O Caso Yassin Abdullah Kadi, terrorismo, direitos humanos e a dificuldade de implementação das ...

17 Pages·2013·0.13 MB·Portuguese

by  Isabel Valente

DEBATER A EUROPA
Periódico do CIEDA e do CEIS20 , em parceria com GPE e a RCE.
N.9 julho/dezembro 2013 – Semestral
ISSN 1647-6336
Disponível em: http://www.europe-direct-aveiro.aeva.eu/debatereuropa/

O Caso Yassin Abdullah Kadi, terrorismo,
direitos humanos e a dificuldade de implementação
das Resoluções do Conselho de Segurança da ONU
no sistema jurídico europeu

Lucília Napoleão Barros
Bolseira de Doutoramento FCT-FDUC1
E-mail: [email protected]

Resumo

A frequente ocorrência de ataques terroristas a partir do século XIX desencadeou uma
cooperação internacional direcionada ao seu combate e ao restabelecimento de condições
estáveis de paz e segurança global. O Caso Yassin Abdullah Kadi v Council of the
European Union and Commission of the European Communities levanta questões
altamente complexas no que tange à relação entre o direito internacional e o sistema
jurídico europeu, à subordinação ou não das Resoluções do Conselho de Segurança da
ONU aos direitos humanos e à competência para a implementação e controle judicial das
medidas de repressão ao terrorismo determinadas por estas Resoluções.
Palavras-chave: Terrorismo; Direitos Humanos; Resoluções do Conselho de Segurança;
União Europeia; Controle de Legalidade

1 Bolseira de Doutoramento FCT no âmbito do QREN - POPH - Tipologia 4.1 - Formação Avançada,
comparticipado pelo Fundo Social Europeu e por fundos nacionais do Ministério da Educação e Ciência de
Portugal. Referência: SFRH / BD / 64459 / 2009.

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Abstract

The frequent occurrence of terrorist attacks starting in the nineteenth century triggered a
international cooperation targeted to combat desertification and restoration of stable
conditions for peace and global security. The Case Yassin Abdullah Kadi v Council of
the European Union and Commission of the European Communities raises highly
complex issues regarding the relationship between international law and European legal
system, to the subordination or not of the resolutions of the Security Council of the UN
to the human rights and to the competence to implement and control judicial measures
to suppress terrorism determined by these resolutions.
Keywords: Terrorism; Human Rights; Resolutions of the Security Council; European
Union; Control of Legality

1. Introdução

Com o fim da guerra fria, fez-se necessária uma reestruturação da conjuntura
internacional, inclusive da noção de paz e segurança. Neste contexto, o terrorismo
emergiu como a maior ameaça de nossos tempos. Trata-se de um risco imenso à paz,
segurança e integridade da sociedade internacional, que repercute diretamente na atuação
do Conselho de Segurança (CS) das Nações Unidas (ONU).2
Assim sendo, é altamente compreensível que, após a tragédia provocada pelos
ataques terroristas de 11 de Setembro de 2001, contra os Estados Unidos, o mundo volte
sua atenção para a ameaça que o terrorismo internacional representa hoje.
Inevitavelmente, portanto, o CS passou a exercer papel exponencial na luta contra o
terrorismo. 3
O presente estudo pretende, a partir de uma abordagem panorâmica da atuação
do Conselho de Segurança no combate ao terrorismo, ressaltar a importância de se

2 Sobre a atuação do Conselho de Segurança, Andrea Bianchi destaca “Whereas previously international
terrorism was not characterized as such, starting from Res. 731 (1992) condemning the bombing of Pan Am
flight 103, the SC inaugurated the practice of qualifying acts of international terrorism as threats to
international peace and security. This characterization was reiterated at the occasion of the attempt on the
life of the President of Egypt in 1995 [SC Res. 1054 (1996)], the attacks against the US embassies in Kenya
and Tanzania [SC Res. 1189 (1996)] as well as the adoption of sanctions against the Taliban regime [SC
Res. 1267 (1999)].”(Notas suprimidas.). BIANCHI, Andrea, Security Council's Anti-terror Resolutions and
their Implementation by Member States, Journal of International Criminal Justice, n. 45, Oxford, 2006,
pp.1044ss.
3 BIANCHI, Security Council's…, p. 1044ss.
158
compatibilizar a implementação de suas Resoluções no sistema jurídico interno dos
Estados-Membros, com as normas internacionais de proteção dos Direitos Humanos.
Sobre esse ponto, Carrillo Salcedo salienta que a soberania dos Estados e os
direitos humanos constituem dois princípios de Direito Internacional contemporâneo que
coexistem e se inter-relacionam, gerando uma tensão dialética cuja consideração se torna
indispensável à compreensão da complexidade e das contradições intrínsecas ao Direito
Internacional dos Direitos Humanos4
A tendência atual, segundo observa Jónatas Machado, é que o Direito
Internacional passe a regular cada vez mais, questões referentes ao que se denominava por
“domestic affairs”, o que vem salientando a necessidade de se estabelecer maior coerência
normativa entre os ordenamentos interno e internacional.5
Neste intuito, apresentamos o caso Yassin Abdullah Kadi v Council of the
European Union and Commission of the European Communities como exemplo de
violação de alguns destes direitos, nomeadamente, o direito a um julgamento justo, o
direito à propriedade, o direito a ver respeitado o princípio da proporcionalidade e por
fim, o direito a uma revisão jurisdicional efetiva. Conforme veremos adiante, o caso Kadi
levanta outras questões igualmente relevantes como a relação entre o direito internacional
e o sistema jurídico Europeu, e a competência para a implementação e exercício do
controle judicial das Resoluções do Conselho de Segurança.
2. Definindo terrorismo

O terrorismo não constitui uma prática nova, recém surgida na esfera das
relações internacionais. Trata-se de um fenômeno que já vem se manifestando há muitos
anos. Entretanto, o impacto de seus efeitos bem como a frequência com que os ataques
terroristas vêm se verificando a partir do século XIX, têm abalado a humanidade de tal
modo que desencadeou uma cooperação internacional direcionada ao seu combate e ao
restabelecimento de condições estáveis de paz e segurança global.6
Alguns afirmam que a primeira iniciativa nesse sentido foi desempenhada pela

4 CARRILLO-SALCEDO, Juan-Antonio. Soberanía de los Estados y Derechos Humanos en Derecho
Internacional Contemporâneo. Tecnos, Madrid:1995. p. 131.
5 MACHADO, Jònatas E.M. Direito Internacional. Do paradigma clássico ao pós-11 de
setembro.2.ed.Coimbra: Coimbra, 2004, pp. 122-123.
6 SYMONIDES, Janusz, Terrorismo, Crime Organizado e Corrupção: Ameaças aos Direitos Humanos, à
Democracia e à Paz. In.: Direitos Humanos: novas dimensões e desafios, org., Janusz Symonides, Brasília:
UNESCO Brasil, Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2003, p. 40 ss.
159
Liga das Nações, com a adoção de uma convenção visando à punição e prevenção do
terrorismo. Embora não tenha entrado em vigor, representou um avanço importante no
âmbito da luta contra o terrorismo, ao qualificá-lo como crime internacional.7
Após o fim da Segunda Guerra Mundial, a Assembléia Geral da ONU,
demonstrando sua preocupação com a questão do terrorismo, incluiu-a em sua 27ª
agenda, no ano de 1972.8Desde então, conforme veremos adiante, as Nações Unidas,
mediante atuação do Conselho de Segurança, emitiram uma série de resoluções visando à
prevenção e repressão de atividades terroristas.
Uma questão intrigante consiste no fato de até o presente momento não haver
ainda um consenso quanto à definição de terrorismo. 9 Tornou-se um lugar-comum alegar
a coexistência de inúmeras definições destinadas à caracterização da prática terrorista.10 A
ausência de uma definição mais precisa do que seja terrorismo, constitui um obstáculo
considerável à cooperação internacional destinada a sua prevenção e punição.11 Importa
ressaltar que o alcance estabelecido pela definição do que seja terrorismo, implica
diretamente na estruturação das estratégias a serem aplicadas no seu combate.12
Entretanto, desde o incidente de 11 de setembro de 2001, a comunidade
internacional tornou-se um tanto indiferente aos abusos consequentes de uma
classificação mais alargada do terrorismo.13 Esta indiferença tem repercutido
drasticamente no tratamento que vem sendo aplicado aos indivíduos e grupos rotulados
como terroristas. 14

7 SYMONIDES, Terrorismo, Crime Organizado…, pp. 40 ss.
8 Foi, então, criado um Comitê ad hoc, cujo relatório fora examinado posteriormente pela AG em sua 34ª
sessão. Em 1979, através da Resolução nº 34/145, de 17 de dezembro de 1979, a AG condenou todos os
atos de terrorismo internacional que ameaçavam ou tiravam vidas humanas ou, ainda, comprometiam as
liberdades fundamentais. SYMONIDES, Terrorismo, Crime Organizado…, pp. 40 ss.
9 “Authors unanimously concede that there is no commonly agreed upon definition, athought there is
widespread agreement that the concept carries with it a pejorative and subjective connotation.” QUÉNIVET,
Noëlle, The World after September 11: Has it Really Changed? European Journal of International Law, n.3,
vol.16, 2005, pp. 561-577.
10 JACKSON Richard, An Argument for Terrorism. In: Perspectives on Terrorism: a Journal of the
Terrorism Research Initiative, Volume II, Issue 2, 2008, p. 25.
11 BIANCHI, Security Council's…, pp.1044ss.
12 the significance and consequences of the definitional debate go far beyond such narrow academic
confines, important as they are to the field. Rather, the issue of definition is central to the way in which the
Global War on Terror is prosecuted by the authorities both domestically and overseas. JACKSON, An
Argument for Terrorism…, p. 25.
13 BIANCHI, Security Council's…, pp.1044ss.
14 Nesse sentido Richard Jackson assevera que: “ the definition of terrorism has important implications for
the way knowledge and commonsense about the subject is constructed and reproduced socially.
Furthermore, it has substantial indirect consequences for individuals and groups labelled as terrorists – who
may then be legally subject to torture, rendition and internment without trial – and for the “suspect
communities” they belong to.”
JACKSON, An Argument for Terrorism…, p. 25.
160
Apesar de uma série de obstáculos políticos e ontológicos à definição de
terrorismo, Richard Jackson defende a possibilidade de se chegar a um consenso a cerca
de um conjunto claro de critérios para distinguir e conceitualizar o terrorismo como uma
inigualável forma de violência política.15
3. A atuação do Conselho de Segurança da ONU no âmbito da repressão ao
terrorismo

No quadro das Nações Unidas o Conselho de Segurança destaca-se como o
órgão primariamente incumbido de zelar pela manutenção da paz e segurança mundial.
Tem desempenhado, nesse intuito, papel fundamental no combate ao terrorismo. No
exercício de sua função, mediante a emissão de uma série de resoluções vem construindo
um abrangente sistema de prevenção e repressão ao terrorismo e atividades relacionadas
ao mesmo.
Neste contexto, e, verificada a ausência de qualquer mecanismo direcionado a
este fim, o CS, fundamentado nos poderes que lhe foram outorgados pelo Cap. VII da
Carta da ONU, auto elegeu-se principal órgão internacional responsável pelo combate ao
terrorismo.16 A partir de então, passou a atuar como legislador mundial. Vem
estabelecendo um leque de medidas destinadas ao cumprimento obrigatório pelos Estados
e, determinando, inclusive, a forma como os mesmos deverão implementá-las, a fim de
que a repressão ao terrorismo se mostre verdadeiramente efetiva.17

15 Segundo o autor, “[a]n examination of broader terrorism studies literature suggests four main approaches
and practices towards the definition and conceptualisation of terrorism. Arguably the most frequent
practice—particularly amongst scholars who are newly arrived to the subject—is to simply use the term
without defining it, on the misguided assumption that it is widely understood and accepted.Such an approach
is problematic for a number of very obvious reasons, not least because terrorism is a highly emotive and
divisive concept which different scholars and societies have often understood in very different ways...A
second approach, confined mainly to political leaders and security officials, but also to a surprising number
of researchers and media pundits, is to define terrorism as an ideology or movement. Although groups
specializing solely in terror do sometimes form, they are extremely rare and typically remain highly unstable
and ephemeral. There are very few such groups operating today. In reality, most terrorism occurs in the
context of wider political struggles in which the use of terror is one strategy among other more routine forms
of contentious action...Third, it is not uncommon to see researchers adopt an actor-based definition in the
literature, whereby terrorism is defined as a particular form of political violence committed by non-state
actors who attack civilians. From this perspective, definitions of terrorism hinge on questions of legitimacy
and sovereignty and the nature of the actor who employs the violence... actor-based approaches to the
definition of terrorism are both analytically untenable and politically suspect.Lastly, and most commonly
among the leading scholars in the field, terrorism is defined as a violent strategy or tactic that actors employ
in pursuit of particular political goals. That is, terrorism is defined and understood by the nature and
characteristics of the act itself, rather than the nature of actor, and is conceived as a particular kind of
political action directed towards certain strategic goals rather than as a broad ideology or movement.
JACKSON, An Argument for Terrorism…, pp. 25-26.
16 Confira os artigos 25, 29, 41 e 42 da Carta da ONU.
17 BIANCHI, Security Council's…, pp.1044ss.
161
Embora reconheçamos a relevância, assim como a necessidade de uma atuação
consistente do CS no que tange à manutenção da paz e segurança mundial, o que implica
consequentemente na elaboração de estratégias de combate à atividade terrorista,
compartilhamos do entendimento exteriorizado por Andrea Bianchi, quando assevera que
sob vários aspectos o CS tem atuado mais como “governo mundial” do que propriamente
como defensor da paz.18
Por meio da Resolução 1267 de 1999, estabeleceu-se um regime sancionatório
no qual destaca-se a imposição de congelamento de todas as fontes econômicas destinadas
ao Talibã. Através do artigo 6º desta resolução, foi determinada a criação do “Comitê
1267”, incumbido, tanto de elaborar uma lista de indivíduos e entidades suspeitos de
envolvimento em atividade terrorista – aos quais referidas sanções se destinam, quanto de
monitorar o processo de implementação da referida resolução pelos Estados-Membros em
seus respectivos ordenamentos internos.19
A resolução 1267 determinou que a atuação Talibã em território Afegão
representa ameaça à paz e à segurança mundial, uma vez que a mesma tem se
caracterizado pelo oferecimento de refúgio e treinamento a terroristas internacionais e
suas respectivas organizações bem como, pela recusa a entregar aos cuidados da justiça
indivíduos que tenham sido acusados de terrorismo.20
No decorrer dos anos que se seguiram, o CS veio aperfeiçoando seu sistema de
combate ao terrorismo. Em 2000, através da Resolução 1333, o CS expandiu o alcance de
suas sanções a fim de englobar Osama bin Laden, Al-Qaeda e seus seguidores. A mesma
Resolução constituiu um comitê de “experts” destinado a análise das implicações de
cunho humanitário oriundas de suas medidas sancionatórias.21

18 Nesse sentido são as palavras do autor: “In many ways, the SC hás acted, arguably for the first time, as a
world government, rather than as peace enforcer.” BIANCHI, Security Council's…, pp.1044ss.; Francisca
Saraiva ressalta a necessidade de se discutir a atividade normativa do Conselho de Segurança. A autora
argumenta que “[u]m órgão sem capacidade de actuação deveria, em princípio, tentar afastar-se dos
principais problemas de segurança internacional. Paradoxalmente, num momento em que a sua autoridade
normativa é particularmente contestada, o Conselho recorre muitas vezes à prerrogativa constitucional que
lhe permite decidir e falar em nome de todos os outros membros da organização. SARAIVA, Francisca
Conselho de Segurança das Nações Unidas Modelos de Reforma Institucional, Cadernos do IDN - Instituto
de Defesa Nacional - nº 5,2008.p.8.
19 BIANCHI, Security Council's…, pp.1044ss.; HUDSON, Andrew. Not a Great Asset: The UN Security
Council's Counter-Terrorism Regime: Violating Human Rights, Berkeley Journal of International Law, n. 25
University of California: Berkeley, 2007, pp. 203ss. O “Comitê 1267” também é dotado de competência
para conhecer das solicitações de exclusão de nomes da lista, assim como também é o responsável pela
condução do processo de retirada dos mesmos quando for o caso. Para um estudo mais aprofundado
confira: RESOLUTION 1267 (1999).
20 HUDSON, Not a Great Asset…, pp. 203ss.
21 BIANCHI, Security Council's…, pp.1044ss.
162
Em 2001, com a elaboração da Resolução 1363, foi criado um grupo de
monitoramento para supervisionar o processo de implementação das medidas
determinadas pelo CS, bem como a implantação de um “Sanctions Enforcement Suport
Team” em cada Estado que faz fronteira com o Afeganistão.
Além das anteriormente mencionadas, foram elaboradas muitas outras
resoluções para servir ao mesmo propósito. Dentre elas, podemos citar as Resoluções
1390, 1455, 1526 e 1617. De modo geral pode-se afirmar que todas elas determinam aos
Estados a adoção de medidas de proibição de viagens (ravel ban), embargo de armas
(arms embargo) bem como o congelamento de bens (freeze the assets) dos indivíduos e
ou entidades suspeitos de envolvimento em práticas terroristas, que estejam ligados ao
Taliban, Osama bin Laden, Al-Qaeda ou suas filiações. Assim, enquanto o Comitê 1267 é
incumbido de manter a lista desses indivíduos sempre atualizada, os Estados são
obrigados a informar permanentemente tal Comitê sobre o processo de implementação
dessas resoluções. Interessante sublinhar que visando a efetividade desse sistema
antiterrorista, a Resolução 1526 criou um “Time de Monitoramento” (Monitoring Team)
para relatar como as sanções impostas pelo CS têm sido implementadas e ainda
recomendar novas medidas que contribuam para aperfeiçoar o cumprimento das
mesmas.22
Tais sanções impostas pelo CS caracterizam uma modalidade recente de sanção
conhecida pela classificação de “smart sanction”23, destinadas a reprimir diretamente os
supostos violadores evitando que populações inocentes sejam atingidas. Em outras
palavras, a intenção por traz dessa modalidade de sanções é atingir a parte
verdadeiramente responsável ao invés do Estado propriamente como um todo24. Não se
pode olvidar que num passado não muito distante, a aplicação de sanções a determinadas
populações de forma generalizada, provocou consequências dramáticas, sob o aspecto

22 Em mesma linha, HUDSON, Not a Great Asset…, pp. 203ss.Veja também: CARDWELL, Paul James [et
al.]. European Court of Justice, Yassin Abdullah Kadi and Al Barakaat International Foundation v Council
and Commission (Joined Cases C-402/05 P And C-415/05 P) Judgment of 3 September 2008, International
and Comparative Law Quarterly, vol 58, January, 2009, pp. 229–240.
23 Veja: LEY,Isabelle, Legal Protection against the UN-Security Council between European and
International Law: A Kafkaesque Situation? Report on the Fall Conference of the Graduate Program
German Law Journal, Moscow: Idaho, 2007, vol. 8, p.284.
24 As medidas interruptivas de relações econômicas como embargos ou suspensão de tráfego aéreo são
constantemente aplicadas nos dias de hoje. Contudo, este tipo se sanção tem sido altamente criticada como
inefetiva e injusta. Inefetiva porque não alcança verdadeiramente o indivíduo a quem se pretende repreender.
Injusta porque atinge diretamente toda uma população inocente. Nesse sentido, BOTHE, Michael, Security
Council’s Targeted Sanctions against Presumed Terrorists:The Need to Comply with Human Rights
Standarts, Journal of International Criminal Justice, n. 6 2008, p.544.
163
humanitário, a um grande número de seus civis.25
Além disso, também não se pode ignorar que o sucesso deste sistema encontra-se
extremamente condicionado à sua recepção e implementação no âmbito interno dos
Estados membros – uma vez que sua eficácia depende da ativação de determinados
mecanismos de ordem interna.26 – razão pela qual, a atuação do CS deve se verificar de
maneira reconhecidamente legítima.
O caso Yassin Abdullah Kadi, que apresentaremos a seguir, levanta questões
altamente complexas no que se refere à relação entre o direito internacional e o sistema
jurídico Europeu, à subordinação ou não das Resoluções do Conselho de Segurança da
ONU aos direitos humanos e, à competência para a implementação e controle judicial de
tais Resoluções.
4. O caso Yassin Abdullah Kadi

Conforme vimos anteriormente, a Resolução 1267 (1999) do CS foi uma dentre
uma série de resoluções do CS destinadas a evitar o planejamento e execução de ataques
terroristas por Osama bin Ladenn e a rede Al-Qaeda. Para tanto, tais resoluções
determinam, basicamente, o congelamento dos fundos de indivíduos e entidades suspeitas
de envolvimento em atividade terrorista cujos nomes foram incorporados à Lista
elaborada pelo “Comitê 1267”. Aos Estados-Membros, cabe a responsabilidade pela
implementação das Resoluções do CS. Em outras palavras, cabe aos Estados proceder ao
congelamento dos fundos daqueles indivíduos e entidades incluídos na referida Lista.27
Importa para o presente estudo mencionar que, ainda no ano de 1999, a União
Europeia (UE), nos termos da Common Foreign and Security Policy (CFSP) adotou a
Common Position 1999/727/CFSP, no intuito de promover a implementação da
Resolução 1267 do CS. Em fevereiro de 2000, foi criada pelo Regulamento 337/2000 a

25 Conforme bem ilustra Andrew Hudson, constituem exemplos conhecidos dessas conseqüências, as
sanções impostas pelo CS através da Resolução 661, ONU, Doc. S/RES/661, de 6 de agosto de 1900 – que
impôs um amplo embargo econômico ao Iraque; Resolução 757, ONU, Doc. S/RES/757, de 30 de maio
1992 – que impôs o mesmo à Ex- Iugoslávia, e da Resolução 841, ONU, Doc. S/RES/841, de 16 de junho de
1993 – que também impôs embargos econômicos ao Haiti. HUDSON, Not a Great Asset…, pp. 203ss.
26 Em mesma linha, Andrea Bianchi: “The efficacy of the action undertaken at the international level, relies,
therefore, on the willingness and actual capacity of the states to incorporate international standarts in their
domestic legal systems and to subject them to their adjudication and enforcements procedures.” BIANCHI,
Security Council's…, pp.1044ss.
27 A incorporação da Lista pelos sistemas legais internos dos Estados Membros varia consideravelmente.
Em alguns Estados, a Lista é incorporada automaticamente com status de Resolução do Conselho de
Segurança. Na maioria dos Estados, a internalização da Lista requer um ato ad hoc que determine sua
integração à ordem jurídica interna. Entretanto, há também Estados que se recusam à incorporar tal Lista em
seu sistema jurídico interno. Para mais detalhes veja: BIANCHI, Security Council's…, pp.1044ss.
164
Common Position, que dispunha sobre a proibição de voo e congelamento de bens. 28
Em seguida, outras Resoluções do CS também foram acatadas pelas CFSP
Common Positions e por Regulamentos da União Europeia, o que reforçou sua
implementação. O Regulamento 467/2001 veio definir a natureza dos “fundos” e do
congelamento dos mesmos, bem como os indivíduos e entidades designados pela Lista, a
terem seus fundos indisponibilizados.29
Em 19 de Outubro de 2001, Kadi, nacional da Arábia Saudita, teve seu nome
incluído na Lista do CS, referente aos indivíduos suspeitos de envolvimento em atividade
ligada ao terrorismo. Em seguida seu nome fora prontamente adicionado ao Anexo I do
Regulamento 467/2001. Consequentemente, Kadi teve seus fundos, bem como outras
fontes financeiras situadas no território da União Europeia, congelados.30

5. Decisão proferida pelo Tribunal de Justiça de Primeira Instância

Em 18 de Setembro de 2001, Kadi dirigiu-se ao Tribunal de Justiça de Primeira
Instância (TPI), e apresentou, nos termos do artigo 230.º TCE31 uma demanda em face do
Conselho Europeu e da Comissão Europeia (T-315/0132). Alegou ausência de
competência do Conselho Europeu e, consequentemente, a ilegalidade dos Regulamentos
através dos quais o Conselho promoveu a implementação do congelamento de seus bens
e, portanto, requereu ao Tribunal supra, a anulação de tais resoluções33, sob o argumento
de que as mesmas violavam diretamente, uma série de direitos fundamentais, quais sejam:

28 CARDWELL, Paul James [et al.]. European Court of Justice…, pp. 229ss.
29 CARDWELL, Paul James [et al.]. European Court of Justice…, pp. 229ss.
30 Kadi, C-402/05 P, CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL M. POIARES MADURO (16-01-2008);
CARDWELL, Paul James [et al.]. European Court of Justice…, pp. 229ss.
31 Atual artigo n.º 263 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE)
32 Kadi, T-315/01, ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (21-09-2005), n.º 37.
33 Idem; A demanda apresentada por Kadi tem por objeto“ um pedido de anulação, por um lado, do
Regulamento (CE) n.º467/2001 do Conselho, de 6 de Março de 2001, que proíbe a exportação de certas
mercadorias e de certos serviços para o Afeganistão, reforça a proibição de vôos, prorroga o congelamento
de fundos e de outros recursos financeiros aplicável aos Taliban do Afeganistão e revoga o Regulamento
(CE) n.o 337/2000 (JO L 67, p. 1), e, por outro, do Regulamento (CE) n.º 2062/2001 da Comissão, de 19 de
Outubro de 2001, que altera, pela terceira vez, o Regulamento n.º 467/2001 (JO L 277, p. 25), e,
seguidamente, um pedido de anulação do Regulamento (CE) n.º 881/2002 do Conselho, de 27 de Maio de
2002, que institui certas medidas restritivas específicas contra determinadas pessoas e entidades associadas a
Osama Bin Laden, à rede Al-Qaeda e aos talibãs, e que revoga o Regulamento (CE) n.º 467/2001 (JO L 139,
p. 9),” na medida em que estes atos lhe digam respeito. JOUE - Jornal Oficial da União Europeia
12.11.2005, Tribunal de Primeira Instância.
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o direito a um julgamento justo, o direito à propriedade, o direito a ver respeitado o
princípio da proporcionalidade e por fim, o direito a uma revisão jurisdicional efetiva.34
Primeiramente, o Tribunal considerou oportuno examinar a relação entre a
ordem jurídica internacional emanada das Nações Unidas e a ordem jurídica nacional ou
comunitária e, ainda, em que medida o direito comunitário encontra-se subordinado às
determinações impostas pelas resoluções do Conselho de Segurança adotadas ao abrigo
do capítulo VII da Carta das Nações Unidas.35
Esse exame visava determinar o alcance da fiscalização da legalidade, que
incumbe ao Tribunal de Primeira Instância exercer, designadamente, no que respeita aos
direitos fundamentais, sobre os atos comunitários que põem em prática essas resoluções.
Ou seja, somente após reconhecer-se competente para exercer fiscalização jurisdicional
dessas matérias, o tribunal pronunciar-se-ia sobre as alegações de violações dos direitos
fundamentais do recorrente e sobre a anulabilidade do regulamento impugnado.36
Neste contexto o TPI alegou que as obrigações dos Estados membros da ONU
decorrentes da Carta das Nações Unidas sobrepõe-se a qualquer outra obrigação de direito
interno ou de direito internacional convencional.37
Segundo o Tribunal, a prevalência das disposições da Carta da ONU sobre as
normas de direito internacional convencional está expressamente consagrada no seu artigo
n.º 103 e, portanto, todos os acordos regionais, bilaterais e multilaterais celebrados pelas
partes estão sempre subordinados às disposições do referido dispositivo. Diferentemente
da regra que normalmente se aplica aos tratados sucessivos, o Tribunal acrescenta, ainda,
que nos termos do artigo n.º 30 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados a
Carta da ONU vale tanto em relação a tratados anteriores quanto em relação a tratados
posteriores à sua celebração.38
O Tribunal reforçou, ainda mais, seu entendimento quanto à primazia da Carta

34 “In the proceedings before the Court of First Instance, the appellant claimed that the contested regulation
breached the right to a fair hearing, the right to respect for property and the principle of proportionality, and
the right to effective judicial review.” Kadi, C-402/05 P, CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL…, n.º
17.
35 Kadi, T-315/01, n.º 178.
36 Kadi, T-315/01, n.º 179 e 180.
37 Kadi,T-315/01, n.º 181; “No que diz respeito, em primeiro lugar, às relações entre a Carta das Nações
Unidas e o direito interno dos Estados membros da ONU, esta regra do primado decorre dos princípios do
direito internacional consuetudinário. Fundamentando-se no texto do artigo 27.° da Convenção de Viena
sobre o Direito dos Tratados, o TPI ressalta que uma parte não pode invocar as disposições do seu direito
interno para justificar a não execução de um Tratado”. Kadi, T-315/01, n.º182.
38 Kadi, T-315/01, n.º 183.
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