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XLV
JEAN-PAUL SARTRE
O EXISTENCIALISMO
é um humanismo
*
A IMAGINAÇÃO
*
QUESTÃO de método
MARTIN HEIDEGGER
CONFERÊNCIAS E
ESCRITOS FILOSÓFICOS
EDITOR: VICTOR CIVITA
Títulos originais:
Textos de Sartre: UExistentialisme est un Humanisme —
LTmagination — Question de Méthode
Textos de Heidegger: Was ist das - die Philosophie? — Was is Metaphysik?
Zur Sache des Denkens — Vom Wesen des Grundes —
Vom Wesen der Wahrheit — Über den “Humanismus”, Brief an Jean Beaufret, Paris —
Identitãt und DifTerenz — Hegel und die Griechen —
Aus der Letzten Marburger Vorlesung — Kants These über das Sein
l.a edição — setembro 1973
© — Copyright desta edição, 1973, Abril S.A. Cultural e Industrial, São Paulo.
Traduções publicadas sob licença de: Les Éditions Nagel, Paris,
e Editorial Presença Ltda.. Lisboa (O Existencialismo é um Humanismo);
Presses Universitaires de France, Paris, e Difusão Européia
do Livro, São Paulo (A Imaginação); Librairie Gallimard, Paris, e Difusão
Européia do Livro, São Paulo (Questão de Método);
Max Niemeyer Verlag, Tübingen (O Fim da Filosofia e a Tarefa do Pensamento,
Tempo e Ser, Protocolo do Seminário sobre a Conferência “Tempo e Ser”,
Meu Caminho para a Fenomenologia); Vittorio Klostermann, Frankfurt-am-Main
(Que é Metafísica?, Sobre a Essência do Fundamento,
Sobre a Essência da Verdade, Hegel e os Gregos, A Tese de Kant sobre o Ser,
Determinação do Ser do Ente Segundo Leibniz); Verlag Günther Neske.
Pfullingen (Que é Isto — a Filosofia?, Identidade e Diferença, O Princípio
de Identidade, Constituição Onto-teo-lógica da Metafísica);
Francke Verlag, Berna, e Guimarães Editores, Lisboa (Sobre o “Humanismo”).
Sumario
JEAN PAUL SARTRE
O Existencialismo é um Humanismo ......................................................... 7
A Imaginaçao ............................................................................................... 39
Questão de Método .................................................................................... 115
MARTIN HEIDEGGER
Que e Isto — a Filosofia? ......................................................................... 205
Que e'Metafísica? ........................................................................................ 223
O Fim da Filosofia e a Tarefa do Pensamento ..................................... 263
Sobre a Essência do Fundamento ........................................................... 281
Sobre a Essência da Verdade .................................................................. 325
Sobre o “Humanismo” ................................................................................. 345
Identidade e Diferença ............................................................................. 375
O Princípio de Identidade ......................................................................... 377
A Constituição Onto-te-logica da Metafísica ......................................387
Hegel e os Gregos ...................................................................................... 401
A Determinação do Ser do Ente Segundo Leibniz ............................... 413
A Tese de Kant sobre o Ser ....................................................................... 429
Tempo e Ser ................................................................................................... 453
Protocolo do Seminário Sobre a Conferência “Tempo e ser” ......... 471
Meu Caminho para a Fenomenologia ..................................................... 493
JEAN-PAUL SARTRE
O EXISTENCIALISMO
É UM HUMANISMO'
Tradução e notas de Vergílio Ferreira
*Este opúsculo é a redação de uma conferência pronunciada primeiramente no Club Maintenant e repetida
depois em privado para que os adversários expusessem suas objeções.
Heidegger, pp. 43 ss. Ver também, de Sartre, L ’Etre. . . pp. 250 ss).
Gostaria de defender aqui o existencialismo contra um certo CRÍTICAS
número de críticas que lhe têm sido feitas. FEITAS AO
EXISTENCIALISMO
Primeiramente, criticaram-no por incitar as pessoas a permane
cerem num quietismo de desespero, porque, estando vedadas todas as
soluções, forçoso seria considerar a ação neste mundo como total
mente impossível e ir dar por fim a uma filosofia contemplativa, o que
aliás nos reconduz a uma filosofia burguesa, já que a contemplação é
um luxo. Nisto consistem sobretudo as críticas comunistas.
Por outro lado, criticaram-nos por acentuarmos a ignomínia CRÍTICAS
humana, por mostrarmos em tudo o sórdido, o equívoco, o viscoso, e DOS MARXISTAS
por descurarmos um certo número de belezas radiosas, o lado lumi
noso da natureza humana; por exemplo, segundo Mlle. Mercier, crítica
católica, nós esquecemos o sorriso da criança.1 Uns e outros censu-
ram-nos por não termos atendido à solidariedade humana, por admi
tirmos que o homem vive isolado, em grande parte aliás porque parti
mos, dizem os comunistas, da subjetividade pura, quer dizer, do “eu
penso” cartesiano, quer dizer, ainda, do momento em que o homem se
atinge na sua solidão, o que nos tornaria incapazes, por conseqüência,
de regressar à solidariedade com os homens que existem fora de mim
e que não posso atingir no cogito.
E do lado cristão, censuram-nos por negarmos a realidade e o CRÍTICAS
lado sério dos empreendimentos humanos, visto que, se suprirmos os DOS CATÓLICOS
mandamentos de Deus e os valores inscritos na eternidade, só nos
resta a estrita gratuidade, podendo assim cada qual fazer o que lhe
apetecer, e não podendo, pois, do seu ponto de vista, condenar os pon
tos de vista e os atos dos outros.
Tais são as censuras a que eu procuro responder hoje. E esta é a
razão por que dei a esta pequena exposição o título de: o existencia
lismo é um humanismo. Admirar-se-ão muitos de que se fale aqui de
humanismo. Tentaremos ver em que sentido o entendemos. Em todo 1
1 A criança, se se quiser, e como vimos, não aparece na obra de Sartre. Tem, porém,
não bem a criança mas o adolescente, um papel importante na novela Le Mur e em
Morts sans Sépulture. Em Les Mots (1964) Sartre anota que o interesse pelas crianças
(e animais) é muitas vezes sinal de desinteresse pelos homens. E recorde-se, ainda, que
a ausência da criança na literatura francesa em geral é um fato anotado por Gide no
seu Dostoiévski.
10 SARTRE
caso, o que desde já podemos dizer é que entendemos por existencia-
lismo uma doutrina que torna a vida humana possível e que, por outro
lado, declara que toda a verdade e toda a ação implicam um meio e
uma subjetividade humana. A principal crítica que nos fazem, como se
PESSIMISMO E
sabe, é a de acentuarmos o lado mau da vida humana. Uma senhora de
EXISTENCIALISMO
quem me falaram recentemente, quando por nervosismo deixa escapar
uma palavra menos própria, declara para se desculpar: parece-me que
estou a tornar-me existencialista. Por conseguinte, alia-se a fealdade
ao existencialismo; eis por que se diz que somos naturalistas; e se o
NATURALISMO E somos, há razão para que se espantem de assustarmos, de escandali
EXISTENCIALISMO zarmos muito mais do que o naturalismo propriamente dito hoje
assusta e indigna. Sujeitos que encaixam perfeitamente um romance de
Zola, como A Terra, ficam enojados quando léem um romance
existencialista; outros que utilizam a sabedoria das nações — que é
bem triste — acham-nos a nós ainda mais tristes. No entanto, que há
de mais desencorajante do que dizer “a caridade bem ordenada come
ça por nós”, ou, ainda, “faz bem ao vilão, morder-te-á a mão; castiga
o vilão, beijar-te-á a mão”? Todos conhecemos os lugares-comuns que
a este propósito se podem utilizar e que querem dizer sempre o
mesmo: não devemos lutar contra os poderes estabelecidos, não deve
mos lutar contra a força, não devemos empreender nada para lá dos
nossos limites, toda açãó que se não insere numa tradição é um
romantismo, toda tentativa que se não apóia numa experiência reali
A SABEDORIA zada está votada ao fracasso; e a experiência mostra como os homens
DAS NAÇÕES tendem sempre para o mais baixo, como são necessários esteios sóli
dos para se agüentarem, quando não, é a anarquia. São, no entanto, as
pessoas que repisam estes tristes provérbios as que dizem “como é
humano” cada vez que se lhes mostra um ato mais ou menos repug
nante; são as pessoas que se regalam com canções realistas as que
precisamente acusam o existencialismo de ser demasiado sombrio, e a
tal ponto que me pergunto se elas o não censuram, não pelo seu pessi
mismo, mas exatamente pelo seu otimismo. Acaso, no fundo, o que
amedronta, na doutrina que vou tentar expor-vos, não é o fato de ela
deixar uma possibilidade de escolha ao homem? Para o sabermos, é
necessário rever a questão num plano estritamente filosófico. Que é
isso de existencialismo?
A“MODA” A maior parte das pessoas que utilizam este termo ficaria bem
EXISTENCIALISTA
embaraçada se o quisesse justificar: tendo-se tornado hoje uma moda,
é fácil declarar-se de um músico ou de um pintor que é existencialista.
Um plumitivo de “Clartés” assina O Existencialista; e no fim de con
tas, a palavra tomou hoje uma tal amplitude e extensão que já não sig
nifica absolutamente nada.2 Parece que à falta de uma doutrina de
vanguarda, análoga ao surrealismo, as pessoas ávidas de escândalo e
2 É o que acontece com toda a corrente que se vulgariza. Ver, por exemplo, para o
conceito de Romantismo, Lettres de Dupuis et Cotonnet de Musset. Da vulgarização
do Existencialismo (que Sartre, aliás, julga destinado ao grande público) foi o próprio
Sartre o grande responsável.