Table Of ContentEnsino Superior Bureau Juridico
Teoria e técnica na entrevista
e nos grupos
Nesta obra! Bleger aborda! do ponto
de vista teórico e técnico! dois temas José Bleger
fundamentais da psicologia.
Sobre o primeiro! a entrevista TEMAS DE
psicológica! é feita uma apresentação
PSICOLOGIA
de indicações práticas para sua
realização! umensaio de
categorização e umestudodos
aspectospsicológicos da entrevista.
Sobre osgrupos! o segundotema! o
autor estuda osgrupos operativos no
ensino! O problema do grupo nas Tradução RITA MARIA M. DEMORAES
instituiçõese como instituição e! Revisão LUÍS LORENZO RIVERA
finalmente! a administração das
técnicas nosplanos de prevenção ou!
emoutrostermos! a estratégia com
grupos.
CAPA Martins Fontes
Projeto gráfico Alexandre Marlins Fontes
Kalia HarumiTerasaka São Paulo 2003
Ilustração RexDesign
EnsinoSuperior8ureauJ~kl;cô°
Título original: TEMAS DE PSICOLOGÍA (ENTREVISTAS YGRUPOS)
Copyright by©Ediciones Nueva Visión SAlC, Buenos Aires, 1979
Copyright ©1980, Livraria Marfins Fontes Editora Ltda.,
São Paulo, para apresente edição.
1"edição
abril de1980
7ªtiragem
abril de1995
2ªedição
maio de1998
3ªtiragem
outubro de2003
A entrevista psicológica
Revisão da tradução
LuisLoremo Rivera Seu emprego no diagnóstico e na investigação
Revisão gráfica
Ensaio de categorização da entrevista 49
Rosângela Ramos daSilva
Produção gráfica Grupos operativos no ensino 59
Geraldo Alves
PaginaçãolFotolitos Ogrupo como instituição eogrupo
Studio3Desenvolvimento Editorial
Capa nas instituições 101
Alexandre Martins Fontes
KatiaHarumi Terasaka Administração das técnicas edos
conhecimentos degrupo 123
Dados Internacionais deCatalogação naPnblieação (CIP)
(Câmara Brasileira doLivro, 8P,Brasil)
Bleger, José
Temas depsicologia: entrevista egrupos IJoséBleger ;tradução
Rita Maria M.deMaraes ;revisão Luis Lorenzo Rivera. - 2i!ed.-
São Paulo: Martins Fontes, 1998.- (Psícologia epedagogia)
Índices para catálogo sistemático:
1.Psicologia 150
Todososdireitos desta edição reservados à
Livraria Marfins Fontes Editora Ltda.
Rua Conselheiro Ramalho. 330/340 01325-000 São Paulo SP Brasil
Tel.(lI) 3241.3677 Fax (lI) 3105.6867
e-mail: [email protected] hltp://www.martinsfontes.com.br
A entrevista psicológica
Seu emprego no diagnóstico ena investigação
Publicado pelo Departamento de Psicologia da
Faculdade de Filosofia e Letras. Universidade
deBuenos Aires, 1964.
A entrevista éum instrumento fundamental do mé-
todo clínico e é, portanto, uma técnica de investigação
científica em psicologia. Como técnica tem seus pró-
prios procedimentos ou regras empíricas com os quais
não só seamplia eseverifica como também, aomesmo
tempo, se aplica o conhecimento científico. Como ve-
remos, essa dupla face da técnica tem especial gravita-
ção no caso da entrevista porque, entre outras razões,
identifica ou faz coexistir no psicólogo as funções de
investigador e deprofissional, já que atécnica é opon-
to de interação entre a ciência e as necessidades práti-
cas; é assim que a entrevista alcança a aplicação de co-
nhecimentos científicos e, ao mesmo tempo, obtém ou
possibilita levaravida diária do serhumano aonível do
conhecimento e da elaboração científica. E tudo isso
emumprocesso ininterrupto de interação.
A entrevista é um instrumento muito difundido e
devemos delimitar o seu alcance, tanto como o enqua-
2 Temasdepsicologia Aentrevistapsicológica 3
dramento da presente exposição. A entrevista pode ter A entrevista pode ser de dois tipos fundamentais:
em seus múltiplos usos uma grande variedade de obje- aberta e fechada. Na segunda asperguntas já estão pre-
tivos, como no caso dojornalista, chefe de empresa, di- vistas, assim como aordem eamaneira de formulá-Ias,
retor de escola, professor, juiz etc. Aqui nos interessa a e o entrevistador não pode alterar nenhuma destas dis-
entrevista psicológica, entendida como aquela na qual posições. Na entrevista aberta, pelo contrário, o entre-
sebuscam objetivospsicológicos (investigação,diagnós- vistador tem ampla liberdade para asperguntas oupara
suas intervenções, permitindo-se toda a flexibilidade
tico, terapia, etc.). Dessa maneira, nosso objetivo fica
necessária em cada caso particular. A entrevista fecha-
limitado ao estudo da entrevista psicológica, não so-
da é,na realidade, um questionário que passa ater uma
mente para assinalar algumas das regras práticas que
relação estreita com aentrevista,namedida emqueuma
possibilitam seu emprego eficaz e correto, como tam-
manipulação de certos princípios eregras facilita epos-
bém para desenvolver em certa medida o estudo psico-
sibilita aaplicação doquestionário.
lógico daentrevistapsicológica. Nesse sentido,boapar-
Contudo, a entrevista aberta não se caracteriza es-
te do que se desenvolverá aqui pode ser utilizado ou
sencialmente pela liberdade de colocar perguntas, por-
aplicado em todo tipo de entrevista, porque em todas
que, como veremos mais adiante, o fundamento da en-
elas intervêm inevitavelmente fatores ou dinamismos
trevista psicológica não consiste em perguntar, nem no
psicológicos. A entrevista psicológica, dessa maneira,
propósito derecolher dados dahistória do entrevistado.
deriva suadenominação exclusivamente de seus objeti-
Embora os fundamentos sejam apresentados um pouco
vos ou finalidades, tal comojá assinalei.
mais adiante, devemos desdejá sublinhar que aliberda-
Na consideração daentrevistapsicológica comotéc-
de do entrevistador, no caso da entrevista aberta, reside
nica, incluímos dois aspectos: um é o das regras ou in-
numa flexibilidade suficiente para permitir, na medida
dicações práticas de sua execução, e o outro é a psico-
do possível, que o entrevistado configure o campo da
logia da entrevista psicológica, que fundamenta as pri-
entrevista segundo sua estrutura psicológica particular,
meiras. Em outros termos, incluímos a técnica e a teo-
ou - dito de outra maneira - que o campo da entrevista
ria datécnica daentrevista psicológica. se configure, o máximo possível, pelas variáveis que
Circunscrita dessa maneira, a entrevista psicológi- dependem dapersonalidade doentrevistado.
caéoinstrumento fundamental detrabalho não somen- Considerada dessa maneira, a entrevista aberta
te para o psicólogo, como também para outros profis- possibilita uma investigação mais ampla e profunda da
sionais (psiquiatra, assistente social, sociólogo, etc.). personalidade do entrevistado, embora a entrevista fe-
4
---------------- Temas depsicologia
chada permita uma melhor comparação sistemática de
dados, além de outras vantagens próprias de todo méto-
do padronizado.
Tanto o método clínico como a técnica da entrevis-
De outro ponto de vista, considerando o número de
ta procedem do campo da medicina, porém aprática mé-
participantes, distingue-se a entrevista em individual e
dica inclui procedimentos semelhantes que sem dúvida
grupal, segundo sejam um ou mais os entrevistadores
não devem ser confundidos com a entrevista psicológi-
e/ou os entrevistados. A realidade é que, em todos os
ca, nem superpostos a ela.
casos, a entrevista é sempre um fenômeno grupal,já que
A consulta consiste na solicitação da assistência téc-
mesmo com a participação de um só entrevistado sua
nica ou profissional, que pode ser prestada ou satisfeita
relação com o entrevistador deve ser considerada em
de formas diversas, uma das quais pode ser a entrevis-
função da psicologia e da dinâmica de grupo.
ta. Consulta não é sinônimo de entrevista; esta última é
Pode-se diferenciar também as entrevistas segundo
apenas um dos procedimentos de que o técnico ou pro-
obeneficiário do resultado; assim, podemos distinguir: a)
fissional, psicólogo ou médico, dispõe para atender a
a entrevista que se realiza em beneficio do entrevistado -
uma consulta.
que é ocaso da consulta psicológica ou psiquiátrica; b) a
Em segundo lugar, a entrevista não é uma anamne-
entrevista cujo objetivo é a pesquisa, na qual importam
se. Esta implica uma compilação de dados preestabele-
os resultados científicos; c) a entrevista que se realiza
cidos, de tal amplitude e detalhe, que permita obter uma
para um terceiro (uma instituição). Cada uma delas im-
síntese tanto da situação presente como da história de
plica variáveis distintas a serem levadas em conta, já que
um indivíduo, de sua doença e de sua saúde. Embora
modificam ou atuam sobre aatitude do entrevistador as-
. ' uma boa anamnese se faça com base na utilização cor-
SImcomo do entrevistado, e sobre o campo total da en-
reta dos princípios que regem a entrevista, esta última
trevista. Uma diferença fundamental é que, excetuando
é,sem dúvida, algo muito diferente. Na anamnese apreo-
o primeiro tipo de entrevista, os dois outros requerem
cupação e a finalidade residem na compilação de da-
que o entrevistador desperte interesse e participação,
dos, e opaciente fica reduzido aum mediador entre sua
que "motive" o entrevistado.
enfermidade, sua vida e seus dados por um lado, e o
médico por outro. Se o paciente não fornece informa-
ções, elas devem ser "extraídas" dele. Mas além dos da-
dos que o médico previu como necessários, toda contri-
buição do paciente é considerada como uma perturba-
_6 Temas depsicologia
ção da anamnese, freqüentemente tolerada por corte- gica é então uma relação entre duas ou mais pessoas em
sia, porém considerada como supérflua ou desnecessá- que estas intervêm como tais. Para sublinhar o aspecto
ria. Não são poucas as ocasiões em que a anamnese é fundamental da entrevista poder-se-ia dizer, de outra
feita por razões estatísticas ou para cumprir obrigações maneira, que ela consiste em uma relação humana na
regulamentares de uma instituição; nesses casos fica qual um dos integrantes deve procurar saber o que está
em mãos de pessoal auxiliar. acontecendo e deve atuar segundo esse conhecimento. A
Diferentemente da consulta e da anamnese, a entre- realização dos objetivos possíveis da entrevista (inves-
vista psicológica objetiva o estudo eautilização do com- tigação, diagnóstico, orientação, etc.) depende desse sa-
portamento total do indivíduo em todo o curso da rela- ber eda atuação de acordo com esse saber.
ção estabelecida com otécnico, durante otempo em que Dessa teoria da entrevista originam-se algumas orien-
essa relação durar. tações para sua realização. A regra básica já não consiste
Na prática médica é extremamente útil levar em con- em obter dados completos da vida total de uma pessoa,
ta e utilizar os conhecimentos da técnica da entrevista e mas em obter dados completos de seu comportamento
tudo o que se refere àrelação interpessoal. Uma parte do total no decorrer da entrevista. Esse comportamento to-
tempo de uma consulta deve ser empregada como entre- tal inclui o que recolheremos aplicando nossa função de
vista e a outra para completar a indagação ou os dados escutar, porém também nossa função devivenciar eobser-
necessários para a anarnnese, porém não existem razões var, de tal maneira que ficam incluídas as três áreas do
para que ela setransforme em um "interrogatório". comportamento do entrevistado.
A entrevista psicológica é uma relação, com carac- A teoria da entrevista foi enormemente influencia-
terísticas particulares, que se estabelece entre duas ou da por conhecimentos provenientes da psicanálise, da
mais pessoas. O específico ou particular dessa relação Gestalt, da topologia e do behaviorismo. Ainda que não
reside em que um dos integrantes é um técnico da psi- possamos selecionar especificamente a contribuição de
cologia, que deve atuar nesse papel, e o outro - ou os cada um deles, convém assinalar sumariamente que a
outros - necessita de sua intervenção técnica. Porém - psicanálise influenciou com o conhecimento da dimen-
e isso é um ponto fundamental-, o técnico não só utili- são inconsciente do comportamento, da transferência e
za a entrevista para aplicar seus conhecimentos psico- contratransferência, da resistência e repressão, da pro-
lógicos no entrevistado, como também essa aplicação jeção e introjeção, etc. A Gestalt reforçou a compreen-
se produz precisamente através de seu próprio compor- são da entrevista como um todo no qual o entrevistador
tamento no decorrer da entrevista. A entrevista psicoló- é um de seus integrantes, considerando o comportamen-
to deste como um dos elementos da totalidade. A topo-
logia levou a delinear ereconhecer o campo psicológico
e suas leis, assim como o enfoque situaciona1. O beha- O empenho em diferenciar a entrevista da anamne-
viorismo influenciou com a importância da observação se provém do interesse em constituir um campo com ca-
do comportamento. Tudo isso conduziu àpossibilidade racterísticas definidas, ideais para a investigação da per-
sonalidade. Como na anamnese, temos, na entrevista, um
de realizar aentrevista em condições metodológicas mais
restritas, convertendo-a em instrumento científico no qual campo configurado, e com isso queremos dizer que entre
os participantes se estrutura uma relação da qual depende
a "arte da entrevista" foi reduzida em função de uma sis-
tudo que nela acontece. A diferença básica, neste sentido,
tematização das variáveis, e é esta sistematização que
entre entrevista e qualquer outro tipo de relação interpes-
possibilita um maior rigor em sua aplicação e em seus
soal (como a anamnese) é que aregra fundamental da en-
resultados. Pode-se ensinar e aprender a realizar entre-
trevista sob este aspecto éprocurar fazer com que o cam-
vistas sem que setenha de depender de um dom ou virtu-
po seja configurado especialmente (e em seu maior grau)
de imponderáve1. O estudo científico da entrevista (apes-
pelas variáveis que dependem do entrevistado.
quisa do instrumento) tem reduzido sua proporção de arte
Apesar de todo emergente ser sempre situacional
e incrementado sua operacionalidade e utilização como
ou, dito em outras palavras, provir de um campo, dize-
técnica científica.
mos que na entrevista tal campo está determinado, pre-
A investigação científica do instrumento tem feito
dominantemente, pelas modalidades da personalidade
com que a entrevista incorpore algumas das exigências
do entrevistado. De outra forma, poder-se-ia dizer que
do método experimental; mas também faz com que a
o entrevistador controla a entrevista, porém quem a
entrevista psicológica, em geral, constitua um procedi-
dirige é o entrevistado. A relação entre ambos delimita
mento de observação em condições controladas ou, pe-
e determina o campo da entrevista e tudo o que nela
lo menos, em condições conhecidas. Dessa maneira ,a
acontece, porém, o entrevistador deve permitir que o
entrevista pode ser considerada, em certa medida, da
campo da relação interpessoal seja predominantemente
mesma forma que o tubo de ensaio para o químico, se-
estabelecido e configurado pelo entrevistado.
gundo uma comparação feliz de Young.
Todo ser humano tem sua personalidade sistemati-
Dessa teoria da técnica da entrevista (que continua-
zada em uma série de pautas ou em um conjunto ou re-
remos desenvolvendo) dependem as regras práticas ou
pertório de possibilidades, e são estas que esperamos
empíricas; esta é a única forma racional de compreen-
que atuem ou se exteriorizem durante a entrevista. As-
dê-Ias, aprendê-Ias, aplicá-Ias e enriquecê-Ias.
sim, pois, a entrevista funciona como uma situação em dificação deve ser considerada como uma variável su-
que se observa parte da vida do paciente, que se desen- jeita a observação, tanto como o é o entrevistado. Cada
volve em relação anós e diante de nós. entrevista tem um contexto definido (conjunto de cons-
Nenhuma situação pode conseguir a emergência da tantes e variáveis) em função do qual ocorrem os emer-
totalidade do repertório de condutas de uma pessoa e, gentes, que só têm sentido em função de tal contexto!.
portanto, nenhuma entrevista pode esgotar a personali- O campo da entrevista também não é fixo e sim dinâ-
dade do paciente, mas somente um segmento dela. A en- mico, o que significa que ele está sujeito a uma perma-
trevista não pode substituir nem excluir outros procedi- nente mudança e que a observação se deve estender do
mentos de investigação da personalidade, porém eles campo específico existente em cada momento àcontinui-
também não podem prescindir da entrevista. De modo es-
dade e sentido destas mudanças. Na realidade poder-se-ia
pecífico, a entrevista não pode suprir o conhecimento e a
dizer que aobservação da continuidade eda contigüidade
investigação de caráter muito mais extenso e profundo
das mudanças é o que permite completar a observação e
que seobtém, por exemplo, em um tratamento psicanalíti-
inferir a estrutura e o sentido de cada campo; responden-
co, o qual, no decorrer de um tempo prolongado, permite
do a esta modalidade do processo real, deve-se dizer que
a emergência e a manifestação dos núcleos e segmentos
ocampo da entrevista cobre asua totalidade, embora "ca-
mais diferentes dapersonalidade.
da" campo não seja senão um momento desse campo to-
Para obter o campo particular de entrevista que des-
tal e da sua dinâmica (Gestaltung)2.
crevi, devemos contar com um enquadramento rígido, que
Uma sistematização que permite o estudo detalhado
consiste em transformar um conjunto de variáveis em
da entrevista como campo consiste em centrar o estudo
constantes. Dentro deste enquadramento, incluem-se não
sobre: a) o entrevistador, incluindo sua atitude, sua dis-
apenas a atitude técnica e o papel do entrevistador tal
sociação instrumental, contratransferência, identificação
como assinalei, como também os objetivos, o lugar e o
etc.; b) o entrevistado, incluindo-se aqui transferência,
tempo da entrevista. O enquadramento funciona como
estruturas de comportamento, traços de caráter, ansie-
uma espécie de padronização da situação estímulo que
dades, defesas etc.; c) a relação interpessoal, na qual se
oferecemos ao entrevistador; com isso não pretendemos
que esta situação deixe de atuar como estímulo para ele,
mas que deixe de oscilar como variável para o entrevista- 1.Contexto ou enquadramento foram estudados em J.Eleger, "Psi-
coaná1isis dei enquadre psicoanalítico", em Simbiosis eambigüedad, Pai-
dor. Se o enquadramento se modifica (por exemplo, por-
dós, Buenos Aires, 1967.
que aentrevista serealiza em um local diferente), estamo- 2.Gestaltung:processo de formação de Gestalten.
inclui a interação entre os participantes, o processo de
vida atual que manterão, entre si,relação de complemen-
comunicação (projeção, introjeção, identificação etc.),
tação ou de contradição.
o problema da ansiedade, etc. Embora não pretenda
As lacunas, dissociações e contradições que indi-
aprofundar aqui cada um dos fenômenos assinalados,
quei levam alguns pesquisadores a considerar a entre-
porque isso abarcaria, em grande parte, quase toda a
vista como instrumento não muito confiável. Sem dúvi-
psicologia e psicopatologia, estes aspectos estão incluí-
da, nesses casos, o instrumento não faz mais que refletir
dos nas considerações que se seguem. o que corresponde a características do objeto de estudo.
As dissociações e contradições que observamos corres-
pondem a dissociações e contradições da própria perso-
nalidade e, ao refleti-Ias, a entrevista permite-nos tra-
balhar com elas; se elas serão trabalhadas ou não, irá de-
pender da intensidade da angústia que se pode provocar
Uma diferença fundamental entre entrevista eanam-
e da tolerância do entrevistado a essa angústia. Igual-
nese, no que diz respeito à teoria da personalidade e à
mente, os conflitos trazidos pelo entrevistado podem não
teoria da técnica, reside em que, na anamnese, trabalha-
ser os conflitos fundamentais, assim como as motiva-
se com a suposição de que o paciente conhece sua vida
ções que alega são, geralmente, racionalizações.
e está capacitado, portanto, para fornecer dados sobre
A simulação perde ovalor que tem na anamnese co-
ela, enquanto ahipótese da entrevista é que cada ser hu-
mo fator de perturbação, já que na entrevista a simula-
mano tem organizada uma história de sua vida e um es-
ção deve ser considerada como uma parte dissociada da
quema de seu presente, e desta história e deste esquema
personalidade que o entrevistado não reconhece total-
temos de deduzir o que ele não sabe. Em segundo lu-
mente como sua. Pode acontecer que o mesmo entre-
gar, aquilo que não nos pode dar como conhecimento
vistador ou diferentes entrevistadores recolham, em mo-
explícito, nos é oferecido ou emerge através do seu com-
mentos diferentes, partes distintas e ainda contraditórias
portamento não-verbal; e este último pode informar so-
da mesma personalidade. Os dados não devem ser ava-
bre sua história ou seu presente em graus muito variá-
liados em função de certo ou errado, mas como graus
veis de coincidência ou contradição com o que expressa
ou fenômenos de dissociação da personalidade. Uma si-
de modo verbal e consciente. Por outro lado,além disso ,
tuação típica, e em certa medida inversa à que comento,
em diferentes entrevistas, o entrevistado pode oferecer-
é a do entrevistado que tem rigidamente organizada sua
nos diferentes histórias ou diferentes esquemas de sua
história e seu esquema de vida presente, como meio de
defesa contra apenetração do entrevistador e ao seu pró- do de que o observador registra o que ocorre, os fenô-
prio contato com áreas de conflito de sua situação real menos que são externos e independentes dele, com abs-
e de sua personalidade; esse tipo de entrevistado repete tração ou exclusão total de suas impressões, sensações,
amesma história estereotipada em diferentes entrevistas, sentimentos e de todo estado subjetivo; um registro de
seja com omesmo ou com diferentes entrevistadores. tal tipo é o que permite a verificação do observado por
Quando vários integrantes deum grupo ou instituição terceiros que podem reconstruir as condições da obser-
(em família, escola, fábrica, etc.) são entrevistados, essas vação. Não interessa, agora, discutir a validade deste
divergências e contradições são muito mais freqüentes e esquema que já se mostrou estreito e ingênuo também
notórias e constituem dados muito importantes sobre co- para as mesmas ciências naturais. Interessa-me, em com-
mo cada um de seus membros organiza, numa mesma rea- pensação, observar que na entrevista o entrevistador é
lidade, um campo psicológico que lhe é específico. A to- parte do campo, quer dizer, em certa medida condiciona
talidade nos dá um índice fiel do caráter do grupo ou da os fenômenos que ele mesmo vai registrar. Coloca-se,
instituição, de suas tensões ou conflitos, tanto como de
então, a questão da validade dos dados assim obtidos.
sua organização particular edinâmica psicológica.
Tal summum de objetividade na investigação não se
De tudo o que foi exposto, deduz-se facilmente que a
cumpre em nenhum outro campo científico, emenos ain-
técnica e sua teoria estão estreitamente entrelaçadas com a
da em psicologia, na qual o objeto de estudo é ohomem.
teoria da personalidade com a qual se trabalha; o grau de
Em compensação, a máxima objetividade só pode ser
interação que um entrevistador é capaz de conseguir entre
alcançada quando se incorpora o sujeito observador co-
elas dá omodelo de sua operacionalidade como investiga-
mo uma das variáveis do campo.
dor.A entrevista não consiste em "aplicar" instruções, mas
Se o observador está condicionando o fenômeno que
em investigar a personalidade do entrevistado, ao mesmo
observa, pode-se objetar que, neste caso, não estamos
tempo que nossas teorias einstrumentos detrabalho.
estudando o fenômeno tal como ele é, mas sim em rela-
ção com a nossa presença, e, assim, já não se faz uma
observação em condições naturais.
A isso se pode responder, de modo global, dizendo
que esse tipo de objeção não é válido, porque se baseia
Nas ciências da natureza, segundo o ponto de vista em uma quantidade de pressuposições incorretas. Veja-
tradicional, a observação científica é objetiva, no senti- mos algumas dessas pressuposições.
Description:de vista teórico e técnico! dois temas Título original: TEMAS DE PSICOLOGÍA .. contar com dois fenômenos altamente significativos: a.