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"Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e não mais lutando por
dinheiro e poder, então nossa sociedade poderá enfim evoluir a um novo nível."
Copyright © 2011, Daniel Kahneman
Todos os direitos desta edição reservados à
EDITORA OBJETIVA LTDA.
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Rio de Janeiro – RJ – CEP: 22241-090
Tel.: (21) 2199-7824 – Fax: (21) 2199-7825
www.objetiva.com.br
Título original
Thinking, Fast and Slow
Capa
Adaptação de Pronto Design sobre design original de Rodrigo Corral
Imagem de capa
Mark Weiss / Getty Images
Revisão
Ana Kronemberger
Fatima Fadel
Coordenação de e-book
Marcelo Xavier
Editoração eletrônica
Abreu’s System Ltda.
C
Figura 1: Reproduzida com permissão de Paul Ekman Group, LLC. Figura 4: “Cues of Being Watched Enhance Cooperation in a Real-World Setting”, de
Melissa Bateson, Daniel Nettle e Gilbert Roberts. Biology Letters (2006). Reproduzida com permissão da Biology Letters. Figura 9: Mind Sights, de Roger
N. Shepard (Nova York: W.H. Freeman and Company, 1990). Reproduzida com permissão de Henry Holt and Company. Figura 12: “Human Amygdala
Responsivity to Masked Fearful Eye Whites”, de Paul J. Whalen et al., Science 306 (2004). Reproduzida com permissão da Science.
C
“Judgement Under Uncertainty: Heuristics and Biases” da Science, New Series, Vol. 185, nº 4157, copyright © 1974 by Amos Tversky and Daniel
Kahneman. Reproduzido com permissão da Science. “Choices, Values, and Frames” da The American Psychologist, copyright © 1983 by Daniel Kahneman
and Amos Tversky. Reproduzido com permissão da The American Psychological Association.
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
K18r
Kahneman, Daniel
Rápido e devagar [recurso eletrônico]: duas formas de pensar / Daniel Kahneman; tradução Cássio de Arantes Leite. - Rio de
Janeiro: Objetiva, 2012.
recurso digital
Tradução de: Thinking, fast and slow
Formato: ePub
Requisitos do sistema: Adobe Digital Editions
Modo de acesso: World Wide Web
588p. ISBN 978-85-390-0401-0 (recurso eletrônico)
1. Pensamento. 2. Processo decisório. 3. Intuição. 4. Raciocínio 5. Livros eletrônicos. I. Título.
12-5164. CDD: 153.42
CDU: 159.955
SUMÁRIO
Capa
Folha de Rosto
Créditos
Dedicatória
Introdução
PARTE 1 - DOIS SISTEMAS
1 - OS PERSONAGENS DA HISTÓRIA
2 - ATENÇÃO E ESFORÇO
3 - O CONTROLADOR PREGUIÇOSO
4 - A MÁQUINA ASSOCIATIVA
5 - CONFORTO COGNITIVO
6 - NORMAS, SURPRESAS E CAUSAS
7 - UMA MÁQUINA DE TIRAR CONCLUSÕES PRECIPITADAS
8 - COMO OS JULGAMENTOS ACONTECEM
9 - RESPONDENDO A UMA PERGUNTA MAIS FÁCIL
PARTE 2 - HEURÍSTICAS E VIESES
10 - A LEI DOS PEQUENOS NÚMEROS
10 - ÂNCORAS
12 - A CIÊNCIA DA DISPONIBILIDADE
13 - DISPONIBILIDADE, EMOÇÃO E RISC
14 - A ESPECIALIDADE DE TOM W
15 - LINDA: MENOS É MAIS
16 - CAUSAS SUPERAM ESTATÍSTICAS
17 - REGRESSÃO À MÉDIA
18 - DOMANDO PREVISÕES INTUITIVAS
PARTE 3 - CONFIANÇA EXCESSIVA
19 - A ILUSÃO DE COMPREENSÃO
20 - A ILUSÃO DE VALIDADE
21 - INTUIÇÕES VERSUS FÓRMULAS
22 - INTUIÇÃO DE ESPECIALISTA: QUANDO PODEMOS CONFIAR?
23 - A VISÃO DE FORA
24 - O MOTOR DO CAPITALISMO
PARTE 4 - ESCOLHAS
25 - OS ERROS DE BERNOULLI
26 - TEORIA DA PERSPECTIVA
27 - O EFEITO DOTAÇÃO
28 - EVENTOS RUINS
29 - O PADRÃO QUÁDRUPLO
30 - EVENTOS RAROS
31 - POLÍTICAS DE RISCO
32 - DE OLHO NO PLACAR
33 - REVERSÕES
34 - QUADROS E REALIDADE
PARTE 5 - DOIS EUS
35 - DOIS EUS
36 - A VIDA COMO UMA NARRATIVA
37 - BEM-ESTAR EXPERIMENTADO
38 - PENSANDO SOBRE A VIDA
CONCLUSÕES
Apêndice A: julgamento sob Incerteza: Heurísticas e vieses
Apêndice B: Escolhas, Valores e Quadros
NOTAS
AGRADECIMENTOS
Em memória de Amos Tversky
INTRODUÇÃO
Imagino que todo escritor tenha em mente um cenário em que os leitores de sua obra possam
extrair proveito da leitura. No meu caso, é o proverbial cantinho do café no escritório, onde as
pessoas trocam opiniões e fofocam. Espero enriquecer o vocabulário que as pessoas usam
quando conversam sobre os julgamentos e escolhas dos outros, as novas políticas da empresa
ou as decisões de investimento de algum colega. Por que damos ouvidos a fofocas? Porque é
muito mais fácil, além de ser muito mais prazeroso, identificar e classificar os erros dos
outros do que reconhecer nossos próprios erros. Questionar aquilo em que acreditamos e o
que queremos já é difícil quando tudo vai bem, e particularmente difícil quando mais
precisamos fazê-lo, mas podemos tirar proveito de opiniões fundamentadas. Muitos de nós
antecipam espontaneamente como os amigos e colegas vão avaliar nossas escolhas; portanto, a
qualidade e o conteúdo desses julgamentos antecipados faz diferença. A expectativa de fofoca
inteligente é um motivo poderoso para a autocrítica séria, mais poderoso do que resoluções de
ano-novo para melhorar as próprias tomadas de decisão no trabalho e na vida pessoal.
Para fornecer bons diagnósticos, um médico precisa dominar uma ampla gama de
classificações para as moléstias, cada uma das quais vincula uma ideia da doença e seus
sintomas, possíveis antecedentes e causas, possíveis desdobramentos e consequências e
possíveis intervenções para curar ou tratar a doença. Aprender medicina consiste em parte em
aprender a linguagem da medicina. Uma compreensão mais profunda de julgamentos e
escolhas exige também um vocabulário mais rico do que o disponível na linguagem do dia a
dia. A esperança para a fofoca fundamentada é que há distintos padrões nos erros cometidos
pelas pessoas. Erros sistemáticos são conhecidos como vieses, e se repetem de forma
previsível em circunstâncias particulares. Quando um orador bem-apessoado e confiante sobe
no palco, por exemplo, você pode prever que o público julgará seus comentários de modo
mais favorável do que ele fez por merecer. A disponibilidade de uma classificação
diagnóstica para esse viés — o efeito halo — torna mais fácil antecipar, reconhecer e
compreender.
Quando alguém lhe pergunta no que você está pensando, você normalmente consegue
responder. Você acredita saber o que se passa em sua mente, o que muitas vezes consiste em
um pensamento consciente levando ordenadamente a outro. Mas esse não é o único modo
como a mente funciona, nem tampouco é de fato o modo típico. A maioria das impressões e
pensamentos surge em sua experiência consciente sem que você saiba como foram parar lá.
Você não consegue investigar passo a passo como chegou à crença de que há uma luminária na
mesa diante de você, ou como detectou um tom de irritação na voz de sua esposa ao telefone,
ou como foi capaz de evitar uma ameaça na pista diante do seu carro antes de perceber
conscientemente sua existência. O trabalho mental que gera impressões, intuições e diversas
decisões ocorrem silenciosamente em nossa cabeça.
Grande parte da discussão neste livro refere-se a vieses de intuição.1 Entretanto, o foco no
erro não denigre a inteligência humana, assim como a atenção com as doenças na literatura
médica não significa rejeitar a boa saúde. A maioria de nós é saudável a maior parte do
tempo, e a maioria de nossos julgamentos e ações é apropriada na maior parte do tempo.
Conforme determinamos o curso de nossas vidas, normalmente nos permitimos nos guiar por
impressões e sentimentos, e a confiança que temos em nossas crenças e preferências intuitivas
em geral é justificada. Mas nem sempre. Muitas vezes estamos confiantes mesmo quando
estamos errados, e um observador objetivo tem maior probabilidade de detectar nossos erros
do que nós mesmos.
De modo que isso é o que pretendo para o bate-papo do cafezinho no escritório:
aperfeiçoar a capacidade de identificar e compreender erros de julgamento e escolha, nos
outros e afinal em nós mesmos, propiciando uma linguagem mais rica e mais precisa para
discuti-los. Pelo menos em alguns casos, um diagnóstico acurado pode sugerir uma
intervenção para limitar o dano que julgamentos e escolhas ruins muitas vezes ocasionam.
ORIGENS
Este livro apresenta meu atual entendimento sobre o julgamento e a tomada de decisões, que
foi moldado pelas descobertas das últimas décadas no campo da psicologia. Contudo, as
ideias centrais remontam ao auspicioso dia de 1969, quando pedi a um colega que falasse
como convidado em um seminário que eu conduzia no Departamento de Psicologia da
Universidade Hebraica de Jerusalém. Amos Tversky era considerado uma estrela em ascensão
no campo de estudo sobre tomada de decisões — na verdade, em qualquer coisa que fizesse
—, então eu sabia que seria um encontro interessante. Muitas pessoas que conheciam Amos
consideravam-no a pessoa mais inteligente que já tinham visto. Ele era brilhante, fluente e
carismático. Era também abençoado com uma memória precisa para piadas e uma capacidade
excepcional de usá-las como reforço em sua argumentação. Não havia um momento de tédio
quando Amos estava por perto. Ele tinha 32 anos; eu, 35.
Amos contou a meus alunos sobre um programa de pesquisa em andamento na Universidade
de Michigan cujo intuito era responder à seguinte questão: As pessoas são bons estatísticos
intuitivos? Já sabíamos que as pessoas são bons gramáticos intuitivos: com a idade de 4 anos,
uma criança se ajusta sem esforço às regras gramaticais à medida que fala, embora não tenha
ideia de que essas regras existem. Será que as pessoas têm uma percepção intuitiva similar
para os princípios básicos da estatística? Amos informou que a resposta era um sim com
ressalvas. Fizemos um animado debate com o grupo e finalmente concluímos que um não com
ressalvas era uma resposta melhor.
Amos e eu apreciamos a troca de ideias e concluímos que a estatística intuitiva era um
tópico interessante e que seria divertido explorá-lo juntos. Na sexta-feira seguinte, nós nos
encontramos para almoçar no Café Rimon, ponto de encontro favorito de boêmios e
professores em Jerusalém, e planejamos um estudo das intuições estatísticas entre
pesquisadores sofisticados. Havíamos concluído no seminário com o grupo de estudos que
nossas próprias intuições eram deficientes. A despeito de anos ensinando e utilizando
estatísticas, não tínhamos desenvolvido um senso intuitivo da confiabilidade de resultados
estatísticos observados em pequenas amostras. Nossos julgamentos subjetivos eram
tendenciosos: mostrávamos uma predisposição excessiva a acreditar em resultados de
pesquisa baseados em evidência inadequada e inclinados a coligir pouquíssimas observações
em nossa própria pesquisa
1. O objetivo de nosso estudo era examinar se outros pesquisadores
sofriam do mesmo mal.
Preparamos um levantamento que incluía cenários realistas de questões estatísticas
surgidas em pesquisas. Amos coligiu as reações de um grupo de especialistas participando de
uma reunião da Sociedade de Psicologia Matemática, incluindo os autores de dois livros
didáticos de estatística. Como esperado, descobrimos que nossos colegas especialistas, como
nós, exageravam enormemente a probabilidade de que o resultado original de um experimento
seria reproduzido com êxito mesmo para uma amostra pequena. Também forneceram
aconselhamento muito fraco a uma aluna de graduação fictícia quanto ao número de
observações que ela deveria colher. Mesmo estatísticos não eram bons estatísticos intuitivos.
Enquanto redigíamos o artigo que relatava esses resultados, Amos e eu descobrimos que
gostávamos de trabalhar juntos. Amos era sempre muito divertido, e em sua presença eu
também me tornava uma pessoa divertida, de modo que passávamos horas de trabalho sério
em um estado contínuo de bom humor. O prazer que encontramos em trabalhar juntos nos
tornava excepcionalmente pacientes; é muito mais fácil dar duro para buscar a perfeição
quando você nunca fica entediado. Talvez o mais importante, deixávamos nossas armaduras
críticas do lado de fora. Tanto Amos como eu éramos pessoas críticas e dadas a discussões,
ele até mais do que eu, mas durante os anos de nossa colaboração, nenhum de nós rejeitou de
imediato nada do que o outro disse. Na verdade, uma das maiores alegrias que conheci nessa
colaboração foi que Amos frequentemente enxergava o sentido de minhas ideias vagas com
muito mais clareza do que eu. Amos era o pensador mais lógico, com uma orientação para a
teoria e um senso de direção infalível. Eu era mais intuitivo e enraizado na psicologia da
percepção, da qual tomamos emprestadas muitas ideias. Éramos suficientemente parecidos
para compreender um ao outro com facilidade, e suficientemente diferentes para surpreender
um ao outro. Desenvolvemos uma rotina em que passávamos grande parte de nossos dias de
trabalho juntos, muitas vezes em longas caminhadas. Durante os 14 anos seguintes nossa
colaboração foi o foco de nossas vidas, e o trabalho que realizamos juntos durante esses anos
foi o melhor que qualquer um de nós jamais fez.
Adotamos rapidamente uma prática que mantivemos por muitos anos. Nossa pesquisa era
uma conversa, na qual inventávamos perguntas e examinávamos conjuntamente nossas
respostas intuitivas. Cada pergunta era um pequeno experimento, e empreendíamos inúmeros
experimentos num único dia. Não estávamos procurando a sério uma resposta correta para as
perguntas estatísticas que propúnhamos. Nosso objetivo era identificar e analisar a resposta
intuitiva, a primeira que viesse à mente de um e de outro, aquela que nos sentíamos tentados a
dar mesmo quando sabíamos estar errada. Acreditávamos — corretamente, como veríamos —
que qualquer intuição que ambos partilhássemos seria partilhada também por muitas outras
pessoas, e que seria fácil demonstrar seus efeitos nos julgamentos.
A certa altura descobrimos, para nosso imenso deleite, que tínhamos ideias tolas idênticas
acerca das futuras profissões de diversas crianças muito pequenas que ambos conhecíamos.
Podíamos identificar o advogado argumentativo de 3 anos de idade, o professor nerd, a
psicoterapeuta compreensiva e levemente intrusiva. Claro que essas previsões eram absurdas,
mas mesmo assim nós as achávamos atraentes. Também estava claro que nossas intuições eram
governadas pela semelhança de cada criança com o estereótipo cultural de uma profissão. O
exercício divertido nos ajudou com uma teoria que estávamos começando a desenvolver na
época, sobre o papel da semelhança em previsões. Depois testamos e aperfeiçoamos essa
teoria em dezenas de experimentos, como no exemplo seguinte.
Ao considerar a pergunta abaixo, por favor, suponha que Steve foi escolhido ao acaso de
uma amostra representativa:
Um indivíduo foi descrito por outro como segue: “Steve é muito tímido e retraído, invariavelmente prestativo, mas com
pouco interesse nas pessoas ou no mundo real. De índole dócil e organizada, tem necessidade de ordem e estrutura, e
uma paixão pelo detalhe.” Há maior probabilidade de Steve ser um bibliotecário ou um fazendeiro?
A semelhança da personalidade de Steve com a de um bibliotecário estereotipado vem à
mente de qualquer um na mesma hora, mas considerações estatísticas igualmente relevantes
quase sempre são ignoradas. Ocorreu a você que há mais de vinte fazendeiros homens para
cada bibliotecário nos Estados Unidos? Como a desproporção é tão grande, é quase uma
certeza que mais índoles “dóceis e organizadas” serão encontradas dirigindo tratores do que
sentadas atrás do balcão de informações das bibliotecas. Entretanto, descobrimos que os
participantes de nossos experimentos ignoravam os fatos estatísticos relevantes e se apoiavam
exclusivamente na semelhança. Sugerimos que usavam a semelhança como uma heurística2
simplificadora (grosso modo, uma “regra do polegar”3) para fazer um julgamento difícil. A
confiança na heurística provocava vieses previsíveis (erros sistemáticos) nas previsões deles.
Em outra ocasião, Amos e eu nos perguntamos sobre a taxa de divórcios entre professores
de nossa universidade. Observamos que a pergunta disparou uma busca em nossa memória por
professores divorciados que conhecíamos ou dos quais já tínhamos ouvido falar, e que
avaliávamos o tamanho das categorias pela facilidade com que os exemplos nos vinham à
mente. Chamamos essa confiança na facilidade em puxar da memória de heurística da
disponibilidade (availability heuristic). Em um de nossos estudos, pedimos aos participantes
que respondessem a uma simples pergunta sobre palavras
2 num texto típico em inglês:
Considere a letra K.
É mais provável que K apareça como a primeira letra em uma palavra OU como a terceira letra?
Como sabe qualquer jogador de Scrabble (antigamente conhecido como Palavras Cruzadas), é
muito mais fácil achar palavras que começam com uma determinada letra do que encontrar
palavras que têm a mesma letra na terceira posição. Isso é verdadeiro para todas as letras do
alfabeto. Desse modo, esperávamos que os participantes exagerassem a frequência de letras
aparecendo na primeira posição — até mesmo letras (tais como K, L, N, R, V) que de fato
ocorrem mais frequentemente na terceira posição. Aqui mais uma vez a confiança na heurística
gera um viés previsível nos julgamentos. Por exemplo, recentemente comecei a duvidar de
minha antiga impressão de que o adultério é mais comum entre políticos do que entre físicos
ou advogados. Eu chegara a elaborar explicações para esse “fato”, incluindo o efeito
afrodisíaco do poder e as tentações da vida longe de casa. No fim me dei conta de que as
transgressões dos políticos têm muito maior probabilidade de serem noticiadas do que as
transgressões de advogados e médicos. Minha impressão intuitiva talvez se devesse
inteiramente à pauta dos jornais e à minha confiança na heurística da disponibilidade.
Amos e eu passamos muitos anos estudando e documentando vieses de pensamento intuitivo
em tarefas variadas — determinar a probabilidade de eventos, prognosticar o futuro, avaliar
hipóteses e estimar frequências. No quinto ano de nossa colaboração, apresentamos nossas
principais descobertas na revista Science, publicação lida por estudiosos de inúmeras
disciplinas. O artigo (reproduzido na íntegra ao final deste livro) foi intitulado “Judgement
Under Uncertainty: Heuristics and Biases” (Julgamento sob incerteza: heurísticas e vieses).
Ele descrevia os atalhos simplificadores do pensamento intuitivo e explicava cerca de vinte
vieses como manifestações dessas heurísticas — e também como demonstrações do papel das
heurísticas no julgamento.
Os historiadores da ciência muitas vezes observaram que em todas as épocas estudiosos
em um campo de estudo particular tendem a partilhar de pressupostos básicos sobre seu tema.
Cientistas sociais não são exceção; eles se apoiam numa visão da natureza humana que fornece
o background para a maioria das discussões sobre comportamentos específicos, mas que
raramente é questionada. Os cientistas sociais da década de 1970 aceitavam amplamente duas
ideias sobre a natureza humana. Primeiro, as pessoas são, no geral, racionais, e suas opiniões
normalmente são sólidas. Segundo, emoções como medo, afeição e ódio explicam a maioria
das ocasiões em que as pessoas se afastam da racionalidade. Nosso artigo desafiava ambas as
pressuposições sem discuti-las diretamente. Documentamos erros sistemáticos na opinião de
pessoas normais, e localizamos esses erros no projeto do mecanismo cognitivo, mais do que
num desvirtuamento do pensamento pela emoção.
Nosso artigo chamou mais atenção do que havíamos previsto, e continua sendo um dos
trabalhos em ciência social4 mais amplamente citados (mais de trezentos artigos acadêmicos
fizeram referência a ele em 2010). Estudiosos de outras disciplinas acharam-no útil, e as
ideias de heurísticas e vieses têm sido utilizadas proveitosamente em inúmeros campos,
incluindo diagnósticos médicos, análises judiciais, serviços de inteligência e espionagem,
filosofia, finanças, estatísticas e estratégia militar.
Por exemplo, estudantes de políticas públicas observaram que a heurística da
disponibilidade ajuda a explicar por que algumas questões são muito proeminentes na mente
do público, ao passo que outras são negligenciadas. As pessoas tendem a estimar a
importância relativa das questões pela facilidade com que são puxadas da memória — e isso é
amplamente determinado pela extensão da cobertura na mídia. Tópicos mencionados com
frequência ocupam a mente mesmo quando outros fogem à consciência. Por sua vez, o que a
mídia decidiu cobrir corresponde à opinião que eles têm sobre o que se passa na cabeça do
público. Não é por acaso que regimes autoritários exercem substancial pressão sobre a mídia
independente. Como o interesse público é mais facilmente estimulado por eventos dramáticos
e celebridades, frenesis alimentados pela mídia são comuns. Durante várias semanas após a
morte de Michael Jackson, por exemplo, era virtualmente impossível encontrar um canal de
televisão noticiando alguma outra coisa. Por outro lado, há pouca cobertura sobre assuntos
críticos mas pouco empolgantes que não acarretam tanta dramaticidade, como o declínio do
nível de ensino ou o sobreinvestimento em recursos médicos no último ano de vida. (Enquanto
escrevo isto, percebo que minha escolha de exemplos com “pouca cobertura” foi guiada pela
disponibilidade. Os assuntos que escolhi são mencionados com frequência; temas igualmente
importantes que estão menos disponíveis não me vieram à mente.)
Não nos demos conta disso inteiramente na época, mas um motivo central para o amplo
apelo de “heurísticas e vieses” fora da psicologia era um aspecto incidental de nosso
trabalho: quase sempre incluíamos em nossos artigos o texto na íntegra de questões que
havíamos feito a nós mesmos e a nossos entrevistados. Essas questões serviam como
demonstrações para o leitor, permitindo-lhe reconhecer como seu próprio pensamento era
sabotado por vieses cognitivos. Eu espero que você tenha tido uma experiência do tipo ao ler
a pergunta sobre o bibliotecário Steve, que foi concebida para ajudá-lo a estimar o poder da
semelhança como indício de probabilidade e a ver como é fácil ignorar fatos estatísticos
relevantes.
O uso de demonstrações forneceu a pesquisadores de diversas disciplinas — notadamente
filósofos e economistas — uma oportunidade incomum de observar possíveis falhas em suas
próprias opiniões. Tendo visto a si mesmos falhar, eles ficaram mais inclinados a questionar a
pressuposição dogmática, dominante na época, de que a mente humana é racional e lógica. A
escolha do método foi crucial: se tivéssemos relatado apenas resultados de experimentos
convencionais, o artigo teria sido menos digno de atenção e menos memorável. Além do mais,
leitores céticos teriam mantido distanciamento dos resultados atribuindo os erros de
julgamento à conhecida falta de seriedade de alunos de graduação, os participantes típicos de
estudos psicológicos. Claro que não escolhemos demonstrações em lugar de experimentos
padronizados
porque
queríamos
influenciar
filósofos
e
economistas.
Preferimos
demonstrações porque eram mais divertidas, e tivemos sorte em nossa escolha de método,
bem como em inúmeros outros aspectos. Um tema recorrente deste livro é o de que a sorte
desempenha um grande papel em toda história de sucesso; quase sempre é fácil identificar uma
pequena mudança na história que teria transformado uma realização notável num desfecho
medíocre. Nossa história não foi exceção.