Table Of ContentPRÁTICA DO AZUL
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JORGE LUCIO DE CAMPOS
PRÁTICA DO AZUL
CLUBE DE AUTORES
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Copyright © 2019 Jorge Lucio de Campos
Ilustração da capa: Abstract composition (s/d), Hans Arp.
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SUMÁRIO
Estudos para voz e silêncio/7
DESENHAR/11
Retrato de Dora Maar/15
Construção de espaço-força/16
Variação de cubos incompletos/17
Capricórnio/18
King Kong/20
Azul frontal/22
O museu da noite/23
Exibição amorosa/25
Monograma/27
Alba/33
Epifania/37
AD INFINITUM/43
Três mundos/45
Vão de escada/47
Encontro/49
Subida e descida/51
Equipartição espacial cúbica/52
Poça d’água/53
Profundidade/54
Prega numa superfície/55
Gosto pelo rosa/56
Cisnes/57
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AS ESTAÇÕES DA RAZÃO/59
Tales de Mileto/61
Anaximandro de Mileto/62
Heráclito de Éfeso/63
Parmênides de Eleia/64
Empédocles de Agrigento/65
Anaxágoras de Clazômenas/66
PALIMPSESTOS/67
Advertência ao leitor/69
Insula dulcamara/70
Biblioteca vermelha/72
Horóscopo/73
A girafa núbia/74
Desenvolvimento de uma garrafa no
espaço/75
Claduègne/76
Vestígios atávicos após a chuva/77
Em torno dos azuis/78
Uma breve história da pintura moderna/79
O reino do narcisismo/81
Heitor e Andrômaca/82
Sentença de luz/83
Quadro enfatizando a quietude/84
Três bandeiras/85
Paisagem erodida/86
Fonte/87
Interior com moça ao cravo/88
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ESTUDOS PARA VOZ E SILÊNCIO
Pintar as cores do branco para esboçar a música
do silêncio. Gestos mínimos, concisos, de um ar-
tista japonês: traços rápidos do pincel no espaço
da tela para iludir a ideia de tempo, para alucinar a
consciência da forma. Prática do azul, de Jorge
Lucio de Campos, é um tratado lógico do delírio,
uma construção rigorosa do impreciso que nos
fascina e seduz com a sua nervosa beleza. O poeta
ordena uma realidade recriada, ou paisagem oníri-
ca, tirando os objetos de suas funções ordinárias
para redesenhá-los, realinhá-los como entes do
imaginário, mas sem abdicar do acurado jogo de
linguagem e da pesquisa semântica. Assim, por
exemplo, no poema "O museu da noite": "Esse o
resto de uma lua / entristecida − / já sem cor / ma-
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çã e / Andaluzia". Os poemas desta coletânea no-
tável não formam um ciclo ou série, como a se-
quência de fotogramas em uma película ou a ir-
rupção de ideogramas no haiku. Há, porém, uma
unidade consistente, sutil e inconsútil nas três se-
ções que a formam [...] A impressão inicial que
temos na leitura dessas miniaturas (ácidas e deli-
cadas como flores do inferno) é que o poeta trans-
tornou o olhar, para ver as coisas pelo avesso da
pupila.
É o próprio autor que nos diz, em "Azul frontal":
"Há olhos que / nem sei // devoram toda / a reali-
dade // De algum modo / há olhos mais // agudos
do que / um gesto atroz". Em outra peça do volu-
me, "Variação de cubos incompletos", a mesma
referência à visão visionária: "Olhos que não / dei-
xam de vestir // o quanto posso − // o inverso de /
um buquê / de crisântemos". O afastamento da
lírica coloquial, centrada no cotidiano em sua ba-
nalidade castrada (canonizada), não implica recu-
sar o debate do estar-no-mundo, não foge à ques-
tão do ser no tempo. Ao contrário, em Jorge Lucio
de Campos, a tensão entre arte e vida, pele e pá-
gina ganha contornos dramáticos, até expressio-
nistas, como em "King Kong": "Naco de carne da
noite / nesses dentes podres // que, afiado, inflo /
num bafejo intenso // de candura e dor". Poesia
como reflexão (fala) do corpo, da palavra e da
mente, em sua unidade (totalidade), em sua con-
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dição de cíclico sofrimento e gozo, destino de fera
entre feras, de reflexo no espelho do lago (onde
brota o lótus, entre a água e a lama). No final do
volume (virtual e onírico), encontramos (a exem-
plo de Ulisses, na Odisseia) os espectros de filóso-
fos pré-socráticos, como Heráclito e Parmênides,
convertidos em personagens, em sujeitos semân-
ticos de um discurso amoroso cuja Vênus (ou So-
phia) é a linguagem, as palavras carregadas de
informação nova, de coração e cérebro ("Logo o
éter / se dilata - // em meio / ao mar um // novo
mar / já esquecido"). Em Prática do azul, Jorge
Lucio de Campos reafirma a qualidade de seu tra-
balho anterior (o poeta tem já cinco livros publica-
dos) e desponta como um dos mais interessantes
nomes da poesia brasileira contemporânea.
Claudio Daniel
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