Table Of ContentGaston Leroux
O FANTASMA DA ÓPERA
edição comentada
Apresentação:
Rodrigo Casarin
Tradução e notas:
André Telles
SUMÁRIO
Apresentação: Registros do subterrâneo, por Rodrigo Casarin
Prólogo: Em que o autor desta obra singular revela ao leitor como
se convenceu de que o Fantasma da Ópera existiu de verdade
1. Será um fantasma?
2. A nova Margarida
3. Quando, pela primeira vez e sigilosamente, os srs. Debienne e
Poligny  revelam  aos  novos  diretores  da  Ópera,  os  srs.  Armand
Moncharmin e Firmin Richard, a verdadeira e misteriosa razão de
sua saída da Academia Nacional de Música
4. O camarote nº5
5. O camarote nº5 (Continuação)
6. O violino encantado
7. Uma visita ao camarote nº5
8. No qual os srs. Firmin Richard e Armand Moncharmin têm a
audácia de apresentar Fausto numa sala “amaldiçoada”, e o terrível
episódio daí resultante
9. O misterioso cupê
10. No baile de máscaras
11. É preciso esquecer o nome da “voz de homem”
12. Acima dos alçapões
13. A lira de Apolo
14. Um golpe de mestre do mago dos alçapões
15. Singular atitude de um alfinete de fralda
16. “Christine! Christine!”
17.  Espantosas  revelações  de  Mame  Giry,  concernentes  às  suas
relações pessoais com o Fantasma da Ópera
18. Singular atitude de um alfinete de fralda (Continuação)
19. O comissário de polícia, o visconde e o Persa
20. O visconde e o Persa
21. Nos porões da Ópera
22. Interessantes e instrutivas tribulações de um persa nos porões da
Ópera
23. No quarto dos suplícios
24. Começam os suplícios
25. “Barris! Barris! Alguém tem barris para vender?”
26. O que girar: o escorpião ou o gafanhoto?
27. O fim dos amores do Fantasma
Epílogo
Cronologia: Vida e obra de Gaston Leroux
Apresentação
REGISTROS DO SUBTERRÂNEO
SE  TODA  BOA  HISTÓRIA  conta,  na  verdade,  ao  menos  duas  histórias,  a
máxima também vale para os cantos fascinantes da Terra. As cidades
mais  interessantes  do  mundo  são  aquelas  que  carregam  consigo  não
apenas uma, mas diversas boas histórias pelas suas ruas, monumentos e
cantos obscuros. É o que acontece com Paris.
Começando  pela  deslumbrante  Paris  dos  cartões-postais.  A  torre
Eiffel é um ponto de partida óbvio para depois seguirmos pela orla do
Sena, passarmos pela linda (ou cafona, a depender do seu gosto) ponte
Alexandre  III  e  chegarmos  ao  Museu  d’Orsay,  onde  estão  obras  de
artistas como Van Gogh, Cézanne, Degas, Delacroix, Gauguin, Matisse
e Manet – mas, acredite, o prédio por si só, antigamente uma estação
ferroviária, já vale a visita.
A Shakespeare and Company é parada obrigatória para quem ama
livros. A Île de la Cité, para conhecer a famosa catedral de Notre-Dame,
que serviu de cenário para a história do corcunda. Já do outro lado do
rio, o Louvre e o belo jardim das Tulherias. Um metrô – e uma boa
disposição para subir escadas e vielas inclinadas – leva até o bairro de
Montmartre,  onde  está  a  basílica  de  Sacré-Coeur,  outro  ponto  que
costuma  arrancar  suspiros  de  turistas.  Morro  abaixo,  uma  passada
rápida no Moulin Rouge, o cabaré mais famoso do mundo, e a esticada
final  até  a  Ópera  Nacional  de  Paris,  sediada  no  imponente  palácio
Garnier.
Antes de ir para o atual endereço, a Ópera de Paris ficava na rua le
Peletier, a cerca de dez quadras no sentido nordeste. Em 14 de janeiro
de 1858, um crime forçou a mudança. Napoleão III chegava à Ópera
em  sua  carruagem  quando  foi  atacado  por  anarquistas  italianos.  O
imperador escapou com vida, mas as bombas detonadas mataram oito e
feriram quase quinhentas pessoas. No dia seguinte, Napoleão decidiu
que a Ópera deveria ser abrigada num lugar mas seguro.
Esse lugar só ficaria pronto quase dezessete anos depois do atentado.
O  palácio  Garnier  –  que  leva  o  nome  do  arquiteto  que  o  projetou,
impressionando a todos ao propor uma construção para mais de dois
mil espectadores – foi inaugurado no dia 5 de janeiro de 1875. Não
bastasse ser uma das casas de espetáculo mais importantes do mundo, o
palácio  também  foi  transformado  no  cenário  daquela  que  é
provavelmente a mais emblemática história sobre a própria arte teatral
e musical: O Fantasma da Ópera, do francês Gaston Leroux.
GASTON LOUIS ALFRED LEROUX nasceu no dia 6 de maio de 1868, em
Paris. Filho de Dominique Alfred Leroux, empreiteiro que atuava no
ramo de obras públicas, e Marie Bidault, filha de um oficial de justiça,
foi o primeiro dos três rebentos do casal. Passou boa parte da infância
em  Sena  Marítimo,  departamento  francês  da  região  da  Alta
Normandia, mas foi em Caen, outra cidade da região, que se formou
bacharel em Artes, em 1886, ano em que retornou a Paris, matriculou-
se na faculdade de Direito e passou a escrever para jornais da capital.
Apesar de se tornar advogado em janeiro de 1890, Leroux dedicou
poucos  anos  à  profissão.  Preferiu  aliar  o  conhecimento  do  mundo
jurídico  com  a  sua  verve  jornalística,  transformando-se  em  um  dos
principais  colaboradores  de  jornais  franceses  para  a  cobertura  de
grandes  crimes.  Dessa  forma,  assinou  reportagens  sobre  atentados
diversos, como um ataque com bomba à Câmara dos Deputados e o
assassinato  do  então  presidente  Sadi  Carnot,  em  Lyon,  em  1894.
Escrevendo  para  o  Le  Matin,  um  dos  maiores  veículos  franceses  da
época,  seu  prestígio  cresceu  a  ponto  de  ser  um  dos  jornalistas  que
acompanharam  Felix  Faure,  o  novo  presidente,  em  viagem  feita  à
Rússia em agosto de 1897, pouco depois de Leroux completar 29 anos.
Como repórter, impressionou leitores com a reconstrução de cenas
de guerra, fincou sua posição contra a pena de morte após presenciar a
decapitação de diversos criminosos, cujos julgamentos acompanhou, e
foi  nomeado  cavaleiro  da  Legião  de  Honra  por  conta  dos  serviços
prestados a jornais como o Lutèce, o Paris e o L’Echo de Paris, além do Le
Matin. Ainda escreveu relatos de viagens a países como Itália, Rússia
(viveu  em  São  Petersburgo  enquanto  cobria  o  processo  que  levou  à
queda dos czares), Marrocos e Suíça.
Apesar do sucesso como jornalista, é graças ao trabalho como artista
que o nome de Gaston Leroux se mantém vivo. Em 1903, começou a
publicar no Le Matin o Le chercheur de trésors (La Double Vie de Téophraste
Longuet), primeiro dos quinze romances seriados que escreveu para o
periódico. Em 1907, terminou sua primeira peça de teatro, La maison
des juges, e iniciou a publicação de O mistério do quarto amarelo, outro
romance seriado, o primeiro a fazer grande sucesso, que viraria livro já
no ano seguinte (pela editora Pierre Lafitte, casa de outros 25 títulos de
Gaston)  e  no  qual  apresenta  Joseph  Rouletabille,  jornalista  e
investigador, um de seus personagens mais famosos.
Gaston  Leroux  lançou  dezenas  de  livros  –  inclusive  um  pela
Gallimard, editora das mais reverenciadas em todo o mundo –, viu sua
obra começar a ser adaptada para o cinema (a primeira adaptação foi
assinada pelo diretor Victorin Jasset, que transformou em filme o livro
Balaoo), escreveu roteiros e emplacou ao menos uma peça de grande
sucesso: L’Homme qui a vu le diable, que estreou em 1911. Influenciado
por  nomes  como  Edgar  Allan  Poe  e  Arthur  Conan  Doyle,  defendia
firmemente a literatura policial, enquanto via sua obra ser comparada a
clássicos como 20 mil léguas submarinas, de Jules Verne, por conta do
apuro técnico apresentado em seus enredos. Parece não haver espaço
para magia ou milagres na literatura de Leroux, traço também presente
em O Fantasma da Ópera, seu maior trabalho.
Leroux  casou-se  duas  vezes:  com  Marie  Lefranc,  em  1899,  e  com
Jeanne Cayatte, a quem conheceu e com quem começou a se relacionar
em 1902, durante sua temporada suíça como repórter. Gaston e Jeanne
viveriam  em  concubinato  durante  quinze  anos  –  dado  que  Marie
recusava-se a assinar a papelada do divórcio de um amor que durou tão
pouco – e só conseguiriam oficializar sua união em 1917, quando já
tinham dois filhos. Gaston Leroux morreu em Nice, onde vivia desde
1909, no dia 15 de abril de 1927.
O Fantasma da Ópera foi publicado primeiramente de forma seriada, no
jornal Le Gaulois, entre setembro de 1909 e janeiro de 1910, e neste
mesmo ano reunido em livro pela Lafitte. O romance apresenta um
triângulo amoroso que envolve Christine Daaé e Raoul, dois amigos de
infância  distanciados  pelo  tempo,  e  Erik.  Christine  é  uma  órfã  que
cresceu acolhida por funcionários da Ópera de Paris, onde aprendeu a
cantar magnificamente, graças à ajuda de uma voz misteriosa, talvez
um  anjo,  que  sussurrava  segredos  e  belas  melodias  em  seu  ouvido.
Raoul, agraciado com o título de visconde de Chagny, fez carreira na
Marinha e encontra-se num período de licença em Paris, e uma noite
ouve Christine cantar, o que reaviva o amor que sentia pela moça na
infância.
Erik, de sua parte, é um apaixonado por música que, devido a um
segredo,  vive  nos  bastidores  da  Ópera  de  Paris,  conhecendo  cada
corredor, cada porta, cada passagem e cada um dos muitos mistérios
que  se  escondem  atrás  ou  abaixo  do  palco  onde  as  apresentações
acontecem. Enigmático, poucos sabem de sua existência e, quando o
mencionam, normalmente são desacreditados. Os rumores aumentam
quando  Erik  escreve  uma  carta  ameaçadora,  com  algumas
reivindicações para a nova diretoria: assegurar que o camarote nº5 seja
destinado  ao  Fantasma  da  Ópera  (que  assina  a  carta)  e  receber  um
pagamento mensal, através de terceiros. Haveria um espírito afeito a
coações escondido na principal casa de ópera de Paris?
A mensagem exige ainda que na apresentação de Fausto, marcada
para dali a alguns dias, Margarida, a musa de Fausto, seja interpretada
por Christine Daaé, e não pela principal soprano do elenco, a Carlotta.
Erik  quer  apreciar  a  bela  voz  que  tanto  admira  e  aquilo  que,
justamente,  fizera  com  que  ele  se  apaixonasse  por  ela:  o  canto  de
Christine era tão belo quanto sua alma, o que não poderia ser dito da
titular.
Sem que os gestores dessem bola para as ameaças, é a Carlotta quem
sobe ao palco para protagonizar Fausto. Grande erro. Sua apresentação
é um inaudito e fantástico fiasco, e a noite culmina em tragédia fatal
quando o imenso lustre do teatro desaba sobre uma plateia lotada com
as pessoas mais importantes de Paris.
No livro, o narrador de Leroux se mostra preocupado em, tal qual
um jornalista, contar a história de forma objetiva, apostando até em
esmiuçar pormenores em notas próprias de rodapé (recurso literário
que, por volta de um século mais tarde, seria recuperado e radicalizado
por autores como David Foster Wallace). A ideia é fazer com que o
leitor acredite que tudo o que está no papel realmente aconteceu – e há
certo  êxito  nesse  sentido,  afinal  até  hoje  circulam  lendas  sobre
fantasmas que habitariam o Garnier. “O Fantasma da Ópera existiu”,
crava o narrador na primeiríssima linha do romance.
Ajudam a dar uma tessitura mais complexa à história as diversas
conexões  que  existem  entre  o  texto  e  episódios  factuais,  o  que
transforma numa característica bastante interessante o desafio de saber
onde terminam dados concretos e começa a ficção. No prólogo, por
exemplo,  o  narrador  menciona  que  um  corpo  tinha  sido  achado  no
subterrâneo  da  ópera  enquanto  discos  com  gravações  de  grandes
cantores estavam sendo ali enterrados. O corpo nunca existiu, mas os
áudios,  sim:  foram  lacrados  e  “guardados”  em  1907  para  serem
reabertos em 2007, dando origem ao álbum Les Urnes de l’Opera.
A  cena  do  lustre  caindo  e  matando  uma  pessoa  durante  a
apresentação também é fato, infelizmente. Em 1896, 21 anos depois de
o  Garnier  ter  sido  inaugurado,  o  imenso  candelabro  principal  se
desprendeu  e  levou  à  tragédia.  O  problema  estrutural  ocorreu  no
contrapeso; há quem desconfie de uma criminosa sabotagem. Na ficção,
Erik, o Fantasma, aproveita o momento de caos provocado pela queda
do lustre para raptar Christine e impedir que ela viva um amor com
Raoul. É aí que chegamos a outra Paris, uma bem diferente daquela dos
cartões-postais.
HÁ UMA PARIS SUBTERRÂNEA que passa longe da atenção de muitos que
visitam a capital francesa – muitos que olham apenas para cima, para o
topo da torre, para o alto da Sacré-Coeur, dificilmente se interessariam
por  vasculhar  o  que  está  abaixo  de  seus  pés.  O  passeio  por  essas
catacumbas,  muitas  vezes  feito  de  maneira  clandestina,  atrai  outros
tantos  visitantes,  curiosos  por  entender  a  Cidade  Luz  por  meio  dos
vestígios ocultos de seu passado. Sob as ruas parisienses há centenas de
quilômetros  de  túneis  construídos  por  mineradores  que  exploravam
pedreiras  da  região,  ossuários  improvisados  após  a  superlotação  de