Table Of ContentQuincas Borba
 
machado de assis nasceu em 21 de junho de 1839, no Morro do Livramento, nos arredores do centro
do Rio de Janeiro. Seu pai, Francisco José de Assis, era “pardo” e neto de escravos; sua mãe, Maria
Leopoldina Machado, era açoriana. Ainda criança, perdeu a mãe e uma irmã, e, em 1851, o pai. Foi
criado pela madrasta e cedo mostrou inclinação para as letras.
Começou a publicar poesia aos quinze anos, na Marmota Fluminense, e no ano seguinte entrou
para a Imprensa Nacional, como aprendiz de tipógrafo. Aí conheceu Manuel Antônio de Almeida e
mais tarde Francisco de Paula Brito, liberal e livreiro, para quem trabalhou como revisor e caixeiro.
Passou então a colaborar em diversos jornais e revistas.
Publicou seu primeiro livro de poesias, Crisálidas, em 1864. Contos fluminenses, sua primeira
coletânea de histórias curtas, saiu em 1870. Dois anos depois, veio a lume o primeiro romance,
Ressurreição. Ao longo da década de 1870, publicaria mais três: A mão e a luva, Helena e Iaiá
Garcia. Seu primeiro grande romance, no entanto, foi Memórias póstumas de Brás Cubas, publicado
em 1881. Papéis avulsos, de 1882, foi sua primeira coletânea de contos dessa fase.
Em  dezembro  de  1881,  com  “Teoria  do  medalhão”,  começou  a  colaboração  na  Gazeta de
Notícias. Ao longo de dezesseis anos, até 1897, escreveria mais de quatrocentas crônicas para a
Gazeta. Em 1899, publicou Dom Casmurro, em 1897, foi eleito presidente da Academia Brasileira de
Letras, instituição que ajudara a fundar no ano anterior.
Morreu em 29 de setembro de 1908, aos 69 anos de idade.
 
 
john gledson nasceu em Beadnell, Northumberland, Inglaterra, em 1945. Doutor pela Universidade
de Princeton, é professor aposentado de estudos brasileiros na Universidade de Liverpool. Publicou
três livros sobre Machado de Assis no Brasil: Machado de Assis: ficção e história (Paz e Terra,
1986), Machado de Assis: impostura e realismo (Companhia das Letras, 2005) e Por um novo
Machado de Assis (Companhia  das Letras, 2006). Organizou três  volumes de crônicas  e duas
antologias  de  contos  do  mesmo  autor,  sendo  a  mais  recente  50 contos  de  Machado  de  Assis
(Companhia das Letras, 2007). Prefaciou Papéis avulsos, do mesmo autor, pela Penguin-Companhia
das Letras. Traduziu diversos livros do português para o inglês, entre eles Dom Casmurro e o livro de
contos A chapter of hats and other stories, de Machado de Assis; Relato de um certo Oriente, Dois
irmãos, Cinzas do Norte e Órfãos do Eldorado, de Milton Hatoum; Um mestre na periferia do
capitalismo, de Roberto Schwarz; e o roteiro do filme Central do Brasil.
 
 
maria cristina carletti graduou-se em Comunicações e Artes pela Universidade Mackenzie em 1975.
Desde então atua na área editorial, com pesquisa documental, produção e edição de textos para
publicações didáticas, obras de referência e projetos especiais. Exerceu funções de diagramadora,
revisora, redatora e editora nas editoras Saraiva, Moderna, Ática, Scipione, Pangea e Minden.
Atualmente presta serviços para as editoras Minden, do Brasil, Geração, Companhia das Letras,
Ediouro, Conrad, Rocco e outras.
Sumário
 
 
 
 
 
Introdução — John Gledson
 
quincas borba
 
Cronologia
Leituras complementares
Introdução
 
JOHN GLEDSON
 
 
 
Quincas  Borba  figura,  junto  com  Memórias  póstumas  de  Brás  Cubas
(1881) e Dom Casmurro (1899), entre as maiores realizações de Machado
de  Assis.  Foi  publicado  completo,  em  forma  de  livro,  em  1891;  entre
aqueles  dois,  portanto.  Por  alguma  razão,  sempre  sofreu  dessa  posição
intermediária  e  recebeu  menos  atenção  que  seus  vizinhos.  Parece  mais
convencional, menos ousado — sobretudo não tem Brás Cubas nem Bento,
os narradores em primeira pessoa que constituem um desafio permanente
para o leitor, um estímulo constante.
Quincas Borba, porém, é tão estimulante, variado, sutil, divertido, e até
profundo  quanto  Memórias  póstumas  e  Dom  Casmurro  —  e  tem  um
narrador pouco menos interessante. O obstáculo maior à sua compreensão e
desfrute  talvez  seja,  justamente,  a  comparação  com  os  romances  que  o
precedem e seguem. Compreende-se isto, na medida em que toma seu título
de  um  personagem  que  já  aparecera  em  Memórias  póstumas,  e  que
reaparece (e morre) no começo deste, dando seu nome a um cachorro que
só  morre  no  final  do  romance.  Mas  não  é  útil  —  pode  até  ser
contraproducente — vê-lo como simples continuação. De fato, o próprio
autor  apoia  este  nosso  argumento,  num  dos  raríssimos  comentários  à
própria  obra.  Irritado,  talvez,  com  os  críticos  que  especularam  demais
acerca  das  semelhanças  e  contrastes  entre  os  dois  romances,  Machado
comenta na segunda edição, de 1896, o título e o personagem de Quincas
Borba: “Se lestes os dois livros, sabeis que é o único vínculo entre eles,
salvo a forma, e ainda assim a forma difere no sentido de ser aqui mais
compacta a narração”. Vale a pena levar essas palavras a sério: é preciso
entender Quincas Borba  nos  seus  próprios  termos.  O  objetivo  principal
desta  introdução  é  voltar  ao  começo,  situar  Quincas  Borba  noutros
contextos  mais  úteis,  e  ver  o  enredo,  os  personagens,  o  ponto  de  vista
narrativo em termos que lhe convêm, e que nos permitirão vê-lo de novo,
sem excessivo verniz crítico, como o grande romance que é. Para isso, é
mais esclarecedor começar, não em Barbacena, mas no Rio de Janeiro, e
deixar os acontecimentos iniciais — as cenas de Barbacena, com a morte de
Quincas Borba, o legado do cachorro, e a exposição da filosofia louca, o
Humanitismo — para o fim desta introdução, onde serão mais fáceis de
entender.1
 
 
Depois da publicação de Memórias póstumas de Brás Cubas, e de Papéis
avulsos no fim de 1882, houve uma mudança na ficção machadiana, que se
tem notado pouco, talvez porque fica evidente primeiro nos contos. Depois
dos  cenários  meio  abstratos  e/ou  distantes  de  Papéis  avulsos,  Machado
começa a situar seus contos num Rio de Janeiro mais ou menos atual — são
contos  de  outro  tipo,  realistas,  muitas  vezes  com  assuntos  difíceis  ou
delicados, e ensaiam uma nova gama de efeitos narrativos, de distância,
simpatia,  ironia,  alusão  e  humor,  tudo  isso  num  contexto  histórico  mais
recente que o de Memórias póstumas.2
Nos  anos  seguintes,  até  1885  ou  1886,  esse  novo  gênero  absorveu
Machado, e ele escreveu boa parte de suas melhores histórias. Mas não
podemos duvidar que sentia a necessidade de escrever um novo romance,
que refletisse o mundo mais contemporâneo dos contos — pode ser até que
estes fossem uma espécie de treinamento consciente para o romance que
seria Quincas Borba. Primeiro, contudo, experimentou uma obra de maior
fôlego, situada num passado relativamente distante (1839) — Casa velha,
publicado em 25 fascículos em A Estação, revista de senhoras; a publicação
da  novela  acabou  em  fevereiro  de  1886.  É  uma  obra  propositadamente
realista, sem sentimentalismo, sutil à sua maneira, e com um narrador que,
embora  confiável  até  certo  ponto,  por  certo  não  entende  sua  própria
motivação, seu papel na tragédia doméstica à qual “assiste”. Por uma ou
outra razão, porém — talvez pelo seu tamanho intermediário, nem romance
nem conto —, não foi publicado em forma de livro, e teve que esperar até
bem entrado o século xx para voltar à tona.3
Em junho de 1886, Machado começou a publicação de Quincas Borba,
também em A Estação. Os contos começaram a rarear, sem dúvida em parte
pelos  deveres  quinzenais  do  romance.  A  publicação  deste  levaria  cinco
anos,  até  setembro  de  1891,  um  período  assombrosamente  longo  para
qualquer romance em forma de folhetim; parece que, quando começou a
publicação, Machado só tinha escrito cerca de um terço do romance. O
processo  todo  teve  suas  peripécias  e  hesitações.  Duas  vezes,  de  fato,  o
romancista interrompeu a publicação, em 1888 e 1889, por cinco e quatro
meses respectivamente, até resolver problemas fundamentais. Por milagre
—  melhor,  devido  aos  esforços  de  pesquisadores  dedicados  —,  a  quase
totalidade dessa versão, publicada numa revista efêmera, sobreviveu, e o
processo todo, com suas dúvidas e ajustes, dos mais fascinantes do século
xix  em  qualquer  país,  pode  ser  consultado,  numa  edição  da  Comissão
Machado de Assis.4
Não devemos concluir dessas incertezas do autor, porém, que Quincas
Borba seja um romance falho. A verdade é o oposto: os problemas surgiram
da sua originalidade e das suas altas ambições, que envolvem a obra como
um todo — assunto, estilo, enredo, narração, o conjunto inteiro. No fim,
também, esses problemas encontraram sua resolução necessária, “poética”,
a que “tinha que ter” — ou, pelo menos, é fácil imaginá-lo, tal a perfeição
do romance como obra integral. É esta forma final, Quincas Borba o livro,
que quero considerar nesta introdução. O processo da escrita, das múltiplas
mudanças, grandes e pequenas, que Machado fez, encontra sua razão de ser,
sua explicação, no contexto deste projeto maior. De vez em quando, em
apoio  a  nosso  argumento,  assinalaremos  algumas  dessas  mudanças,  mas
nosso assunto aqui é o romance final.
 
 
O  fio  central  do  nosso  argumento  é  que  Quincas  Borba  se  entende
melhor como romance realista. Nessa senda, é a continuação, a culminação
dos contos pós-1882, que o preparam em mais de um sentido — de modo
mais  óbvio,  no  seu  contexto  histórico  mais  recente;  na  sua  galeria  de
personagens femininas, e a dramatização das opções delas, cerceadas pela
instituição do matrimônio; mas também nas sutilezas da sua narração em
terceira  pessoa.  Nada  disso  exclui  a  importância  crucial  de  Memórias
póstumas  —  mas  é  preciso  sublinhar  que  o  novo  romance  é  um  outro
projeto,  com  parâmetros  diferentes.  Por  isso,  como  já  foi  dito,
concentraremos nossa atenção não no introito, mas sobretudo no miolo do
romance, que transcorre no Rio de Janeiro, na história da tosquia de Rubião
pelos seus “recentes amigos”, Palha e Sofia, e nos outros personagens que
os circundam.
Não  precisamos  de  uma  definição  estreita  do  realismo  para  nossa
exploração. Veremos que o romance tem várias camadas ou níveis, que se
harmonizam para produzir o efeito total. Certamente, Machado rejeitou a
forma do realismo mais em voga nesse período — o que nós chamamos de
naturalismo, representado pelos romances de Émile Zola, e os primeiros de
Eça de Queirós. Escreveu uma resenha demolidora de O primo Basílio em
1878;  o  que  odiava  neles  era  a  redução  dos  seus  personagens  a  títeres,
simples  produtos  da  sua  sociedade  ou  da  sua  herança  genética  —  “não
quero dizer que [Luísa] não tem nervos nem músculos; não tem mesmo
outra coisa”. Mas Machado é sobretudo o herdeiro consciente dos grandes
romancistas das gerações anteriores: de Balzac (comparado favoravelmente
a Eça na mesma resenha), Stendhal (um dos autores evocados para defender
Memórias  póstumas  no  seu  prólogo  “Ao  leitor”),  ou  Flaubert  (também
epiléptico,  sofrendo  “do  mesmo  mal,  como  sabe,  o  outro…”,  como  diz
numa das suas derradeiras cartas — e cujo Madame Bovary é parodiado de
forma  carinhosa  em  Quincas  Borba).5  Não  há  nada  de  estreito  nesse
realismo.  É  social  e  psicológico;  por  certo,  não  exclui  um  narrador
traiçoeiro; e não exclui também a paródia de outras obras realistas (como no
caso  de  Madame  Bovary).  Veremos  que  depende  desses  recursos  para
estabelecer o seu realismo amplo e antidogmático. Se preferirem, não é uma
doutrina, mas um convite. É o que se verá a seguir. Passaremos por essas
várias camadas, indo (mais ou menos) do mais simples ao mais complexo e
ousado, para dar ao leitor — esperamos — uma visão total do romance, e
uma  apreciação  dos  seus  detalhes,  às  vezes  escondidos  pelo  autor  (ou
narrador) que, como diz, “não [se quer] senão com dissimulados” (capítulo
cxxxviii).
A função do mapa do centro do Rio de Janeiro na época do romance,
incluído aqui [pp. 6-7], é ajudar o leitor nesse sentido. Com tal objetivo, ao
longo do romance, situaremos em rodapé os lugares fora do centro, ao norte
e ao sul da capital. O Rio de Janeiro de 1870 era bem diferente da cidade
atual, sobretudo no traçado do centro, mudado radicalmente nos primeiros
anos  do  século  xx,  quando  foi  construída  a  avenida  Central  (atual  Rio
Branco), que atravessava o coração do velho centro, e foi demolido o morro
do Castelo, onde a cidade foi fundada. As notas, bem detalhadas, também
se destinam a iluminar os vários contextos, literários, políticos, históricos de
Quincas Borba,  e  facilitar  o  acesso  ao  mundo  carioca  e  brasileiro  —  e
internacional — do romance.
 
 
Há um sentido, quase ingênuo, em que o nosso romance é realista: todos
os lugares para onde nos leva, a grande maioria, claro, no Rio de Janeiro —
que cobre praticamente inteiro, da praia Formosa, no norte, até Botafogo,
no sul —, são lugares que Machado tinha visto e visitado; este é o seu
mundo,  que  conhecia  como  ninguém.  Em  certos  momentos,  o  romance
parece até ter um toque pessoal. Num momento curioso, no capítulo lxxxvi,
Rubião perambula ao longo da velha costa ao norte do centro do Rio (que
pouco depois seria destruída para a criação do moderno porto da cidade).
Nesse passeio, assiste a uma cena intrigante, de um “pequerrucho de três
anos” levantado ao ar por um homem de barriga para baixo. A cena parece
inteiramente casual, sem relação com o resto do livro. Será uma lembrança
pessoal, e seria Machado (que passou a juventude ali perto, tendo nascido
no  morro  do  Livramento,  junto  do  Cemitério  dos  Ingleses)  esse
“pequerrucho”? Colocou-se a si mesmo no seu quadro, como se diz que
fizeram Rembrandt, El Greco e outros? Três vezes, o romance sai do Rio —
para Barbacena no começo e no fim, e na viagem de Rubião para a Corte,
em que encontra Palha e Sofia na parada em Vassouras. Numa das suas
raras saídas da capital, Machado tinha ido a Vassouras em 1865, justamente
no trem, que ainda não chegara à cidade, mas que ali chegaria dois anos
mais  tarde,  para  transportar  Rubião  e  seus  novos  amigos  para  o  Rio;  a
conversa,  é  natural,  começa  com  um  comentário  à  novidade.  Em  1891,
pouco antes de terminar o romance, Machado foi a Barbacena com amigos
portugueses e presenciou a tempestade que descreve no final do romance.6
Há  outras  possibilidades  difíceis  de  provar  —  há  quem  diga  que  a
personagem  de  D.  Fernanda  é  baseada  numa  gaúcha  que  Machado
conheceu —, mas quem sabe?7
São  fatos  triviais  e  especulativos  talvez,  mas  levam  a  assuntos  mais
substanciais. Entender um pouco da geografia física e social da cidade do
Rio de Janeiro de quando decorre a ação (1867-71) nos ajuda a entender o
romance  —  quase  a  visualizá-lo.  Sofia  e  Palha  mudam  sem  esforço
aparente — assim nos informa o narrador como se fosse de passagem —
dos morros de Santa Teresa (capítulos xxii a liii) para a praia do Flamengo
(capítulo  lxix),  e  finalmente,  no  capítulo  clxxxv,  para  um  palacete  em
Botofogo,  enquanto  Rubião,  na  sua  loucura,  vai  na  direção  inversa,  do
palacete dele em frente ao Pão de Açúcar para uma “casinha da rua do
Príncipe”, no Catete. Major Siqueira e D. Tonica, entretanto, descem, numa
degradação  cômica  e  cruel,  da  rua  do  Senado  (próxima  ao  Campo  de
Santana, atual praça da República, capítulo xliii) a um lugar mais perto do
centro, a rua Dois de Dezembro (no Catete, junto ao largo do Machado,
capítulo lxxviii); de lá vão para a rua dos Barbonos, “modesto sobradinho”
(cada vez mais próximo ao centro, e da Lapa, capítulo cxxx) e por fim para
a rua da Princesa, “uma casa assobradada” nos Cajueiros (Siqueira até tem
que informar Rubião sobre o bairro, na atual Zona Norte, próximo ao morro
do Livramento, capítulo clxxx). Às vezes, Machado menciona esses fatos
como  se  fosse  num  aparte  —  nas  falas  dos  personagens,  por  exemplo,
fazendo com que o narrador não nos “informe” diretamente da mudança.
Claro que isso não significa que esses detalhes não sejam importantes —
bem  ao  contrário.  Num  dado  momento,  o  narrador  faz  um  comentário
sarcástico sobre a primeira mudança de Palha e Sofia, de Santa Teresa para
o Flamengo. A burguesia já descobrira que as praias eram mais saudáveis
que os morros, e “talvez”, diz o narrador, isso explique o fato de Sofia não
sofrer  de  dor  de  cabeça  no  capítulo  lxxi,  depois  de  dançar  com  Carlos
Maria. Antes, pelo contrário, ainda em Santa Teresa, no capítulo l, depois
da cantada de Rubião e das revelações desagradáveis do Palha — “Mas,
meu amor, eu devo-lhe muito dinheiro” —, ela rejeita com esse clássico
pretexto  a  insinuação  hesitante  do  marido  —  “Vamos,  repetiu  o  Palha,
dando-lhe um beijo na face”. A mera geografia pode levar, por meio de uma
ironia ferina, a dimensões importantes dos personagens e do enredo.
Esses exemplos pequenos, mas precisos, já indicam o sabor do realismo
machadiano.  É,  muitas  vezes,  implícito  —  isto  é,  não  se  compraz  com
descrições  estendidas,  preferindo  detalhes  pequenos,  certeiros.  Sendo
possível,  quase  os  esconde  do  leitor,  desafiando-o  a  percebê-los.  À
descrição física prefere detalhes vistos através da consciência de alguém (há
um bom exemplo já nos primeiros capítulos, quando Rubião contempla a
enseada de Botafogo), junto com uma variedade muito bem calculada de
diálogos,  descrição  e  especulação  psicológicas,  e  acima  de  tudo  o
comentário  irônico  que  é  a  marca  distintiva  do  romance.  Mas  é  desses
detalhes, que às vezes o leitor tem que juntar como os pontos de um quebra-
cabeça de jornal, que se constrói o mundo do romance, como veremos.
 
 
Esta é uma sociedade em mudança, na qual Sofia, filha de um velho
funcionário  público  (capítulo  xxxv),  e  Palha,  “zangão  de  praça”
(especulador financeiro) que se destinara a padre (capítulo lxviii), podem
construir  seu  palacete,  já  no  fim  do  romance.  A  sociedade  entretanto
também é gangorra, porque uns sobem, outros descem: é o caso de Rubião,