Table Of ContentO coronelismo
uma política de compromissos
Maria de Lourdes Monaco Janotti
2a edição
Copyright © M. de Lourdes Monaco Janotti
Capa:
■ 127 (antigo 27)
Artistas Gráficos
Foto de capa:
Carlos Amaro
Caricaturas:
Emílio Damiani
Revisão:
José E. Andrade
k.
-D
editora brasiliense s.a.
01042 — rua barão de itapetininga, 93
são paulo - brasil
ÍNDICE
Introdução .................................................... 7
Homem de valor, homem de posição: compromis
sos com as origens ................................................ 14
Subordinação do domínio: compromissos com a
república .............................................................. 28
Bênção, padrinho: compromissos sociais .......... 41
Janus rural: compromissos com o passado e com
o futuro .................................................................. 67
Considerações finais ............................................ 83
Indicações para leitura ........................................ 86
it
INTRODUÇÃO
De forma genérica, entende-se por coronelismo
o poder exercido por chefes políticos sobre parcela ou
parcelas do eleitorado, objetivando a escolha de can
didatos por eles indicados.
O Coronel é sempre alguém de reconhecida au
toridade e prestígio que possui, potencialmente, pos
sibilidades de atender às demandas de sua clientela,
sejam elas públicas ou privadas.
A maioria dos autores associa o crescimento do
poder coronelístico à força eleitoral que os coronéis
desempenharam na República. O auge de sua in
fluência coincide com o período que se estende da
Presidência de Campos Salles às vésperas da revolu
ção de 30. Logo após, entra em franca decadência,
restringindo-se às áreas economicamente inexpres
sivas.
Entretanto, as raízes do coronelismo já estavam
sedimentadas no Império e, com a República, o Co
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ronel apenas amplia o seu papel dentro da nova
estrutura política. Somente com o desenvolvimento
da urbanização e da industrialização, o poder coro-
nelístico entra em declínio, isto por volta dos anos 40,
sem contudo poder-se falar em seu desaparecimento.
O estudo do coronelismo não envolve unica
mente aspectos políticos da dominação de classes,
mas abrange inúmeras implicações ao longo processo
histórico no qual se forma a sociedade brasileira.
Com muita propriedade, Maria Isaura Pereira
de Queiroz, em seu trabalho O Coronelismo numa
Interpretação Sociológica, afirma: “... o aspecto
político é o que mais chama atenção, ao atentarmos
para as facetas que compõem a figura do Coronel;
não é porém o único e sim um entre muitos. Consi
derá-lo apenas sob este aspecto é mutilar um con
junto complexo, empobrecendo-o../’
Ê comum, nos meios de comunicação, apresen
tar o Coronel como um fazendeiro rústico, autori
tário, brutal, ignorante, dispondo da vida dos demais
habitantes do lugarejo em que reside. Este é um este
reótipo que vem sendo consagrado e, comumente,
ridicularizado. Mas todo estereótipo é restritivo, em-
pobrecedor, embora contenha um fundo de verdade.
Ao retratar a figura do Coronel, a literatura
oferece ao historiador enorme contribuição, explo
rando o tema com riqueza de nuanças regionais.
Nesse sentido, José Cândido de Carvalho, em seu
livro O Coronel e o Lobisomem, mostra o Coronel
desmoralizado, sem nenhum poder, vivendo da fama
de seus antepassados, ao criar a cômica figura de
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Ponciano de Azeredo Furtado. Fazendeiro em Sobra-
dinho, no Estado do Rio, orgulha-se este de sua pa
tente de Coronel, considerando-se homem de armas,
sem nunca haver lutado. Ambicionando ser esti
mado, envolve-se na cidade de Campos com toda
sorte de aproveitadores, que despojam-no de sua for
tuna. Diante da realidade que vive, transforma-se em
um D. Quixote rural. Ilude-se com seus “feitos*’,
fantasiando suas humilhações em sucessos. Apesar
de ter sido literalmente escorraçado de um escritório
de advocacia, ainda afirma: “Diante do meu charuto
muito doutor de lei ficou menor do que um anão de
circo de cavalinho...”
Seria o Coronel um tipo social vivo apenas na
memória popular? Sua força política teria se eviden
ciado unicamente no passado, num Brasil retrógrado
e arcaico? Pretende-se responder a estas questões,
bem como, ao rastrear as origens e a evolução do
‘coronelismo, apontar o seu papel na política de
dominação, juridicamente estruturada pelo Estado
brasileiro.
Os coronéis podem ser vistos como represen
tantes da oligarquia agrícola-mercantil que controla
o poder público e orienta suas decisões no sentido de
afastar as demais classes do poder e de manter seus
privilégios.
Mas é bom que se diga que, embora o Estado
sempre represente os interesses dos grupos econômi
cos mais poderosos, é um raciocínio simplista admi
tir que todos os atos das esferas do poder atendam
solicitações comuns a todos os membros desses gru-
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pos.
O grupo dirigente que define a política gover
namental constitui a burocracia do Estado. Saído
das classes dominantes, movimenta-se num espaço
livre que só ele conhece, por ser o único manipulador
de mecanismos jurídicos específicos, que acionam o
exercício da administração. Por esta razão, apesar de
alguns coronéis terem conseguido reconhecimento
nacional de seu prestígio, como Pinheiro Machado, a
maioria restringe seu raio de ação à política local,
sem acesso às esferas decisórias.
Além disso, é ilusória e limitada também a
capacidade de decisão da burocracia do Estado, na
medida em que, como muito bem interpreta o histo
riador Caio Prado Júnior, o Brasil, fornecedor de
matérias-primas, vinculado à economia de exporta
ção, sempre dependeu da política dos grandes cen
tros capitalistas.
Durante a vigência do sistema colonial, a depen
dência de Portugal em relação à Inglaterra foi funda
mental para o encaminhamento das decisões polí
ticas que se aplicaram no Brasil. O predomínio inglês
continuou, apesar da Independência, por todo o Im
pério, mantendo-se inalterável o caráter básico da
economia monocultora-escravista-exportadora. Ape
sar das modificações introduzidas pelo trabalho livre,
pela Abolição e pela República, os vínculos de de
pendência não se romperam. Acentuaram-se e diver-
sificaram-se, em direta relação com o capitalismo
financeiro e monopolista, com preponderante influ
ência norte-americana.
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Por mais poderosa que seja a ação das classes
dominantes, suas aspirações e projetos submetem-se,
em grande parte, a um mecanismo econômico não
controlado por elas próprias. Subjugam os que lhe
estão próximos, mas não conseguem desenvolver um
projeto político nacional.
A situação de dependência se reproduz na socie
dade civil de perfil paternalista e na acentuada dife
rença econômica entre as classes sociais. A domina
ção é exercida através de um encadeamento hierár
quico rígido, no qual o Coronel representa o poder
local, imediatamente superior ao do pai de família.
O papel do Coronel só é compreensível quando
í; se distinguem as bases econômico-sociais que lhe
Í conferem autoridade, quando se precisa a posição
/ que ocupa na hierarquia política e quando se expli-
/ cita a função que exerce dentro das classes proprie-
‘ tárias.
Várias razões justificam o título deste trabalho,
O Coronelismo: uma Política de Compromisso. O
j coronelismo se expressa num encadeamento rígido
Ide tráfico de influências. Sua prática política está
muito bem estruturada num sistema eleitoral, onde é
possível reconhecer todos os seus passos, localizando-
' os no tempo e no espaço. Forma-se uma pirâmide de
compromissos recíprocos entre o eleitorado, o Coro-
! nel, o poder municipal, o poder estadual e o poder
* federal.
No primeiro capítulo, procura-se detectar o
compromisso que o coronelismo tem com suas ori
gens. Estas são identificadas no processo de forma