Table Of ContentO MANTO DE NOE
Ensaio Sobre a Paternidade
Philippe Julien
Seguido de
“A Arca dos Homens”
de Carlos F'" do Leal
CoL
Freudu tia
O que é um pai? Esta pergunta que Freud
se fez em determinada ocasiâo, ele
pròprio nào pôde responder. E por que
nâo? Porque simplesmente náo há uma
resposta que satisfaga a esta pergunta.
Esta pergunta deverà ser construida e
atravessada na análise de cada sujeito.
Este livro de Philippe Julien articula de
maneira sensivel uma questao sobre o
pai, a partir de um fragmento de uma
passagem biblica que é “O manto de
Noé”.
Há o Um, diz Lacan. Um Pai. É por causa
da nomeaçào que se faz nó. Um nó que é
composto por nao menos que très
registros: real, simbólico e imaginario.
Lembremos também que sao très os fìlhos
de Noé.
A sensibilidade do psicanalista ao fazer
este “ensaio sobre a patemidade” nos
convida a pensar a partir de “um triplo
declínio”, “uma tríplice dimensao” e “um
triplo discurso”, para amarrar como bem
faz um nó, com "uma alteridade
irredutível”.
“Este é o paradoxo para se analisar. Tem,
a patemidade. sua consistencia de
imagem forte ou miserável que apresenta?
Ou, ao contràrio, de apelo ao nome do
pai? Pai! Um simples nome de algumas
letras, colocado na fonte de um
inesgotável.”
Carlos Eduardo Leal
—
Philippe Julien, é Psicanalista, autor de
“O Retomo a Freud de Jacques Lacan - A
Aplicacào ao Espelho”, editora Artes
Médicas e “O Estranho Gozo do
Próximo”, Jorge Zahar Editora.
O MANTO DE NOE
Ensaio Sobre a Patemidade
Philippe Julien
Coleçào
Freudiana
SSSJJXT '■
Direçào Científica:
Carlos Eduardo Leal
Francisco de Fartas
Gilsa F. Tarré de Olivcira
RevinteR
Título origina] em francés:
Le Manteau de Noé: Essai sur la Paternité
Copyright © 1991 by Desclée de Brouwer
Copyright © 1997 by Livraria e Editora RevinteR Ltda.
Todos os direitos reservados.
E expressamente proibida a reproduçâo
deste livro, no seu todo ou em parte,
por quaisquer meios, sem o consentimento
por esento da Editora.
ISBN 85-7309-109-6
Traduçâo:
Francisco de Farias
Livraria e Editora REVINTER Ltda.
Rúa do Matoso, 170 — Tijuca
20270-130 — Rio de Janeiro, RJ
Tel.: (021) 273-5448
Fax: (021) 273-2730
A Emmanuelle
a ]acques-Henri
Noé, o agricultor, cotnegou a plantar urna vinha. Bcbcndo
vinho, embriagou-se e ficou nu dentro de sua tenda. Cam, pai
de Canoa, viu a nudez de seu pai e comunicou o fato a seus dois
innaos que estavam fora da tenda. Sem e Jafé tomaram um manto,
puseram-no sobre os seus ombros e andando de costas, cobriram
a nudez de seu pai. Seus rostos estavam voltados para tras e eles
nao viram a nudez de seu pai (Génesis, 9, 20 - 23)*
*Noè, homme du sol, commença à planter une vigne, s'enivra et se dénuda au milieu
de sa tente. Cham, père de Canaan, vit la nudité de son père et en fit part à ses deux
frères au-dehors. Sem et laphet prirent un manteau et le mirent, à eux deux, sur leur
épaule, puis marchèrent à reculons et couvrirent la nudité de leur père. Leur visage
étant tourné en arrière, ils ne virent pas la nudité de leur père (Livre de la Genèse,
IX, 20-23).
A traduçâo desta passagem bíblica é a seguinte:
Noé, o cultivador, começou a plantar uma vinha. Bebendo vinho, embriagou-se e
ficou nu dentro de sua tenda. Cam, pai de Canaâ, viu a nudez de seu pai e advertiu,
fora, a seus dois irmâos. Mas Sem e Jafé tomaram o manto, puseram-no sobre os seus
próprios ombros e, andando de costas, cobriram a nudez de seu pai; seus rostos
estavam voltados para tras e eles nâo viram a nudez de seu pai (Génesis, 9, 20-23).
A traduçâo para o francés apresenta alguns problemas, razâo pela quai tomouse
como fonte a versâo, em latim, cujo texto é o seguinte:
Coepelique Noe vir agrícola exercere terram, et plantavit vineam. Bibensque vinum
inebriatus est, et nudatus in tabernáculo suo. Quod cum vidisset Cham pater Chanaan,
verenda scilicet patris sui esse nudata, nuntiavit duobus fratibus suis foras. At vero
Sem et lafheth palium imposuerunt humeris suis, et incendentes retorsum, operuerunte
verenda patris sui: fadesque eorum aversae erant, et patris virilia non viderunL
O texto em latim, apresenta diferenças em relaçâo à passagem que aparece em
francés, especialmente no trecho: ' Sem et Japhet prirent un manteau et le mirent, à
eux deux, sur leur épaule'. Nâo se sabe por quai motivo o tradutor francés utilizou
o verbo “mirer', para dar a idéia de colocar, já que em latim, o trecho acima quer
dizer: 'Mas Sem e Jafé tomaram um manto, puseram-no sobre os ombros'.
Acreditamos ser um equívoco a utilizaçào de 'mirent' do verbo 'mirer" quer dizer
olhar, ver.
Abertura
O que é, nos dias atuais, a patemidade? O bicentenàrio
da Revoluto Francesa é um fato marcante para indicar
que, devido a essa revoluto, urna nova fratemidade nascia
no mundo. Urna fratemidade que, dai em diante, nào se
funda sobre nenhum pai designável. Nào teria sido um
parricidio, a morte de Luís XVI? Os franceses reconhece-
ram-se irmàos ao se tomarem, politicamente órfàos.
É assim que a imagem patema foi exilada na vida pri
vada. O pai é o homem da familia, aquele a quem a crianza
chama "papa".
O que se passa no século XX? O poder do pai sobre a
pequeña familia (nuclear, diz-se), tomou-se cada vez mais
limitado pela autoridade, enfim reconhecida, da màe; e
pela intervengo crescente da sociedade civil junto à crian
za, em nome de seu interesse, de seu bem e de sua felici-
dade. Historiadores e sociólogos estào de acordo sobre esta
constatado.
Mas, o que é filho e o que é filha? Nào foi obra do
acaso, a ocorréncia, no contexto europeu, justamente, de
um tríplice abalo da figura do pai: o político, o religioso e
o familiar. Isto tomou possível a seguinte descoberta de
Freud: no modo de proceder das pessoas adultas, bem dis
tante da condi^áo natural, a sexualidade humana mantém-
se, sem dúvida, infantil. Desse modo, quanto mais a ima-
gem socia] do pai declina, mais a crianza reclama por urna,
urna grande, urna forte, urna bela!
Quem darà essa imagein à crianza? Quem garantirà?
Estranho paradoxo deste século, onde Hitler nào foi so-
mente o ùnico a provocar a adesào da juventude, ao lhe
repetir constantemente que os jovens, desta época, teriam
sido traídos pelos seus pais e que a juventude atual herdara
as uvas verdes das renúncias dos pais como também as
suas pusilanimidades. Nào teria ele sido o único a se fazer
crer disso. Com efeito, em nossa época, mais que em qual-
quer outra, a juventude foi o objeto de apelo e sedugáo,
por mais que se dedicasse a urna causa.
Este é o paradoxo para se analisar. Tem, a patemidade,
sua consistencia de imagein forte ou miserável que apre
senta? Ou, ao contràrio, do apelo ao nome do pai? Pai! Um
simples nome de algumas letras, colocado na fonte de um
inesgotável.
Micromegás* nada julgaria sobre a importáncia aparen
te. Nesse momento, através dessas páginas sobre o pai, o
leitor será convidado a este encontro.
Junho 1990
* Micromegás é o título de urna cole^ao da Editora Desetée de Brouwer, a qual se
encarregou da publicado deste livro na língua francesa.
N.T.: O tradutor agradece á colaborado espontánea de Sérgio Sklar pela sua prontidao,
na elucidado de termos latinos desta obra.
Sumário
Apresentagao ...................................................................................... 01
Carlos Eduardo Leal
1 - Um triplo declínio....................................................................... 35
2 - Urna tríplice dimensao.............................................................. 49
3 - Um triplo discurso .................................................................... 67
3.1 - Dizer o bem....................................................................... 69
3.2 - Dizer a lei ........................................................................ 73
3.3 - Um bem-dizer.................................................................. 83
4 - Urna aiteridade irredutível ..................................................... 89
Conclusao............................................................................................... 99
A arca dos homens ...........................................................................103
Carlos Eduardo Leal
O MANTO DE NOÉ
Ensaio Sobre a Paternidade