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COMEMORAÇÃO DO X ANIVERSARIO DA MORTE DO CAMARADA AMILCAR CABRAL
Princípios
do partido ea
prática política
Amílcar Cabral
JQ
3681
A98P2
C17
1983
Unidade e Luta
v.1
Colecção "Cabral ka muri”
Edição do Departamento de Informação, Propaganda e Cultura do C.C. do PAIGC
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Amílcar Cabral
Princípios do Partido
e a Prática Política
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Unidade e luta
«...Camaradas, eujureia mimmesmo, nunca ninguém
memobilizou, trabalharpara omeupovo, eujureia mim
mesmo, que tenho que dara minha vida, toda a minha
energia, toda a minha coragem, toda a capacidade que
posso tercomohomem, até ao dia em que morrer, ao
serviço do meupovo, na Guiné e Cabo Verde. Ao serviço
da causa da humanidade, para dara minha contribuição,
na medida dopossível,para a vida dohomem se tornar
melhornomundo.Este é que é o meu trabalho.»
Colecção «Cabral ka muri»
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Título:PrincipiosdoPartidoeaPráticaPolítica
EdiçãodoDepartamentodeInformação,PropagandaeCulturadoC.C.doPAIGC
ExecuçãográficadeEditorial«Avante»,SARL,Portugal,1983
Fotocomposição:Fototexto,Lda.
Impressãoeacabamento:Guide-ArtesGráficas,Lda.
Tiragem:3000exemplares
UNIDADE E LUTA
Vamos continuar o nosso trabalho e tentar conversar um boca
do com os camaradas sobre alguns princípios do nosso Partido e da
nossa luta.
Os camaradas que tiveram conhecimento de um documento
publicado em 1965 com o nome de Palavras de Ordem Gerais do
nosso Partido devem lembrar-se que na sua parte finalhá um capí
tulo intitulado «Aplicar na prática os princípios do Partido». Claro que
nestas palavras de ordem falou-se de alguns princípios bastante
gerais e hoje podemos conversarsobre mais princípios ainda. Todos
sabem isso, mas às vezes ignoram que isso é que é o fundamento,
as bases, o princípio da nossa luta; noutros termos: a nossa luta,
tomada no seu aspecto fundamentalmente político, no seu aspecto
principal que é o aspecto político. Claro que para definirmos, por
exemplo, a estratégia e até as tácticas que adoptamos na nossa luta
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armada de libertação, outros princípios foram enunciados, embora
estes não sejam mais do que a aplicação dos nossos princípios
gerais para o campo da luta armada.
Um primeiro princípio do nosso Partido e da nossa luta, que
todos nós conhecemos bem, é: «Unidade e Luta», que é mesmo a
divisa, se quiserem, o lema do nosso Partido. Unidade e luta. Claro
que, para estudar a fundo o que significa este princípio bastante
simples, é preciso sabermos bem o que é unidade e o que é luta.
E é preciso colocarmos, realizarmos o problema da unidade e o pro
blema da luta num dado lugar, quer dizer, do ponto de vista geográ
fico, e considerando a sociedade– vida social, económica, etc. - do
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ambiente em que queremos aplicar este princípio de unidade e luta.
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O que é Unidade? Podemos evidentemente tomar unidade num
sentido que se pode chamar estático, parado, que não é mais que
uma questão de número; por exemplo, se considerarmos o conjunto
de garrafas que há no mundo, uma garrafa é uma unidade. Se con
siderarmos o conjunto de homens reunidos nesta sala, o camarada
Daniel Barreto é uma unidade. E por aí fora. Essa é a unidade que
nos interessa considerar no nosso trabalho, de que falamos nos
nossos princípios do Partido ? É e não é. É, na medida em que que
remos transformar um conjunto diverso de pessoas num conjunto
bem definido, buscando um caminho. E não é, porque aqui não po
demos esquecer que dentro desse conjunto há elementos diversos.
Pelo contrário, o sentido de unidade que vemos no nosso princípio é
o seguinte: quaisquer que sejam as diferenças que existam ,é preci
so ser um só, um conjunto, para realizar um dado objectivo. Quer
dizer, no nosso princípio, unidade é tomada no sentido dinâmico, de ,
movimento.
Consideremos, por exemplo, um time de futebol que é formado
por vários indivíduos, 11 pessoas. Cada pessoa tem o seu trabalho
concreto para fazer quando o time de futebol joga. São pessoas di
ferentes umas das outras: temperamentos diferentes, muitas vezes
instrução diferente, alguns não sabem ler nem escrever, outros são
doutoresou engenheiros, religiãodiferente, um podesermuçulmano,
outrocatólico,etc. Podemmesmoagirdiferentementenoplanopolítico,
um pode ser de um partido, outro de outro. Um pode ser dasituação,
como por exemplo em Portugal, outro pode ser da oposição. Quer
dizer, pessoas diferentes umas das outras, considerando-se cada
uma diferente da outra, mas do mesmo time de futebol. E se esse
time de futebol, no momento em que está a jogar, não conseguir
realizar a unidade detodos os elementos, não será um time de fute
bol. Cada um pode conservar a sua personalidade, as suas ideias, a
sua religião, os seus problemas pessoais, mesmo um pouco da sua
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maneira dejogar, mas eles têm de obedecer todos a uma coisa: têm
de agir em conjunto, para meter golos contra qualquer adversário
com quem estiverem a jogar, quer dizer, em torno deste objectivo
concreto, meter o máximo de golos contra o adversário. Têm de for
mar uma unidade. Se não o fizerem , não é o time de futebol, não é
nada. Isto é para vos mostrar um exemplo claro de unidade.
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Vocês vêem uma pessoa vir, por exemplo, com um balaio à
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cabeça, essa pessoa costuma vender frutas. Vocês não sabem que
frutas é que estão dentro do balaio, mas dizem: ela vem com um
balaio de frutas. Podem ser mangos, bananas, papaias, goiabas,
etc., dentro do balaio. Mas, na nossa ideia, ela vem com um conjun
to que representa uma unidade, um balaio na cabeça, um balaio de
frutas. Vocês sabem que é uma unidade, quer de ponto de vista do
número - um balaio defrutas - ou do objectivo - a venda; tudo isso
- -
é a mesma coisa, embora haja várias coisas dentro: frutas diversas,
mangos, bananas, papaias, etc. Mas a questão fundamental, que é
vir com frutas para vender, faz de tudo uma coisa só.
Isto é para dar aos camaradas uma ideia do que é unidade e
para lhes dizer que o fundamento principal da unidade reside na
diferença entre as coisas. Se estas não forem diferentes, não é pre
cisofazer unidade; não há problema de unidade. Ora para nós oque
é unidade? Qual o objectivo em torno do qual devíamos fazer a uni
dade na nossa terra? Claro que não somos um time de futebol, nem
um balaio de frutas. Nós somos um povo, ou membros de um povo,
que, a certa altura da sua história, tomou um certo rumo no seu
caminho, criou certos problemas no seu espírito e nasuavida, orien
tou a sua acção numa certa direcção, pôs certas perguntas e bus
cou respostas.Tudo pode ter começado por uma pessoa só, por
duas, três, seis. A certa altura, apareceu este problema no nosso
seio - Unidade. E o Partido foi tão advertido, quer dizer, entendeu
isso tão bem, que no seu próprio lema adoptou como princípio prin
cipal, como base de tudo – unidade e luta.
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Agora surge uma pergunta: essa unidade que surgiu como uma
necessidade, era porque as nossas ideias eram diferentes do ponto
de vista político? Não, nós não costumávamos fazer política na nos
sa terra. Não havia nenhum partido. Mas mais ainda: é que sob a
dominação estrangeira - como é o nosso caso e doutras terras -,
uma sociedade que não está muito desenvolvida, como a da Guiné
e Cabo Verde, em que a diferença entre as situações das pessoas
não é muito grande, embora, como vimos, haja algumas diferenças,
é muito difícil que os objectivos políticos sejam muito diferentes uns.
dos outros. Isso significa que o nosso problema de unidade não era
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no sentido de reunir várias cabeças diferentes, pessoas diferentes,
do ponto devista de objectivos políticos, de programas políticos. Em
primeiro lugar porque, na própria estrutura da nossa sociedade, na
própria realidade da nossa terra, as diferenças não são tão grandes
para provocarem tantas diferenças de objectivos políticos. Mas, em
segundo lugar, sobretudo, porque com a dominação estrangeira na
nossa terra, com a proibição total que sempre existiu, em toda a
nossa vida, de criar qualquer partido na nossa terra, não havia parti
dos diferentes para terem que se unir, não havia rumos políticos
diferentes para seguirem o mesmo caminho, para se juntarem para
fazer a unidade.
Então qual era o problema de unidade na nossa terra ? Funda
mentalmente, era apenas este: em primeiro lugar, como toda a gen
te sabe, a união faz a força. A partir do momento em que surgiu na
cabeça de alguns filhos da nossa terra a ideia de liquidar a domina
ção colonialista estrangeira, pôs-se um problema de força, uma for
ça necessária para ser oposta à força dos colonialistas. Portanto,
quanto mais gente se unir, quanto mais unidos estivermos, nós cor
respondemos aquilo que todo o mundo sabe: a união faz a força. Se
eu tirar um pau de fósforos e o quiser quebrar, quebro-o rapidamen
te; se juntar dois, já não é tão fácil, e depois três, quatro, cinco, seis,
chegará um dado momento em quenão poderei quebrar nenhum.
Mas, para além desse caso simples, natural, em que a união faz a
força (e temos que ver que nem sempre a união faz a força, há
certos tipos de união que fazem fraqueza- e essa é que é amaravi
lha do mundo; todas as coisas têm dois aspectos, um positivo e
outro negativo), aqueles que tiveram a ideia de unidade, porque a
união faz a força, puseram o problema de unidade no seu espírito e
na realidade da nossa luta, porque eles sabiam que no nosso meio
havia muita divisão.
Tanto na Guiné como em Cabo Verde, há divisão, divisão em
crioulo quer dizer contradição. No seio da nossa sociedade, por
exemplo, qualquerpessoa que pensa a sério na nossa luta sabeque
se todos fossem muçulmanos, ou se todos fossem católicos, ou
animistas, quer dizer, acreditar em «iran», era mais simples. Pelo
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menos nenhuma força contrária aos interesses do nosso povo pode
ria tentar dividir-nos por causa da religião. Mas mais ainda, e veja
mos o caso de Cabo Verde. Em Cabo Verde, onde não há muitos
problemas de religião, a não ser algumas questõezinhas entre pro
testantes e católicos na sua boa-vida da cidade, há outros proble
mas que dividem as pessoas, como, por exemplo: algumas famílias
têm terra, outras não têm. Se toda agente tivesse terras ou se nin
guém tivesse terra, era mais simples. O inimigo, por exemplo, força
que nos é contrária, da qual queremos libertar a nossa terra, pode
pôr do seu lado aquelesque têm terra contra nós na ideia de que
queremos tirar-lhes a terra. Assim como na Guiné ele pode pôr os
régulos contra nós, na ideia de que lhes queremos tirar o mando. Se
não houvesse régulos era mais simples; se todos fossem régulos,
era mais simples. Quer dizer que o problema da unidade surge na
nossa terra, repito, não por causa da necessidadedejuntar pessoas
com pensamentos políticos diferentes, mas sim de juntar pessoas
com situação económica diferente, apesarde essadiferença nãoser
tão grande como noutras terras que possuem uma situação social e
culturas diferentes, incluindo a religião. Pusemos o problema de
unidade na nossa terra, tanto na Guiné, como em Cabo Verde, no
sentido de tirar ao inimigo a possibilidade de explorar as contradi
ções que pode haver entre a nossa gente para enfraquecer a nossa
força, que temos de opor à do inimigo.
Portanto, vemos que unidade é qualquer coisa que temos de
realizar para podermos fazer outra coisa. Para nos lavarmos, por
exemplo, ou abrindo a torneira ou lavando-nos no rio, se não formos
doidos, não vamos entrar na água sem nos despirmos; temos de
tirar a roupa primeiro. É um acto que fazemos, um preparativo para
podermos tomar banho. Melhor ainda: se quisermos fazer uma reu
nião nesta sala, com pessoas sentadas, temos de convocá-las, pôr
mesas, arranjar lápis, canetas, etc. Quer dizer: temos de arranjar
meios para podermos fazer uma reunião como deve ser. A unidade
também é um meio, não é um fim. Nós podemos ter lutado um bo
cado pela unidade, mas se nós a realizarmos, isso não quer dizer
que a luta acaba. Há muita gente que, nesta luta das colónias contra
o colonialismo, ainda está a lutar até hoje só pela unidade. Porque,
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como não são capazes de fazer a luta, confundem a unidade com a
luta. A unidade é um meio para lutar e, como todos os meios, basta
uma certa quantidade. Não é preciso unir toda a gente para lutar
num país. Temos a certeza de que toda a gente está unida? Não.
Basta realizar um certo grau de unidade. Se o atingirmos, então
podemos lutar. Porque então, as ideias que estão na cabeça dessas
pessoas avançam, desenvolvem -se e servem cada dia mais para
realizar o objectivo que temos em vista. Portanto, os camaradas já
viram, mais ou menos, qual é a ideia fundamental contida neste
nosso princípio - Unidade.
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E o que é a luta? – Luta é uma condição normal de todos os
seres no mundo. Todos estão em luta, todos lutam. Por exemplo,
vocês estão sentadosem cadeiras, eu estou sentado nesta cadeira;
o meu corpo todo está a fazer uma força sobre o soalho, através do
banco que está em cima dele, mas se o soalho não tivesse força
suficiente para me aguentar, eu ia para baixo, furava o soalho e se
debaixo do soalho não houvesse uma força, continuava a furar, e
por aí fora. Portanto, há aqui uma luta silenciosa entre a força que
eu exerço sobre o soalho e a força do solo que me mantém em
cima, que não medeixa passar. Masvocêstodos sabem que aTerra
está sempre em movimento – talvez alguns ainda não acreditem, a
Terra faz um movimento de rotação. Se vocês puserem um prato a
girar, em movimento de rotação, e se puserem uma moedapor cima
dele, verão que o prato expulsa a moeda. Quem usar uma funda
para espantar os corvos ou os pardais, como se faz na Guiné ou em
Cabo Verde, com uma pedra, sabe que, quando puser a pedra na
funda e der várias voltas, não é preciso arremessar, basta largar
uma ponta da funda e a pedra sai com uma força enorme. O que é
preciso é ter boa pontaria para se poder fazer o que se quiser, para
saber o momento em que se deve largar a pedra. Quer dizer, tudo
aquilo que gira, na área em que gira, desenvolve uma força que
arremessa as coisas para fora. Portanto, nós todos que estamos
sobre a Terra, que gira, estamos sempre a ser repelidos por uma
força que nos empurra para fora da Terra, que se chama força cen
trífuga- que nos empurra do centro para fora. Mas há também uma
outra força que atrai as pessoas para a Terra, que é a força da
gravidade. Quer dizer, a Terra, como uma força magnética que é,
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