Table Of ContentÍNDICE
INTRODUÇÃO .............................................................................................. 09
CAPÍTULO 1
A VINDA DO PREGADOR DIVINO (Mt 1-4) ........................................ 13
CAPÍTULO 2
O SERMÃO DO MONTE (Mt 5-7) ............................................................ 33
CAPÍTULO 3
ENCONTRO COM O PREGADOR DIVINO (Mt 8-9:34) ................ 59
CAPÍTULO 4
O SERMÃO DO ENVIO (Mt 10) ............................................................... 79
CAPÍTULO 5
CONFRONTO COM O PREGADOR DIVINO (Mt 11-12) .................. 91
CAPÍTULO 6
O SERMÃO DAS PARÁBOLAS DO REINO (Mt 13) .......................... 113
CAPÍTULO 7
A TRANSFIGURAÇÃO DO PREGADOR DIVINO (Mt 14-17) ........ 125
CAPÍTULO 8
O SERMÃO SOBRE A ADMINISTRAÇÃO DA IGREJA (Mt 18) ....... 147
CAPÍTULO 9
O TRIUNFO DO PREGADOR DIVINO (Mt 19-22) ............................ 157
CAPÍTULO 10
O SERMÃO ESCATOLÓGICO (Mt 23-25) ............................................ 187
CAPÍTULO 11
A PAIXÃO DE CRISTO (Mt 26-28) ......................................................... 207
CONCLUSÃO .............................................................................................. 235
REFERÊNCIAS ............................................................................................. 239
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“Só posso pedir aos cristãos instruídos que
ouçam com muita atenção o que digo e me
avisem se estiver errado; quanto aos outros, que
aceitem com cautela o que for dito - como algo
que ofereço por pensar que pode ajudar, não
por ter certeza de estar com a razão”
(C. S. Lewis, Cristianismo Puro e Simples, p. 193)
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INTRODUÇÃO
De modo geral, o evangelho de Mateus se desenvolve a
partir de uma organização dupla. Na primeira forma de organização,
o evangelista volta seu foco, em três partes principais, para o próprio
Cristo: Sua pessoa (Mt 1:1-4:16); Sua pregação (Mt 4:17-16:20) e Sua
paixão (Mt 16:21-28:20). Na segunda forma de organização, Mateus
privilegia os cinco sermões de Cristo e as seções narrativas que nos
levam a eles: o sermão do monte (Mt 1-4 + 5-7); o sermão do envio
dos doze (8:1-9:35 + 9:36-10:42); o sermão das parábolas do reino
(11:1-12:50 + 13:1-52); o sermão sobre a administração da igreja
(13:53-17:21 + 17:22-18:35); o sermão escatológico (19:1-25:46); e
a conclusão, com Sua paixão, ressurreição e grande comissão (26:1-
28:20).
A opinião geral é de que, entre 60 e 65 A.D., Mateus tenha
escrito seu evangelho para um público judaico (cf. Mt 10:6; 15:24).
Há dúvidas se o escreveu originalmente em grego, aramaico ou
hebraico, mas os especialistas preferem a hipótese de que o texto
tenha sido escrito em grego. Mateus deve ter redigido seu livro depois
do evangelho de Marcos e das epístolas de Paulo. Em realidade,
seu evangelho demonstra mais relações com Marcos do que com os
demais livros do Novo Testamento, o que não desmerece seu lugar
privilegiado de primeiro livro do Novo Testamento, pois contém
inúmeras alusões à Bíblia Hebraica, formando uma espécie de ponte
entre os dois.
10 » Milton l. torres
No grego antigo, a palavra “evangelho” era usada para
descrever o anúncio de eventos importantes. Usamos esse termo para
nos referirmos ao livro de Mateus porque esse aprendiz (discípulo)
relata, em seu texto, não apenas a vida, obras, ensinamentos e
mensagem de Cristo, mas também aponta para o fato de que tais
coisas se tornariam importantes para nossa vida hoje e continuariam
a sê-lo mesmo no futuro mais longínquo. Em 2013, quando ainda era
o editor literário da prestigiosa revista política The New Republic,
Leon Wieseltier fez um relato que chamou de “uma das histórias mais
tristes do mundo”. Trata-se da narrativa de uma cirurgia de córneas que
possibilitou que um anônimo cidadão inglês, identificado apenas como
S. B., enxergasse pela primeira vez depois de 52 anos de cegueira. O
problema é que, ao recuperar a visão, S. B. achou o mundo imperfeito
e sem graça. Por essa razão, acabou desenvolvendo uma depressão
profunda que o levou à morte três anos depois. É mesmo uma história
triste. O evangelho de Mateus também fala da morte de um homem
sincero e bondoso. Entretanto, está longe de ser uma história triste.
Em vez disso, diante de sua capacidade de infundir esperança, talvez
seja uma das histórias mais felizes do mundo.
Este pequeno livro apresenta impressões sobre o evangelho de
Mateus, algumas das quais emanam de minha própria leitura do livro,
outras de leituras avulsas ou pesquisas sobre o evangelho em livros e
na internet. Concordo com o aforismo do escritor James Richardson
de que “um escritor é só o modo como os livros leem uns aos outros”.
Isto significa que meu objetivo principal aqui não é impressionar com
minha originalidade, mas convidar o leitor ou leitora a meditar no
evangelho de Mateus à luz da literatura que aprecio ou que me intriga.
De certa forma, trata-se de um exercício de teopoética: o esforço de
fazer o evangelho de Mateus dialogar com a literatura de modo que um
faça incidir luz sobre o outro. Por outro lado, muita coisa aqui escrita
advém, inclusive, de minhas pesquisas para ensinar, no contexto da
igreja, o livro de Mateus. Nesse sentido, o texto procura refletir, de
modo próximo, a própria organização do evangelho. Desta vez, tentei
não ceder à tentação de me enveredar demasiadamente pelos caminhos
do grego, algo que é muito prazeroso para mim, mas que, já descobri,
geralmente não cativa a atenção dos leitores.
Uma coisa, portanto, ficará clara mesmo para o leitor mais
desatento: a paixão não só pela literatura bíblica, mas por toda a
RetRatos do PRegadoR divino « 11
literatura, desde as obras de teor espiritual até a ficção científica.
Como afirmei em meu capítulo sobre teopoética, no livro Manual do
Educador: Princípios para Integrar a Fé e o Ensino-Aprendizagem,
acredito que a combinação de fé e literatura seja um poderoso antídoto
para a indiferença que reina em nossa época. O Prof. Rildo Cosson,
especialista em leitura e letramento literário, costuma se referir ao fato
de que a literatura também tem papel de remédio, por sua capacidade
de nos oferecer inspiração para resolver as questões pessoais (o que ele
chama de “efeito Oprah”), humanização e sentido. Por essa razão, ele
chega a recomendar sua leitura conjunta, em voz alta, nos hospitais.
Na tradução, eu optei por usar palavras como “atores”,
“imergir”, “congregação” e “mudança de mentalidade”, em vez de
“hipócritas”, “batizar”, “sinagoga” e “arrepender-se”. É que, na época
de Jesus, essas palavras ainda não haviam adquirido, para a grande
maioria das pessoas, o sentido técnico que têm, hoje em dia, quando
falamos de religião. Quis, com isso, imitar a sensação que uma pessoa
daquela época tinha ao ouvir os discursos de Jesus. Pela mesma
razão, preferi manter os nomes hebraicos dos “aprendizes” (isto é, os
“discípulos”), em vez de recorrer às formas gregas correspondentes,
pois esses nomes já carregavam consigo a grande carga de significado
que traziam da Bíblia Hebraica. Só não tive coragem de me referir a
Jesus como Josué. Em outros casos, como no uso de “cobradores”,
“doutores” e “comandantes”, em vez de “publicanos”, “escribas” e
“centuriões”, o objetivo foi facilitar a vida de quem, hoje, não sabe que
os centuriões eram os comandantes de cem soldados romanos, que os
publicanos eram os odiados cobradores de impostos que arrecadavam
os fundos necessários para a manutenção da máquina imperial, e
que os escribas eram autoridades eclesiásticas que desfrutavam
de grande prestígio por se ocuparem de copiar os manuscritos da
Bíblia. No caso dos comandantes e dos cobradores, a ideia não se
perde, porém, já que, mesmo em nossos dias, as pessoas não gostam
muito de militares inimigos e de cobradores que lhes batem à porta.
No caso dos doutores, eu sei que seria muito mais estranho, hoje, se
atribuíssemos importância especial às pessoas que imprimem a Bíblia
em seus prelos, mas, sem querer desprezar significativas diferenças,
foi quase isso que aconteceu quando, no passado, os escribas ou
copistas passaram a desfrutar de grande respeito por simplesmente
copiarem as palavras bíblicas de um manuscrito para outro...
12 » Milton l. torres
Em última análise, portanto, este livro não é exatamente um
compêndio teológico nem um comentário exegético, mas uma coleção
de impressões espirituais sobre a mensagem do evangelho de Mateus.
Ao longo dos anos, descobri a verdade anunciada por Joss Whedon,
um roteirista de Hollywood, de que “toda obra digna fica aberta a
interpretações que o autor não pretendeu, pois um livro não é como
um bicho de estimação, mas como um filho. Ele cresce e começa a
te responder”. No entanto, quem escreve não escreve para receber
elogios. A gente escreve porque, para citar Tom Schulman, outro
figurão de Hollywood, que ideou o roteiro para o filme Sociedade
dos Poetas Mortos, a gente tem a esperança não de que a pessoa
vá pensar como nós, mas de que o leitor ou leitora considere o que
ele ou ela está pensando. Isso significa que, mesmo que você não
concorde com o meu ponto de vista ou com os pontos de vista de
outras pessoas que eu cito e/ou endosso aqui, este livro ainda pode
ajudá-lo a crescer espiritual e intelectualmente, se ele o/a desafiar a
refinar e fortalecer sua própria forma de pensar. Ainda cabe aqui outro
aforismo de James Richardson, jornalista e apresentador de televisão
na Inglaterra: “metade da tarefa do escritor é escrever o que ele quer
dizer, a outra metade é impedir que as pessoas entendam o que elas
bem quiserem”.
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MATEUS 1-4
A VINDA DO PREGADOR DIVINO
Os primeiros quatro capítulos de Mateus compreendem uma
seção que tem sido tradicionalmente considerada a apresentação da
pessoa de Jesus, incluindo, além disso, a seção narrativa (Mt 3-4)
que prepara o leitor para o primeiro sermão de Jesus: o sermão do
monte (Mt 5-7).
Livro do nascimento de Jesus Cristo, filho de Davi,
filho de Abraão.
UM LIVRO DAS ORIGENS (1:1)
Como “livro do nascimento (genesis) de Jesus” (Mt 1:1), o
evangelho de Mateus estabelece um contraste com o livro de Gênesis e
traça, logo no início, a história da família de Jesus. Assim, o primeiro
livro da Bíblia Hebraica começa com a gênese da criação do mundo
e o primeiro livro do Novo Testamento começa com a gênese da
salvação do mundo. Aí, surge outro contraste, entre Mateus e João:
o primeiro evangelho realça a humanidade de Jesus, enquanto que o
último enfatiza Sua divindade.
Para C. S. Lewis, em Cristianismo Puro e Simples, “o filho
de Deus se fez homem para que os homens pudessem tornar-se filhos
de Deus”. Ele chama essa transição que Jesus provocou nos seres
humanos de “boa infecção”, isto é, a passagem, por contágio, da “vida
14 » Milton l. torres
natural” para a “vida espiritual”. Segundo ele, a encarnação não deve
ter sido um evento prazeroso para Jesus. Muito ao contrário disso,
deve ter lhe dado a sensação de extrema limitação: “o Ser Eterno, que
tudo sabe e criou todo o universo, tornou-se não apenas um homem,
mas (antes disso) um bebê e, antes disso ainda, um feto dentro do
corpo de uma mulher. Se quer saber como ele deve ter se sentido,
imagine se você se transformasse numa lesma ou num caranguejo”.
Abraão gerou a Isaque, Isaque gerou a Jacó e este
gerou a Judá e a seus irmãos. De Tamar, Judá gerou
a Peres e Zara. Peres gerou a Esrom; Esrom gerou a
Arão; Arão gerou a Aminadabe; Aminadabe gerou,
então, a Naassom; Naassom gerou a Salmom. De
Raabe, Salmom gerou a Boaz. De Rute, Boaz gerou
a Obede. Obede gerou, então, a Jessé e Jessé gerou o
rei Davi. Da mulher de Urias, Davi gerou a Salomão.
Salomão gerou a Roboão; Roboão gerou a Abias;
Abias gerou a Asafe; Asafe gerou a Josafá. Josafá
gerou a Jorão; Jorão gerou a Uzias; Uzias gerou a
Jotão; Jotão gerou a Acaz; Acaz gerou a Ezequias.
Ezequias gerou a Manassés; Manassés gerou a
Amós; Amós gerou a Josias; Josias gerou a Jeconias
e a seus irmãos durante o cativeiro de Babilônia.
UMA LINHAGEM REAL, MAS TAMBÉM DE MULHERES
EXCLUÍDAS (1:2-11)
Consoante as profecias da Bíblia Hebraica que apresentam a
Jesus como descendente de Abraão (Gn 22:18) e Davi (2 Sm 7:16-17;
Is 9:6-7; 11:1-2), Mateus mostra as conexões da família de Jesus com
esses dois importantes personagens da história de Israel e o chama de
“filho de Davi” (Mt 1:1). Portanto, a genealogia aponta, de um lado,
para uma linhagem real; por outro lado, inclui alguns reis tirânicos e
corruptos, além de outras pessoas de reputação duvidosa. A repetição
constante do verbo “gerar” sugere a enorme importância atribuída,
na Antiguidade, ao papel masculino na fecundação. Alguns nomes,
como Asafe e Amós, em vez de Asa e Amom, se afastam da forma
como a Bíblia Hebraica tradicionalmente os registra.