Table Of ContentSem olhos em Gaza
Aldous Huxley
tradução
V. de Miranda Reis
Copyright © 1936 by Laura Huxley
Copyright da tradução © 2001 by Editora Globo S. A.
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Texto fixado conforme as regras do novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (Decreto Legislativo no
54, de 1995).
Título original: Eyeless in Gaza
Editor responsável: Ana Lima Cecilio
Editor assistente: Erika Nogueira Vieira
Preparação: Thiago Blumenthal
Revisão: Vanessa Carneiro Rodrigues
Diagramação: Jussara Fino
Capa: Thiago Lacaz
Ilustração da capa: Catarina Bessel
Foto do autor: Mondadori/Getty Images
cip-brasil. catalogação na publicação
sindicato nacional dos editores de livros, rj
h984s
Huxley, Aldous
Sem olhos em Gaza / Aldous Huxley; Tradução: V. de Miranda Reis.
3a ed. – São Paulo: Globo, 2014.
Tradução de: Eyeless in Gaza
isbn 978-85-250-5677-1
1. Romance americano. i. Reis, V. de Miranda (Vicente de Miranda). ii. Título.
14-08665 cdd: 813
cdu: 821.111(73)-3
1ª edição, 1938; 2ª edição, 2001; 3ª edição, 2014
Direitos exclusivos de edição em língua portuguesa para o Brasil adquiridos
por Editora Globo S. A.
Av. Jaguaré, 1485
05346-902 São Paulo-SP
www.globolivros.com.br
Table of Content
Capa
Folha de rosto
Créditos
Epígrafe
Sobre o autor
Obras de Aldous Huxley pela Biblioteca Azul
Sem olhos em Gaza
CAPÍTULO I
CAPÍTULO II
CAPÍTULO III
CAPÍTULO IV
CAPÍTULO V
CAPÍTULO VI
CAPÍTULO VII
CAPÍTULO VIII
CAPÍTULO IX
CAPÍTULO X
CAPÍTULO XI
CAPÍTULO XII
CAPÍTULO XIII
CAPÍTULO XIV
CAPÍTULO XV
CAPÍTULO XVI
CAPÍTULO XVII
CAPÍTULO XVIII
CAPÍTULO XIX
CAPÍTULO XX
CAPÍTULO XXI
CAPÍTULO XXII
CAPÍTULO XXIII
CAPÍTULO XXIV
CAPÍTULO XXV
CAPÍTULO XXVI
CAPÍTULO XXVII
CAPÍTULO XXVIII
CAPÍTULO XXIX
CAPÍTULO XXX
CAPÍTULO XXXI
CAPÍTULO XXXII
CAPÍTULO XXXIII
CAPÍTULO XXXIV
CAPÍTULO XXXV
CAPÍTULO XXXVI
CAPÍTULO XXXVII
CAPÍTULO XXXVIII
CAPÍTULO XXXIX
CAPÍTULO XL
CAPÍTULO XLI
CAPÍTULO XLII
CAPÍTULO XLIII
CAPÍTULO XLIV
CAPÍTULO XLV
CAPÍTULO XLVI
CAPÍTULO XLVII
CAPÍTULO XLVIII
CAPÍTULO XLIX
CAPÍTULO L
CAPÍTULO LI
CAPÍTULO LII
CAPÍTULO LIII
CAPÍTULO LIV
Eyeless in Gaza at the Mill with Slaves
Milton, Samson Agonistes
Sem olhos em Gaza
CAPÍTULO I
30 de agosto de 1933
Os retratos já se iam cobrindo dessa turvação que costuma empanar nossas
lembranças. Em pé num jardim, aí pelo advento do século, essa moça tinha
qualquer coisa de uma aparição espectral em horas mortas. Era sua mãe, estava
reconhecendo Anthony Beavis. Um ou dois anos, talvez um mês ou dois, antes de
morrer. A moda é, porém, uma arte decorativa — eis o que se podia concluir dessa
visão sombria. Esses flancos de cisne! Esses seios longos projetando-se em linha
oblíqua, sem nenhuma relação perceptível com o corpo nu por baixo! E toda essa
cabeleira que, ornamentando, deformava o crânio! Estranhamente hediondo e
repelente parecia tudo isso em 1933. Se, entretanto, fechava os olhos — e o desejo
era irresistível — podia ver sua mãe, aqui, languidamente bela em sua chaise longue,
ali, agilmente jogando tênis, adiante deslizando célere, qual uma ave, por sobre o
gelo de remoto inverno.
Estavam no mesmo caso as fotografias de Mary Amberley, tiradas dez anos
mais tarde. A saia era comprida como nunca e, envolta em sua estreita campana de
panos, via-se ainda uma figura de mulher deslizando, vaporosa, como sobre
rodízios. Verdade era que os peitos se empinavam um pouco, ao passo que as
partes posteriores escondiam seus excessos. Mas a forma geral do corpo enroupado
permanecia, contudo, inverossímil. Caranguejo de colete. E esse imenso chapéu de
plumas de 1911 era simplesmente um funeral francês de primeira classe. Como
podia um homem normal ter-se enamorado de visão tão profundamente
antiafrodisíaca? E, entretanto, a despeito dos retratos, ele pôde recordar-se dela
como tendo sido a concretização mesma do desejo. Diante desse caranguejo
emplumado e de rodízios, seu coração tinha batido mais depressa, sua respiração
tornara-se apertada.
Vinte anos, trinta anos depois do fato, essas fotografias revelavam apenas
coisas vagas e estranhas. O estranho (horrível automatismo!) é, porém, sempre o
absurdo. O que lhe vinha à memória era, ao contrário, a emoção sentida quando o
estranho era ainda familiar, quando o absurdo, uma vez aceito, nada tinha em si de
absurdo. Hamlet vestido à moderna: eis o que são, sempre, os dramas da memória.
Como tinha sido bela sua mãe — bela sob esses cabelos enrolados em bandos
e apesar das saliências posteriores e dos seios em riste. E Mary, envolta, embora,
por essa carapaça e sob essas plumas funéreas, quanto desejo provocara! E também
ele, abrigado em seu casaco castanho-claro e com seu gorro escarlate; ou metido em
suas calças verde-capim; ou envergando o traje escolar de Norfolk — calções que
terminavam abaixo dos joelhos em dois apertados canos de pelica; ou, se era
domingo, com seu colarinho engomado e chapéu coco e, nos outros dias, com a
sua casquete escolar rubro-negra — ele também, recordando-se do que fora, revia-
se sempre vestido à moderna e jamais segundo a figurinha ridícula que esses
instantâneos denunciavam. Não se achava em pior situação, como sentimento
interior, do que os petizes de trinta anos depois em suas camisetas de jérsei e suas
calças curtas. Prova de que o progresso pode ser somente registrado e jamais
experimentado — essa, a reflexão impessoal que acudiu a Anthony ao examinar sua
própria imagem encasacada e de chapéu alto em Eton. Tomou um caderno de
notas, abriu-o e escreveu: “O progresso pode, talvez, ser percebido pelos
historiadores; nunca, porém, sentido pelos reais participantes do suposto avanço.
Os moços já encontram, ao nascerem, as condições de progresso e os velhos têm-
nas por naturais dentro de alguns meses ou anos. O progresso não é sentido como
tal. Nenhum sentimento de gratidão. O que se nota é somente irritação, quando,
por uma razão qualquer, falham os recém-introduzidos elementos de conforto e
bem-estar. Os homens não passam o tempo a dar graças a Deus pelos seus
automóveis. Praguejam, isso sim, quando o carburador está obstruído”.
Fechou o caderno e voltou a vista para o chapéu alto de 1907.
Um ruído de passos fê-lo erguer os olhos. Viu Helena Ledwidge
aproximando-se com aqueles seus passos largos através do terraço. Refletiam-se-lhe
no rosto, sob o chapéu largo, as cores flamejantes do seu pijama de praia. Como se
estivesse no inferno. Sim, era aí que ela estava, continuava ele a pensar. O inferno
está no espírito. Ela trazia sempre o inferno consigo. O inferno de seu grotesco
casamento e, talvez, também outros infernos. Ele, porém, sempre se abstivera de
aprofundar essas coisas, fingira sempre não notar a sua boa vontade em guiá-lo
nesse labirinto. Pressentia que uma investigação nesse sentido o levaria sabe Deus a
que abismo de emoções e a que senso de responsabilidade, para as quais sentia que
lhe faltavam tempo e energia. Em primeiro lugar estava o seu trabalho. Contendo a
curiosidade, continuava, obstinado, a representar o papel de que desde muito se
incumbira: o papel do filósofo insulado, do homem de ciência preocupado, incapaz
de ver as coisas que para os demais são óbvias. Conduzia-se como se nada pudesse
descobrir no rosto dela a não ser sua beleza de forma e contextura. Se bem que a
carne nunca seja, por certo, de uma opacidade completa e a alma se deixe ver
através das paredes de seu receptáculo. Naqueles seus olhos pardo-claros, naquela
boca com o lábio superior ligeiramente arregaçado, havia certa dureza, quase
fealdade, tristeza e ressentimento.
Bastaram alguns passos, do sol para a sombra da casa, para que se apagasse
aquele brilho infernal do rosto dela; mas a palidez que sobreveio súbita serviu
apenas para tornar-lhe mais intensa a amarga melancolia da expressão. Anthony
olhou para ela sem se levantar nem saudá-la. Haviam combinado entre si a abolição
de toda e qualquer cerimônia; nem mesmo esta, de se dizerem bom-dia. Quando
Helena transpôs as portas de vidro e entrou na sala, ele voltou ao exame de suas
fotografias.
— Aqui estou — disse ela sem sorrir. Tirou o chapéu e com um belo
movimento de impaciência sacudiu a cabeça, atirando para trás os cabelos fulvo-
escuros. — Calor horrível! — Jogou o chapéu no sofá e, atravessando a sala, foi
para junto de Anthony sentado à mesa de trabalho. — Não trabalha? — perguntou
surpresa, pois era quase sempre mergulhado em livros e papéis que
o encontrava.
Ele, meneando a cabeça: — Não quero saber de sociologia hoje.
— Que é que está olhando? — E, de pé junto à cadeira, ela debruçou-se para
ver as fotografias dispersas.
— Meus velhos cadáveres — disse ele estendendo-lhe o espectro do “falecido”
estudante de Eton.
Ela examinou-o por um momento em silêncio e comentou: — Bonito, que
Description:O TГtulo deste romance deriva de um verso de John Milton (1608-1674) - um poeta cego-, que na tragГ©dia Samson Agonistes descreve a personagem bГblia SansГЈo como "sem olhos em Gaza, no moinho com os escravos". Huxley, que quase perdera a visГЈo na adolescГЄncia, escolhe este verso com