Table Of ContentO QUE É A REALIDADE?
Reflexões em torno da obra de Stéphane
Lupasco
Basarab Nicolescu
Tradução de
Marly Segreto
Título original:
Qu’est-ce que la réalité?
2009 © Liber, Montréal
Direitos para a língua portuguesa reservados a
TRIOM – Centro de Estudos Marina e Martin Harvey
Editorial e Comercial Ltda.
www.triom.com.br / [email protected]
Tradução: Marly Segreto
Revisão: Ruth Cunha Cintra e Vitoria Mendonça de Barros
Capa, editoração eletrônica: Casa de Tipos Bureau e Editora Ltda.
Imagem da capa: Shutterstock
Edição patrocinada por Vitoria Maria Mendonça de Barros
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Nicolescu, Basarab
O que é a realidade?: reflexões em torno da obra de Stéphane Lupasco / Basarab Nicolescu;
tradução de Marly Segreto. -- São Paulo: TRIOM, 2012.
Título original: Qu`est-ce que la réalité?: réflexions autour de l`oeuvre de Stéphane Lupasco.
Bibliografia.
ISBN 978-85-85464-87-5
1. Filosofia romena 2. Lupasco, Stéphane - 1900-1988 - Crítica e interpretação 3. Realidade
I. Título
12-04456 CDD-194
Índice para catálogo sistemático:
1. Lupasco: filosofia romena 194
Para Anne
Sumário
Introdução
Capítulo 1 - A obra de Stéphane Lupasco: visão panorâmica
A ciência, a invariância e a universalidade
O terceiro incluído
Por que o terceiro incluído foi um escândalo intelectual?
A lógica da energia seria uma lógica quântica?
Bohr, Lupasco e o terceiro incluído
A dialética ternária da realidade
Engendramento e dinâmica dos sistemas: a sistemogênese de Lupasco
As três matérias
Não-separabilidade e unidade do mundo
A saga da antimatéria
A natureza do espaço/tempo
Existiriam constituintes últimos da matéria?
Seria Lupasco um profeta do irracional?
O terceiro vivido
Capítulo 2 - No centro do debate: o terceiro incluído
O terceiro incluído e a não-contradição
A ontológica de Lupasco
A criptografia quântica, o teletransporte, os computadores quânticos e o terceiro incluído
Capítulo 3 - Níveis de realidade e múltiplo esplendor do Ser
Os níveis de realidade e o reencantamento do mundo
Os níveis de realidade são compatíveis com o terceiro incluído?
A estrutura gödeliana da natureza e do conhecimento
O terceiro oculto
O sagrado e o problema sujeito/objeto
Heisenberg e os níveis de realidade
A visão transdisciplinar do mundo
Capítulo 4 - Jung, Pauli e Lupasco diante do problema psicofísico
Coincidentia oppositorum e o irracionalismo hermético
O cerne do problema: nós mergulhamos excessivamente no século XVII
A tarefa mais importante de nosso tempo: uma nova ideia de realidade
Os níveis de realidade estão presentes em Jung e Pauli?
Novos esclarecimentos sobre o debate ternário/quaternário
O equívoco lógico e epistemológico de Umberto Eco
Algumas observações sobre o problema da sincronicidade
Reducionismo, antirreducionismo e transreducionismo
O que é a realidade?
Capítulo 5 - Stéphane Lupasco e Gaston Bachelard: sombras e luzes
Capítulo 6 - Do mundo quântico ao mundo da arte
André Breton: da admiração à exclusão
Georges Mathieu e o engaiolamento de Aristóteles
Salvador Dali e o obscurecimento da luz
Frédéric Benrath, Karel Appel, René Huyghe e os outros amigos
O que podemos concluir?
Capítulo 7 - O terceiro incluído, o Teatro do Absurdo, a psicanálise e a morte
Por um sim ou por um não
Lupasco e o Teatro do Absurdo
A psicanálise e a morte
Capítulo 8 - Deus
O orgasmo de Deus
O diálogo jubiloso
Da alquimia à religião
Capítulo 9 - O diálogo interrompido: Fondane, Lupasco e Cioran
Os romenos de Paris
Da não-contradição como pacto com o diabo
O que queria ele, esse Homem?
Capítulo 10 - Abellio e Lupasco. Um ideal compartilhado: a conversão da
ciência
O raciocínio lógico é seguro, porém cego
A estrutura absoluta é senária, setenária ou nonária?
Abellio, Gonseth e o terceiro incluído
Conversão da ciência ou conversão do cientista?
O problema central: a relação entre sujeito e objeto
Capítulo 11 - Conversa com Edgar Morin
Capítulo 12 - Para não concluir
Dados biográficos de S. Lupasco
Bibliografia
Introdução
A palavra “realidade” é uma das mais prostituídas em todos os idiomas do
mundo. Todos nós acreditamos saber o que é a realidade, mas, se nos
interrogarmos, descobriremos que há tantas acepções dessa palavra quanto
habitantes sobre a terra. Não é, então, surpreendente que inumeráveis conflitos
agitem incessantemente os indivíduos e os povos: realidade contra realidade.
É uma espécie de milagre que, nessas condições, a espécie humana ainda
exista. A explicação é relativamente simples: uma crença estatística sobre o que
é a realidade em um dado momento é criada como resultado – inconsciente – da
tecnociência. Desse modo, o conceito de realidade dominante no último século
fundamentava-se na ciência clássica. Ele nos assegurava de que nós vivíamos em
um mundo racional, determinista e mecanicista, destinado a um progresso
ilimitado. O espantoso acontecimento de 11 de setembro de 2001 fez voar em
pedaços essa crença da modernidade. Mas, como nossa capacidade de
esquecimento é infinita, atualmente nós retornamos a ela.
No entanto, a tripla revolução que atravessou o século XX – a revolução
quântica, a revolução biológica e a revolução informática – deveria modificar
profundamente a nossa visão da realidade.
Neste livro, torno minha a afirmação feita, em 1948, por Wolfgang Pauli,
prêmio Nobel de Física e um dos fundadores da mecânica quântica: “(...) a
formulação de uma nova ideia de realidade é a tarefa mais importante e a mais
árdua de nosso tempo”. Mais de sessenta anos depois, essa tarefa continua
1
inacabada.
Para ilustrar essa busca trago, como caso exemplar, a obra de Stéphane
Lupasco (1900-1988). Sua filosofia do terceiro incluído é importantíssima no
caminho rumo a um novo conceito de realidade. Mas ela assume todo o seu
sentido ao entrar em diálogo com minha própria abordagem transdisciplinar,
baseada na noção de níveis de realidade, noção que introduzi em 1982.
Tive o privilégio de partilhar da amizade de Lupasco de 1968 até a sua morte.
Este livro desejaria prolongar nossas trocas intelectuais e espirituais para além
desse termo. O que significa dizer que este livro não é um livro sobre Lupasco,
mas em torno de Lupasco, considerado não como “mestre a ser pensado”, mas
antes como um “mestre a ser repensado” em favor do século XXI, segundo a
bela formulação de Jean-François Malherbe. De fato, o pensamento de Lupasco
2
é um sistema aberto, submetido a um perpétuo questionamento construtivo. Ele
nos ajuda a avançar rumo a uma sabedoria em conformidade com os maiores
desafios de nosso século.
No primeiro capítulo, ofereço ao leitor não familiarizado com o pensamento
de Lupasco uma visão panorâmica de sua obra.
O segundo capítulo está centrado na noção de terceiro incluído.
Os níveis de realidade são introduzidos no terceiro capítulo, que aborda o
problema da relação entre sujeito e objeto dentro da abordagem transdisciplinar.
No quarto capítulo, estabeleço um diálogo entre Jung, Pauli e Lupasco em
torno do problema psicofísico.
O quinto capítulo está centrado na relação complexa entre Stéphane Lupasco e
Gaston Bachelard.
O sexto capítulo é dedicado às relações de Lupasco com o mundo da arte e,
mais particularmente, a sua relação com André Breton, Georges Mathieu e
Salvador Dali.
No sétimo capítulo, analiso o papel do terceiro incluído na gênese do Teatro
do Absurdo de Eugène Ionesco, e também suas relações com a psicanálise e com
a morte.
O oitavo capítulo é consagrado ao difícil problema de Deus.
Os capítulos nove ao onze são dedicados à relação de Lupasco com Benjamin
Fondane, Emil Cioran, Raymond Abellio e Edgar Morin.
Após minhas conclusões, a última parte do livro fornece uma riquíssima
bibliografia de Stéphane Lupasco, e isso não por puro gosto pelas referências,
mas para colocar à disposição dos pesquisadores e dos jovens estudantes um
instrumento de trabalho indispensável.
Expresso meus agradecimentos a Jean-François Malherbe, que esperou com
paciência e confiança o difícil nascimento deste livro, e às Éditions Liber por ter
acolhido este texto.
1 Carta de Pauli a Fierz, 12 de agosto de 1948, em K. von Meyenn, Wolfgang Pauli. Wissenchaftlicher
Briefwechsel, Band IV, Teil I, 1940-1949, Berlin: Springer, 1993, p. 559.
2 Comunicação particular, 9 de setembro de 2004.
Capítulo 1
A obra de Stéphane Lupasco: visão
panorâmica
“(...) quem considera a contradição... considera o mundo.”
Stéphane Lupasco, Les trois matières
A física quântica contém o germe de uma revolução conceitual sem
precedentes na época moderna. Não se trata apenas de alterar nossa imagem do
mundo, e sim de reconhecer um potencial de vida e de transformação que diz
respeito ao nosso mundo, ao nosso universo e, em última instância, ao nosso
próprio lugar no universo. Esse fato foi plenamente percebido pelos físicos que
fundaram a física quântica – Planck, Einstein, Bohr, Heisenberg, Pauli,
Schrödinger, Fermi, Dirac, Born, de Broglie: seus debates apaixonados e
apaixonantes provam amplamente que eles estavam conscientes de haver tocado
em algo que ultrapassava de longe o quadro estreito da física.
No entanto, seus debates permaneceram, em larga medida, num âmbito
restrito. A filosofia contemporânea, excessivamente tributária ao seu fundamento
literário, teve dificuldade em admitir que a ciência – essa parente pobre, essa
mosca áptera (como é chamada pelo historiador das religiões Ioan P. Couliano)
1 2
– pudesse contribuir para o conhecimento do próprio homem. Além disso, a
compreensão das eventuais consequências da física quântica exigia um esforço
de assimilação de um formalismo matemático complexo, esforço ao qual os
filósofos de ofício, devido a sua própria formação, não estavam preparados.
Não é, pois, surpreendente que as primeiras tentativas de formulação de uma
visão quântica do mundo tenham sido efetuadas à margem do movimento
filosófico contemporâneo, graças aos trabalhos de um físico (Niels Bohr), de um
engenheiro (Alfred Korzybski) e de um epistemólogo com formação científica
(Stéphane Lupasco). Pode-se assim constatar o surgimento, na primeira metade
do século XX, de três direções principais: (1) a de Bohr, convencido de que o
princípio de complementaridade podia constituir o ponto de partida de uma nova
Description:O mundo se move, vive e se oferece ao nosso conhecimento graças a uma estrutura ordenada daquilo que, no entanto, muda incessantemente. A realidade é, portanto, racional, mas sua racionalidade é múltipla, estruturada em níveis. É a lógica do terceiro incluído que permite que a nossa razão p