente vai
provavelmente ficar perseguindo pessoas que se espalham por todos os lados. Na
descida, não se preocupe com qualquer orientação da minha parte ou de Jaguar,
basta seguir o que fizer mais sentido pra você. Fique com aquele que você achar
que nos dá mais chance de atirar. Estou contigo nisso. Te passarei informações
sobre o perfil de tiro, nós teremos instruções de ataque assim que soubermos no
que vamos atirar.
Description:“Esse caminhão daria um belo alvo” diz o operador para o piloto. Sentados lado a lado, com fones de ouvido, eles olham para um monitore comentam as imagens captadas por um droneno Afeganistão, transmitidas ao vivo por satélite a esta da base militar de Creech, em Nevada, Estados Unidos, berç