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REFLEXÕES ACERCA DO PAPEL DA ANP NA REGULAÇÃO DA QUESTÃO AMBIENTAL
NA SEARA DE PRODUÇÃO DO BIODIESEL

ÁREA TEMÁTICA: 8. Direito e Desenvolvimento

AUTORA: Jéssica de Araújo Batista1

PROFESSORA ORIENTADORA: Patrícia Borba Vilar Guimarães2

RESUMO:

Devido à situação atual de expansão do uso dos biocombustíveis como fonte alternativa ao
petróleo, esta pesquisa se debruçou no estudo da produção de biodiesel no Brasil, levando em conta as
suas conseqüências no cenário ambiental, no que diz respeito às suas vantagens e desvantagens,
destacando os possíveis resultados danosos ao meio ambiente decorrentes de tal produção, assim como o
marco regulatório do biodiesel. É válido ressaltar que, os fundamentos principais do trabalho em epígrafe
é o direito ao ambiente ecologicamente equilibrado propugnado pela Constituição Federal (art. 225),
assim como a concretização da defesa do meio ambiente como princípio norteador da ordem econômica
(art. 170, VI, CF). Observa-se que, em relação à regulação, foi feita uma análise do papel da ANP, na
qual será destacado que, em razão do seu caráter de ente normatizador e fiscalizador do setor de
biocombustíveis, esta agencia reguladora deve deter notório saber, a fim de atender as demandas técnicas
inerentes a este âmbito. Além disso, deve manter conhecimento técnico-operacional do setor de produção
do biodiesel, para que as políticas estatais alcancem, efetivamente, os objetivos colimados. Da pesquisa
procedida, conclui-se que, em virtude de a atuação da ANP ainda mostrar-se deficiente, deve esta
aprimorar sua atividade regulatória, preenchendo as lacunas resultantes das exigências específicas da área
de produção dos biocombustíveis, que somente poderão ser supridas de modo satisfatório através de uma
reestruturação do órgão regulador, que deve ser integrado por aqueles que detêm os saberes técnicos
imprescindíveis para a área em destaque.

Palavras-chave: Biodiesel. Oleaginosas. Regulação Ambiental. ANP.

ABSTRACT:

Due to the current expanding use of biofuels as an alternative source to oil, this research is
addressed in the study of biodiesel production in Brazil, taking into account its environmental
consequences in the scenario, with regard to its advantages and disadvantages, emphasizing the possible
harmful outcomes to the environment resulting from such production, as well as the regulatory framework

1 Graduanda em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e Bolsista do Programa de Recursos
Humanos em Direito do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – PRH / Petrobras / MCT N.36. E-mail: jessica-
[email protected]

2 Bacharel em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba (1997). Tecnóloga em Processamento de Dados pela
Universidade Federal da Paraíba (1989); Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2008). Mestre
pelo Programa Interdisciplinar em Ciências da Sociedade, na área de Políticas Sociais, Conflito e Regulação Social, pela
Universidade Estadual da Paraíba (2002). Doutora em Recursos Naturais pela Universidade Federal de Campina Grande
(2010). É Advogada e Professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. E-mail: [email protected]
for biodiesel. It is worth noting that the main foundations of the above work is the right to an ecologically
balanced environment advocated by the Federal Constitution (art. 225), as well as the implementation of
environmental protection as a guiding principle of economic order (art. 170, VI, CF).
It is observed that, in relation to regulation, an analysis of the role of ANP, which will be noted that, due
to its nature of being normalizing and controlling the biofuel sector, the regulatory agency must hold
public knowledge in order to meet the technical demands inherent in this context. In addition, it must
maintain technical and operational knowledge of the production sector of the biodiesel, so that state
policies to achieve effectively the objectives collimated.
From research carried out, it was concluded that, because of the actions of ANP still show up weak, this
should enhance their regulatory activity, filling gaps resulting from the specific requirements of the
production area of biofuels, which can only be met in order through a satisfactory restructuring of the
regulator, which must be integrated by those who have the technical knowledge essential to the
highlighted area.

Keywords: Biodiesel. Oilseeds. Environmental Regulation. ANP.
REFLEXÕES ACERCA DO PAPEL DA ANP NA REGULAÇÃO DA QUESTÃO AMBIENTAL
NA SEARA DE PRODUÇÃO DO BIODIESEL

1. INTRODUÇÃO

Na atualidade, onde a sociedade de riscos se faz presente, diversas questões que estão totalmente
atreladas ao deslinde natural da Ordem Econômica são discutidos, como, por exemplo, a sustentabilidade
ambiental, a finitude dos recursos naturais, os riscos ainda não conhecidos ou não dominados pela
humanidade, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, etc. Dentre estes assuntos, ganham relevância
os riscos contemporâneos que, em geral, são produzidos pelo modelo de produção adotado pelo Estado, e
podem resultar em inúmeros impactos ambientais.
Diante deste cenário em que presentifica-se a sociedade de riscos, se destaca um princípio
essencial do Direito Ambiental: o princípio da precaução. Este diz respeito ao perigo de dano considerado
abstratamente, e faz com que a incerteza quanto à lesividade e a dúvida científica militem em favor da
sociedade. Isto porque a configuração pós-industrial da sociedade de riscos proporcionou o surgimento de
novos tipos de danos e riscos inerentes à indústria, de maneira que atividades que isoladamente não
demonstravam significativa nocividade ao meio ambiente, quando inseridas em um contexto diverso,
podem desencadear efeitos danosos de grande proporção.
Diante das incertezas inerentes à sociedade de riscos surge, contemporaneamente, uma crise
ambiental, que tem como conseqüência o interesse estatal em investir em fontes sustentáveis de energia,
alternativamente ao petróleo. Com isso, é preciso salientar que, a transição do modelo tradicional, em que
há destaque dos combustíveis fósseis, para o que é centrado na produção e utilização de fontes renováveis
de energia, não se encontra, porém, imune aos graves riscos ambientais e às incertezas científicas em
relação aos efeitos futuros de proporção global da implantação de uma nova fonte energética.
Neste contexto, o trabalho em epígrafe tem a finalidade de discutir as competências normativas e
fiscalizatórias da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), frente aos riscos
ambientais na cadeia de produção do biodiesel, enfatizando a sua fase inicial, qual seja, o plantio de
oleaginosas. Saliente-se que o biodiesel foi eleito, pelo Governo Federal, como uma opção mais
sustentável e menos poluente, no cenário atual brasileiro, e enquadra-se como uma opção que tem
perspectivas promissoras no âmbito energético brasileiro, porém, na realidade, a produção deste
biocombustível não está imune a provocação de inúmeros danos ambientais, o que merece uma analise
mais detida.
Para isto serão delineados apontamentos acerca da produção de biodiesel no Brasil, atentando para
as suas conseqüências no cenário ambiental, no que diz respeito às suas vantagens e as desvantagens,
colocando em relevância os princípios constitucionais delineados no art. 170, CF e no art. 225, CF; e as
determinações da Lei do Petróleo à Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis.
Para fundamentar a pesquisa feita, é necessário traçar informações gerais acerca da inserção deste
biocombustível na matriz energética brasileira, bem como de sua cadeia produtiva.
2. BIODIESEL: UM PANORAMA GERAL

O biodiesel é combustível derivado de óleos vegetais produzidos da soja, da mamona, do babaçu,
do girassol, do milho, do algodão, da canola, da palma, etc. Das várias opções de matéria prima, o
destaque é da soja correspondente a 90% da produção brasileira; do dendê, do coco, e do girassol, pelo
rendimento em óleo; e da mamona, por resistir à seca (Plano Nacional de Agroenergia, 2005).

2.1 CONTEXTO HISTÓRICO DE INTRODUÇÃO NA MATRIZ ENERGÉTICA BRASILEIRA

A produção do biodiesel no país começou a ganhar destaque mais intenso quando ocorreu a
criação do Grupo de Trabalho Interministerial (GTI), através do Decreto Presidencial de 02 de julho de
2003, que iria estudar a viabilidade energética do óleo vegetal biodiesel, e, caso esta fosse proveitosa,
haveria a propositura do que fosse preciso para a instituição deste biocombustível no país. Realizados os
estudos e com os resultados positivos aferidos, foi recomendada inserção imediata do biodiesel na matriz
energética brasileira por meio de um relatório expedido em 04 de dezembro de 2003 pelo GTI.
Ato contínuo, em dezembro do mesmo ano, foi criada a Comissão Executiva Interministerial,
composta por 12 ministérios, pela Casa Civil da Presidência da República, e pela Secretaria de
Comunicação de Governo e Gestão Estratégica da Presidência da República, que foi responsável pelo
surgimento do Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB), lançado em dezembro de
2004. Merece menção o papel importante da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos
Automotores (Anfavea) e a Associação Brasileira da Indústria de Óleos Vegetais (Abiove) que também
auxiliaram na criação do PNPB.
Decorrente deste contexto surgiu a Lei 11.097/05, a Lei do Biodiesel, responsável pela ampliação
do escopo da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), que começou a ter
suas atribuições direcionadas também aos biocombustíveis, ocorrendo a introdução do biodiesel na matriz
energética brasileira.
Observa-se, destarte, que desde o lançamento do Programa Nacional de Produção e Uso do
Biodiesel (PNPB) no ano de 2004, o biodiesel começou a assumir um papel de maior relevância no
cenário econômico do Brasil, de modo que a sua introdução na matriz energética brasileira pelo Governo
Federal levou em conta teoricamente a crescente demanda por combustíveis de fontes renováveis
(questão ambiental); o potencial brasileiro para atender a expressiva parte de suas necessidades; e os
benefícios sociais de sua produção.
É relevante citar as medidas fomentadoras do Governo Federal para estimular o seu crescimento,
dentre as quais: a criação do Selo Combustível Social, regulado pela Instrução Normativa do MDA N° 01
de 05 de julho de 2005, em que o produtor que possuí-lo poderá ser beneficiado, se obedecer aos
requisitos propostos pela legislação, com menores cargas tributárias, vantagens nos financiamentos feitos
ao BNDES, e participação nos leilões; o regime tributário diferenciado de acordo com a região em que é
produzida a matéria prima do biodiesel; o estabelecimento de leilões em que há a compra antecipada da
produção de biodiesel, evitando que os produtores tenham prejuízos com o que produzirem; e as linhas de
crédito facultadas pelo Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) ao
agricultor.
Como se vê, desde a sua introdução na matriz energética nacional, o biodiesel conta com o apoio
do Governo Federal, que desenvolveu iniciativas importantes para sua mantença no cenário energético
nacional.
2.2 O AVANÇO DO BIODIESEL

Os dados do Balanço Energético Nacional 2010, do Ministério de Minas e Energia, indicam que
no ano de 2009 houve, no Brasil, o crescimento da produção de biodiesel de 37,7%, em relação a 2008.
De acordo com o Balanço Energético Nacional referido, esta elevação se deu em virtude das políticas de
incentivo a este biocombustível, que viabilizaram o aumento de 3% para 4% do mesmo na mistura do
óleo diesel no ano de 2009.
Destaque-se que, posteriormente, com o parágrafo único do artigo 01 da Resolução da ANP N°7
de 2008 (alterada pela Resolução N° 6 do CNPE), foi estabelecido que a partir de janeiro de 2010, o
biodiesel deveria ser adicionado ao diesel na proporção de 5% em volume, o que vem ocorrendo.
Conforme se pode observar, o consumo e a produção de biodiesel tendem a aumentar no Brasil, e
isto pode ser verificado também com as previsões feitas no Plano Decenal de Expansão de Energia 2019
(2010), que registrou os percentuais previstos para o consumo regional de óleo diesel - devendo-se aqui
lembrar que ao diesel será adicionado biodiesel - conforme pode se observar na tabela a abaixo.

Figura 1 – Projeção de consumo regional de óleo diesel de 2010 a 2019

2.3 A CADEIA DE PRODUÇÃO DO BIODIESEL

No que concerne à cadeia produtiva do biodiesel, esta tem início com a exploração das matérias-
primas necessárias para se atingir o produto final. Deste modo, precipuamente, é primordial haver o
plantio das oleaginosas do biodiesel. Depois do plantio, vem a produção do óleo; em seguida ocorre a
produção do biodiesel em si; e, ato contínuo, há a distribuição deste biocombustível e a sua revenda ao
consumidor final. Esta é a cadeia produtiva do biodiesel.
Conforme já se deixou antever, posteriormente ao cultivo da matéria-prima, haverá o
processamento de grãos com o intuito de originar óleo, de maneira que a oleaginosa passará por uma
espécie de prensa para extrair o óleo vegetal, que, depois, será convertido em biodiesel. Assim, quando o
óleo vegetal chega até a usina, ele passa por uma reação química que o transforma em biodiesel, e este
será direcionado às distribuidoras.
Por conseguinte, é nas distribuidoras que haverá a mistura do biocombustível ao diesel, de acordo
com o que prega o Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel. Em outras palavras, a
distribuidora recebe o biodiesel puro (B100) da usina, e este será misturado ao diesel proveniente de
combustível fóssil.
Para este trabalho importa levar em conta a primeira fase da cadeia em destaque, que é o cultivo
das oleaginosas escolhidas como matérias-primas do biodiesel. É preciso atentar que a problemática desta
pesquisa reside no fato de não existirem normas ou regulação direcionada especificamente para o setor do
biodiesel quando se trata desta etapa, de maneira que a ela vem se aplicando os dispositivos da Resolução
do CONAMA n. 237/97. No anexo 01 deste complexo normativo há um rol exemplificativo de
empreendimentos nos quais é preciso proceder ao licenciamento ambiental, sendo um destes as
“atividades agropecuárias”, no que se incluiriam os projetos agrícolas de plantação e cultivo das
oleaginosas do biocombustível trazido à baila.
Deve-se atentar, que o cultivo da oleaginosa escolhida para ser matéria-prima do biodiesel pode
ocorrer através da agricultura familiar, onde raramente o empreendimento será desenvolvido de acordo
com o que propugna a Resolução supramencionada; ou, mediante a plantação e cultivo de extensas áreas,
as monoculturas desenvolvidas em latifúndios, nas quais, ao menos teoricamente, geralmente são
previamente licenciadas pelo órgão ambiental responsável, com o intuito de evitar impactos ambientais
no local da plantação.
Neste cenário, verifica-se um verdadeiro precipício no que concerne a insuficiência ou quase
ausência de regulação do cultivo das oleaginosas do biodiesel, mesmo sendo esta atividade integrante da
Ordem Econômica, constituindo-se em um setor estratégico para o avanço sustentável da matriz
energética brasileira.

3. SUSTENTABILIDADE VERSUS RESULTADOS DANOSOS AO MEIO AMBIENTE

Levando em consideração a crescente expansão do biodiesel no Brasil, conforme os dados
supramencionados no subtópico “1.2”, e a etapa inicial da cadeia de produção deste biocombustível, o
plantio das oleaginosas, surge um questionamento: Será que o biodiesel está imune aos danos ambientais
que naturalmente acontecem quando da produção dos combustíveis fósseis?
Indicativo de que a resposta para esta pergunta seria negativa, são os estudos que estão sendo
desenvolvidos no exterior, mais especificamente nos Estados Unidos da América e na Inglaterra, com o
intuito de analisar e conscientizar acerca dos impactos ambientais negativos decorrentes da produção de
biocombustíveis, dentre eles o biodiesel, atentando para aspectos climáticos e da biodiversidade. Um
exemplo destas pesquisas é o projeto “Biofuelwatch”, que expõe as suas diretrizes no site
http://biofuelwatch.org.uk.
Neste sentido, bem elucida Zapata (2008), salientado que há certo “romantismo poético” em
relação à idéia de um futuro baseado em uma fonte renovável de energia. Para este estudioso, não há no
atual estado da tecnologia uma fonte de energia, nem na família das renováveis, que seja ambientalmente
correta, economicamente viável e ainda proporcione desempenho equivalente ao promovido pelos
combustíveis fósseis.
Isto é facilmente comprovado quando nos atemos ao biocombustível aqui em epígrafe. Deve-se
mencionar, primeiramente, que uma das desvantagens verificadas quando se observa a cadeia de uso do
biodiesel são as emissões de óxidos de nitrogênio (NOx) mais elevadas quando comparadas com as do
diesel mineral. Estes óxidos resultam em oxidantes fotoquímicos – gases muito agressivos - quando
reagem na atmosfera através da ação do sol. Um desses oxidantes fotoquímicos é o ozônio, que é o
responsável por uma série influências nocivas ao meio ambiente, atuando como, por exemplo, inibidor da
fotossíntese que provoca lesões nas folhas das plantas; agente danoso da estrutura pulmonar humana, que
tem reduzida a sua resistência à infecções e elevada sua suscetibilidade à doenças pulmonares; e fator
contributivo para o aumento dos índices de saturação do ozônio em baixas altitudes.
Outros danos causados ao meio ambiente através deste biocombustível, e que assumem relevância
maior para este artigo, são os que decorrem da fase inicial de sua produção. Estes são explicitados por
estudos desenvolvidos pela Agência Européia do Ambiente (2006), que aponta o cultivo de oleaginosas
do biodiesel como causador de: erosão do solo; compactação do solo vez que um dos caracteres que
permeia a produção de biodiesel é a mecanização, com utilização em larga escala de máquinas agrícolas;
lixiviação de nutrientes para os lençóis freáticos, principalmente de nitratos e fosfatos comuns às culturas
agrícolas intensivas; diminuição da biodiversidade devido à especialização na produção de culturas
agrícolas; e contaminação dos lençóis freáticos por nitratos e nitritos contidos nos fertilizantes.
Merece destaque aqui as plantações de soja e dendê, que são cultivadas em latifúndios no Brasil.
Estas têm invadido as florestas tropicais e destruído a sua biodiversidade, de maneira que espécies da
flora e da fauna destas correm risco de entrar em extinção. Nesta perspectiva, é importante salientar que a
produção intensiva, como ocorre no caso in locu, ocasiona o esgotamento das capacidades dos solos,
podendo levar a destruição da fauna e flora conjugada com o risco de erradicação de espécies e o possível
aparecimento de novos parasitas, como ocorreu com o parasita da Malária.
Exemplo de impacto ambiental causado pelo cultivo das oleaginosas do biodiesel no Brasil,
havendo lesão à legislação ambiental, conforme noticiado pela ONG Repórter Brasil (2009), vem
ocorrendo em Goiás, ao redor do Parque Nacional das Emas, onde os sojicultores têm feito o plantio de
transgênicos e a utilizado agrotóxicos proibidos.
Devem ser citados também os correntes desmatamentos e queimadas no Cerrado e em parte da
Floresta Amazônica, para o cultivo de soja. No estado do Mato Grosso, o cultivo da soja é uma das
maiores responsáveis pelo desmatamento nas florestas; e, ademais disso, causou 26.130 quilômetros
quadrados de desmatamento da Amazônia, no período de agosto de 2003 e agosto de 2004. As
estatísticas, esposadas pela ONG supracitada, apontam para a conversão de mais de um milhão de
hectares de florestas em campos de soja na Amazônia, nos últimos anos. Ressalte-se que situação
complicada verifica-se nesta floresta devido a fragilidade de seu solo e ao fato de os lençóis freáticos de
algumas de suas regiões se caracterizarem pela baixa profundidade, sendo mais suscetíveis de
contaminação pelo uso de agrotóxicos.
A Amazônia e o biodiesel foram objetos de estudo e publicação na revista Proceedings of the
National Academy of Sciences – PNAS (2009), que apontou a expansão da produção biodiesel como
causa do aumento das emissões de carbono no Brasil devido à maior ocupação da região amazônica. Este
processo ocorre de maneira indireta: as plantações destinadas à produção de biocombustíveis substituem
os pastos que, por sua vez, se expandem sobre as áreas de floresta. Inclusive, os cientistas projetam que
121 mil km² poderiam ser desmatados por causa do processo em destaque até 2020 e o biodiesel seria
responsável por metade disso.
No que tem pertinência com os impactos relacionados à água, de acordo com Berndes (2002), a
ampliação do cultivo de biomassa para produção de biocombustível pode aumentar a necessidade de
água, principalmente para espécies oleaginosas, que retém considerável quantidade de líquidos. (...)
Ademais, os efluentes da produção de processos químicos para a produção de biodiesel podem provocar
poluição substancial dos recursos hídricos se não tratados adequadamente antes de voltar ao ambiente.
Em síntese, ainda tratando dos danos ambientais causados pelo biocombustível em tela, nas
palavras de Carolina Dutra (2009), a produção do biodiesel, mediante o cultivo de monoculturas de
culturas para a energia pode resultar: na simplificação dos agroecossistemas, com uma diminuição no
cultivo e exploração da biodiversidade; na emergência da engenharia genética das culturas energéticas
para maior rendimento e eficiência energética, que pode resultar em polinização cruzada de parentes
silvestres, afetando assim a biodiversidade; em riscos potenciais que, em um esforço para aumentar a
produção e satisfazer a procura crescente por biocombustíveis, culturas energéticas, que apresentam
características de plantas daninhas, como a jatropha (pinhão manso), podem se tornar invasoras.
Diante deste cenário exposto, percebe-se que a possibilidade de danos ao meio ambiente
provenientes do uso e produção do biodiesel é tão extensa e iminente, que autores como Frondel e Peters
(2006) salientam que deveria se investigar se a adoção de padrões mais rígidos de nível de poluentes no
diesel mineral (derivado do petróleo) poderia trazer resultados ambientais mais satisfatórios do que o
próprio biodiesel.

4. A REGULAÇÃO NO SETOR DE PRODUÇÃO DO BIODIESEL

Detendo-se na questão da regulação, é necessário destacar que o legislador constituinte
estabeleceu como exceção, a intervenção do Estado na economia. É válido ressaltar que, o Estado
intervém na Ordem Econômica tanto diretamente (exploração das atividades econômicas sem
intermediários) o que é mais raro, quanto indiretamente. De modo indireto, ele atua monitorando a
exploração das atividades geradoras de riquezas pelos particulares, e pode exercer seu papel regulatório
quando for necessário, normatizando, regulando e corrigindo as falhas do mercado interno, em prol do
bem comum e do interesse coletivo.
A função do Estado como ente regulador da atividade econômica perfaz-se mediante indução,
incentivando e planejando o que é objetivado por ele; ou através de direção, por meio de controle e
fiscalização. Inclusive, é válido ressaltar que não é diferente o caso da seara de produção do biodiesel.
Esta é regulada por Ministérios e Agências Reguladoras com interesse direto na temática, devendo-se
destacar, para fins desta pesquisa, o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), o Ministério do
Meio Ambiente (MMA), o Ministério de Minas e Energia (MME), e a Agência Nacional de Petróleo, Gás
Natural e Biocombustíveis (ANP).
Nesta perspectiva, são válidos os ensinamentos do ilustre doutrinador José Joaquim Gomes
Canotilho (2000) acerca do assunto:

“O Estado assume uma postura de regulador de atividades econômicas, podendo,
inclusive, a regulação ser delegada a entidades administrativas independentes, não
diretamente subordinadas ao poder político governamental, quando se fizer
necessário. Tal delegação a entes administrativos autônomos e independentes
fundamenta-se na verificação de que a execução de muitas competências e
atribuições estatais necessita de recursos, conhecimentos, experiências técnicas e
profissionais que se encontram, por vezes, fora do aparelhamento estatal.”

Aplicando-se tal explicação à seara de produção do biodiesel, observa-se que a regulação deste
cenário deve se dá tanto por entidades administrativas subordinadas ao poder político governamental,
como no caso do Ministério do Desenvolvimento Agrário e do Ministério do Meio Ambiente; como por
entes administrativos autônomos e independentes, como o IBAMA e a Agência Nacional de Petróleo, Gás
Natural e Biocombustíveis.

4.1 O PAPEL REGULATÓRIO DA ANP NA SEARA DE PRODUÇÃO DE OLEAGINOSAS DO
BIODIESEL

A partir do momento em que o Estado adotou uma postura de agente regulador de mercado, ele
passou a levar em consideração os diversos interesses existentes, utilizando a ponderação e a conciliação
em caso de possíveis colisões, com o intuito de garantir equilíbrio entre os interesses do governo, os
interesses privados, e os interesses coletivos. O desempenho desta finalidade se dá por meio das agências
reguladoras.
As agências reguladoras no Brasil configuram-se como autarquias sob regime especial, que
integram a Administração Indireta, e estão atreladas ao Ministério competente para o trato da respectiva
atividade apenas para fins organizacionais, sendo caracterizadas por serem independentes política e
financeiramente. As agências reguladoras não são subordinadas hierarquicamente ao Governo Federal, o
que não é diferente no caso da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis.
A Lei do Petróleo (Lei 9478/97), que foi responsável pela instituição da ANP, versa, dentre outros
assuntos, sobre os princípios da Política Energética Nacional, que deve guiar a atuação desta agência
reguladora. Cabe destacar neste contexto, o seu art. 1, IV, que elege a proteção do meio ambiente como
objetivo a ser seguido pelas políticas nacionais para o aproveitamento racional das fontes de energia, de
modo que tal diretriz deve ser seguida pela ANP quando realiza suas atribuições. Outro dispositivo desta
lei, que merece menção, é o art. 8o, incisos VII e XVI, com a seguinte redação:

“A ANP terá como finalidade promover a regulação, a contratação e a fiscalização
das atividades econômicas integrantes da indústria do petróleo, do gás natural e
dos biocombustíveis, cabendo-lhe: VII - fiscalizar diretamente e de forma
concorrente nos termos da Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990, ou mediante
convênios com órgãos dos Estados e do Distrito Federal as atividades integrantes
da indústria do petróleo, do gás natural e dos biocombustíveis, bem como aplicar
as sanções administrativas e pecuniárias previstas em lei, regulamento ou
contrato; XVI - regular e autorizar as atividades relacionadas à produção (....) de
biocombustíveis (...).”

Conforme é possível depreender dos artigos acima mencionados, a ANP, quando atua, por
exemplo, no âmbito de produção do biodiesel, tem o dever de regular e fiscalizar as atividades
econômicas que integram a indústria deste biocombustível, pautando-se na proteção do meio ambiente.
Desta feita, considerando que a cadeia de produção do biodiesel se inicia no plantio, e que este é
integrante da indústria do biodiesel (considerada em sentido lato sensu), a ANP possui competência para
regular este âmbito. E, ainda que sua atuação deixe a desejar no que pertine a proteção ambiental, ela
deveria, ao menos, atuar de maneira atrelada ao IBAMA (sugerindo, por exemplo, aperfeiçoamento
técnico do modelo de licenciamento ambiental genérico existente aplicável ao cultivo de matérias-primas
do biodiesel), que realiza o Licenciamento Ambiental dos empreendimentos agrícolas de produção das
oleaginosas do biodiesel.
A atuação da ANP aliada ao IBAMA mostra-se de suma importância, vez que esta agencia
reguladora não pode exaurir suas atividades apenas no âmbito da economia, descurando do aspecto
ambiental inerente ao sadio desenvolvimento desta. Esta atuação em parceria mostra-se totalmente
cabível, já que o IBAMA é responsável por promover a preservação do meio ambiente, assim como a
coexistência harmônica dos agentes econômicos com os fatores de produção naturais, buscando implantar
sua exploração racional.
Porém, apesar das idéias exaradas, o que se percebe na prática é que a atuação da ANP na área de
produção de oleaginosas do biodiesel é voltada, excessivamente, para os interesses econômicos, havendo
uma extensa lacuna no que diz respeito a regulação desta atividade econômica. O privilégio somente aos
interesses econômicos, atuando-se de modo apartado dos princípios norteadores da Ordem Econômica
propostos pela Carta Magna, é o que prevalece neste âmbito, de maneira que não é a toa que a produção
de oleaginosas do biodiesel da maneira que vem ocorrendo no Brasil tem gerado um cenário ambiental de
vulnerabilidade a inúmeros danos, como já foi delineado no tópico “2”.

4.2 A NECESSIDADE DE EFETIVAÇÃO DOS MANDAMENTOS CONSTITUCIONAIS NA
ATUAÇÃO DA ANP
Diante do panorama apresentado, com os iminentes e correntes danos ambientais e o boom do
biodiesel no Brasil, é salutar que se observe o que é proposto pela Constituição Federal e pelo arcabouço
legislativo brasileiro, no que diz respeito à proteção ambiental, de maneira que se entenda a
essencialidade de a ANP exercer suas competências voltadas não apenas para o plano econômico, mas
privilegiando a proteção do meio natural.
A Carta Maior em seus dispositivos reservou atenção especial ao cenário ambiental, dispensando-
lhe tutela. De início, observa-se isto pelo enfoque ao meio ambiente no artigo 225, CF, quando especifica
o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, sendo dever do Estado e da coletividade
mantê-lo deste modo, por ele ser essencial à sadia qualidade de vida.
Verifica-se com este artigo a essencialidade do direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, e, para assegurar a efetividade deste, a Constituição traça algumas diretivas ao Poder Público,
incumbindo-o de: preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico
das espécies e ecossistemas; preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e
fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético; exigir, na forma da lei,
para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio
ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; controlar a produção, a
comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a
qualidade de vida e o meio ambiente; proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que
coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a
crueldade, etc.
Comentando acerca do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, o doutrinador José
Rubens Morato Leite (1998) esclarece:

“Se o meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito fundamental, o que
significa para todos esta qualificação? Significa que, para a efetividade deste
direito, há necessidade da participação do Estado e da coletividade, em
consonância com o preceito constitucional. O Estado, desta forma, deve fornecer
os meios instrumentais necessários à implementação deste direito. Além desta
ação positiva do Estado, é necessário também a abstenção de práticas nocivas ao
meio ambiente por parte da coletividade. O cidadão deve, desta forma, empenhar-
se na consecução deste direito fundamental, participando ativamente das ações
voltadas à proteção do meio ambiente.”

Outro dispositivo constitucional que propugna a proteção do meio ambiente é o artigo 170, VI,
que prevê como princípio norteador da ordem econômica a defesa do meio ambiente. Neste contexto,
percebe-se que condição inerente ao normal deslinde da Ordem Econômica é a tutela do meio ambiente,
por meio de tratamento diferenciado de acordo com a atividade econômica a ser desenvolvida. Este
mandamento constitucional é de suma relevância quando direcionado às atividades exercidas no setor
econômico-produtivo, já que defende que haja conciliação entre o desenvolvimento da economia e o meio
ambiente.
Além destes dispositivos constitucionais, outros fazem alusão à proteção do meio ambiente, como,
por exemplo, o art. 23, incisos VI e VII, que determinam ser competência comum da União, dos Estados,
do Distrito Federal e dos Municípios, proteger o meio ambiente, combater a poluição em qualquer de suas
formas, e preservar a fauna, as florestas e a flora.
Merece menção ainda, o princípio da precaução que é fundamental, e um dos mais importantes
para a preservação do meio ambiente. Ele foi resultante da ECO-92, e sua inserção ocorreu em virtude da
Conferência das Nações Unidas Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento – RIO-92, in verbis: