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Hamilton de Mattos Monteiro
DEDALUS -Acervo - FFLCH-FIL
320 Nordeste insurgente, 1850-1890 I
T912
v.10
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NORDESTE INSURGENTE
(1850-1890)
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Copyright @ Hamilton deMattos Monteiro
Capa:
127 (antigo 27)
Artistas Gráficos
Foto de capa:
Carlos Amaro
Caricatura:
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f Emílio Damiani
INDICE
Revisão:
Aníbal Mari
Carlos A. Volpato
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T l") As insurreições 31
.J. t(:)l:.., s,'U::\,o'J, ~ f:r f;," ('\.I'-l.~ .- .\,1) ',j As revoltas urbanas 77
'1.10
Conclusão 9S
Indicações para leitura 97
jaJ
editora brasil iense s.a.
01042 - rua barão de itapetininga, 93
são paulo - brasil
Jr
INTRODUÇÃO
Durante muito tempo, ahistoriografia brasileira
refletiu as histórias das elites vitoriosas e dedicou-se,
na maior parte, a acompanhar as mudanças do eixo
econômico dentro do território nacional. Assim, te-
mosvasta produção não sósobre oNordeste colonial,
como também sobre as Minas Gerais no século
XVIII, a província fluminente e a Corte no século
XIX e São Paulo no século XX. Além do interesse
pelas mudanças econômicas, nesses pontos de atra-
ção, alguns temas são continuamente pesquisados,
entre outros a escravidão africana, a industrializa-
ção, etc. No conjunto, apesar de sua importância,
estas regiões, épocas ou temas, com seu poder de
atração, contribuíram para um relativo esquecimen-
tode outros assuntos e também da história de outras
regiões em determinadas épocas.
Modernamente, saímos desse provincialismo in-
telectual e começamos a escrever as histórias locais,
8 Hamilton de Mattos Monteiro
das épocas esquecidas. Retomamos o fio da meada,
deixado por historiadores e cronistas regionais que,
por muito tempo ignorados nas prateleiras das bi-
bliotecas, voltam a ter importância ao se escrever a
verdadeira história brasileira que não deve ser so-
mente a dosvencedores, mas também a dosvencidos,
a da Corte como a da província, a das regiões "desen-
volvidas" como a das empobrecidas e exploradas.
Aqui neste opúsculo, restauramos um pouco da
A REGIÃO
história doNordeste brasileiro que, depois de ter sido
uma das mais importantes regiões geo-econômicas
da era moderna, fornecedora praticamente exclusiva
doaçúcar consumido no mundo ocidental, é deixada
à sua própria sorte, a partir do século XIX. O Nor- A Paisagem
deste é uma das provas do resultado da exploração
predatória dos recursos econômicos de uma região Quando nos referimos ao Nordeste brasileiro,
para atender a interesses externos, que, depois de tratamos da área que engloba os atuais Estados do
esgotada, éabandonada. De região heróica da época Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Pa-
áurea da produção açucareira e da vitória contra os raíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe eBahia.
holandeses, passa a ser acusada de ignorante, faná- Esta vasta região apresenta-se subdividida em
tica e indolente, quando economicamente não mais quatro outras, consoante seu tipo de solo, clima e
interessa. vegetação. São elas a Zona da Mata, o Agreste, o
Nopresente trabalho, limitar-nos-emos a escre- Sertão eoMeio-Norte.
ver sobre a segunda metade do século XIX, já que a AZona da Mata abarca cerca de 18,2% da área
primeira será objeto da atenção de outros especia- total, estendendo-se do Rio Grande do Norte à Ba-
listas e que, no conjunto, contribuirão para dar ao hia. Seu clima é quente e úmido e ali se cultiva
nordestino a consciência de seu passado sempre he- principalmente cana-de-açúcar, cacau efumo.
róicoeglorioso. Estendendo-se mais para o interior, está o
Agreste. Não apresenta clima evegetação uniformes,
contendo algumas regiões que se assemelham ao Ser-
tão e outras à Zona da Mata. uma área de tran-
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Ê
10 Hamilton de Mattos Monteiro
Nordeste Insurgente (1850-1890) 11
sição entre essas duas outras que lhe fazem limites.
propriedade cuja origem remonta às doações sesma-
Asatividades econômicas são múltiplas, destacando-
riais. Na Zona da Mata, desenvolveu-se a cultura da
se o algodão, os gêneros alimentícios e a pecuária.
cana-de-açúcar; no Agreste, foi dada maior atenção
O Sertão ocupa a maior parte do Nordeste,
à pecuária e/ou à cultura do algodão; no Sertão,
abrangendo cerca de49% do total. Seu relevoé mais
apecuária extensiva tevegrande êxitoe, na região do
uniforme e o clima mais seco. Em grande parte, a
Maranhão e Piauí, houve grande dedicação tanto ao
vegetação é de caatinga e a ocupação humana mais
extrativismo vegetal quanto àpecuária,
rarefeita. Asatividades predominantes são apecuâria
As pequenas propriedades são poucas e dedi-
eacultura do algodão. Neleexistem algumas regiões
cam-se geralmente à produção de gêneros alimentí-
que são autênticas ilhas, onde se pratica uma agri-
cios e, em alguns casos, ao algodão. No Agreste,
cultura variada e hâ maior concentração populacio-
estas localizam-se nos chamados "brejos", regiões
nal. São as várzeas dos rios sertanejos, as regiões
mais elevadas e, portanto, beneficiadas por um clima I 1111
serranas eovale doCariri.
de maior umidade, e, no Sertão, normalmente nas I
O Meio-Norte (Maranhão e Piauí) ê tipicamente regiões que margeiam os-rios. Muitas vezes são tão I
uma região de transição entre a floresta equatorial
pequenas, entre 5e 10hectares, que obrigam os agri-
(floresta amazônica) eoSertão. A paisagem se altera
cultores aprocurar trabalho adicional.
de oeste para leste. No extremo oeste do Maranhão,
Por outro lado, havia também as terras arren-
a vegetação e as condições climáticas se assemelham
dadas, onde sepraticava uma agricultura geralmente
à Amazônia e, à medida que se avança para leste,
voltada para gêneros alimentícios. Na Zona da Mata,
cada vez mais se parece com o Sertão. A pecuária
f" cultivavam a cana-de-açúcar para fornecimento aos
e o extrativismo vegetal predominam na atividade
engenhos e, no Agreste e no Sertão, também o algo-
econômica, sebem que ali também se desenvolvam a
dão, sendo que os grandes proprietários tinham
produção de algodão ea de arroz.
maior interesse na atividade pecuária,
Comum também era a existência de "roças"
feitas pelos moradores, também chamados agrega-
A distribuição da Terra e a Sociedade
dos, os quais constituíam-se em trabalhadores even-
o tuais que moravam nas fazendas ea quem era permi-
elemento principal que atuou na formação da
tido cultivar uma pequena área. Estas "roças" eram
sociedade nordestina foi a posse da terra; a partir
quase sempre demandioca, milho e feijão, alimentos
dela, estruturaram-se os principais grupos sociais.
comuns na refeição nordestina.
Como se sabe, tem predominado ali a grande
Sobre esta divisão e utilização da terra, assen-
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tava-se uma estratificação social também diversifi- mente, de onde provinham osjagunços, os cabras e
cada. Em resumo, sem querer esgotar o assunto e oscangaceiros.
tendo em vista que nosso propósito é apenas estabe- "Nas cidades, o papel da agitação social estava
lecer o quadro da sociedade nordestina para efeito reservado a uma pequena classe média, que sofria
de melhor compreensão dos temas que serão trata- primeiro os efeitos da carestia e se compunha de
dos, a região apresentava as seguintes camadas so- artesãos (alfaiates, mestres-carapinas, mestres-de-
ciais: deum lado, no ápice da pirâmide social, estava obra e seus oficiais) e de profissionais liberais, im-
ogrande proprietário (senhor deengenho na Zona da buídos, muitas vezes, de idéias de justiça social,
Mata, fazendeiro e/ou criador no Agreste e no Ser- quando não era tal papel, com bastante freqüência,
tão), isto é, o coronel todo-poderoso da Guarda Na- representado pelo clero."
cional, senhor de fato da região sob sua influência. . Na longa crise por que passou o Nordeste no
Do outro lado, estavam os escravos e os moradores, século XIX, estes grupos não se limitaram a esperar
que, embora livres, gozavam de piores condições de pacificamente pela solução de seus problemas. Rea-
vida que ospróprios escravos. giram a seumodo, acurto ou alongoprazo.
Entre estes dois grupos, situava-se uma enorme Dos mais pobres ou empobrecidos que não emi-
variedade de tipos sociais que englobavam desde os graram, saíram levas de bandidos que infestavam o
pequenos e médios proprietários e arrendatários, os Sertão etambém os"sediciosos'; que colaboraram na
"oficiais" assalariados (como os mestres de açúcar rebeldia dos coronéis ou rebelavam-se diretamente
nosengenhos eocurtidor nas fazendas decriação) ou contra osque osexploravam.
autônomos (como alfaiates, oficiais de cantaria, car- Dos setores médios urbanos, emergiram os
pinteiros, etc.), até osprofissionais liberais e os fun- "conspiradores", que nosclubes políticos, ou através
cionários públicos. de comícios, panfletos e jornais, não cessavam de
A desigual distribuição da terra iria dicotomizar fazer a crítica ao regime vigente e lideravam intelec-
a população rural na medida em que um número tualmente e na prática os motins e revoltas urbanos.
reduzido teria acesso a ela como proprietário ou Dos mais poderosos, dos grandes proprietários,
arrendatário e uma grande massa, progressivamente surgiram as "guerras" contra seus pares, as violên-
aumentada, por força mesmo do crescimento natu- cias contra seus agregados, as contestações ao poder
ral, teria de se contentar com a condição de mora- público; isoladas ou coletivas estas últimas tomaram
dores ou então perambular de propriedade em pro- os mais variados aspectos, desde a exploração cole-
priedade comojornaleiros. Estes últimos constituíam tiva de 1874, quando a crise se apresentou com toda
mão-de-obra barata e abundante, vivendomiseravel- a sua intensidade, até a abstenção com relação à
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sorte da monarquia, em 1889,já cansados de esperar emsua propriedade esecerca deum numeroso "exér-
a atenção que achavam justa merecer. cito" privado, com oqual comete toda a sorte de vio-
Todavia, dada a importância, para a compreen- lências. Deveprecaver-se contra possíveis "traições",
são das lutas sociais, do papel desempenhado pelos porque éassim que entende as discordâncias dos que
grandes proprietários epelos homens pobres livres(a habitam sua área de mando; contra seu rival, tam-
quem chamaremos genericamente de lavradores), bém grande proprietário territorial, com o qual dis-
consideramos necessário maior detalhamento sobre puta a influência e até mesmo as terras, e, por úl-
estes dois grupos:" timo, contra o Estado monárquico que, tentando
instalar uma ordem em certa medida racional, toma
atitudes que contrariam seusinteresses.
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" Os grandes proprietários Como centro de convergência das lutas sociais e
políticas no Nordeste, fundamentalmente no meio
Fundamentavam sua dominação no latifúndio e
rural, está, de fato, o coronel. Ele é que, direta ou
na exploração da mão-de-obra, sob relações sociais
indiretamente, traçava os rumos do relacionamento
de produção que iam desde o contrato mediante sa-
social e político. Ele era a célula de todo o sistema.
lário até aescravidão, conforme suas conveniências e
Enfeixava em suas mãos o poder econômico, jurí- I~
lucratividade. Impuseram-se socialmente pela vio- I
dico, político e, pela influência sobre o vigário local,
lência, a qual se caracterizou, desde a fase colonial,
até mesmo determinava os parârnetros da ação reli-
pela expropriação do indígena, privando-o de suas
giosa. Qualquer estudo sobre a violência da socie-.
terras e, em muitos casos, de sua liberdade; pela pri-
dade local não pode ignorar a ordem social que ali se
vação da liberdade do negro e sua coação ao traba-
instalou sob o primado da lei do mais forte, regida
lho; pela apropriação da quase totalidade das terras
por um código próprio, ocódigo docoronel.
por uma minoria. impedindo que uma ampla ca-
Sua ética era muito simples. Era o "divisor de
mada de homens livres, cada vez maior, se tornasse
águas", e obem e o mal se definiam a partir de seus
também proprietária.
interesses privados. Bem era tudo que fosse a seu
Instalou-se, portanto, uma ordem caracterizada
favor e mal tudo que lhe fosse contra. "Conquista-
pela violência. O grande proprietário, o "coronel",
dor" de suas terras ou herdeiro de "conquista", orga-
necessitou impor-se autoritariamente sobre a popu-
nizador da produção local e "domador" da popula-
lação de seu "domínio", para assegurar a posse dos
ção aborígene ou adventícia, o coronel era muito
seus bens ante a maioria que seconstituía em traba-
cioso de suas propriedades e posses e exigia de todos
lhadores livres, escravos e jagunços, Ele se acastela
oreconhecimento de seus direitos de mando. Na sua
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l'
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lI' 16 Hamilton de Mattos Monteiro II Nordeste Insurgente (1850-1890) 17
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lógica, nada havia de mais correto e insofismável. Ele mindo desapiedadamente os que estão na sua depen-
jI
Ilu estava acima do julgamento dos subordinados, res- dência.
"..tando a estes balizar seu comportamento pela fideli- Mesmo assim, orelacionamento entre coronéis e
II
dade irrestrita ou então discordar e cair nas suas iras. Estado, nessa época, foi, podemos dizer, harmo-
O coronelismo, fruto do latifúndio e da omissão nioso. O coronel entendia o Estado como expressão
ou ausência do poder público, encontrar-se-ia, entre de seus interesses privados, e este adotava uma polí-
1850 e 1889, situado entre dois fogos. De um lado, a tica dúbia, mas lógica dentro dos objetivos nacionais.
!i crise do setor exportador que, quando não o arruína, Estávamos muito perto dos movimentos insurrecio-
torna sua situação econômica instável; do outro, a nais que marcaram a primeira metade do século
tentativa da monarquia em fazer valer seu poder em XIX, e ao Império atemorizava a idéia de qualquer
1! meio a esses autênticos "potentados", como os alcu- ": convulsão interna. Diante da eclosão de algum mo- li
"I nhava Euzébio de Queirós. tim, insurreição, etc., caso partisse das camadas
Acostumados ao mando sobre seus vastos domí- mais pobres, a resposta do governo imperial se fazia
nios, numa autoridade adquirida desde os tempos pronta e enérgica, e protelatória e cuidadosa, caso 1I
coloniais, os coronéis sofreriam os efeitos da centra- partisse dos coronéis. Ela foi violenta no caso do
lização monárquica a partir do momento em que os "Quebra-quilos", mas aos coronéis não foi aplicado \1'11
Braganças formaram no Brasil um Império autô- o "colete de couro" eforam absolvidos ou anistiados.
nomo e aplicaram as idéias centralizadoras tão ao O que se depreende desse relacionamento é que
gosto das casas reais européias. Passado o período foi feito em níveis diversos e de formas diferentes. i;/i
.' regencial, durante o qual a obra centralizadora es- Em nível local, houve a submissão quase completa
teve paralisada e em alguns casos retroagiu, e ven- das autoridades ao coronel; em nível geral, houve
cida a revolta Praieira, em 1850, a monarquia reco- uma ação decisiva, com alguns recuos táticos para
meça a sua obra de centralização e de instalação de enquadrar os grandes proprietários no Estado racio-
uma estrutura político-administrativa mais racional nal que se formava. Podemos dizer que o Império,
e menos patrimonial. Este fato provocaria atritos, se ciente da importância do coronel como "primeira
bem que, na maior parte dos casos, estabelecessem garantia da ordem pública", no dizer de Henrique
- o poder público e o poder privado - um modus Millet, e ciente, também, da necessidade de organi-
vivendi. Mas, apesar de tudo, os coronéis não cedem zar o pais em bases mais condizentes com o século,
na sua autoridade e agem como se fossem o poder colocou esta organização como objetivo permanente
maior, descaracterizando o poder público na sua a longo prazo, evitando uma ação imediata que pro-
área de influência, desmoralizando a justiça e opri- vocaria reações incontroláveis. Salvavam-se a paz in-