Table Of ContentDINHEIRO NÃO TRAZ FELICIDADE? ALGUMAS REVELAÇÕES DO INDICADOR DE
FELICIDADE INTERNA BRUTA
DOESN’T MONEY BRINGS HAPPINESS? SOME REVELATIONS OF GROSS
NATIONAL HAPPINESS INDICATOR
Aline Pereira Sales Morel
Universidade Federal de Lavras
Endereço: Departamento de Administração e Economia, Campus Universitário, CEP 37200000 - Lavras,
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Sâmara Borges Macedo
Universidade Federal de Lavras
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Ricardo Braga Veroneze
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Cassiano de Andrade Ferreira
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Américo Pierangeli Costa
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Submissão: 19 Jan. 2015, Aceitação: 19 Jul. 2015, Publicação: 30 Set. 2015. Sistema de avaliação:
Double blind review. Centro Universitário UNA, Belo Horizonte - MG, Brasil. Editor geral Prof. Dr. Mário
Teixeira Reis Neto.
Este artigo encontra-se disponível no endereço eletrônico:
http://revistas.una.br/index.php/reuna/article/view/680
Resumo
Este estudo objetivou aplicar e discutir uma adaptação do questionário de Felicidade
Interna Bruta (FIB), desenvolvido pelo Centro de Estudos do Butão, em uma cidade
brasileira de porte médio, a fim de avaliar as diferenças entre os níveis de felicidade
dos indivíduos de acordo com aspectos sócio demográficos. Para tanto, optou-se por
uma abordagem quantitativa descritiva, sendo aplicados 403 questionários por
amostragem probabilística estratificada. Os resultados evidenciaram que os
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residentes nas áreas mais nobres da cidade apresentaram níveis de felicidade mais
altos do que aqueles indivíduos residentes em locais carentes e com altos índices de
violência e criminalidade, trazendo o questionamento sobre o impacto da classe
social e da segurança local sobre a felicidade dos indivíduos. Espera-se que esse
estudo possa contribuir com uma melhor compreensão do fenômeno estudado e
incitar novas reflexões e debates.
Palavras-chave: Dinheiro; Felicidade; Felicidade Interna Bruta.
Abstract
This study aimed to apply and discuss an adaptation of Gross National Happiness
(GNH) questionnaire, developed by the Bhutan Studies Center, in a Brazilian
medium-sized city in order to evaluate the differences between the levels of
happiness of individuals according to demographic aspects partner. For this, we
chose a descriptive quantitative approach being applied 403 questionnaires by
stratified random sampling. The results showed that residents in prime areas of the
city had higher levels of happiness than those individuals who live in poor locations,
with high levels of violence and crime, bringing questions about the impact of social
class and local security on the happiness of individuals. We expected that this study
would contribute to a better understanding of the phenomenon studied and
encourage new thinking and discussions.
Keywords: Money; Happiness; Gross National Happiness
1 Introdução
O ser humano, com seu desejo de descobrir o novo e medir tudo o que está
ao seu redor, cria e recria com o passar do tempo ideias e práticas. Em meados de
1947, por exemplo, o surgimento do Produto Interno Bruto (PIB) disseminou
mundialmente o uso de indicadores econômicos para medir o progresso de um país.
Apesar disso, a partir da década de 60, ascende nos Estados Unidos uma nova
ideologia, que buscava deslocar o foco de aspectos meramente econômicos para
contemplar parâmetros que pudessem aferir o bem estar da população, nasciam os
“indicadores sociais”.
Neste contexto, surge, na década de 1970, um novo indicador sistêmico,
desenvolvido no reino Butão – um pequeno país localizado na Ásia – com o apoio do
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD): o índice de
Felicidade Interna Bruta (FIB). O FIB procura medir o progresso da sociedade a
partir dos domínios: padrão de vida, educação, saúde, governança, cultura,
vitalidade comunitária, resiliência ecológica, uso equilibrado do tempo e bem-estar
psicológico. Destarte, este apontador vem se desenvolvendo e sua aplicação
tomando proporções mundiais.
O FIB se diferencia de outros indicadores consolidados porque abarca tanto
os aspectos de renda(preconizados por indicadores econômicos, como o PIB), assim
comoa qualidade da educação, o aumento da expectativa de vida e o
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desenvolvimento individual das pessoas (preconizados por indicadores sociais,
como o IDH). Além disso, o FIB acrescenta o respeito pelo meio ambiente, a
diversidade cultural, a espiritualidade, o interesse pelo bem comum e a importância
da vida em comunidade. Por isso, pode-se dizer que o FIB é um indicador inovador e
abrangente.
No Brasil, já se pode observar as primeiras iniciativas para implantação deste
medidor de desenvolvimento por parte da equipe Instituto Visão Futuro, liderada pela
monja hinduísta Susan Andrews. Susan já desenvolveu uma versão brasileira do
questionário, mas este ainda é aplicado em projetos-piloto no estado de São Paulo
(cidades de Angatuba e Itapetininga). Susan Andrews afirmou em uma entrevista à
Folha Uol (2010) que “FIB não é meramente um indicador: é também um catalisador
de mudança, um processo de mobilização social em prol do bem-estar coletivo e do
desenvolvimento sustentável [...] visado o bem-estar de todos”.
Uma vez que o FIB consegue reunir dimensões econômicas e sociais em sua
mensuração e, ainda,extrapola sua análise para temas atuais, de relevância
mundial, como o cuidado com o meio ambiente (pauta de convenções internacionais
como a Eco 92, Protocolo de Kyoto e Rio + 20), acredita-se que a sua aplicação, ou,
no mínimo, o seu entendimento, faça-se relevante.
Diante disso, este estudo buscou identificar as diferenças entre os níveis de
felicidade da população de Lavras/MG, de acordo com a análise dos aspectos
sociodemográficos e premissas propostas pelo FIB. Espera-se, assim, proporcionar
uma discussão sobre o uso deste indicador no contexto de cidades de porte médio,
além de revelar alguns aspectos sobre a relação entre o bem estar de uma
população e as suas características sociodemográficas.
Na próxima seção será apresentada uma contextualização dos principais
índices de desenvolvimento econômico e social utilizados pelos países. Em seguida,
é feita uma revisão sobre o indicador FIB. Na seção subsequente é feita uma
descrição dos procedimentos metodológicos realizados neste estudo sendo, em
seguida, discutidos os resultados empíricos encontrados. Na última seção, são feitas
considerações finais acerca do trabalho.
2. Índices de Desenvolvimento Econômico e Social
A determinação do nível de desenvolvimento de uma região pode ser feita
através da avaliação de um conjunto de características quantitativas e qualitativas,
denominadas indicadores. Segundo Herculano (1998), o uso de indicadores auxilia
nas comparações entre dois ou mais objetos de estudo, em virtude das informações
condensadas, simplificadas e quantificadas que fazem parte de sua composição.
Estas informações, por sua vez, podem ser de natureza econômica (quantitativa) ou
social (qualitativa).
Os indicadores econômicos são constituídos de dados estatísticos capazes
de oferecer uma ideia do estado de uma determinada economia num certo período
ou data, sendo passiveis de mudanças e oscilações (SANDRONI, 2001). Já os
indicadores sociais são dados construídos com base em observações referentes a
aspectos da vida social ou a mudanças nela ocorridas (ORGANIZAÇÃO DAS
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NAÇÕES UNIDAS, 1975).
Como indicadores de natureza econômica, têm-se o Produto Interno Bruto
(PIB), o Produto Nacional Bruto (PNB) e o Produto Nacional Líquido (PNL). Já como
indicadores sociais tem-se o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), o Índice de
Liberdade Humana (ILH), Índice de Liberdade Política (ILP), Índice de Pobreza
Humana (IPH), dentre outros.
A descrença no fato de que o crescimento econômico levaria ao bem estar de
toda população começou a emergir a partir da década de 60, fazendo com que
diversas organizações mundiais e regionais – como a Organização das Nações
Unidas (ONU) e seus organismos especializados, o Conselho para Assistência
Econômica Mútua (COMECON), a Comunidade Econômica Europeia (CEE), a
Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e o Instituto
Interamericano de Estatística (ISI) – começassem a criar novos mecanismos de
medição, os chamados indicadores sociais (SANTAGADA, 2014; HIRATA, 2003).
No Brasil, apenas a partir de 1964 é que começou a se pensar, em âmbito
governamental, um pouco mais no aspecto social. Porém, os resultados não foram
tão efetivos por falta de sustentação política (uma vez que, na época, havia uma
identificação do controle social através do planejamento social). Desta forma, o uso
de indicadores sociais no país como instrumento de planejamento só recebeu
atenção a partir de 1975, quando o termo “indicadores sociais” apareceu
oficialmente pela primeira vez (SANTAGADA, 2014).
2.1 Produto Interno Bruto e outros indicadores econômicos
Segundo Mankiw (1999, p. 484) o PIB “é o valor de mercado de todos os bens
e serviços finais produzidos em um país em dado período de tempo”. Como índice
de riqueza, mede tanto a renda total da economia quanto a despesa total com bens
e serviços, contudo, sua validade como indicador de bem-estar é intensamente
contestada. Neste sentido, o PIB não se caracteriza como um indicador perfeito de
bem-estar, pois não contempla algumas coisas que contribuem para uma vida
satisfatória, como o lazer. Conforme acrescenta Leamer (2009), o PIB não é
felicidade, mas, mesmo limitado a seu domínio material, exclui-se muita coisa que é
valiosa e coloca muito do que realmente é indesejado.
Imagine, por exemplo, que o governo eliminasse toda a regulamentação
ambiental, dessa forma, as empresas poderiam produzir mais bens e serviços sem
levar em consideração a poluição que criariam, logo, o PIB cresceria. Entretanto, a
deterioração na qualidade do ar e da água e a grande produção de resíduos mais do
que compensaria negativamente o suposto ganho de bem-estar em virtude da maior
produção.
Por nos concentrarmos nas meras estatísticas do PIB e de outros indicadores
monetários convencionais, nós falhamos na distinção entre os aspectos qualitativos
do crescimento; crescimento saudável e não saudável, crescimento temporário ou
sustentável. Nós não questionamos qual crescimento é realmente necessário, o que
realmente é necessário para melhorar a nossa qualidade de vida. (TIDEMAN, 2004,
p.228)
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Soma-se a isso as limitações relacionadas a outros aspectos não inclusos no
indicador, como capital intangível (inclusive o capital humano), lazer, distribuição de
renda, custos do desemprego, economia informal, voluntariado, segurança nacional,
liberdade e democracia, qualidade dos serviços públicos (como educação e saúde),
dentre outros (BATES, 2009).
Ainda assim, como afirma Leamer (2009), certo ou errado, isso se tornou o
padrão pelo qual se mede o tamanho e a saúde de um país, sendo que o
crescimento negativo do PIB deve ser observado atentamente, pois, significa um
sintoma importante de doença econômica. Corroborando, Bates (2009) advoga que,
embora limitados, os resultados do PIB não são tão enganosos a ponto de
precisarem ser abolidos, mas que, pelo contrário, estes oferecem informações
importantes sobre as nações.
Além do Produto Interno Bruto, outros indicadores econômicos são
comumente utilizados pelas nações como, por exemplo, o Produto Nacional Bruto –
que representa a soma de todos os bens e serviços produzidos pelos residentes
fixos de uma nação, normalmente em um ano. A partir do cálculo deste indicador,
torna-se possível obter o Produto Nacional Líquido (PNL), que corresponde à renda
total dos residentes de uma nação, descontando-se as perdas com depreciação, ou
seja, o PNL corresponde ao PNB descontado da depreciação do capital (MANKIW,
1999).
Conforme supramencionado, o uso exclusivo desses índices puramente
quantitativos como referência para a avaliação do desempenho de determinada
região levou a um descontentamento generalizado, haja vista a omissão de
dimensões qualitativas, como o bem estar. Este movimento implicou na ascensão de
novos olhares e reflexões sobre o assunto, das quais emanaram tentativas de
aperfeiçoamento e aproximação com a realidade. Neste contexto, emergiram os
indicadores sociais, que visam à superação das limitações intrínsecas aos
indicadores econômicos.
2.2 Índice de Desenvolvimento Humano e outros indicadores sociais
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) foi criado em 1990 pela ONU e
preparado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) para
ser publicado anualmente no Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH). Nele
foram abarcadas as dimensões longevidade, educação e renda (SANTAGADA,
2014). “Tratava-se de se ater a aspectos de fácil mensuração e que refletiriam a
efetiva boa consequência do desenvolvimento na vida das pessoas” (HERCULANO,
1998, p. 15).
Desde então, o IDH vem sendo amplamente utilizado, ainda que de forma
crítica, por diferentes países, sendo sua conceituação de desenvolvimento humano
constantemente reformulada e ampliada pelo PNUD/ONU. Através do IDH é possível
comparar estágios de bem estar e, desse modo, propor melhorias, garantindo os
direitos de cidadania de forma ampla e universal. (SANTAGADA, 2014).
Entretanto, ainda que o IDH represente um instrumento que veio para
extrapolar as análises economicistas baseadas somente no desempenho econômico
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(SANTAGADA, 2014), deve-se ter cautela ao analisar este indicador de forma
desconexa à realidade local, uma vez que as limitações inerentes a este instrumento
podem mascarar o que de fato acontece. Assim, apesar de muito utilizado, este
indicador possui certa limitação para medir de forma efetiva a qualidade de vida,
pois, além de não tratar da dimensão ambiental em seu cálculo, ele não mensura
outros aspectos que influenciam diretamente na qualidade de vida de uma
população, tais como saúde mental, integração social e cultura (HERCULANO,
1998). Para Hirata (2003) as limitações persistem porque os indicadores
permanecem com uma visão unidimensional (utilitária) de bom desenvolvimento.
Outros indicadores além do IDH também se destinam a medir o nível de
desenvolvimento social de determinada região. O Índice de Liberdade Humana
(ILH), por exemplo, foi criado em 1991 pelo PNUD/ONU para que, de acordo com a
Declaração Universal dos Direitos Humanos e outras convenções internacionais,
classificasse os países em relação ao nível de liberdade de sua população. Em
1992, foi criado pelo mesmo programa o Índice de Liberdade Política (ILP), com o
intuito de medir os direitos políticos e as liberdades civis através do agrupamento
das categorias segurança, império das leis, liberdade de expressão, participação
política e igualdade de oportunidades. Logo após, em 1995, o PNUD lançou o Índice
de Desenvolvimento Ajustado ao Sexo (IDS) e a Medida da Participação Ajustada ao
Sexo (MPS), ambos com vistas a medir, através de indicadores, as diferenças
existentes entre homem e mulheres, servindo como suporte para políticas públicas
futuras. Já em 2007, foi lançado pelo PNUD o Índice de Pobreza Humana, que tem
como foco as condições de pobreza e o desenvolvimento dos indivíduos mais
pobres da sociedade (SANTAGADA, 2014).
Percebe-se que a grande variedade de indicadores, sejam eles de natureza
econômica ou social, se justifica pela complexidade de se determinar o desempenho
de uma região bem como a qualidade de vida de seus residentes, visto a ampla
gama de fatores envolvidos. Encontrar uma forma de reunir, senão todos, mas o
maior número possível desses fatores em um único indicadorrepresenta um grande
desafio para pesquisadores e estudiosos do assunto. Neste cenário, emerge a ideia
de Felicidade Interna Bruta, um índice inovador que vem ganhando destaque na
literatura econômica como uma nova maneira de se aferir o bem estar de uma
população a partir da sua felicidade.
2.3 O indicador FIB
O FIB caracteriza-se como um indicador sistêmico que foi idealizado e
desenvolvido no Butão, pequeno reino localizado na Ásia. A ideia começou a ser
articulada na década de 70, quando o quarto rei JigmeSingyeWangchuc, com o
apoio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), passou a
orientar sua política nacional e seus planos de desenvolvimento para este conceito.
Desde então, o país atraiu a atenção de todo o mundo por esta nova maneira de
medir o progresso das nações e JigmeSingyeWangchuc se destacou pela
declaração de que a “Felicidade Interna Bruta é mais importante do que Produto
Interno Bruto” (URA et al. 2012).
De acordo com as concepções deste novo indicador, o desenvolvimento de
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uma nação deve estar congruente com o bem estar dos indivíduos, sendo o
governo, desta forma, responsável pela criação de um ambiente que proporcione
felicidade ao seu povo (TOBGAY et al., 2011).Este ideal encontra-se claramente
descrito no Artigo 9 da Constituição butanesa de 2008, que afirma: "O Estado deve
esforçar-se para promover as condições que permitam a busca da Felicidade
Nacional Bruta" (URA et al., 2012, p.6).
Ura et al. (2012) fazem uma importante ressalva em relação ao conceito de
felicidade para os orientais, que se distingue do conceito de felicidade dos
ocidentais. Desta forma, segundo os autores, a primeira diferença estaria
relacionada ao caráter multidimensional do conceito para os orientais que, ao
contrário dos ocidentais, não focariam apenas no bem estar subjetivo do indivíduo.
Além disso, o conceito oriental abarcaria explicitamente a responsabilidade e
respeito ao outro como motivadores de felicidade. Conforme declarado pelo Primeiro
Ministro do Butão, a felicidade para os orientais: “não pode existir enquanto outros
sofrem, e só vem de servir os outros, vivendo em harmonia com a natureza, e
percebendo a nossa sabedoria inata e da verdadeira natureza e brilhante de nossas
próprias mentes” (THINLEY, 2009 apud URA et al., 2012, p.7).
Esse tipo de discrepância pode ser atribuído à influência do budismo sobre a
cultura, os valores e, até mesmo, sobre a política butanesa. A esse respeito,
Tideman (2004), Priesner (1999)eMancall (2004)fazem uma interessante reflexão,
afirmando ter partido do budismo o valor mais importante para a construção do
conceito central do indicador FIB: o foco no bem estar humano. Neste sentido,
enquanto economistas ocidentais se preocupam com a eficiência econômica
(aumento do consumo e aceleração do crescimento), os butaneses, baseados em
valores budistas (como a harmonia entre aspectos materiais e espirituais), se voltam
para a maximização da felicidade do povo.
Com vistas ao alcance deste objetivo, foram definidas quatro áreas
estratégicas, também denominadas pilares do FIB, a saber: 1) desenvolvimento
socioeconômico sustentável e equitativo; 2) conservação ambiental; 3) preservação
e promoção da cultura e 4) boa governança. Estes quatro pilares são ainda
articulados por nove domínios, todos com mesmo peso, formando a base do
conceito FIB (URA et al., 2012).
1. Bem estar psicológico: busca compreender como as pessoas percebem e
avaliam suas vidas, tanto em relação a estados de bem estar mental de longo prazo,
quanto em situações de humor momentâneas. No entendimento butanês, em uma
sociedade em que o bem estar é regularmente avaliado, as pessoas tendem a
prestar mais atenção sobre o seu bem estar e entender melhor as suas causas,
fazendo com que a avaliação não seja positiva apenas per se, mas também pelas
consequências benéficas que ela traz (ZANGMO, 2009).
2. Saúde: para a Organização Mundial de Saúde (1946), consiste em “um
estado de completo bem estar físico, mental e social, e não somente a ausência de
doenças ou enfermidades”. Para o índice FIB, no entanto, o conceito se limita à
saúde física. Isto porque as dimensões de saúde mental e social são abarcadas em
outros domínios, como o bem estar psicológico, a vitalidade comunitária e padrão de
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vida. O FIB considera que a felicidade é consequência de uma boa saúde. Neste
sentido, apesar de serem coisas diferentes, a linha que os separa é bastante tênue,
apresentando grande parte dos seus determinantes em comum. Por exemplo, assim
como a renda, o nível educacional e a prática de atividades físicas podem contribuir
para uma boa saúde, da mesma forma, podem contribuir para a felicidade do
indivíduo. Não se sabe se uma boa saúde implica em maior felicidade ou vice-versa,
mas sabe-se que ambos são fatores intensamente associados (WANGDI, 2009a). A
proposta FIB busca proporcionar aos indivíduos acesso a saúde de qualidade ao
mesmo tempo em que se preocupa com a medicina preventiva e com as atividades
produtivas de saúde. Na prática, isto significa oferecer informações sobre como gerir
e preservar a própria saúde, prevenindo doenças e mantendo o corpo em equilíbrio
(ARRUDA, 2009).
3. Uso do tempo: o tempo pode ser considerado atualmente como um
recurso importante e escasso. Por isso, a forma como este é utilizado e a maneira
como é distribuído representa um fator de grande importância sobre a felicidade dos
indivíduos. Assim, para o FIB, este tipo de investigação viabiliza a obtenção de
informações sobre o que as pessoas realmente fazem em suas vidas e a forma com
que dividem o seu tempo entre o trabalho e a vida pessoal. Entende-se que,
geralmente, os indivíduos que têm a carga horária de trabalho aumentada tendem a
desequilibrar essa divisão do tempo. Tal fato, por sua vez, costuma ser motivado
pelo desejo de ganhar mais dinheiro. Assim, essas pessoas acabam não tendo
tempo para fazer as coisas que gostam ficando menos felizes e mais estressados
(GALAY, 2009a).
4. Educação: de forma distinta dos indicadores educacionais convencionais,
o índice FIB “tenta avaliar os diferentes tipos de conhecimentos e habilidades que as
pessoas adquiriram ao longo da vida, tais como história, cultura, cidadania, ecologia,
conhecimento indígena, e as competências que são, na maioria das vezes,
adquiridas informalmente” (WANGDI, 2009b, p.170). O FIB entende que a educação
é um atributo importante para o desenvolvimento de novos conhecimentos, para o
aprendizado de valores e habilidades, além de despertar a criatividade, a
sensibilidade cívica e melhorar o capital humano. O rei Jigme procurou dar ênfase a
este domínio por acreditar que um país onde a educação não fosse equitativa
sempre seria um país desigual. Para ele, a ignorância faz surgir dominadores e
dominados. Tideman (2004) acrescenta que a educação é essencial para os seres
humanos atingirem seu pleno potencial, tanto individual como coletivo. Também é
preponderante na preservação do meio ambiente, da saúde, do desenvolvimento
social, da participação do povo na economia nacional e ainda contribui para a
redução significativa de conflitos, já que a partir do momento que as pessoas têm
capacidade de argumentação e condições de reivindicar seus direitos de maneira
civilizada, a guerra se faz desnecessária. Uma educação abrangente, de qualidade e
de longo alcance mostra-se, portanto, de fundamental importância para a
viabilização dos outros domínios do indicador FIB (ARRUDA, 2009; TIDEMAN, 2004;
WANGDI, 2009b).
5. Diversidade cultural e resiliência: sob o ponto de vista da ideologia FIB, a
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diversidade cultural representa o respeito de cada indivíduo às diferentes culturas
(co)existentes. Neste sentido, a homogeneização e a incessante competição, típicas
no capitalismo ocidental, são substituídas pelo princípio da “complementaridade do
diverso” (ARRUDA, 2009, p.6). Considerando que o ser humano precisa conviver em
sociedade, a equidade diante da diversidade se faz necessária para que haja
harmonia. Além disso, busca-se o que é chamado por Chophel (2009a, p.148) de
“resiliência cultural”, que representa a capacidade de as sociedades superaram
desafios provenientes de outras normas e ideias em prol da preservação de sua
identidade cultural. Segundo o autor, esta capacidade se faz positiva por proteger e
fortalecer a soberania e a segurança do país, além de abrandar os impactos
negativos da globalização.
6. Boa governança: ainda que não exista uma definição única para o termo,
pode-se dizer que, para o FIB, a boa governança é a “sábia gestão do poder
econômico e político de modo a garantir que a sociedade crie e preserve as
condições materiais, sociais, culturais e ecológicas de viver em harmonia, alegria,
paz e felicidade” (ARRUDA, 2009, p.2). Em termos gerais, a boa governança implica
em participação popular, Estado de direito, transparência, prestação de contas,
prestação de serviços efetiva e equidade. Sendo assim, de acordo com os preceitos
do FIB, a base do plano de ações elaborado por um governo deve obedecer às
necessidades diretas de seu povo, que, por sua vez, tem o dever de fazer valer seus
direitos participando ativamente da vida política do seu país. Isto porque se torna
muito difícil conseguir progressos governamentais significativos quando não se pode
confiar nos chefes de estado ou mesmo quando os cidadãos se fazem omissos
diante das dificuldades cotidianas. Deve-se ressaltar ainda quea boa governança,
particularmente, permeia todos os outros domínios, fazendo com que o seus efeitos
sobre a sociedade se deem a partir do esforço cumulativo dos demais (RAPTEN,
2009;PARKER, 2008).
7. Vitalidade comunitária: busca “examinar as interações e relações dentro
e, até certo ponto, através das comunidades” (CHOPHEL, 2009b, p.112). Entende-
se que, enquanto seres sociais, os seres humanos precisam se relacionar e interagir
com outros para serem felizes e até mesmo para sobreviver. A comunicação e a
cooperação entre os sujeitos, por sua vez, seriam instrumentos para vitalizar as
comunidades e valores como cooperação, altruísmo recíproco, solidariedade
consciente e amor deveriam permear famílias e comunidades equilibradas e felizes.
Por outro lado, a falta de laços sociais e afetivos pode levar à perda do valor da vida
e o respeito a ela. Conforme destaca Arruda (2009, p.6), “a violência é uma
expressão eloquente da carência de vitalidade comunitária, e do carinho, afeto e
amor sem os quais o ser humano se desfigura, adoece, morre... ou passa a matar”.
8. Resiliência ecológica: uma vez que indicadores econômicos como o PIB
se restringem à medição das riquezas de um país, sem se importar com a origem
daquela opulência, o FIB vem trazer a ideia de sustentabilidade e cuidado com a
natureza, ao considerar em sua medição a qualidade da água, do ar, das florestas e
do planeta como um todo. Neste sentido, questões sobre consciência e atitude
ambiental, adentram os aspectos abordados pelo indicador, que entende que “o que
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fazemos contra a natureza fazemos contra nós mesmos” (ARRUDA, 2009, p.5).
Assim, o conceito de resiliência ecológica, que é, segundo Gunderson (2000), a
forma como um sistema se recupera após um distúrbio, assume uma importância
apreciável para o debate sobre felicidade, pois, ao recuperar e preservar a fonte de
sustento de toda humanidade, garantir-se-á, por conseguinte, o futuro das próximas
gerações, logo, a possibilidade da felicidade prolongada. Pode-se dizer que o
objetivo a ser atingido é o equilíbrio entre meio ambiente e padrão de vida, em
especial no que tange a soberania e a segurança alimentar (ARRUDA, 2009).
9. Padrão de vida: “refere-se à base material do bem-estar, que se reflete no
nível de consumo do indivíduo” (GALAY, 2009b, p.31). O padrão de vida de um
indivíduo representa um fator importante na determinação do seu bem estar ou
felicidade e, por essa razão, recebe muita atenção de estudiosos e de governantes.
O FIB procura identificar o número de pessoas com padrão de vida digno (cujas
necessidades básicas são satisfeitas) e quais são as deficiências que ainda
precisam ser atendidas por meio de políticas públicas e de atividades produtivas e
distributivas. Faz-se importante ressaltar que, diferentemente de abordagens
economicistas que utilizam a renda real como referência para medição do padrão de
vida, a ideologia FIB abarca tanto a renda monetária quanto a não monetária
(ARRUDA, 2009; GALAY, 2009b).
Percebe-se, desta forma, como o FIB se difere dos demais indicadores e, ao
mesmo tempo, o quão inovador ele é. Este representa uma forma alternativa para
avaliação do desenvolvimento de uma nação, que rompe com a visão
unidimensional dos indicadores anteriores, ao propor um equilíbrio entre aspectos
econômicos, ambientais, sociais e humanos para efetivação de um bom
desenvolvimento (DURÃO, 2012).
Bakshi (2004) chega a dizer que o FIB representa um avanço significativo na
teoria econômica tradicional e, de fato, não se pode negar que até então o termo
desenvolvimento nunca foi tratado de maneira tão sistêmica. Além disso, conforme
acrescenta Mancall (2004), foi a primeira vez em que se falou em maximização da
felicidade, não em termos individuais ou imediatistas, mas sim aquela que emana da
remoção das dificuldades e das condições de negatividade.
Felicidade Nacional Bruta é ao mesmo tempo a reflexão sobre
as teorias de desenvolvimento, as políticas de
desenvolvimento, e sobre os valores que deveriam orientar
essas políticas. É autoanálise e pensamento crítico na
definição do futuro da nação, em vez da simples aceitação de
orientações estrangeiras. É por isso que o FIB é tão
significativo (MANCALL, 2004, p.11).
No campo científicoverifica-se a emergência de vários artigos relacionados à
temática, com vistas a atingir objetivos bastante diversificados. O quadro 1
apresenta um compilado das pesquisas que abordam o indicador FIB, separadas por
categorias para facilitar a visualização. Para escolha dos trabalhos que compuseram
essa sistematização, foram considerados os trabalhos que tratam o FIB como foco
primário.
REUNA, Belo Horizonte - MG, Brasil, v.20, n.3, p. 83-108, Jul. – Set. 2015 - ISSN 2179-8834
Description:(2011); Wangchuk e Tashi Tobgay (2015). Tecnologia da Informação x FIB . Ao comprar um produto, leva em conta se a empresa é sustentável.