Table Of ContentNarrativas míticas
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Narrativas míticas : análise das histórias que as religiões contam /
Emerson Sena da Silveira, Dilaine Soares Sampaio, (organizadores). –
Petrópolis, RJ : Vozes, 2018.
Vários autores.
Bibliografia.
ISBN 978-85-326-5846-3
1. Religiões 2. Religiões – História I. Silveira, Emerson Sena da.
II. Sampaio, Dilaine Soares.
18-17606 CDD-200.9
Índices para catálogo sistemático:
1. Religiões : História 200.9
Cibele Maria Dias – Bibliotecária – CRB-8/9427
Emerson Sena da Silveira
Dilaine Soares Sampaio
(orgs.)
Narrativas míticas
Análise das histórias que as religiões contam
© 2018, Editora Vozes Ltda.
Rua Frei Luís, 100
25689-900 Petrópolis, RJ
www.vozes.com.br
Brasil
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Teobaldo Heidemann
Volney J. Berkenbrock
Secretário executivo
João Batista Kreuch
______________________________
Editoração: Flávia Peixoto
Diagramação: Sheilandre Desenv. Gráfico
Revisão gráfica: Nilton Braz da Rocha / Nivaldo S. Menezes
Capa:
Ilustração de capa:
ISBN 978-85-326-5846-3
Editado conforme o novo acordo ortográfico.
Este livro foi composto e impresso pela Editora Vozes Ltda.
Sumário
Prefácio – Pistas abertas para a tradição e o devir, 7
Fátima Tavares (UFBA)
Introdução, 11
Emerson Sena da Silveira (UFJF)
Dilaine Soares Sampaio (UFPB)
Parte I – narrativas dos monoteísmos e do espiritismo, 23
1 Glossolalias, justiça social e báculos episcopais – Narrativas míticas entre
carismáticos, progressistas e conservadores, 25
Emerson Silveira (UFJF)
2 Uma cartografia mítica do protestantismo brasileiro – A laicização do
Estado, 73
João Marcos Leitão Santos (UFCG)
3 Istafti qalbak: consulte seu coração, 104
Francirosy Campos Barbosa (USP)
4 As duas narrativas bíblicas do dilúvio – A função político-social do mito
na Bíblia Hebraica, 117
Osvaldo Luiz Ribeiro (Faculdade Unida de Vitória)
5 Dimensões mitológicas da narrativa e cosmologia espírita, 138
Marcelo Camurça (UFJF)
Parte II – narrativas nas religiões afro-indígenas, 161
1 Os itans e o porquê das coisas – A função do mito na tradição religiosa do
Candomblé, 163
Volney Berkenbrock (UFJF)
2 Narrativas míticas da Casa das Minas e do Tambor de Mina do
Maranhão, 194
Sergio F. Ferretti (UFMA)
3 Boto e Mãe d’Água na religião afro-brasileira do Maranhão, 215
Mundicarmo Maria Rocha Ferretti (UFMA)
4 Zés Pelintras: do sertão ao terreiro, 236
Lourival Andrade Júnior (UFRN)
5 Catimbó-Jurema: narrativas encantadas que contam histórias, 265
Dilaine Soares Sampaio (UFPB)
6 Narrativa indígena e aspectos do perspectivismo de integração entre
humanos e natureza – A guarda das tradições indígenas como bases para um
ethos da preservação amazônica, 291
Manoel Ribeiro de Moraes Júnior (Uepa)
Parte III – narrativas nas religiões orientais e nas novas expressões
religiosas, 307
1 O gigante Pangu: mito de origem e autorreferenciação daoista, 309
Matheus da Cruz e Zica (UFPB)
2 Matsyendra Nāta: o pescador do yoga na mitologia hindu e tibetana, 319
Maria Lucia Abaurre Gnerre (UFPB) e Gustavo Cesar Ojeda Baez (UFCG)
3 A orientalização das esperanças ocidentais: Contracultura e
Seicho-no-ie, 342
Leila Marrach Basto de Albuquerque (Unesp)
4 Mito e rito: elementos para o agenciamento do transe na UDV, 364
Rosa Virginia Araújo de A. Melo (UnB)
5 Os mitos e os surgimentos dos deuses: a ressignificação de Eurínome
pelo neopaganismo, 387
Silas Guerriero (PUC-SP) e Fábio L. Stern (PUC-SP)
Prefácio
Pistas abertas para a tradição e o devir
Fátima Tavares*
Este é um livro sobre histórias das religiões num caminho de ida e volta,
pois não se trata somente das religiões como objeto para historização nos nos-
sos termos, mas das histórias que elas nos contam – sobre e para nós contem-
porâneos –, contribuindo para um mundo crescentemente povoado de sujeitos,
identidades, diferenças. Penso mesmo que essa é uma tarefa crucial nos dias de
hoje, em que outras narrativas podem ser inspiradoras para os desafios crescen-
tes de tornar possível a convivência dos humanos no nosso pequeno planeta.
Basta uma primeira aproximação com o conteúdo deste livro, que o leitor
logo irá notar que se trata de tradições que não estão entesouradas, mas sim
em processo contínuo de se fazer. Essa é uma contribuição crucial para se
pensar as relações entre religião e modernidade, não apenas enquanto objeto
de estudo e discussão, mas também em termos do tipo de olhar (e lugar) com
que devemos nos aproximar da religião. Seguindo o antropólogo Otávio Ve-
lho1, que aponta ser esse segundo ponto mais fervilhante para as contribuições
da antropologia no amplo debate das ciências da religião, nele se embaralham
as diferenças entre teólogos e cientistas sociais na suspeição do “cristianismo
* Doutora em Ciências Humanas (IFCS/UFRJ). Professora titular do Departamento de Antropo-
logia e da Pós-Graduação em Antropologia da UFBA.
1. VELHO, O. Religião e Modernidade: roteiro para uma discussão. Anuário Antropológico,
1994, 92, p. 75-87.
metropolitano”, relativizando o holismo da transcendência e indicando a con-
tingência da relação entre cristianismo e individualismo. Desse texto fica a
inspiração de que é preciso desfazer velhas crenças entre nós para afinarmos
os ouvidos para outras histórias. No entanto, ao contrário do que se poderia
imaginar, essas suspeições nos levam no sentido oposto ao da relativização da
verdade. Do homo religiosus de Mircea Eliade ao mundo multiplex, a prolife-
ração das verdades, é o que se avizinha.
Então, se a verdade não é mais um empreendimento monolítico (no sen-
tido das grandes narrativas apontadas por Jean-François Lyotard e a filosofia
pós-moderna) e nem monoteísta (da Cristandade ocidental), que histórias, afi-
nal, as religiões contam? Para apresentar este empreendimento desejante que
o leitor tem agora em suas mãos, busco em Gilles Deleuze uma inspiração
vivaz, especialmente a ousadia do seu empreendimento de pensar a “filosofia
com” ao invés da “filosofia sobre”, fazendo do objeto da filosofia não a re-
flexão sobre alguma coisa, mas o entrar em sintonia com as formas do existir,
do surgir ou do aparecer, como não se cansam de nos mostrar as narrativas
religiosas. Saímos da hierarquia de valores implicados na oposição entre co-
nhecimento-ciência-verdade e mitologia-religião-cultura para possibilidades,
simétricas, de aprendermos uns com os outros. Caminhando um tantinho mais
no terreno da antropologia, podemos vislumbrar, como sugere Tim Ingold,
com a compreensão encarnada da antropologia como “filosofia com gente
dentro”, que a simetria intrínseca às diferentes narrativas (religiosas e cientí-
ficas) pode desenrolar-se em caminhos insuspeitos, colapsando-se em mútuas
transformações. O pensamento, os conceitos e as verdades não mais como pri-
vilégio da filosofia ou da ciência, mas como potência de criação que atravessa
diferentes modalidades de saber, são caminhos que este livro nos abre. Outras
modalidades de criação; outras afetações efetuadas pelas narrativas religiosas.
São exatamente essas várias modalidades narrativas que organizam as três
divisões das histórias contadas. Na primeira parte, narrativas que subvertem
as grandes tradições monoteístas: as histórias dos catolicismos (carismático,
conservadores e progressista); o mito político (liberdade, direito e democra-
cia) do protestantismo brasileiro; a fé muçulmana encarnada no coração nas
noites do Ramadan; a nova ordem político-social na narrativa do dilúvio; a
cosmologia revelada do espiritismo brasileiro. Passando à segunda parte, as
“pequenas narrativas” das religiões (re)nascidas nas terras daqui que vão en-
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riquecer nossa compreensão das performances narrativas, não somente como
história “contadas”: a dimensão pedagógica das itans na tradição do candom-
blé; a mitologia presentificada na história dos iniciados da Casa das Minas
jeje do Maranhão e que se estende também para as encantarias do boto e da
Mãe d’Água; a sabedoria do Mestre Zé Pelintra e das cantigas do catimbó-
jurema na tradição dos sertões nordestinos e disseminadas para outras regiões
do país, assim como as cantigas que emergem na ritualidade ayahuasqueira.
Por fim, na última parte, narrativas que chegam de longe e que nos transfor-
mam: os mitos do Gigante Pangu, as origens do mundo na tradição daoista,
e de Matsyendra Nāta, o “senhor dos peixes” na tradição do Yoga e do Bu-
dismo Vajrayāna; as aproximações do vitalismo da Seicho-no-ie (em suas
“versões” japonesa e brasileira) com a contracultura; o transe na UDV e as
mediações do arcaico e do moderno; a deusa Eurínome entre os praticantes
do neopaganismo.
Dessa diversidade narrativa poderíamos ser interpelados por argumentos
contrários, fundamentados na convicção de que se tratam, afinal, de histórias
sobre o mundo, apenas; que não se pode levar tudo ao pé da letra, pois, ao
fim e ao cabo, são símbolos, apenas; que se deve ser respeitoso e que se pode
levar a sério em certa medida, apenas; que ciência é outra coisa e não apenas
mais uma narrativa sobre o mundo. Ao que retrucaria, acompanhando bons
argumentos lançados por muitos pensadores, como, por exemplo, Bruno La-
tour, que em Ciência em ação descreve de bem pertinho o processo quente de
feitura da ciência. Realidades não estão dadas, mas são alcançadas com muito
esforço e cooperação entre humanos e não humanos para que possam emergir
como tal. Isso vale tanto para a religião como para a ciência. Mas, afinal, isso
já é uma outra história...
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