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A Tirania das Marcas em um Planeta Vendido
NAOMI KLEIN
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“Conhecimento não se compra, se compartilha.”
Pode-se não perceber nada na superfície, mas nas
profundezas o inferno está em chamas.
- Y.B. Mangunwijaya, escritor indonésio, 16 de julho de 1998
Para Avi
AGRADECIMENTOS
O processo de quatro anos de preparação de Sem logo, de sua concepção até o livro
acabado, foi estimulante. Não foi, entretanto, indolor, e contei muito com o apoio, compreensão
e a experiência dos que me cercavam.
Foi uma grande honra para mim ter como editora de texto Louise Dennys, cujo rigor
intelectual e compromisso pessoal para com a liberdade de expressão e os direitos humanos
aguçaram os argumentos deste livro e suavizaram minhas arestas como escritora. Sua mágica
transformou este livro.
Minha assistente de pesquisa, Paula Thiessen, localizou muitos dos mais obscuros fatos e
fontes. Ela trabalhou mais de dois anos, incansavelmente, coletando as estatísticas que
compõem os muitos gráficos originais deste livro, extraindo fatos de cadeias de varejo
cautelosas e convencendo órgãos governamentais de todo o mundo a lhe mandarem relatórios
inéditos. Ela também conduziu a pesquisa iconográfica do livro, foi uma influência
tranqüilizadora e uma colega que me apoiou durante o que freqüentemente é um trabalho
solitário.
Meus agentes no Westwood Creative Artists, Bruce Westwood e Jennifer Barclay,
encararam o que muitos considerariam um projeto arriscado com entusiasmo e determinação
inesgotáveis. Procuraram no mundo editorial internacional por almas irmãs que não apenas
publicassem Sem logo, mas também o promovessem: Reagan Arthur e Philip Gwyn Jones.
A excepcional equipe da Knopf Canada foi calorosa e serena em todas as crises. Sou grata
a Michael Mouland, Mikki Barrett, Noelle Zitzer e Susan Burns, bem como à talentosa e
dedicada equipe de editores de texto que fortaleceram, aperfeiçoaram, ordenaram e conferiram
o texto deste livro: Doris Cowan, Alison Reid e Deborah Viets.
Tenho uma profunda dívida para com John Honderich, editor do Toronto Star, que me
atribuiu uma coluna regular em seu jomal quando eu era jovem demais; um espaço que me
permitiu, por quase cinco anos, desenvolver as idéias e os contatos que formam a base deste
livro. Meus editores no Star — Carol Goar, Haroon Siddiqui e Mark Richardson - deram-me
enorme apoio em minhas licenças do trabalho e ainda me desejaram êxito quando deixei a
coluna para concentrar minha atenção neste projeto. A redação de Sem logo começou para valer
como um artigo para o Village Voice sobre culture jamming e tenho uma dívida para com Miles
Seligman por seus insights editoriais. Meu editor em Saturday Night, Paul Tough, apoiou-me
com prazos dilatados, dicas de pesquisa e temas relacionados com Sem logo, incluindo uma
viagem ao Roots Lodge, que me ajudou profundamente a compreender as aspirações utópicas
do branding.*
Recebi valiosa assistência em pesquisa de ldella Sturino, Stefan Philipa e Maya Roy.
Mark Johnston me auxiliou em meus contatos em Londres, Bern Jugunos fez o mesmo em
Manila e Jeff Ballinger em Jacarta. Centenas de indivíduos e organizações também cooperaram
com a pesquisa, mas algumas pessoas foram além do que lhes foi proposto e me cobriram de
estatísticas e dados: Andrew Jackson, Janice Newson, Carly Stasko, Leah Rumack, Mark
Hosler, Dan Mills, Bob Jeffcott, Lynda Yanz, Trim Bissell, Laird Brown e, acima de todos,
Gerard Greenfield. Ótimas e suculentas informações chegaram-me, sem solicitação anterior,
por carta e e-mail, de Doug Saunders, Jesse Hirsh, Joey Slinger, Paul Webster e incontáveis
outros anjos eletrônicos. A Biblioteca de Referência de Toronto, a Organização Internacional
do Trabalho, o site da Corporate Watch, a Maquila Solidarity Network, The Baffler, SchNEWS,
Adbusters e os servidores de listas de discussão do Tao Collective foram inestimáveis para
minha pesquisa.
Sou também grata a Leo Panitch e Mel Watkins por me convidarem a falar em
conferências que me ajudaram a preparar a tese logo no início, e a meus colegas do conselho
editorial de This Magazine por sua generosidade e encorajamento.
Vários amigos e familiares leram os originais e ofereceram conselhos e dicas: Michele
Landsberg, Stephen Lewis, Kyo Maclear, Cathie James, bem como Bonnie, Michael, Anne e
Seth Klein. Mark Kingwell foi um amigo querido e mentor intelectual. Sara Borins foi minha
primeira e mais entusiasmada leitora - da proposta e do primeiro rascunho - e foi a fabulosa
Sara que insistiu que Sem logo deveria ter um projeto gráfico compativel com o espírito de seu
conteúdo. Nancy Friedland, John Montesano, Anne Baines e Rachel Giese me hospedaram nas
ocasiões em que eu não podia ser encontrada por ninguém. Meu falecido avô, Philip Klein, que
trabalhou como desenhista de animação para a Walt Disney, ensinou-me uma lição valiosa no
inicio de minha vida: sempre procurar a sujeira por trás do brilho.
Minha maior dívida é para com meu marido, Avi Lewis, que por anos me recebeu toda
manhã com uma xícara de café e com uma pilha de recortes das seções de negócios dos jornais.
Neste projeto, Avi foi um parceiro de todas as formas possíveis: ficava até tarde da noite me
ajudando a desenvolver as idéias deste livro; acompanhou-me em numerosas incursões de
pesquisa, de imensos shoppings suburbanos a zonas industriais voltadas para exportação na
Indonésia; e editou os originais em seus múltiplos estágios com a atenção de um centurião. Para
o bem de Sem logo, ele permitiu que nossas vidas fossem inteiramente marcadas pelo livro,
dando-me a liberdade e o luxo de ser plenamente monopolizada por ele.
_______________
* Branding: o processo de estabelecer e gerenciar imagens, percepções e associações pelas quais o consumidor se
relaciona com um produto ou empresa. (JV. da E.)
OBS: Notas na página 331.
INTRODUÇÃO
UMA TEIA DE MARCAS
Se semicerrar os olhos, inclinar minha cabeça e fechar o olho esquerdo, tudo que consigo
ver do outro lado da janela é 1932, exatamente abaixo do lago. Armazéns marrons, chaminés
cor de aveia, letreiros desbotados pintados em paredes de tijolos divulgando marcas há muito
desaparecidas: "Lovely", "Gaywear". É a velha Toronto industrial, de fábricas de roupas, peles
e vestidos de noiva. Até agora ninguém pensou em uma forma de se beneficiar da demolição
dessas caixas de tijolos, e em seu pequeno raio de oito ou nove quadras a cidade moderna foi
disposta em camadas aleatórias sobre a antiga.
Escrevi este livro quando estava morando no fantasma de um distrito industrial de
Toronto, em um armazém de dez pavimentos. Muitas outras construções como essa foram há
muito arruinadas, vidraças estilhaçadas, chaminés com sua respiração presa; a única função
capitalista que lhes restou foi hastear grandes cartazes cintilantes em seus telhados cobertos de
breu, lembrando aos motoristas presos nos engarrafamentos da via expressa que margeia o lago
da existência da cerveja Molson, dos carros Hyundai e da FM EZ Rock.
Nos anos 20 e 30, imigrantes russos e poloneses corriam de um lado para outro nessas
ruas, mergulhando em delis para discutir Trotski e a liderança do Sindicato Internacional de
Operários da Indústria de Vestuário Feminino. Naquela época, velhos portugueses ainda
empurravam estantes de vestidos e casacos pela calçada, e na porta ao lado você ainda pode
comprar uma grinalda com imitação de diamantes se surgir a necessidade de tal objeto (uma
fantasia de Halloween, ou talvez uma peça encenada na escola...). A verdadeira atividade,
contudo, pode ser vista quando descemos a quadra, entre pilhas de jóias comestíveis na Sugar
Mountain, a meca retrô dos doces, aberta até as duas da manhã para servir à irônica ânsia
noturna de jovens clubbers. E uma loja no térreo continua a ter um comércio modesto de
manequins nus e carecas, embora mais freqüentemente seja alugada como cenário surreal para
um projeto de cinema estudantil ou como um trágico e melancólico pano de fundo para uma
entrevista de TV.
As décadas em camadas na Spadina Avenue, como tantos bairros urbanos em semelhante
estado de limbo pós-industrial, têm um encanto acidental maravilhoso. Os lofts e estúdios estão
repletos de pessoas que sabem estar interpretando seu papel em uma peça de arte performática
urbana, mas a maioria faz o máximo para não dar atenção ao fato. Se alguém reclamasse demais
a propriedade sobre a "verdadeira Spadina", todos os demais começariam a se sentir
insignificantes, e todo o edifício desmoronaria.
Por isso foi tão lamentável que a prefeitura achasse conveniente encomendar uma série de
instalações artísticas públicas para "comemorar" a história da Spadina Avenue. Primeiro vieram
figuras em aço empoleiradas nos postes de iluminação: mulheres debruçadas sobre máquinas de
costura e bandos de trabalhadores em greve agitando cartazes com slogans indecifráveis.
Depois aconteceu o pior: chegou o dedal de bronze gigante - bem na esquina de meu quarteirão.
Era assim: quase quatro metros de altura e três metros de largura. Dois enormes botões caiam
estalando na calçada próxima, com mirradas arvorezinhas crescendo de seus buracos. Ainda
bem que Emma Goldman, a famosa anarquista e sindicalista que viveu nesta rua no final da
década de 1930, não está por perto para testemunhar a transformação da luta dos operários
têxteis em uma exploração kitsch de mão-de-obra.
O dedal é apenas a manifestação mais ostensiva de uma nova e penosa autoconsciência
naquele quarteirão. Em toda parte, à minha volta, velhos prédios de fábricas estão sendo
redivididos e convertidos em complexos de "lofts residenciais" com nomes como "The Candy
Factory". As roupas baratas da industrialização já foram arruinadas por espirituosas idéias da
moda - uniformes descartáveis para operários, jeans de marca Diesel's Labor e botas Caterpillar.
Assim, é claro que há também um explosivo mercado para condomínios em antigas fábricas,
luxuriantes edifícios reformados com encanamentos expostos, banheiros revestidos de ardósia,
garagens subterrâneas, academias de ginástica no terraço e serviços 24 horas por dia.
Até agora meu senhorio, que fez fortuna fabricando e vendendo sobretudos London Fog,
tem se recusado obstinadamente a vender nosso prédio para o transformar em um condomínio
com pés-direitos excepcionalmente altos. Um dia ele cederá, mas por enquanto ainda resta um
punhado de fabricantes de roupas como inquilinos, cujos negócios são pequenos demais para
que se transfiram para a Ásia ou a América Central e que por alguma razão não estão dispostos
a seguir a tendência do setor de pagar por peça a profissionais que trabalham em casa. O resto
do prédio é alugado a instrutores de ioga, produtores de documentários, designers gráficos,
escritores e artistas que usam o mesmo espaço para morar e trabalhar. Os rapazes malvestidos
que ainda vendem casacos na sala ao lado parecem ficar terrivelmente assustados quando vêem
os clones de Marylin Manson pisando duro pelo hall a caminho do banheiro comunitário,
cheios de correntes, vestindo botas com canos até as coxas e agarrados a seus tubos de pasta de
dente, mas o que eles podem fazer? Por enquanto estamos todos juntos aqui, apanhados entre a
dura realidade da globalização econômica e a estética de resistência dos clipes de rock.
JACARTA - "Pergunte a ela o que ela faz... o que diz a etiqueta. Entendeu? A etiqueta",
disse eu, apalpando minha nuca e puxando para cima a gola da camiseta. Aquelas trabalhadoras
indonésias já estavam acostumadas a pessoas como eu: estrangeiros que vinham conversar com
elas sobre as terríveis condições nas fábricas onde cortavam, costuravam e colavam para
empresas multinacionais como Nike, Gap e Liz Claiborne. Mas essas costureiras em nada se
pareciam com as idosas operárias que encontro no elevador voltando para casa. Eram todas
jovens, algumas com apenas 15 anos; somente poucas tinham mais de 21.
Nesse dia de agosto de 1997, as terríveis condições em questão tinham levado a uma
greve na fábrica de roupas Kaho lndah Citra localizada nos arredores de Jacarta, na zona
industrial Kawasan Berikat Nusantar. O problema das trabalhadoras da Kaho, que ganham o
equivalente a 2 dólares por dia, era que estavam sendo obrigadas a cumprir longas horas extras,
mas não eram pagas por seu trabalho de acordo com o que reza a lei. Depois de três dias de
paralisação, a gerência propôs um acordo típico de uma região com um relacionamento
notadamente frouxo com a legislação trabalhista: as horas extras não seriam mais compulsórias,
mas a remuneração continuaria ilegalmente baixa. As 2 mil trabalhadoras voltaram a suas
máquinas de costura: todas, exceto 101 jovens que - concluiu a gerência - eram as baderneiras
que estavam por trás da greve. "Até agora nosso problema não foi resolvido", disse-me uma das
trabalhadoras, explodindo de frustração e sem a perspectiva de uma solução.
Fui solidária, é claro, mas, sendo estrangeira e ocidental, queria saber que marca de
roupas elas produziam na fábrica Kaho - se iria trazer sua história para casa, queria ter meu
gancho jornalístico. Então aqui estávamos nós, dez pessoas,amontoadas em uma caixa de
concreto apenas um pouco maior que uma cabine telefônica, jogando uma animada rodada de
charadas trabalhistas.
- Esta empresa produz mangas compridas para o frio - ofereceu uma trabalhadora.
Arrisquei:
- Suéteres?
- Acho que suéteres não. Se você se arruma para sair e você tem frio, você tem um...
- Casaco! - adivinhei.
- Mas não pesado. Leve.
- Paletó!
- É, como paletós, mas não paletós... compridos.
A confusão é compreensível: não há muita necessidade de sobretudos no Equador, nem no
armário, nem no vocabulário. Todavia, cada vez mais os canadenses enfrentam seus frios
invernos com roupas fabricadas não por obstinadas costureiras da Spadina Avenue, mas por
jovens asiáticas que trabalham em climas quentes como este. Em 1997, o Canadá importou US$
11,7 milhões de anoraques e casacos de esqui da Indonésia, US$ 4,7 milhões a mais em relação
a 1993.1 Disso eu já sabia. O que não sabia ainda era a marca dos longos paletós que as
trabalhadoras da Kaho costuravam antes de perderem seus empregos.
- Longos, entendi. E qual é a etiqueta? - perguntei novamente. Houve alguma consulta
silenciosa e então, finalmente, uma resposta:
- London Fog.
Uma coincidência global, imagino, e comecei a contar às trabalhadoras da Kaho que meu
apartamento em Toronto havia sido uma fábrica da London Eog, mas parei abruptamente
quando a expressão em seus rostos deixou evidente que a idéia de alguém escolher morar no
prédio de uma fábrica de roupas era no mínimo alarmante. Nesta parte do mundo, centenas de
trabalhadoras ardem todo ano até a morte porque seus quartos ficam em prédios sem condições
de segurança contra incêndio.
Sentada de pernas cruzadas no chão de concreto do minúsculo quarto, pensei em meus
vizinhos em casa: o instrutor de ioga Ashtanga no segundo, os animadores comerciais no
quarto, os distribuidores de velas para aromaterapia no oitavo andar. Parece que as jovens na
zona de processamento de exportação são como colegas de quarto, ligadas, como acontece com
tanta freqüência, por uma teia de tecidos, cordões de calçados, franquias, ursinhos de pelúcia e
marcas cobrindo todo o mundo. Outra logomarca que tínhamos em comum era a Esprit,
também uma das grifes fabricadas naquela área. Quando adolescente, trabalhei como balconista
em uma loja que vendia roupas Esprit. E, é claro, no McDonald's: haviam acabado de inaugurar
uma franquia perto da Kaho, o que frustrava as trabalhadoras, porque sua alegada comida
barata estava completamente fora de seu orçamento.
Em geral, os relatos sobre essa teia global de logos e produtos são expressos na eufórica
retórica de marketing da aldeia global, um lugar incrível, onde tribos das mais remotas florestas
tropicais digitam em laptops, avós sicilianas conduzem E-business e "adolescentes globais"
compartilham, pedindo emprestado uma expressão de um site da Levi's, "uma cultura de estilo
mundial".2 Todo mundo, da Coca-Cola ao McDonald's e à Motorola, montou sua estratégia de
marketing em torno dessa visão pós-nacional, mas é a velha campanha da IBM, "Soluções para
um mundo pequeno", que exprime com maior eloqüência a promessa equalizadora do mundo
ligado pela logomarca.
Não faz muito tempo que se desgastou a empolgação inspirada por essas versões maníacas
da globalização, revelando as rachaduras e fissuras sob sua fachada lustrosa. Cada vez mais,
nos últimos quatro anos, nós, no Ocidente, temos vislumbrado outro tipo de aldeia global, onde
as diferenças econômicas estão aumentando e as opções culturais diminuindo.
Esta é uma aldeia em que algumas multinacionais, longe de alavancar o campo global com
empregos e tecnologia para todos, está explorando o mais pobre país do planeta em troca de
lucros inimagináveis. Esta é a aldeia onde vive Bill Gates, acumulando uma fortuna de US$ 55
bilhões enquanto um terço de sua força de trabalho é classificada como de trabalhadores
temporários, e onde os concorrentes ou são incorporados ao monolito da Microsoft ou tornam-
se obsoletos pela mais recente proeza da empresa de software. Esta é a aldeia onde estamos
conectados aos outros, na verdade, através de uma teia de marcas, mas por baixo da teia vêem-
se bairros miseráveis, como um que visitei em Jacarta. A IBM afirma que sua tecnologia abarca
o mundo, e assim é, mas com freqüência sua presença internacional assume a forma de uma
mão-de-obra barata de Terceiro Mundo produzindo os chips de computador e fontes de energia
que dão vida a suas máquinas. Nos arredores de Manila, por exemplo, conheci uma garota de
17 anos que monta drives de CD-ROM para a IBM. Disse a ela que estava impressionada com
o fato de alguém tão jovem poder fazer um trabalho de tão alta tecnologia. "Fazemos
computadores", disse-me ela, "mas não sabemos como operá-los." Nosso mundo, ao que
parece, não é tão pequeno afinal.
Seria ingenuidade acreditar que os consumidores ocidentais não se beneficiaram dessas
divisões globais desde os primeiros dias do colonialismo. O Terceiro Mundo, como dizem,
sempre existiu para o conforto do Primeiro. Um desenvolvimento relativamente recente,
entretanto, é que o interesse investigativo parece se voltar para os pontos de origem, sem grife,
de produtos com marcas. As viagens dos tênis Nike têm sido rastreadas até o trabalho semi-
escravo no Vietnã, as pequenas roupas da Barbie até a mão-de-obra infantil de Sumatra, os
cafés da Starbucks aos cafeicultores castigados pelo sol da Guatemala, e o petróleo da Shell às
aldeias poluídas e empobrecidas do delta do Níger.
O título Sem logo não deve ser interpretado como um slogan literal (como em Chega de
Logos!), ou como um logo pós-logo (já existe uma linha de roupas No Logo, ou assim me
disseram). Em vez disso, é uma tentativa de apreender uma atitude anticorporação que vejo
surgir entre muitos jovens militantes. Este livro apóia-se em uma hipótese simples: quando mais
pessoas descobrirem os segredos das grifes da teia logo mundial, a revolta estimulará o próximo
grande movimento político, uma grande onda de oposição dirigida contra corporações
transnacioais, particularmente aquelas com marcas muito conhecidas.
Devo enfatizar, contudo, que este não é um livro de previsões, mas de observações em
primeira mão. É um exame de um sistema muito secreto de informação, protesto e
planejamento, um sistema que já está operando, com suas atividades e idéias, atravessando
muitas fronteiras nacionais e várias gerações.
Há quatro anos, quando comecei a escrever este livro, minha hipótese baseava-se
principalmente em um palpite. Pesquisei um pouco em universidades e comecei a observar que
muitos estudantes estavam preocupados com as incursões das corporações privadas em suas
faculdades públicas. Irritavam-se com a publicidade, que surgia sorrateiramente pelas cantinas,
salas de uso comum, até nos banheiros; que suas faculdades estavam se envolvendo em acordos
de distribuição exclusiva com empresas de refrigerantes e fabricantes de computadores, e que
os estudos acadêmicos começavam a se parecer cada vez mais com pesquisa de mercado.
Preocupavam-se com o que estava acontecendo com sua educação à medida que a
instituição passava a priorizar aqueles programas que conduziam a mais parcerias com o setor
privado. Também tinham sérias preocupações éticas em relação às práticas de algumas
corporações com as quais suas faculdades estavam se envolvendo - não tanto suas atividades no
campus, mas suas práticas fora dele, em países como a Birmânia, a Indonésia e a Nigéria.
Foi somente alguns anos atrás, depois que deixei a universidade, que percebi ter havido
uma súbita mudança no foco político; cinco anos antes, a política universitária lidava apenas
com questões de discriminação e identidade - raça, gênero e sexualidade, "as guerras do
politicamente correto". Agora o foco se ampliava e incluía o poder corporativo, os direitos
trabalhistas e uma análise razoavelmente desenvolvida do trabalho na economia global. É
verdade que esses estudantes não compõem a maioria de seu grupo demográfico - na verdade,
esse movimento tem sua gênese, como todos os movimentos, em uma minoria, mas é uma
minoria incrivelmente poderosa. Para dizer com simplicidade, o anticorporativismo é o que
distingue a política que captura a imaginação da próxima geração de encrenqueiros e
agitadores, e precisamos somente olhar para os estudantes radicais da década de 1960 e os
guerreiros da identidade dos anos 80 e 90 para ver o impacto transformador que tal mudança
pode ter.
Mais ou menos na mesma época, em minhas reportagens para revistas e jornais, também
comecei a perceber idéias similares no centro de uma onda de recentes campanhas sociais e
ambientais. Como os militantes universitários que conheci, os líderes dessas campanhas
concentravam-se nos efeitos do patrocínio corporativo agressivo e na privatização do espaço
público e da vida cultural, tanto global quanto localmente. Guerras eram travadas em pequenas
cidades da América do Norte para manter afastados grandes varejistas como a Wal-Mart.
Houve o caso "McLibel" (McCalúnia) em Londres, envolvendo dois ambientalistas britânicos
que transformaram um processo de calúnia lançado contra eles pelo McDonald's em uma
ciberplataforma que colocou em julgamento a onipesente rede de franquias de alimentos.
Houve uma explosão de protestos e ações dirigidos contra a Shell Oil depois do chocante
enforcamento do escritor e ativista anti-Shell, o nigeriano Ken Saro-Wiwa.