Table Of ContentUNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
CÉSAR AUGUSTO RODRIGUES DE ALBUQUERQUE
Perestroika em curso: uma análise da evolução do pensamento político e econômico
de Gorbachev (1984-1991)
NÍVEL: MESTRADO
São Paulo
2015
1
CÉSAR AUGUSTO RODRIGUES DE ALBUQUERQUE
Perestroika em curso: uma análise da evolução do pensamento político e
econômico de Gorbachev (1984-1991)
Dissertação apresentada à Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
Universidade de São Paulo para obtenção
do título de Mestre em História Social
Área de Concentração: História Social
Orientador: Prof. Dr. Angelo de Oliveira
Segrillo
São Paulo
2015
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SUMÁRIO
4
1. Resumo .............................................................................................................
5
2. Abstract .............................................................................................................
6
3. Glossário de Siglas e Abreviaturas....................................................................
7
4. Introdução.........................................................................................................
16
5. Capítulo I - Das origens à estagnação do sistema soviético..............................
6. Capítulo II – A trajetória do pensamento político e econômico de Mikhail 86
Gorbachev....................................................................................................
224
7. Conclusão...........................................................................................................
245
8. Anexo I – Fontes e arquivos digitais..................................................................
246
9. Fontes e Bibliografia..........................................................................................
255
Notas........................................................................................................
3
RESUMO
O presente trabalho se propõe a refletir acerca da trajetória do pensamento político e
econômico de Mikhail Gorbachev durante os anos em que esteve à frente do Partido
Comunista da URSS e conduziu as reformas iniciadas em 1985. Não se trata, portando,
de um estudo minucioso da perestroika, nem de um trabalho biográfico sobre o último
líder máximo soviético. Nosso enfoque se volta para as rupturas e continuidades no
entendimento do secretário-geral quanto às políticas adotadas e à própria natureza do
regime. O exame crítico pormenorizado das diversas intervenções e publicações de
Gorbachev nos permite demonstrar como transitam na sua visão conceitos chaves
como a introdução de elementos de mercado na economia, a burocracia partidária e a
democratização da sociedade e do sistema político da URSS. Torna-se possível ainda
compreender o caminho percorrido na visão do líder quanto à própria ideia de
socialismo, que caminha da filiação aos pilares ideológicos oficiais para uma vertente
cada vez mais próxima da socialdemocracia, bem como a natureza do regime que
conduzia, que ao final seria caracterizado por ele como totalitário.
Palavras-chave: Mikhail Gorbachev; Perestroika; União Soviética; Partido Comunista da URSS;
Economia; Política.
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ABSTRACT
This paper aims to reflect on the path of political and economic thought of Mikhail
Gorbachev during the years he was ahead of the USSR Communist Party and led the
reforms initiated in 1985. It is not, in this sense, a detailed study of perestroika or a
biographical work on the last Soviet leader. Our focus turns to the ruptures and
continuities in understanding the Secretary-General as to the adopted policies and the
very nature of the regime. The detailed critical examination of the various
interventions and Gorbachev publications allows us to demonstrate how key concepts
transiting in his vision as the introduction of market elements in the economy, the
party bureaucracy and the democratization of society and the political system of the
USSR. It is also possible to understand the path taken in the leader's vision about the
very idea of socialism, which walks of membership in the official ideological pillars to a
shed ever closer to social democracy, and the nature of the regime he led, that in the
end he characterized as totalitarian.
Keywords: Mikhail Gorbachev; perestroika; Soviet Union; USSR Communist Party; Economy;
Policy.
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GLOSSÁRIO DE SIGLAS E ABREVIATURAS
GOSSNAB - Gosudarstvennyi komitet po material’no-tekhnicheskomu snabzheniyu, ou
Comissão Estatal para Equipamentos e Materiais.
GULAG - Glavnoe Upravlenie Ispravitelno-trudovykh Lagerei i Kolonii, ou Administração
Geral dos Campos de Trabalho Correcional e Colônias.
Komintern - Kommunisticheskii Internatsional, ou Internacional Comunista.
Komisomol - Kommunisticheskii Soyuz Molodioji ou União da Juventude Comunista.
KGB - Komitet Gosudarstvennoi Bezopasnosti, ou Comitê para Segurança do Estado.
Narkompros - Narodnyi Komissariat Prosveshchenya, ou Comissariado do Povo para
Educação.
NKVD - Narodnyi Komissariat Vnutrennikh Del, ou Comissariado do Povo para Assuntos
Internos.
Sovnarkom - Sovet Narodnykh Kommissarov, ou Conselho de Comissários do Povo.
STO - Sovet Truda i Oborony, ou Conselho do Trabalho e da Defesa.
VTsIK - Vserossiiskii Tsentral’nyi Ispolnitel’nyi Komitet, ou Comitê Executivo Central de
Toda a Rússia.
VSNKH - Vysshy Sovet Narodnogo Khozyaistva, ou Conselho Supremo da Economia
Nacional.
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INTRODUÇÃO
Pouco mais de duas décadas se passaram desde a dissolução da União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), formalizada pela renúncia do presidente
Mikhail Sergueievitch Gorbachev em 25 de dezembro de 1991. Desde então, não
foram poucos os trabalhos publicados nas mais diversas áreas como história, economia
e ciência política, procurando identificar as razões que levaram à queda da
superpotência socialista.1 Mas a despeito do volume significativo de estudos dedicados
a esta temática, muitos aspectos permanecem inexplorados ou foram pouco
abordados pelos pesquisadores, tornando a perestroika soviética um campo fértil e
aberto para a incursão científica. Tal situação revela-se ainda mais sensível no âmbito
da história, onde uma parcela significativa de historiadores ainda parece ter
desconfianças metodológicas em se aventurar no estudos da chamada história
recente.
Em meio ao debate historiográfico acerca da perestroika, algumas questões
provocaram debates assaz interessantes sobre as origens, trajetória e consequências
das reformas iniciadas em 1985. Dentre elas, convém destacar as que mais se alinham
ao objeto deste estudo e procurar identificar, em linhas gerais, as principais posições
que emergiram nesta discussão, o que fornecerá certas balizas às reflexões que
faremos a seguir. Nesse sentido, qual o objetivo real da perestroika no momento de
sua concepção? Havia desde o início um projeto de retorno à economia de mercado?
Ou teria Gorbachev a intenção de reformar o sistema nos marcos do socialismo?
Um primeiro grupo defende que a perestroika, desde o início, já continha os
germes para a volta ao capitalismo. Este grupo é heterogêneo e contém em si
diferentes visões. Alguns se aproximam das chamadas “teorias da conspiração” que
postulam que, desde o início, já havia na liderança soviética políticos com a intenção
de conduzir a URSS de volta a alguma forma organizacional não socialista (um
1 Alguns dos trabalhos mais relevantes publicados no período, no Brasil e no exterior, encontram-se
listados nas referências bibliográficas ao final da dissertação, a exemplo de FERNANDES, 1992;
POMERANZ, 1994; SEGRILLO, 2000; LEWIN, 2007; BROWN, 2007;
7
capitalismo do tipo socialdemocracia sueca, por exemplo). Apoiando-se nos
depoimentos de membros da corrente “liberal” do Politburo (como Aleksandr
Yakovlev que, em memórias do período pós-soviético admitia que estava descrente do
sistema soviético tradicional já antes da perestroika), veem naquele processo uma
forma intencional de retorno ao capitalismo.2 Alguns autores, em especial
neosstalinistas, incluem Gorbachev no rol desses ultrarrevisionistas precoces.
Provindos de ângulo diverso, observadores que classificavam a experiência soviética
como “capitalismo de estado” argumentaram que a perestroika representou a
transição do sistema para um modelo de capitalismo de mercado, uma vez que se
esgotara a forma de acumulação no âmbito da estrutura anterior.3
Contudo, outros autores procuram explicar a perestroika como um movimento
que pretendia reformar o sistema dentro dos marcos do socialismo, mas que no
decorrer do processo acabou se direcionando cada vez mais no sentido de uma
transformação sistêmica mais radical. O próprio Gorbachev, em artigos e trabalhos
recentes, assume essa posição.4 Boris Slavin, na mesma linha do ex-líder comunista,
defende a que as reformas tinham como meta a construção do socialismo
democrático, resgatando a base revolucionária que o modelo stalinista, burocratizante
e autoritário, havia destruído.5 O que se pretendia, portanto, era a regeneração do
potencial socialista, a emancipação dos indivíduos enquanto agentes históricos por
meio da democracia, algo que muito se assemelha às ideias defendidas pela
socialdemocracia europeia.6
Alguns autores brasileiros também se aproximam de certo modo desta visão.
Lenina Pomeranz, por exemplo, aponta que a perestroika constituiu uma tentativa de
reforma do sistema soviético sem precedentes, que teve início sem objetivos ou metas
2 Yakovlev, 1996; National Security Archive, 2005.
3 TREECE, D. “O fim do Capitalismo de Estado na Rússia”. In: COGGIOLA, 1994. p. 164. Para Osvaldo
Coggiola, a perestroika representou a comprovação do prognóstico que Trotsky fizera acerca do futuro
da União Soviética: a burocracia contrarrevolucionária conseguira finalmente destruir as conquistas do
operariado e as novas formas de propriedade socialista, lançando o país novamente ao capitalismo.
(Coggiola, 1992, pp. 23-24)
4 Conferir: GORBACHEV, 2006
5 SLAVIN. B. “Perestroika in the mirror of modern Interpretation”. In: GORBACHEV, 2009, p. 114
6 Idem. p. 124.
8
claras e que desencadeou um processo de transformação sem experiências análogas,
tornando-a vulnerável a possíveis erros de execução.7 Para ela, tais medidas
necessitavam de tempo para que sua implementação atingisse os objetivos
pretendidos, mas que o grau de complexidade, as crises e os desequilíbrios
decorrentes do processo levaram o regime a radicalizar cada vez mais as reformas
rumo à utilização de mecanismos de mercado.
Partindo dessa perspectiva defendida pela economista brasileira, Luis
Fernandes propôs um modelo de periodização da perestroika, identificando três fases
distintas. A primeira “leva”, utilizando a terminologia do autor, se estende de 1985 a
1986 e se caracteriza pela generalização das experiências descentralizadoras e
autonomistas realizadas durante a gestão de Iuri Andropov (1982-1984), ainda de
caráter bastante limitado no que tange a abrangência e radicalidade das mudanças.
Não se observava naquele momento uma defesa concreta da glasnost, mas sua
concepção se daria justamente a partir desta experiência inicial, onde o fraco
desempenho das medidas adotadas era justificado pela resistência oferecida pela
própria burocracia estatal. A seguir, uma segunda leva, entre 1987-1989, é marcada
pela ampliação dos mecanismos de autogestão para toda a economia e da adoção de
uma série de medidas concretas (como as leis de falência, das cooperativas, do
arrendamento, do trabalho individual, entre outras) que, segundo o autor, tinham por
objetivo racionalizar, dinamizar o sistema e promover a “emulação” (um sinônimo
para concorrência no jargão socialista). Seria, portanto, o inicio do que mais tarde seria
nomeado de “mercado socialista”. Por fim, a terceira e última leva, que se encerra em
1991, se configuraria pela adoção mais radical dos mecanismos de mercado e negação
do socialismo enquanto sistema econômico-social. Dentre os indícios dessa nova
orientação, estão: a lei da Propriedade, que restabelecia de fato a propriedade
privada; aceitação do desemprego como estímulo a produtividade; e as políticas
recessivas de ajuste inflacionário.8
7 POMERANZ. 1990. pp. 33-34
8 FERNANDES, 1992. pp. 200-213.
9
Archie Brown, um dos mais relevantes autores sobre o tema no âmbito
internacional, também compartilha dessa visão na qual a perestroika perseguiu um
caminho intermitente, partindo de objetivos não muito claros de reforma dentro do
socialismo, mas que acabou levando o país novamente ao capitalismo. Em sua obra,
ele propõe outro modelo de periodização que se aproxima, grosso modo, das “levas”
de Fernandes. Na visão do autor, até 1987 o sistema permanecia praticamente
inalterado em suas bases. A partir de 1988, os fundamentos são atacados mais
profundamente, aliando-se inclusive com as reformas políticas democratizantes, de
modo que juntas, perestroika e glasnost, sinalizavam objetivos cada vez mais próximos
da cartilha socialdemocrata ocidental. Mas os anos de 1990 e 1991 marcaram uma
nova mudança no curso do processo, já direcionando o sistema para a transição ao
capitalismo. Nas palavras de Brown, a perestroika falhara justamente por que buscava
objetivos revolucionários, utilizando-se de meios evolutivos (reformistas).9
Outro autor brasileiro que se dedicou a uma periodização da perestroika foi o
historiador Angelo Segrillo.10 A partir de uma análise mais ampla de fontes,
documentos, decretos e discursos oficiais, o autor propôs uma divisão mais detalhada
do período, identificando quatro fases distintas. A primeira seria a da
“descentralização socialista”, entre 1985 e 1987, na qual as intenções dos reformistas
eram maiores que as mudanças adotadas de fato. As tentativas de expansão das
experiências de autonomia empresarial tinham gerado resultados muito aquém do
esperado, mostrando que a as reformas precisavam ser pensadas para um sistema
muito mais complexo do que as medidas tomadas em condições específicas. A
principal contradição se dava entre as propostas de autonomia/autogestão e o modelo
centralizador vigente. Tendo em vista a resistência das camadas burocráticas,
argumentava-se a necessidade da glasnost para o sucesso das reformas pretendidas. O
ano de 1988 constitui uma fase de transição, na qual apesar da adoção de medidas de
caráter mais geral, a economia parecia não responder conforme o esperado.
9 BROWN, 2007. pp. 17-20.
10 As considerações feitas a seguir podem ser encontradas com maior riqueza de detalhe e
argumentação em dois trabalhos do autor: SEGRILLO. 2000. pp. 17-58; e SEGRILLO, 2001.
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Description:party bureaucracy and the democratization of society and the political system of the Keywords: Mikhail Gorbachev; perestroika; Soviet Union; USSR Communist Party com a administração do sistema ferroviário por Leon Trotsky. iv “The food problem is the most urgent problem of our revolution.