Table Of ContentO Outro Leviatã
e a Corrida ao Fundo do Poço
GUERRAS FISCAIS E PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO
A FACE PERVERSA DA GLOBALIZAÇÃO A NECESSIDADE
DE UMA ORDEM ECONÔMICA GLOBAL MAIS JUSTA
2015
Onofre Alves Batista Júnior
O OUTRO LEVIATÃ E A CORRIDA AO FUNDO DO POÇO
GUERRAS FISCAIS E PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO
A FACE PERVERSA DA GLOBALIZAÇÃO
A NECESSIDADE DE UMA ORDEM ECONÔMICA GLOBAL MAIS JUSTA
© Almedina, 2015
AUTOR: Onofre Alves Batista Júnior
DIAGRAMAÇÃO: Almedina
DESIGN DE CAPA: FBA
ISBN: 978-858-49-3051-7
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Batista Júnior, Onofre Alves
O outro Leviatã e a corrida ao fundo do poço /
Onofre Alves Batista Júnior. – São Paulo :
Almedina, 2015.
Bibliografia.
ISBN 978-858-49-3051-7
1. Capitalismo 2. Crise econômica
3. Desigualdade social 4. Estado democrático
5. Globalização 6. Modernidade líquida
7. Precarização do trabalho 8. Tributos I. Título.
15-00664 CDU-342.34:330.1
Índices para catálogo sistemático:
1. Globalização econômica e trabalho: Estado
democrático de direito 342.34:330.1
Este livro segue as regras do novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990).
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Março, 2015
EDITORA: Almedina Brasil
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www.almedina.com.br
APRESENTAÇÃO
Como aponta Jürgen Habermas, nas primeiras linhas de sua obra “Faticidade e
Validez”, que trabalha com riqueza de pormenores a legitimidade e a
normatividade do direito, “já faz tempo que, na Alemanha, a filosofia do direito
já não é coisa de filósofos”.1 Vivemos um momento de entrelaçamento entre a
filosofia do direito, a moral e a política, em que cada vez mais a produção
legítima do direito depende de um discurso moral que a filosofia prática ou
normativa busca prover nas sociedades democráticas. Esse fenômeno, em que
pese à afirmação de Habermas, está longe de se verificar exclusivamente na
Alemanha. De modo geral, verifica-se em todo o denominado Mundo Ocidental
uma tendência cada vez maior de aproximação entre a filosofia do direito e a
prática jurídica, a ética, a economia e a política em geral.
Essa aproximação decorre de uma exigência cada vez maior de
fundamentação moral para as decisões políticas e econômicas de grande impacto
social que têm lugar na sociedade contemporânea. Cada vez mais se torna
evidente a necessidade de se construir uma justificação moral para os modelos
econômicos, fiscais e administrativos existentes tanto no interior dos Estados
Soberanos como na Sociedade Internacional.
Nesse sentido, Thomas Piketty sustenta, na introdução de sua mais conhecida
obra, que “a questão da distribuição da riqueza é importante demais para ser
deixada apenas para economistas, sociólogos, historiadores e filósofos”;
…“felizmente, a democracia jamais será suplantada pela república dos
especialistas”.2
Esta obra de Onofre Alves Batista Júnior, intitulada “O outro Leviatã e a
corrida ao fundo do poço”, por sua vez, não se afasta dessa tendência. Ela busca
diagnosticar problemas centrais provocados pelo “capitalismo parasitário” que
emerge, sobretudo, após a década de 1970, como fruto da globalização
financeira da “modernidade líquida”. Problemas centrais que constituem um
pano de fundo comum dos diversos sistemas sociais. Para tanto, lança mão de
avaliações de economistas do porte de François Chesnais e de dados
corroborados inteiramente pelas pesquisas de Thomas Piketty.
O grande diferencial da obra vem no sentido de estabelecer um diálogo entre
sistemas distintos: o econômico, o político, o social e o jurídico. Existem várias
publicações de peso acadêmico elevado, enfocando um ou dois desses campos
do conhecimento, em compartimentos estanques. Fecham-se dentro de uma
dogmática cerrada, sem diálogo algum com sistemas estranhos ou o “ambiente”.
Mesmo quando há a pretensão interdisciplinar, obras jurídicas fechadas servem-
se de um aparato conceitual e de categorias próprias antigas, que não se abalam
por influência externa, estranha. Se jurídicas, são a rigor fechadas, porque não se
livram dos entraves dogmáticos. Por outro lado, preciosos estudos econômicos e
sociais ficam restritos às categorias e conceitos específicos de cada área
respectiva. Os sistemas, enfim, não dialogam, são surdos entre si, mesmo do
ponto de vista cognitivo.
Não está em questão, aqui, diretamente, a operacionalidade de cada sistema:
o jurídico, o econômico, o social, o político. Sabe-se que o reconhecimento de
normas, conceitos e categorias, sua aplicação ou multiplicação, fazem-se
internamente, de forma autopoiética, por autodeterminação, de tal modo que o
operador do Direito, por exemplo, somente deve acolher, aplicar e considerar as
regras e princípios postos dentro do sistema. A autorreferibilidade do sistema
jurídico, tão bem exposta por Niklas Lumann, está na base do Estado de Direito
e configura garantia de que uma decisão judicial não seja determinada por fortes
comandos políticos ou econômicos estranhos. Sistemas jurídicos alopoiéticos
não têm especificidade, perdem-se no ambiente do econômico, do político ou do
social, sendo incapazes de operar no Estado de Direito. Não obstante, os
sistemas dialogam e se alimentam reciprocamente, por meio de cognição,
conversores e equivalentes funcionais. Estão em contínua transformação, de
modo que novas normas e regras ingressam formalmente no sistema jurídico,
quer por meio de atividade legislativa, inerente às democracias, quer por meio de
reconhecimento por compreensão evolutiva dos signos em que os enunciados
linguísticos das normas se desdobram, já que a cognição é sempre aberta, como
reconheceu o mesmo Niklas Luhmann3. Aquilo que é sistema se altera da mesma
forma que aquilo, que é ambiente, é mutante.
Assim sendo, sem nenhum prejuízo à autorreferibilidade do sistema jurídico e
ao seu fechamento operacional, a obra pode interferir quer na compreensão das
regras e princípios já positivados, quer na evolução legislativa futura e, no plano
internacional, na articulação necessária entre diferentes Estados nacionais.
Exatamente nesse campo e, com essas premissas, deve ser compreendido este
primoroso livro. Ele não pretende colher pesquisas, estatísticas, conceitos e
aparatos econômicos ou políticos e injetá-los diretamente nos sistemas jurídicos.
Seu papel, função e meta visam a consolidar a cognição de conceitos, aparatos e
normas que já estão introduzidos na maior parte dos sistemas nacionais, como a
dignidade da pessoa humana, a erradicação da miséria e a redução da
desigualdade.4 O que isso significa, do ponto de vista jurídico-moral? Ao atuar
no campo da cognição e da compreensão, em que os sistemas são
necessariamente abertos, a obra contribui sobretudo para a cognição, a
compreensão das normas já existentes e propicia a adoção futura daqueloutras
necessárias à efetividade dos direitos e garantias individuais e sociais.
O autor parte da premissa correta de que a pobreza extrema, a intolerável
desigualdade social – alimentada pela globalização econômica –, a fluidez do
capital e a guerra fiscal em nível internacional não podem ser enfrentadas de
maneira eficaz nem com iniciativas isoladas de Estados Nacionais, nem com
meras convenções internacionais sobre a conduta dos Estados em suas
regulamentações domésticas e suas políticas de redução das desigualdades
sociais. Não basta, como argumenta de forma percuciente o autor, uma mera
“harmonização” de direitos trabalhistas ou de regimes tributários, pois a
fragilidade das comunidades políticas nacionais diante do grande capital
flutuante internacional exige uma “ação coordenada dos Estados nacionais” para
que se institucionalizem mecanismos aptos a garantir a justiça no âmbito das
relações trabalhistas e da tributação do grande capital. Nesse sentido, como se
aduz na conclusão desta obra, “apenas com a articulação entre Estados nacionais
será possível regulamentar o mercado mundializado de forma a conter os
ímpetos abusivos do capital transnacional parasitário”.5
As iniciativas propostas na obra para enfrentar os desafios da modernidade
líquida contemporânea passam pela criação de uma política global de proteção
do direito ao trabalho digno, inclusive com uma redução radical da jornada de
trabalho sem redução da renda e com a garantia de segurança e dignidade para os
indivíduos que vendem a sua força de trabalho; pela garantia, em nível global, de
uma renda mínima capaz de propiciar a todos os indivíduos, independentemente
do Estado Nacional a que eles estejam ligados por vínculo de nacionalidade,
condições materiais de vida além do limite da pobreza extrema gerada e
agravada pelo capitalismo global; pela eliminação, em nível mundial, da guerra
fiscal e da concorrência tributária, com a implementação de uma política fiscal
comum apoiada no princípio do discurso e, mesmo quando executada no interior
dos Estados Nacionais, “voltada para o mundo, com a inclusão necessária de
todos os envolvidos”6; pela “transnacionalização da democracia”; e pela
instituição de tributos mundiais capazes de aliviar a desigualdade estrutural entre
os indivíduos e comunidades políticas no mundo contemporâneo – entre os
quais, precipuamente, os impostos sobre a herança.
Mas como alcançar um grau de cooperação tão elevado entre Estados
nacionais que atualmente se digladiam em uma guerra fiscal que se traduz, como
bem lançado no título desta obra, em uma “corrida para o fundo do poço”? Não
parece ingênuo imaginar que os Estados nacionais e as comunidades políticas
locais abrirão mão de seus interesses egoístas e da busca desenfreada pela
atração de capital? No caso específico dos países ricos, seriam eles capazes de
renunciar espontaneamente a suas posições privilegiadas e reconhecer,
altruisticamente, um direito à subsistência e um “dever coletivo de promover
mudanças políticas que levem a uma distribuição mais equitativa da riqueza”?
O trabalho pretende, a partir de uma reflexão densa e interdisciplinar, com
incursões na filosofia do direito, na economia, na política e na teoria do direito,
responder a todas essas perguntas de uma maneira ao mesmo tempo factível e
ousada. Chega à conclusão, que me parece correta, de que “tal como no
movimento abolicionista, é fundamental uma movimentação moral a favor da
erradicação da pobreza”, que envolve um conjunto de ações tanto do Estado
como, principalmente, da sociedade e da comunidade internacional, com vistas a
um enfrentamento conjunto e a uma fundamentação do dever de erradicar a
pobreza como uma obrigação moral de todos os Estados e da humanidade como
um todo. A fundamentação desse dever, como o leitor poderá observar nas
páginas que se seguem, exige uma profunda reflexão sobre o papel da política na
transformação do capitalismo, sem se ir necessariamente para “além do capital”,
com vistas à edificação de uma solidariedade cosmopolita, a partir da percepção
da pobreza como uma violação a um direito fundamental.
As inovações tecnológicas e o processo de acumulação capitalista agravam o
ambiente de desigualdade social, sendo necessário que se estabeleçam, na
“sociedade de trabalhadores-consumidores”, outros mecanismos de repartição da
riqueza social. Para tanto, o Autor avalia os mecanismos redistributivos da renda
básica, bem como os tributos que possam servir de anteparo aos efeitos
perversos do capitalismo parasitário, assumindo uma postura crítica com relação
ao próprio papel dos tributos na atualidade.
A “guerra fiscal” é vista como consequência da fluidez do capital
mundializado e um efeito perverso da globalização das economias de mercado,
que provoca a captura da esfera governamental fragilizada pelo capital
internacional. Da mesma forma, o Autor verifica que o fenômeno é capaz de
destruir as bases do que ele chama “Estado Tributário Redistribuidor”.
O texto desenvolve propostas de criação de tributos mundiais (sobre recursos
minerais; sobre o fluxo de capital) que possam lastrear a constituição de um
“fundo mundial de combate à miséria” para o pagamento de uma renda mínima
global que permita a abolição da pobreza que ainda assola milhões de
indivíduos, de forma a proporcionar o empoderamento dessa massa de
miseráveis. Da mesma forma, o livro apresenta a proposta de instituição de
tributação sobre a herança, que possa servir de lastro para a constituição de
fundos nacionais destinados ao pagamento de renda básica, que sirva para
reduzir a desigualdade social interna e minimizar os efeitos perversos do
capitalismo parasitário.
Enfim, o trabalho busca desvendar o lado perverso da globalização
econômica no intuito de avaliar as possibilidades e perspectivas do homem-
trabalhador na “Era da Recessão”. Foram buscados, pelo viés tributário e por
meio do mecanismo da renda garantida, caminhos para dar efetividade à ideia de
“justiça distributiva no sentido contemporâneo”, com a intenção de subsidiar
estudos que pretendam modelar instituições estáveis que sirvam para promover a
abolição da pobreza. Consideremos que, afinal, a Constituição da República no
Brasil determina, em seus artigos inaugurais, a erradição da miséria e das
grandes desigualdades entre grupos e regiões. Assim, pelo menos no âmbito
doméstico, a aproximação entre os conceitos jurídico-constitucionais, que são
vagos e indeterminados, e os demais, próprios dos estudos econômicos e sociais
sérios, é tarefa relevante, que esta obra em análise cumpre. O diálogo, que ela
inicia, entre esses distintos campos do conhecimento, por sua relevância, deverá
nortear, temos a esperança, uma profunda reflexão em muitas outras obras do
gênero.
Prof.ª Dra. MISABEL DE ABREU MACHADO DERZI
Prof.ª Titular de DireitoTributário e Financeiro da UFMG
Prof.ª Titular de Dir.Tributário das Faculdades Milton Campos/MG
Pres. Honorária da Associação Bras. Dir. Tributário – ABRADT, Membro
da Fondation des Finances Publiques – FONDAFIP/Paris.
-
1
Cf. JÜRGEN HABERMAS, Facticidad y validez: Sobre el Estado democrático de derecho en términos de
teoría del discurso. Trad, Manuel Jímenez Redondo. Madri: Trotta, 2005, p. 57.
2
Cf. THOMAS PIKETTY. Le Capital au XXIe Siècle. Ed. Seuil, 2013, Paris, p. 17.
3
Cf. NIKLAS LUHMANN. In A Nova Teoria dos sistemas. Coord.Clarissa Baeta Neves e outra. Porto Alegre.
Ed. UFRGS – Goethe Institut, 1977; Sistema Giuridico e Dogmatica Giuridica. Trad. e Prefácio: FEBRAJO,
Alberto. Bologna. Ed. Il Molino, 1978; Sociologia do direito II. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1985; La
Costituzione come adquisiizione evolutiva. In Il futuro della Costitucione. Org. ZAGREBELSKY, Gustavo,
Torino, Einaudi, 1996.
4
No Brasil, por ex., a Constituição expressamente, em seu art. 1º, funda a República federativa na
dignidade da pessoa humana e nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. E, em seu art. 3º,
estabelece como metas, a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais e regionais.
5
Ver “Conclusões”, parágrafo 13.
6
Ver “Conclusões”, parágrafo 44.
PREFÁCIO
Qualidade e oportunidade. Das muitas virtudes do trabalho que aqui se
apresenta, isolo estas duas. Depois de obras de referência do calibre de O
Planejamento Fiscal e a Interpretação no Direito Tributário (2002), Princípio
Constitucional da Eficiência Administrativa (2004), ou o exaustivo Transações
Administrativas – Um Contributo ao Estudo do Contrato Administrativo como
Mecanismo de Prevenção e Terminação de Litígios e Como Alternativa à
Atuação Administrativa Autoritária, no Contexto de uma Administração Pública
Mais Democrática (2007), Onofre Alves Batista Júnior oferece agora à
publicidade crítica este estimulante O Outro Leviatã e a Corrida ao Fundo do
Poço. Como poderá constatar por si próprio o prezado leitor, estão lá bem
reconhecíveis as preocupações de rigor e a competência analítica que são
imagem de marca do autor. Atestando, pois, sem mácula, o atributo da
qualidade. Só que a imensa curiosidade do Doutor Onofre, e, mais do que isso, a
sua vocação para intuir os principais nós críticos do relacionamento entre lógica
político-jurídica e razão económica, aliada a uma particular atenção para com os
debates emergentes na contemporaneidade, obriga a adendar, desta feita, um
elemento não despiciendo, o da tremenda oportunidade da problemática em
apreço. Porque a questão que, em última instância, este trabalho coloca –
teremos ou não necessidade de uma ordem económica global mais justa? (e,
admitindo que sim, como adequar as dimensões de justiça fiscal à escala
global?) – é bem a que, do mesmo modo, autores tão influentes como um
Thomas Piketty vêm também transformando em objeto primordial das suas
análises. Num caso parte-se do arcaboiço teórico jurídico-político; no outro, das
gramáticas económicas; mas o ponto a reter é justamente a inevitabilidade de
uma complementaridade analítica entre ambas as vertentes. A complexidade dos
problemas em causa não permite, de resto, outro tipo de abordagem. Onofre
Alves Batista Júnior sabe perfeitamente que assim é.
E, afinal, com que tipo de problemas em concreto se vêm confrontando estas
linhas de abordagem? Um rápido olhar sobre o núcleo duro do pensamento de
Piketty (maximamente expresso em O Capital no Século XXI) pode elucidar bem