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Os Derivados Diferenciais e a Exceção de Jogo e Aposta
Simão Mendes de Sousa *
I. Razão de Ordem
Ao longo dos últimos anos tanto a Doutrina mesmo sabendo que estes podem ver as mais
como a Jurisprudência têm vertido muita tinta variadas invalidades decorrerem do período de
sobre a exceção de jogo e aposta e a sua aplica- formação do negócio. Institutos como a usura, o
ção aos instrumentos financeiros derivados. erro-vício, o dolo e a responsabilidade pré-
Ainda que o culpado seja, em grande medida, o contratual, mereciam igualmente uma cuidada
contrato de swap de taxa de juro e a excessiva avaliação, impossível de fazer dado o escopo
litigiosidade que tem sido alvo no último trié- deste trabalho.
nio, esse desvalor pode ser importado para
qualquer derivado de estrutura diferencial. Des- II. Os Derivados
se modo, as considerações que faremos ao lon-
go do presente estudo terão sempre em mente a I. O primeiro desígnio que assumimos é ten-
gama de derivados diferenciais, partindo do tar explicitar o que entendemos não só por ins-
contrato de swap de taxa de juro, não fosse este trumento financeiro derivado, como também
a estrela da companhia da gama de derivados por derivado diferencial. Nessa linha, é neces-
diferenciais. sário um breve excurso teórico introdutório que
ajudará a perceber a realidade estudada ao lon-
A exceção de jogo e aposta é, grosso modo, go deste texto. Estudaremos a relação de deri-
uma questão pacífica em outros ordenamentos vação do instrumento, a definição de contrato
jurídicos sendo, em Portugal, um tema tabu, diferencial, estudaremos as funções dos deriva-
sobretudo porque para muita doutrina as noções dos diferenciais, bem como, a aleatoriedade
de risco, rendibilidade do ativo e especulação deste tipo de contratos. As linhas que se se-
são, ainda, um demónio de muitas cabeças. guem, são assim, teóricas e explanatórias deste
Contribui em larga medida a desconfiança que, tipo de instrumentos.
desde sempre, mereceu ao direito o jogo e a
aposta. Assim, tentaremos, ao longo das linhas A primeira nota de relevo é a inexistência,
desmistificar um pouco os derivados diferenci- ao longo de todo o articulado do Código dos
ais, como também, demonstrar as nossas posi- Valores Mobiliários de uma proposta de
ções no debate. definição de instrumento financeiro derivado1,
prevendo-se apenas algumas categorias (como
Focaremos a nossa análise apenas na considera- sejam os futuros, as opções, os swaps), não
ção como aposta dos derivados diferenciais, se impondo nenhuma lista taxativa de
* - Mestre em Direito e Gestão de Empresas pela Universidade Nova de Lisboa; Advogado.
1- Encontramos na Doutrina e na Jurisprudência definições de instrumentos financeiros derivados, como também de instrumento financei-
ro, definição essa que deve ser tida como o ponto de partida. Assim, uma possível definição de instrumento financeiro, é-nos fornecida por
ENGRÁCIA ANTUNES, dizendo que “os instrumentos financeiros são um conjunto de instrumentos juriscomerciais suscetíveis de criação
e/ou a cobertura do risco da atividade económica das empresas”. Cfr. Os Derivados, in Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários,
n.º30, Agosto de 2008, P.96. Pela parte da jurisprudência, pode-se ler que “os instrumentos financeiros são um conjunto de instrumentos
juriscomerciais suscetíveis de criação e/ou negociação em mercado de capitais, que têm por finalidade primordial o financiamento e/ou a
cobertura do risco da atividade económica das empresas. Tais instrumentos financeiros encontram-se expressamente consagrados no artigo
2.º, n.ºs 1 e 2 do CVM, sendo os instrumentos derivados um dos tipos ou categorias dos instrumentos financeiros contradistinguindo-se dos
demais (instrumentos mobiliários e instrumentos monetários) por serem instrumentos típicos do mercado de capitais a prazo” – cfr. Ac.
TRL 08-05-2014 (ILÍDIO SACARRÃO MARTINS), Processo n.º 531/11.7 TVLSB.L1-8.
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instrumentos financeiros derivados tidos como estando sempre indexados a um outro ativo
aceitáveis. É de aplaudir este tipo de técnica subjacente que lhes dá vida e fundamenta a
legislativa, uma vez que permite mediante a “técnica de derivação”5.
verificação das principais características de um
determinado instrumento financeiro, se possam III. Os instrumentos financeiros derivados
criar novos instrumentos financeiros2. Este tipo que são aptos a levantar a questão de existência
de técnica legislativa, permite uma maior adap- ou não de uma aposta, são os que são formados
tabilidade do Código e resistência ao decurso com base num contrato diferencial, os chama-
do tempo e aos movimentos de inovação finan- dos derivados diferenciais.
ceira, permitindo que não se excluam do seu
âmbito, todos os instrumentos que mediante Uma definição possível de contratos diferenci-
pontuais modificações se consigam eximir ao ais6 é aquela, consoante a qual estamos diante
escopo de proteção do código. de um contrato diferencial, quando encaramos
um contrato “em que é devida uma só prestação
II. Simplisticamente, até poderíamos encer- em dinheiro, igual à diferença entre o valor de
rar este breve excurso dizendo que ao estudar referência inicial de um bem (real ou nocional),
um instrumento financeiro derivado, estudamos de um indicador de mercado [elemento comum
aqueles instrumentos financeiros cujo valor de- aos futuros e às opções diferenciais] ou da rela-
riva de um outro ativo subjacente3. Sucede que, ção entre dois bens ou indicadores de mercado
deixaríamos de parte uma fatia muito importan- [elemento especifico dos swaps diferenciais] e
te das características destes instrumentos, uma o valor do mercado em data futura do mesmo
vez que, as possíveis dificuldades apresentadas bem, indicador de mercado ou relação de valo-
pela estrutura própria deste tipo de instrumentos res. A prestação beneficia aquela das partes
contribui para que haja quem na Doutrina con- que, podendo exigi-la, tenha previsto correta-
sidere que estes se devem ter como a “figura mente a alta ou a baixa do valor de mercado ou
mais misteriosa de todas quantas neste domínio a valorização de um dos bens em relação ao
se defrontam”4. outro”7. O pagamento desta diferença tem, co-
mo opções, uma única prestação ao momento
Um dos aspetos essenciais deste tipo de instru- do fecho da operação (próprios ou puros) ou,
mentos encontra-se no facto de estes não pode- contrariamente, uma conta corrente mediante
rem, sem mais, existir de uma forma isolada, determinados ajustes periódicos (impróprios ou
2- No mesmo sentido, RENATO GONÇALVES, Nótulas Comparatísticas Sobre os Conceitos de Valor Mobiliário, Instrumento do
Mercado Monetário e Instrumento Financeiro na DMIF e no Código dos Valores Mobiliários, in Cadernos do Mercado de Valores
Mobiliários, n.º19, Dezembro de 2004, Lisboa, P.102.
3- Cfr, STEVEN EDWARDS, The Legal Principles of Derivatives, in Journal of Business Law, January Issue, 2002, London,
Sweet&Maxwell, P.2 e ENGRÁCIA ANTUNES, Os Instrumentos Financeiros, 2009, Coimbra, Almedina, P.119.
4- Cfr. OLIVEIRA ASCENSÃO, Derivados, in Direito dos Valores Mobiliários, Vol. IV, 2003, Lisboa, Coimbra Editora, P. 41.
5- A expressão é da autoria do saudoso AMADEU FERREIRA, in Direito dos Valores Mobiliários, 1997, Lisboa, A.A.F.D.L., P.239.
Rejeitando a possibilidade dos instrumentos financeiros nascerem ou subsistirem de forma isolada, cfr. CALVÃO DA SILVA, Swap de
Taxa de Juro: Sua Legalidade e Autonomia e Inaplicabilidade da Exceção de Jogo e Aposta, in Revista de Legislação e Jurisprudência,
Ano 142.º, n.º 3979, Março-Abril de 2013, Coimbra, Coimbra Editora, P. 268.
6- ANTÓNIO PEREIRA DE ALMEIDA, não entende os contratos diferencias como uma categoria autónoma de derivados, mas sim uma
forma de liquidação/compensação de outros contratos de derivados. Cfr. Instrumentos Financeiros: Os Swaps, in Estudos em
Homenagem ao Professor Doutor Carlos Ferreira de Almeida, 2011, Coimbra, Almedina, P. 41.
7- Cfr. CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, Contratos Diferenciais, in Estudos Comemorativos dos 10 anos da Faculdade de Direito
da Universidade Nova de Lisboa, Vol. II, 2008, Coimbra, Almedina, P. 93-94 e notas 34 e 35.
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impuros)8, sendo o seu objeto, apenas e só, di- ra de alguma segurança, afigura-se natural que
nheiro9. Os contratos diferenciais, à semelhança as partes percam algumas oportunidades que
de todos os outros derivados, também assumem lhes sejam favoráveis em face da volatilidade
finalidades de cobertura de risco ou especulati- do mercado. Dada a aleatoriedade típica deste
vas10, sendo aptos a serem celebrados para re- tipo de instrumentos, sempre existirá o risco de
gistar um ganho ou evitar uma perda, ou seja, perda, ou seja, aqueles casos em que o instru-
não se limitam a uma ação de cobertura de risco mento aumenta o valor dos pagamentos a reali-
podendo também incluir especulação11. Sobre zar, encontrando-se assim, out-of-the-money14,
estas duas refletiremos em seguida. no caso contrário, aquele em que o investidor
regista ganhos com a previsão efetuada, diz-se
IV. Pela banda da gestão ou cobertura de que, para ele, o instrumento se encontra in-the-
risco, importa salientar que as partes quando money.
celebram um derivado diferencial procuram,
tendencialmente12, acautelar-se contra a volati- Pelo lado da função especulativa, sempre mere-
lidade do mercado e suas variações negativas cerá importância a referência de que o resultado
ou positivas13. Não se afigura descabido afirmar obtido dependerá sempre da direção em que o
que as empresas lidam, diariamente, com todo mercado e os seus preços se movimentem, mas
um universo de desafios relacionados com o também, da incerteza que se cria durante o perí-
risco. A variação de indicadores ou tendências odo de tempo compreendido até à maturidade
no mercado fazem com que as empresas umas do instrumento15. Quando todos os movimentos
vezes registem ganhos, registando perdas nou- do mercado decorrerem conforme o projetado,
tros, assim diluindo a sua exposição ao risco. o investidor obtém um ganho de gestão que lhe
Do mesmo modo, não se afigura despicienda a pode facilitar, por exemplo, o financiamento da
afirmação segundo a qual ser do interesse de empresa, em função das dificuldades na conces-
qualquer equipa de gestão, que gira os seus ati- são de crédito, assegurando, deste modo, a li-
vos de forma racional, uma limitação do risco a quidez no mercado. Poderá, igualmente, ser
que se encontra exposta. É este o contexto, sa- vista como o reverso da medalha da gestão ou
bendo que a volatilidade do mercado vai sem- cobertura de risco, o risco coberto por uma das
pre existir, em que surge a necessidade de co- partes é assumido, pela outra parte16. A especu-
bertura de risco (hedging). O que as partes pro- lação deve ser vista como a deliberada e consci-
curam é precaverem-se contra as consequências ente exposição do investidor às incertezas do
adversas da volatilidade do mercado. Na procu- mercado, com a intenção de retirar dessas
8- Cfr. ENGRÁCIA ANTUNES, Os Instrumentos Financeiros, 2009, cit., P.189.
9- Cfr. CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, Contratos III, Contratos de Cooperação e de Risco, 2.ª Edição, 2013, Lisboa, Almedina,
P. 281
10- Cfr. ENGRÁCIA ANTUNES, Os Derivados, cit., P.126.
11- Cfr. ALASTAIR HUDSON, The Law of Finance: a Comprehensive Treatise for Practitioners, 2010, London: Sweet & Maxwell,
P. 1122. Nos instrumentos financeiros derivados que não tenham estrutura diferencial, ainda se acrescenta a função arbitragista. Por seu
turno, MENEZES CORDEIRO acrescenta ainda a função seguradora enquanto função dos instrumentos financeiros derivados.
Manifestamos humildemente a nossa discordância do distinto Professor, sobretudo por considerarmos que a função seguradora não possui a
autonomia nesta sede que o Autor defende, propondo por isso que a mesma seja parte da função de gestão ou cobertura de risco.
Cfr. MENEZES CORDEIRO, Manual de Direito Bancário, 2014, 5.ª Edição, Lisboa, Almedina, P. 885.
12- Tendencialmente, uma vez que pode haver uma outra motivação, como seja, por exemplo uma tendência de mercado contra a qual se
pretendem acautelar.
13- Cfr. PAUL GORIS, The Legal Aspects of Swaps, 1994, London, Graham & Trotman, pp. 78-79
14- Cfr. JOHN-PETER CASTAGNINO, Derivatives: The Key Principles, 2009, London, Oxford, P.57.
15- Cfr. PAUL GORIS, cit., P.81.
16- Cfr. PAUL GORIS, cit., P.82. Para este Autor, tudo aquilo que não deva ser qualificado como gestão ou cobertura de risco, deverá ser
qualificado de especulação. Cfr., no mesmo sentido, ENGRÁCIA ANTUNES, Os Instrumentos Financeiros, cit., P.125, nota 253.
4 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários
incertezas um benefício económico. Em síntese, ainda de contratos bancários – ainda que, em
o objetivo do especulador é obter um ganho sentido amplo. Convocam-se, a este propósito,
pela abertura de uma posição de mercado que todas aquelas regras informativas, contratuais e
lide com o risco17. pré-contratuais, mas também ao respeito pela
confiança como vetor essencial da relação ban-
V. Uma característica essencial dos deriva- cária21. Uma segunda para alertar que o leque
dos diferenciais prende-se com a sua aleatorie- de ativos subjacentes aos quais um instrumento
dade. Ou seja, o risco e a incerteza são os forne- financeiro derivado possa ser indexado são,
cedores da causa e objeto contratuais18. Ao mo- praticamente ilimitados. Uma terceira, para
mento da celebração, as partes não têm conhe- alertar para o efeito de alavancagem financei-
cimento sobre qual recairá o prejuízo, nem tão- ra22 que a utilização deste tipo de instrumentos
pouco a sua medida. A consciência das partes permite, uma vez que mediante uma pequena
está na possibilidade de existir uma desvanta- parcela de investimento feito para a contratuali-
gem ou prejuízo agindo, e naturalmente gerindo zação do instrumento financeiro base, represen-
as suas expectativas, em sentido inverso, acre- tante apenas de uma pequena parte do investi-
ditando que vão registar um ganho com a ope- mento total, se aumenta exponencialmente a
ração19. O risco de variação é o combustível dos exposição ao risco do investidor, podendo o
contratos aleatórios, a determinação da presta- investidor amplificar, positiva ou negativamen-
ção a realizar acontece no fim do período con- te, os seus resultados23. Uma quarta e última
tratual, sendo esse o momento em que as partes nota¸ para estabelecer que os instrumentos fi-
percebem quem registou um ganho e quem re- nanceiros derivados se dividem naqueles que se
gistou uma perda com a operação. Uma boa negoceiam em mercado regulamentado, e aque-
definição é aquela que vê nos contratos aleató- les que se negoceiam em mercado de balcão
rios, “aqueles em que uma das atribuições patri- (Over-The-Counter, OTC), estes últimos são
moniais, ou ambas, está dependente de uma iminentemente marcados pela autonomia priva-
álea, ou seja, de um facto incerto quanto à sua da, negociados individualmente mediante as
verificação (incertus an) ou quanto ao momento necessidades e intentos de cada investidor, sen-
da sua verificação (incertus quando)”20. Impor- do precisamente esta característica que mais
ta, ainda, referir que a álea do contrato deve ser cativa os investidores.
tida como bilateral, sendo os contratos, no caso
estudado dos derivados diferenciais, onerosos. III. O Jogo e Aposta
VI. Importa ainda, em jeito de síntese, deixar I. Importa referir que, o jogo e a aposta são
algumas breves notas finais. Uma primeira, pa- regulados pelos artigos 1245.º e seguintes do
ra referir que os derivados obedecem às regras CC. Interessam, fundamentalmente, para o nos-
de direito bancário, por se tratarem na maioria so estudo, os artigos 1245.º e 1247.º do CC. O
dos casos de instrumentos negociados por insti- primeiro, refere que “o jogo e aposta não são
tuições de crédito. Para além disso, tratam-se contratos válidos nem constituem fonte de
17- Cfr. PAUL GORIS, cit., P.80.
18- Cfr. Ac. STJ, de 10-10-2013, Processo n.º 1387/11.5 TBBCL.G1.S1 (GRANJA DA FONSECA) e ENGRÁCIA ANTUNES,
Os Instrumentos Financeiros, cit., P.129-130.
19- Cfr. CATARINA MONTEIRO PIRES, Entre um Modelo Corretivo e um Modelo Informacional no Direito Bancário e Financeiro,
in Cadernos do Direito Privado, n.º 44, Outubro-Dezembro, 2013, Braga, Coimbra Editora, P.6.
20- Cfr. JOÃO DE CASTRO MENDES, Teoria Geral do Direito Civil, Vol. II, Lisboa, A.A.F.D.L.¸ Pp. 485-486.
21- Cfr. MENEZES CORDEIRO, cit., P.853.
22- Cfr. AMADEU FERREIRA, cit., P.235.
23- Cfr. HÉLDER MOURATO, O Contrato de Swap de Taxa de Juro, 2014, Lisboa, Almedina P.23.
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obrigações civil; porém, quando lícitos, são pode reclamar judicialmente ao outro o que
fonte de obrigações naturais, exceto se neles este perdeu”26.
concorrer qualquer outro motivo de nulidade
ou anulabilidade, nos termos gerais de direito, Não devemos olvidar que, grosso modo, o trata-
ou se houver fraude do credor na sua execu- mento jurídico que lhes é concedido decorre do
ção”. Por seu turno, o segundo artigo enunciado interesse económico conexionado com o resul-
refere-nos que, “fica ressalvada a legislação tado que obtém, ou seja, “a contingência de
especial sobre a matéria de que trata este capí- uma perda ou de um lucro”27. Amplamente, dir-
tulo”. se-á que o contrato tem um risco endógeno, ou
seja, o risco deriva do contrato, sendo o seu
II. A distinção entre as duas figuras não é de custo certo quanto à sua verificação, incerto
fácil cotejo, razão pela qual o legislador optou quanto à parte sobre a qual recai, ou seja, con-
sempre por não a fazer24. Aliás, a forma como o tratos de risco puro28. Estritamente, o jogo coin-
Direito Civil aborda a matéria é repleta de som- cide com a aposta sobre factos que se situam
bras e zonas cinzentas, uma vez que, a principal fora da esfera de controlo do apostador29.
preocupação se prende com a efetiva invalidade
qua tale do jogo e da aposta25, ou seja, o seu Uma noção possível de contrato de jogo é aque-
desvalor jurídico, faltando sempre um conceito. la segundo a qual, as partes (jogadores), volun-
tariamente30 num momento competitivo entre
O regime do jogo e aposta no Código Civil de os próprios31 de fim recreativo32 regido por re-
1966, sintetiza-se facilmente, “segundo a tradi- gras próprias previamente estabelecidas, subor-
ção e por compreensíveis razões de moralida- dinado a um evento fortuito de verificação futu-
de, estabeleceu-se o princípio de que o jogo e ra, convencionam a obrigação de uma prestação
aposta não constituem contratos válidos. Eles pecuniária (ou um qualquer prémio com valor
não são modos admissíveis de aquisição. Não patrimonial33) no caso de perda, em função da
têm a proteção da lei, porque a sua causa, o parte vencedora. Neste contrato, as partes têm
seu fim, não é de molde a justifica-la. Não pro- uma influência fundamental no desenrolar dos
duzem pois efeitos jurídicos, não são fonte de acontecimentos34, sendo as próprias a ditar a
obrigações civis: o contratante que ganhou não sua sorte futura, com a jogada que pretendam
24- Cfr. MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, Volume III, Contratos em Especial, 9.ª Edição, 2014, Coimbra, Almedina, P.523.
Ainda que o STJ, no caso que analisamos, a propósito do disposto no artigo 1245.º do CC, refira que o preceito “faz o «distinguo» entre
jogo e aposta sendo comum a ambos a natureza aleatória – possibilidade de ganhar ou perder por fatores em absoluto alheios à intervenção
do jogador/apostador” – Cfr. Ac. STJ de 11-02-2015, Processo n.º 309/11.8TVLSB.L1.S1 (SEBASTIÃO PÓVOAS).
25- Cfr. CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, Contratos III, cit. P. 273.
26- Itálicos nossos. Cfr. INOCÊNCIO GALVÃO TELLES, Contratos Civis: Projecto Completo de um Título do Futuro Código Civil
Português e Respectiva Exposição de Motivos, in B.M.J, n.º 83, 1959, P.182.
27- Cfr. PIRES DE LIMA/ ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Vol. II (Artigos 762.º a 1250.º), 4.ª Edição, Reimpressão, 2010,
Coimbra, Coimbra Editora, P. 927
28- Cfr. CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, Contratos III, cit. P. 272 e 273.
29- Cfr. RUI PINTO DUARTE, O Jogo e o Direito, in Themis, Revista da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, N.º3,
Ano II, 2001, Lisboa, Almedina, P. 70
30- Cfr. RUI PINTO DUARTE, cit., P.70.
31- Cfr. CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, Contratos III, cit., P. 274.
32- Cfr. PAULO MOTA PINTO, Contrato de Swap de Taxas de Juro, Jogo e Aposta e Alteração das Circunstâncias que Fundaram
a Decisão de Contratar (Continuado do n.º 3987, pág. 413) in Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 143.º, N.º 3988,
Setembro-Outubro de 2014, Coimbra, Coimbra Editora, P. 16
33- Cfr. CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, Contratos III, cit. P. 275.
34- Cfr. PAULO MOTA PINTO, Contrato de Swap de Taxas de Juro, Jogo e Aposta e Alteração das Circunstâncias que Fundaram a
Decisão de Contratar (Continuado do n.º 3987, pág. 413), cit., P.16
6 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários
efetuar. As regras a observar são percetivas35, a previsão40. Sumarizando, para existir jogo ou
uma vez que, apenas estabelecem ou determi- aposta, não pode deixar de se referir a necessi-
nam o comportamento a observar no decurso do dade de existência de um animus de jogo e
jogo, propriamente dito. aposta41, mormente, a verificação de uma ver-
tente recreativa ou de entretimento42, sem a
Por seu turno, o contrato de aposta – simplisti- qual não se pode defender a existência de jogo
camente –, queda-se pelo interesse económico ou aposta.
aliado ao jogo. Ou seja, quem erre acerca da
previsão, ou veracidade de um certo evento36, III. Ainda que a jurisprudência levantada
qualquer que ele seja37, obriga-se a efetuar a seja relativa ao contrato de swap de taxa de
prestação patrimonial a favor de quem tenha juro43, vale a pena olhar para os principais argu-
conseguido prever corretamente o desfecho so- mentos, contra e favor, que esta esgrime. Por
bre o qual recaiu a aposta, sendo esta que atri- um lado, argumenta-se que a existir uma aposta,
bui o interesse jurídico ao jogo38. O foco aqui esta não visará uma ocorrência dependente ape-
não está na atividade exercida, mas sim, no de- nas da sorte, ou seja um evento fortuito, enten-
senrolar da verificação do facto incerto e futuro. dendo-se que se trata antes de um prognóstico
Como bem refere o Supremo Tribunal de Justi- acerca da evolução de uma determinada taxa de
ça, cumprindo a sua função de esculpir a dife- juro44. Igualmente se refere que, a especulação
renciação entre uns e outros, refere-nos que, adveniente de um derivado que não tenha liga-
“enquanto no jogo existe um acordo segundo o ção direta a um outro instrumento financeiro,
qual uma das partes se obriga a pagar à outra possa ser colocada no domínio do abstrato, não
certa quantia, sendo que o vencedor participou, podendo deixar de ser desconsiderada, em vir-
teve intervenção na lide; na aposta há um desa- tude da sua criação de riqueza artificial45. Ainda
cordo inicial relativamente à verificação de um se defende, para que não se considere o instru-
evento (passado ou futuro) e o apostador inves- mento enquanto jogo ou aposta que a relação de
te determinada quantia, ou valor, no sentido de derivação se verifique ao longo de todo o con-
que se o evento em que apostou se verificar (ou trato, sem a qual haverá uma situação de jogo
tiver ocorrido) auferir uma vantagem económi- ou aposta, admitindo-se, no limite, uma manu-
ca”39. Ou seja, a aposta implica a obrigação de tenção dos níveis de endividamento durante
prestar algo que recairá sobre a parte que falhar todo o período do instrumento46.
35- Cfr. CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, Contratos III, cit. P. 276.
36- Cfr. CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, Contratos III, cit. P. 277.
37- Cfr. HÉLDER MOURATO, O Contrato de Swap de Taxa de Juro, cit., P.70.
38- Cfr. PIRES DE LIMA/ ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Vol. II, cit., P. 927
39- Cfr. Ac. STJ de 11-02-2015, Processo n.º 309/11.8TVLSB.L1.S1 (SEBASTIÃO PÓVOAS).
40- Cfr. MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, Volume III, cit., P.523.
41- Cfr. PAULO MOTA PINTO, Contrato de Swap de Taxas de Juro, Jogo e Aposta e Alteração das Circunstâncias que Fundaram a
Decisão de Contratar (Continuado do n.º 3987, pág. 413), cit., P.18
42- Cfr. PEDRO BOULLOSA GONZALEZ, Interest Rate Swaps: Perspectiva Jurídica, in Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários,
n.º44, Abril de 2013, Lisboa, P. 20
43- Cfr., para um levantamento completo dos argumentos aduzidos na Jurisprudência Nacional, o nosso Contrato de Swap de Taxa de
Juro: Validade ou Invalidade do Contrato no Ordenamento Jurídico Nacional, in ROA, Ano75, Vol. III/IV, Junho/ Dezembro de 2015,
Lisboa, P. 708 e segs.
44- Cfr. Ac. STJ de 29-01-2015, Processo n.º 531/11.7TVLSB.L1.S1 (BETTENCOURT DE FARIA).
45- Idem, idem.
46- Cfr. Ac. TRL de 21-03-2013, Processo n.º 2587/10.0TVLSB.L1.6 (ANA AZEREDO COELHO).
7 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários Os Derivados Diferenciais e a Exceção de Jogo e Aposta : 07
Por outro lado, entende-se que, quando o inves- do CC, acrescentando-se, ainda que, para a
tidor procura este tipo de instrumentos o faz existência de uma situação de jogo ou aposta é
baseando-se numa operação de cobertura de necessária que ambas as partes manifestem essa
risco (ou hedging), já se encontrando sujeito a intenção53.
riscos de variações da taxa de juro procurando,
deste modo, atenuar o risco ao invés de criar Não podemos deixar de referir os argumentos
mais risco47. Além do mais, o instrumento fi- aduzidos pelo Acórdão do Commercial Court
nanceiro derivado basta-se a si próprio, não ne- de Londres54 no caso dos contratos de swap de
cessitando de um outro instrumento financeiro taxa de juro das empresas públicas de transpor-
do qual este derive48. Ainda se defende, com tes portuguesas, considerando ainda existirem
interesse que a principal distinção entre um razões que permitam concluir que os referidos
contrato de derivados e o jogo e aposta, radica contratos visavam, na sua génese, a redução dos
nas finalidades económico-financeiras das par- custos de financiamento das empresas, reconhe-
tes e a racionalidade económica na assunção de cendo a gestão de custos efetuada como um
um determinado risco, baseado em avaliações e fundamento válido e indiciador de uma função
análises ao mercado49. A própria liberdade de de gestão de risco por parte das empresas. Mas
celebração mediante as cláusulas apresentadas, mesmo que assim não fosse, e estes fossem pu-
sugere que as partes quiseram que o contrato ramente especulativos, apoiando-se em algumas
tivesse o conteúdo que acabou por ter, afastan- decisões dos Tribunais Superiores Portugueses,
do-se igualmente o jogo ou aposta50. Reputa-se, o Commercial Court de Londres, não considera
ainda, a especulação tida como inerente a estes a especulação uma atividade ilegítima sobretu-
instrumentos como própria dos agentes de mer- do num terreno altamente regulado como este,
cado e motivada por razoes económico- entendendo como válidos os referidos contra-
financeiras racionais, opondo-se aos fundamen- tos, afastando assim a nulidade por serem
tos irracionais típicos do jogo e da aposta51. De- contratos de jogo ou aposta, conforme o petici-
fendendo-se, na mesma linha, que as taxas de onado55.
juro EURIBOR enquanto indexante se encon-
tram fortemente condicionadas pelo Banco IV. Do lado da Doutrina os argumentos –
Central Europeu, e só com base nos elementos também eles relativos ao contrato de swap de
destas entidades se pode fazer uma previsão taxa de juro –, com algumas nuances, não di-
racional de movimentação do indexante52. Por vergem substancialmente dos argumentos esgri-
último, defende-se que a previsão legal do art. midos pela Jurisprudência. Assim, temos quem
2.º, n.º1 do Código dos Valores Mobiliários é pronunciando-se a favor da consideração como
quanto basta para afastar o regime do art. 1245.º jogo e aposta defenda que, se devem reconduzir
47- Cfr. Ac. STJ de 11-02-2015, Processo n.º 309/11.8TVLSB.L1.S1 (SEBASTIÃO PÓVOAS).
48- Cfr. Ac. STJ de 11-02-2015, Processo n.º 309/11.8TVLSB.L1.S1 (SEBASTIÃO PÓVOAS), Ac. TRP de 28-10-2015, Processo
n.º 27/14.5TVPRT.P1 (SOUSA LAMEIRA).
49- Cfr. Ac. STJ de 03-05-2016, Processo n.º 27/14.5TVPRT.P1.S1 (SILVA SALAZAR).
50- Cfr. Ac. TRL de 15-01-2015, Processo n.º 876/12.9TVLSB.L1.6 (MANUELA GOMES).
51- Cfr. Ac. TRL de 08-05-2014, Processo n.º 531/11.7TVLSB.L1.8 (ILÍDIO SACARRÃO MARTINS).
52- Cfr. Ac. STJ de 26-01-2016, Processo n.º 876/12.9TVLSB.L1.S1 (GABRIEL CATARINO).
53- Cfr. Ac. TRL de 13-05-2013, Processo n.º 309/11.8TVLSB.L1.7 (MARIA DO ROSÁRIO MORGADO).
54- Cfr. BST v. Transport Companies [2016] EWHC 465 (Comm).
55- Cfr. BST v. Transport Companies [2016] EWHC 465 (Comm), PART G: THE “GAME OF CHANCE” ISSUE, (c) Conclusions.
8 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários
a jogo e aposta sempre que sejam meramente instrumento sempre que não cubra um risco de
especulativos56, estendendo-se aos contratos mercado real e exógeno, sendo assim nulos62.
que não lhe vêm diretamente ligada uma opera- Finalmente, entende-se que não existindo uma
ção financeira – indexados, por exemplo, a um amortização, ao longo do período de subsistên-
montante nocional57. Do mesmo modo, se con- cia do instrumento, do montante nocional o ris-
sidera como um contrato de jogo ou aposta, co vai-se modificando para um risco fictício,
quando o contrato é a fonte do risco, não exis- transformando o contrato, em contrato pura-
tindo esse risco fora do contrato58. Um outro mente especulativo63.
argumento, prende-se com a inexistência, na
previsão do art. 2.º, n.º1 do CVM de uma defi- De outra banda, defende-se que não deve haver
nição legal ou autorização do mesmo em todas uma confusão do jogo e aposta com instrumen-
as suas modalidades, sendo de aplicar o art. tos financeiros derivados, uma vez que o con-
1245.º do CC59. Mesmo que, apenas no decurso texto estrutural e finalidade de uns e outros, são
do contrato este deixe de ter, primordialmente, absolutamente distintas64, em virtude de ao jogo
a função de cobertura de risco, devendo consi- e aposta se encontrar, na esmagadora maioria
derar-se este como contrário à lei (cfr. art. 281.º das vezes, associada uma vertente lúdico-
do CC) pela ilicitude da sua causa60, decorrente recreativa65, sendo a vontade do contratante
do repúdio, que esta corrente defende encontrar dominado pela submissão à verificação de um
no nosso ordenamento jurídico, da especula- acontecimento incerto66, tendo ambas as partes
ção61. Um outro argumento, com base na estru- a mesma intenção, ou seja, a intenção de apos-
tura diferencial (v.g., a título de exemplo, os tar67, o que neste plano se afigura de particular
swaps, futuros e opções diferenciais), defende dificuldade em virtude de uma das partes se
que sendo os diferenciais tendencialmente um tratar de um profissional de intermediação fi-
subtipo de aposta, assim deve ser considerado o nanceira68. Aliás, considerar o contrato como de
56- Cfr. LEBRE DE FREITAS, Contrato de Swap Meramente Especulativo, Regimes de Validade e de Alteração de Circunstâncias,
in R.O.A., Ano 72, Vol. IV Outubro/Dezembro, 2012, Lisboa. P.949
57- Cfr. HÉLDER M. MOURATO, Swap de Taxa de Juro: A Primeira Jurisprudência, in Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários,
N.º44, Abril de 2013, Lisboa, P.41. Ou seja, a inexistência de “(…)efeito jurídico direto, que não o risco”, não tendo, como tal, “(…)
qualquer outro efeito que não a captura do produto do risco”. Cfr. MENEZES CORDEIRO, Manual de Direito Bancário, cit., P. 944 e
LEBRE DE FREITAS, cit., P. 949.
58- Cfr. PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, Contratos de Risco e Contratos Especulativos em Direito Bancário, in I Congresso de
Direito Bancário, Coordenação: L. MIGUEL PESTANA DE VASCONCELOS, 2015, Coimbra, Almedina, P.93
59- Cfr. LEBRE DE FREITAS, cit., P. 952.
60- Cfr. LEBRE DE FREITAS, cit., P. 953.
61- fr. LEBRE DE FREITAS, cit., P. 953, Nota 23.
62- Cfr. HÉLDER M. MOURATO, Swap de Taxa de Juro: A Primeira Jurisprudência, cit., P.39-42 e HÉLDER M. MOURATO,
O Contrato de Swap de Taxa de Juro, cit., P.69.
63- Idem, idem.
64- Cfr. PEDRO BOULLOSA GONZALES, cit., P.21.
65- Cfr. PEDRO BOULLOSA GONZALES, cit., P.10
66- Cfr. CALVÃO DA SILVA, Swap de Taxa de Juro: Sua Legalidade e Autonomia e Inaplicabilidade da Excepção de Jogo e Aposta,
cit., P.265.
67- Cfr. CLARA CALHEIROS, O Contrato de Swap no Contexto da Actual Crise Financeira Global, in Cadernos de Direito Privado,
N.º42.º, Agosto, 2013, Braga, Coimbra Editora, P.8.
68- Cfr. PAULO MOTA PINTO, Contrato de Swap de Taxas de Juro, Jogo e Aposta e Alteração das Circunstâncias que Fundaram a
Decisão de Contratar (Continuado do n.º 3987, pág. 413), cit., P.25.
9 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários Os Derivados Diferenciais e a Exceção de Jogo e Aposta : 09
jogo ou aposta sem que as partes o tivessem Parece-nos possível afirmar que o tratamento
querido dessa forma, seria um desrespeito into- que o direito civil concede ao jogo e à aposta,
lerável pela autonomia privada69. O simples apenas se compreende numa lógica de reprova-
facto de uma das partes correr o risco de sofrer ção moral que o legislador fez destes, sobretudo
uma perda, enquanto a outra recebe um ganho, por ter considerado que a assunção de riscos
nada mais indicia do que a verificação da bila- artificialmente criados, lúdica ou recreativa-
teralidade de prestações decorrente da vontade mente, com vista à obtenção de um lucro, re-
das partes70. É, aliás, esse o papel da cobertura dunda numa atividade que não comporta, em si
de risco71, motivo mais do que suficiente para mesmo, um objetivo sério não devendo merecer
defender a relevância desta para a gestão de proteção por parte do nosso ordenamento jurídi-
endividamento na economia mundial, o que, co76. Ou seja, o direito civil reprova a possibili-
desaconselha a sua recondução a jogo e aposta72 dade de se encontrar qualquer finalidade econó-
podendo, no limite, redundar no definhamento mica, social ou moral justificada por quem
do mercado de derivados73. Um último argu- aposta, atropelando a vontade das partes e a
mento vê na previsão legal do art. 2.º, n.º1 do autonomia privada típica do direito privado, por
CVM a legislação especial a que se refere o motivações ético-morais e por o resultado do
disposto no art. 1247.º do CC74. contrato de aposta relevar do acaso, de factos
ou valores externos e incontroláveis77.
IV. Apreciação crítica
A possibilidade de existência de uma aposta
I. Noutra sede já, detalhadamente, tivemos a num derivado diferencial78 decorre, das partes,
oportunidade de dissecar os argumentos quer tentarem fazer um prognóstico sobre a movi-
Jurisprudenciais, quer Doutrinários que, com a mentação do ativo subjacente do derivado con-
devida nota de se referirem ao contrato de swap tratado79. Ainda que exista quem defenda que,
de taxa de juro, nos parecem ainda atuais, para estruturalmente, nos encontramos diante de
onde remetemos75. uma aposta80 – válida à luz do direito vigente –
69- Cfr. PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, Contratos de Risco e Contratos Especulativos em Direito Bancário, cit., P.92
70- Cfr. CALVÃO DA SILVA, Swap de Taxa de Juro: Sua Legalidade e Autonomia e Inaplicabilidade da Excepção de Jogo e Aposta, cit.,
P.265.
71- Cfr. PAULO MOTA PINTO, Contrato de Swap de Taxas de Juro, Jogo e Aposta e Alteração das Circunstâncias que Fundaram a
Decisão de Contratar (Continuado do n.º 3987, pág. 413), cit., P.25.
72- Idem, idem.
73- Cfr. CALVÃO DA SILVA, Swap de Taxa de Juro: Sua Legalidade e Autonomia e Inaplicabilidade da Excepção de Jogo e Aposta, cit.,
P.266.
74- Cfr. CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, Swaps de Troca e Swaps Diferenciais, in Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários,
Ensaios de Homenagem a Amadeu Ferreira, Número Especial – Agosto de 2015, Volume I, Lisboa, P.17, estipulando o Autor que, não
obstante a possível estrutura semelhante à do contrato de aposta – pela verificação de um evento futuro e incerto – em face da previsão
legal do art. 1247.º do CC remeter a sua validade ou invalidade para legislação especial e ser este o direito vigente, não pode deixar de se
tomar o Código dos Valores Mobiliários como essa legislação especial. Cfr., ainda, PAULO MOTA PINTO, Contrato de Swap de Taxas
de Juro, Jogo e Aposta e Alteração das Circunstâncias que Fundaram a Decisão de Contratar (Continuado do n.º 3987, pág. 413), cit.,
P.24 e 25.
75- Cfr., o nosso Contrato de Swap de Taxa de Juro: Validade ou Invalidade do Contrato no Ordenamento Jurídico Nacional, cit., P. 716
e segs.
76- Cfr. PAULO MOTA PINTO, Contrato de Swap de Taxas de Juro, Jogo e Aposta e Alteração das Circunstâncias que Fundaram a
Decisão de Contratar (Continuado do n.º 3987, pág. 413), cit., P.18.
77- Cfr. CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, Contratos III, cit. P. 273.
78- Para uma análise histórico-comparativa vide CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, Contratos Diferenciais, cit., Pp. 81-89.
79- Cremos na mesma linha ALASTAIR HUDSON, The Law of Finance: a Comprehensive Treatise for Practitioners, cit., P. 409.
80- Cfr. CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, Swaps de Troca e Swaps Diferenciais, cit., P.17
10 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários
entendemos que ainda compete falar num prog- investidor de si próprio e do “gangsterismo fi-
nóstico, seja ele para fins especulativos, ou de nanceiro” que, com a crise financeira global de
cobertura de risco, de movimentação do ativo. 2008, se tornou evidente aos olhos de todos.
A recondução a uma aposta decorre da constan- Sucede que, esta corrente se prejudica pelo sim-
te inovação e evolução financeira global do ples facto de bastar que uma das partes procure
mercado, mas também do direito não nutrir uma seguir uma das funções legítimas atribuídas aos
especial simpatia pela assunção cega do risco instrumentos financeiros derivados para que
de forma endógena ao contrato. estes não devam ser reconduzidos a uma mera
aposta83. O que importará, sobretudo, para a sua
Outra nota de redobrado interesse, prende-se qualificação como derivado diferencial lícito,
com a avaliação da existência ou não de uma afastando-se o regime da aposta, será a tipicida-
aposta, e a desconsideração do elemento subje- de do contrato e a sua qualificação jurídica. Co-
tivo do contrato nessa análise, com vista a des- mo se sabe, os contratos diferenciais são legal-
cortinar se este é, ainda que apenas estrutural- mente típicos conforme resulta do art. 2.º, n.º1,
mente, um contrato de aposta81. De facto, sem- al. d) do CVM. Esta sujeição ao Código dos
pre que o contrato vise a realização de uma ati- Valores Mobiliários dos derivados diferenciais,
vidade comercial legítima – como seja, por pressupõe que a sua negociação é feita de forma
exemplo, a gestão do risco – não concordamos regulamentada com intervenção de um interme-
que possa existir uma aposta, uma vez que, o diário financeiro84. O intermediário financeiro,
resultado que as partes almejavam não dependia encontrar-se-á vinculado, como bem se compre-
única e exclusivamente da sorte82, dependendo, ende, a todas as obrigações informativas e pro-
isso sim, da movimentação de indicadores de cedimentos pré-contratuais exigidos pelo códi-
mercado que são, amplamente regulados. Aliás, go (nomeadamente, os arts. 7.º, n.º1, 304.º,
é necessário que o principal fundamento do 304.º-A, 309.º, 312.º e seguintes, 314.º e se-
contrato para ambas as partes seja a aposta re- guintes e 317.º e seguintes todos do CVM) que,
creativa celebrada de forma autónoma e priva- quando não cumpridos dão lugar ao pagamento
da, para que este possa ser considerado como de uma indemnização dos danos causados ao
aposta, o que se afigura de particular dificulda- investidor.
de num mercado regulado, organizado e fiscali-
zado, onde uma das partes atua enquanto profis- II. Pode-se debater e encontrar todo o tipo de
sional – o intermediário financeiro. desvalores ético-morais na especulação e tentar
descobri-los no nosso ordenamento jurídico,
Entendemos que, em última instância esta con- com maior ou menor criatividade, podemos
sideração vise a proteção dos investidores me- até encontrar na Constituição da República
nos experientes dos especuladores profissionais. Portuguesa85 justificação pela contrariedade à
Esta corrente pretende, sobretudo, proteger o ordem pública mas, é irrefutável a ideia de para
81- Como explicitamente se refere no Ac. STJ de 29-01-2015, Processo n.º 531/11.7 TVLSB.L1.S1 (BETTENCOURT DE FARIA).
82- Cfr. ALASTAIR HUDSON, The Law of Finance: a Comprehensive Treatise for Practitioners, cit., P.411 e ANDREA PERRONE,
Contratti di Swap con Finalità Speculative ed Eccezione di Gioco, in Banca Borsa Titoli di Credito, Vol. LXIII, 5, Settembre-Ottobre,
2010, Giuffré Editore, 2010, P.85.
83- Cfr. PHILIP R. WOOD, Law and Practice of International Finance, 2008, London, Sweet & Maxwell, P.446.
84- Cfr. CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, Swaps de Troca e Swaps Diferenciais, cit., P.17. Se assim não for, como bem ensina o Autor,
não são “válidos, no direito português, os contratos diferenciais (diretos) em que nenhuma das partes esteja autorizada a exercer uma
atividade de intermediação financeira no âmbito da qual se compreenda a celebração de contrato dessa natureza. Esta consequência pode
parecer excessiva à luz de critérios de política legislativa, mas resulta de modo inexorável da aplicação conjugada das leis vigentes,
suficientemente claras no âmbito das permissões e proibições que estabelecem”. Cfr. CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, Contratos
Diferenciais, cit., P.111. Itálicos Nossos.
85- Como é o caso do Ac. STJ de 29-01-2015, Processo n.º 531/11.7 TVLSB.L1.S1 (BETTENCOURT DE FARIA).
Description:Ao longo dos últimos anos tanto a Doutrina como a Jurisprudência têm vertido muita tinta sobre a exceção de jogo e aposta e a sua aplica- ção aos
