Table Of ContentCopyright © 2018 Jessé José Freire de Souza
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EDITOR RESPONSÁVEL
Rodrigo de Almeida
GERENTE EDITORIAL
Maria Cristina Antonio Jeronimo
PRODUTORA EDITORIAL
Mariana Bard
PREPARAÇÃO DE ORIGINAIS
Maria Clara Antonio Jeronimo
REVISÃO
Eduardo Carneiro
CAPA E PROJETO GRÁFICO
Leandro Dittz
DIAGRAMAÇÃO
Filigrana
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Angélica Ilacqua CRB-8/7057
Souza, Jessé
Subcidadania brasileira: para entender o país além do jeitinho brasileiro / Jessé
Souza. –- Rio de Janeiro : LeYa, 2018.
288 p.
ISBN 978-85-441-0728-7
1. Sociologia política 2. Ciências sociais 3. Política e governo – Brasil 4. Brasil -
Economia
18-0730 CDD 306.2
Índices para catálogo sistemático:
1. Sociologia política
Todos os direitos reservados à
EDITORA CASA DA PALAVRA LTDA.
Avenida Calógeras, 6 | sala 701
20030-070 – Rio de Janeiro – RJ
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Para minha mãe nos seus
95 anos
S
UMÁRIO
INTRODUÇÃO À NOVA EDIÇÃO
A IDEOLOGIA INVISÍVEL DO CAPITALISMO
Charles Taylor e uma nova e revolucionária noção de hierarquia
social
Pierre Bourdieu e a reconstrução da teoria crítica
O difícil casamento entre moralidade e poder
A MODERNIZAÇÃO SELETIVA BRASILEIRA
A singularidade da nova periferia
Patriarcalismo e escravidão
A constituição do poder pessoal: o dependente formalmente livre
Do poder pessoal ao poder impessoal
A SUBCIDADANIA COMO SINGULARIDADE
BRASILEIRA
O processo de modernização periférica e a constituição de uma ralé
estrutural
A ideologia espontânea do capitalismo tardio e a construção social
da desigualdade
A desigualdade nas sociedades periféricas
POSFÁCIO
NOTAS
INTRODUÇÃO À NOVA EDIÇÃO
O
presente livro, agora republicado pela editora LeYa, com nova
introdução, foi escrito entre 2001 e 2003. Ele representa meu
primeiro esforço sistemático de pensar a sociedade brasileira e seus
conflitos fundamentais de modo inovador. A inovação aqui é
teórica e implica construir um novo paradigma de explicação, ou
seja, um novo modo de se pensar e se compreender a sociedade
brasileira na sua totalidade. Ao mesmo tempo, representa, como
consequência lógica do objetivo inicial, uma nova forma de
perceber a própria relação entre o centro e a periferia do
capitalismo como um todo. Esta é, nem mais nem menos, a
ambição deste livro.
Antes de tudo, me interessava perceber as causas de nossa
abissal desigualdade social e por que essa questão era tornada
secundária pela leitura da corrupção patrimonialista como nossa
suposta questão central. À época de sua feitura, eu havia lançado
alguns anos antes o livro A modernização seletiva, pela editora da
UnB,1 no qual havia realizado a primeira crítica sistemática ao que
chamei de “culturalismo conservador” como interpretação liberal
conservadora dominante do Brasil moderno. Os dois livros são,
assim, partes de um mesmo projeto que venho realizando desde a
juventude: desconstruir a falsa teoria hegemônica sobre o Brasil,
que “tira onda” de crítica social, baseada no que chamaria mais
tarde de “corrupção dos tolos” e que logrou se tornar uma espécie
de “segunda pele” de todo brasileiro. Além disso, ultrapassando a
mera crítica, reconstruir as bases de uma verdadeira teoria crítica
sobre o Brasil moderno.
Assim, a crítica ao culturalismo conservador e à sua leitura do
brasileiro como “vira-lata” e corrupto, iniciada com A
modernização seletiva, foi desenvolvida mais tarde em vários
outros livros posteriores, como A ralé brasileira: quem é e como
vive2, A tolice da inteligência brasileira3 e, mais recentemente, no
livro A elite do atraso: da escravidão à Lava Jato4. Neste último
livro, faço a junção da crítica teórica à interpretação dominante
entre nós, com uma nova concepção do desenvolvimento histórico
brasileiro, tendo como centro a continuidade da escravidão até os
dias de hoje. Em resumo, a ideia que defendo é que no Brasil se
construiu um falso rompimento com o “racismo científico” que
explicava o comportamento diferencial de sociedades inteiras pela
cor da pele. O nosso “culturalismo” é, portanto, uma falsa
superação do racismo, já que serve aos mesmos propósitos do
chamado racismo científico, sendo seu mais perfeito “equivalente
funcional”.
Quando se apela para o estoque cultural – e não mais para a
cor da pele, branca ou negra – a fim de se explicar o
comportamento diferencial de indivíduos ou de sociedades inteiras,
temos sempre um aspecto central dessa ideia que nunca é discutido
ou percebido: seu racismo implícito. Minha tese é que o nosso
pensamento social muda o racismo explícito da cor da pele para um
racismo implícito, e por conta disso torna-se muito mais perigoso.
Onde reside o racismo implícito do nosso culturalismo? Ora,
precisamente no aspecto principal de todo racismo, que é a
separação ontológica entre seres humanos de primeira classe e seres
humanos de segunda classe. Assim, racismo é não apenas a
separação dos seres humanos por raças distintas, mas qualquer
separação que construa uma distinção ontológica, independente da
experiência concreta, entre os seres humanos.
Nietzsche dizia que o ser humano é um fio estendido entre o
animal e o divino. Como a Igreja cristã institucionalizou a
separação entre espírito e corpo como uma oposição entre salvação
e pecado, nós, filhos de 2 mil anos de trabalho diário dessas ideias,
hoje naturalizadas e não mais refletidas por ninguém, separamos o
mundo inteiro em espírito, tudo que é nobre, e corpo, tudo que é
ameaçador e digno de repressão. Assim, hoje em dia, separamos as
classes sociais em classes do espírito, as classes “superiores”, e
classes do trabalho manual e corporal, as classes “inferiores”. O
que implica perceber que o capitalismo reproduz a mesma
hierarquia moral que caracterizava a Igreja cristã, só que de modo,
agora, inarticulado e pré-reflexivo. Do mesmo modo, sem qualquer
mediação consciente, separamos as mulheres como afeto e corpo e
os homens como razão e distanciamento afetivo, e os brancos e os
negros segundo o mesmo princípio: o espírito diviniza e o corpo
animaliza os seres humanos. Tudo que represente o espírito, como
a inteligência e a moralidade, é percebido como superior e nobre,
embora nem sequer reflitamos mais sobre a origem dessas
avaliações. Por outro lado, tudo que seja associado ao corpo, como
os afetos, o sexo ou a agressividade, é percebido por todos nós
como vulgar, ameaçador e inferior.
Mas não são apenas as classes sociais, os gêneros e as raças
que são separados segundo essa oposição fundamental. Também as
sociedades como um todo. E é aí que entra nossa sociologia do
vira-lata, que é o culturalismo racista apontado contra nós mesmos.
O culturalismo do “estoque cultural” como substituto da cor da
pele, falso cientificamente como ele é, cumpre assim exatamente as
mesmas funções do racismo científico do século XIX. Ele se presta
a garantir uma sensação de superioridade e de distinção para os
povos e países que estão em situação de domínio e, desse modo,
legitimar e tornar merecida a própria dominação em dimensão
planetária.
Hoje em dia, na Europa e nos Estados Unidos, ninguém,
literalmente, deixa de se achar superior aos latino-americanos e
africanos. É por conta disso que a morte de alguns jornalistas
franceses em atentado terrorista comove o mundo inteiro, enquanto
os genocídios de milhões de pessoas na África interessam e
comovem pouco. Entre os melhores americanos e europeus, ou
seja, aqueles que não são conscientemente racistas, nota-se o
esforço politicamente correto de se tratar um africano ou um latino-
americano como se este fosse efetivamente igual. Ora, o mero
esforço já mostra a eficácia prática do preconceito que divide o
mundo entre pessoas de maior e de menor valor. É por conta disso
que a desigualdade ontológica efetivamente sentida, na dimensão
mais imediata das emoções, tem de ser negada por um esforço do
intelecto que se policia. Os rituais do politicamente correto são
explicáveis em grande medida por esse fato.