Table Of ContentI
I
I
pensamento
P A UL B R U N T ON
M E N S A G EM
DE
A R U N A C H A LA
Tradugao
de
NAIR LACERDA
1 N D I CE
9
Introdugao
I A Coluna
—
II — Preambulo
24
31
m — Politica
40
IV — Negdcios
V — Sociedade
50
57
VI — Crise do Mundo
67
Vn — Religiao
80
vm — Intelecto
89
DC — Musica, Mascara, e Pena
X — Solidao e Lazer
1 01
XI — Felicidade
1 16
124
Sofrimento
X in — O Eu e o Eu Superior
1 42
AO
MAHARICHI DA INDIA DO SUL
£STE LIVRO £ DEDICADO ( )
1
Muito tempo depois de ter escrito este livro,
viajei novamente para o vosso pals. Por6m —
ai de mlm! — ja all nao estavels. A grande
transigao do. mundo do ser, para outro que os
homens chamam morte, vos levara, como leva
todos os homens.
Isso ja fol bastante doloroso, mas nao fol
tudo, porque vi que com a vossa partlda a Co-
lina Arunachala havia perdido muita da sagra-
da atmosfera que a envolvia outrora, e que bem
pouca magia restava em sua aura.
E la se havia tornado igual a tantas outras
colinas que eu ja visitara. Foi, asslm, uma licao
de que sao o homem e sua mente que dao san-
tidade a um lugar, e nao o lugar que da santi-
dade ao homem.
A lembranga de vosso espirito encantador
jamais me deixara.
Maharlchi — Grande sAblo
(maha) (richi).
POR
SIR V E PA RAMESAN, K T ., B . A ., B . L.
Presidente efetivo, aposentado, do Supremo Tribunal de Madras
O nome de Paul Brunton nao precisa apresentacao junto
dos lei tores ingleses. Onde quer que se leia a lingua inglesa
— na Inglaterra, na America, e tamb£m na India — seus
livros tern sido amplamente lidos, e tern feito homens pararem
para pensar que 6 bem possivel estar a humanidade na imi-
nencia de receber um novo conhecimento.
O presente livro chama-se, com muita propriedade, Men-
sagem de Arunachala, porque foi escrito em poucas semanas,
no eremiterio piedoso do mestre do autor, nas encostas mais
baixas daquela colina. Paul Brunton descreve a colina em seu
primeiro capitulo, e nele mostra as sagradas e inspiradas as
sociates nascidas no local.
Em duas ocasioes visitei a colina e o eremiterio, e na se-
gunda ocasiao renovei minha amizade com o Dr. Brunton, ob-
servando o rapido acrescentar-se de pdgina ap6s pagina de seu
trabalho.
£ste volume e a aplicacao dos principals ensinamentos de
seu venerado mestre, o Maharichi, que foi mencionado em
India Secreta. Tal doutrina, isto e\ o "conhece-te a ti mesmo",
foi aplicada, em princfpio, a varios problemas da vida moderna.
O capitulo final di o climax de seus ensinamentos, e trans-
porta-nos de nosso ambiente mundano para altitudes espirituais.
Posso mencionar, incidentalmente, que Arunachala e\ an
tes de mais nada, o nome de uma colina, e nao, como pare-
9
cc pensar o erudito crltico de India Secreta do The Times de
Londres, o nome de uma pessoa. A palavra, em sanscrito
significa "colina vermelha", enquanto Tiruvannamalai, nome do
povoado que se aninha prdximo de seus pes, significa, em ta-
mil, "colina vermelha sagrada". £ habito do povo da India
dar a seus filhos nao s6 nomes de deidades, mas tambe'm de
lugares sagrados, como rios, colinas, etc. Assim 6 que acon-
tece encontrarmos, no sul, homens que levam o nome de
I
Arunachala.
Nos, hindus, perdemos muita da nossa heranc,a antiga, fi-
A C O L I NA
los6fica e espiritual. Temos, agora, de recuperar o ouro basico
que nela existe, limpo das impurezas entre as quais ficou in-
crustado.
Algures, ao sul da India, ha uma colina solitaria que foi
Na certeza de que os leitores deste livro irao considerd-lo
honrada com elevado status nas tradicoes sagradas e na his-
nao s6 tao interessante quanto os demais trabalhos do autor,
t6ria lendaria do pais. Situa-se quase que na mesma latitude
como, talvez, espiritualmente mais proveitoso, recomendo-o ao
da Pondicherry, governada pelos franceses, mas nao goza da
mundo ledor, tanto do Oriente como do Ocidente.
vantagem desta ultima, que recebe as refrescantes brisas da
costa. Diariamente, um sol violento a esfola com o arremesso
Espero que ele se faca um laco a trazer ambos os hemis-
de seus dardos. Sua forma 6 desgraciosa — uma coisa desa-
ferios a uma proximidade espiritual maior, a fim de que pos-
jeitada e rude, cujas escarpas sao irregulares e fraturadas, cujo
sam cooperar na futura evolucSo de uma humanidade superior.
rosto e massa de seixos misturados e moitas espinhosas. Cobras,
lacraias, e escorpioes, emboscam-se entre as fendas de suas inu-
meraveis pedras. Durante o dia, nos meses de verao, chitas (*)
fazem seu ousado aparecimento ao escurecer, descendo a co
lina em rosnadora procura de agua.
O pico, por inteiro, nao oferece bonito panorama de con-
torno regular, rampas lisas e proporcoes equilibradas, bem ao
contrario. Mesmo sua base espalha-se, como que ao acaso,
por um circuito de oito milhas, com virios esporoes e contra-
fortes, tal como se se sentisse incapaz de resolver quando che-
garia ao fim. Sua substancia € inteiramente ignea, e de rochas
de laterita.
Um amigo da America, ge6logo, visitando-me ultimamente,
declarou que Arunachala foi atirada para a superficie da terra
sob pressao de qualquer violent a erupcao vulcanica, em 6poca
obscura, quando nem mesmo os estratos carboniferos tinham
sido formados.
(1) Carnivoro da espScie dos felidios. Pode ser domcsticado.
Datou aquela rochosa massa de granito, realmente, do
cia, eu tinha detestado. Entao, levou-me de ca para la, mas
mais recuado periodo da histdria da crosta do nosso planeta,
a sombra singular de Arunachala tombava, constantemente, so
a 6poca que precedeu, longamente, as vastas formafoes sedi-
bre o meu caminho.
meotares nas quais registros fossilizados de plantas e de ani
mals foram preservados. Existia ainda antes que os gigantes- Eu nao tinha permissao para me esquecer do meu distante
cos saurios do mundo pr£-hist6rico movessem suas formas des- captor. Contlnuamente, a pergunta relanceava atrav^s do cs-
graciosas atrav^s das primeiras florestas que cobriam nossa ter pac.0, como que trazida por algum sistema telepdtico de tele-
ra primitiva. Foi ainda mais longe, e deu o lugar como con- grafia sem fio: "Quando retornas, meu vadio? Porque de for
temporaneo da formagao da prdpria crosta da terra. Arunacha ma alguma podes escapar de mim, e tu sabes disso!"
la, afirmou ele, era quase tao antiga e tao encanecida quanto o
Sim, eu sabia. Aquele encanto peculiar que envolvia a co
nosso proprio lar planetario. Seria, na verdade, um remanes-
lina mostrou-se demasiado magn^tico para mim. Entao, final-
cente do continente desaparecido da submersa Lemuria, do
mente, voltei. Arunachala, a irresistivel, me havia reconquistado.
qual as lendas indigenas ainda conservam alguma lembranc,a.
As tradicoes tamiles ( ) nao s6 falam da imensa antigiiidade * * *
2
daquela e de outras colinas, mas sustentam que s6 mais tarde
os Himalaias foram erguidos. Seculos incontaveis, portanto,
Na noite passada resolvi subir ao cimo da colina. A noite
fizeram sentir seu peso sobre aquele monte desafiador do tem
era ocasiao estranha para come^ar tal operagao, mas, seja como
po, que tao bruscamente se erguera acima da planfcie.
for, mostrava-se mais temperada — considerafao importante aos
olhos europeus, numa regiao onde a temperatura sobe a graus
Ainda assim, o mal-parecido e senil anciao entre as altitu
fantasticos. Fiz meu caminho atrav£s das ruas desert as do po-
des teve meu coracSo empenhado hi alguns anos atras, e nao
voado ate o portao ocidental do vasto templo, que se levanta em
deixou que eu liberasse a caucao. Manteve-me prisioneiro, em
oposigao a estrada rudemente tragada. Sacerdotes e peregrinos
escravizacao intangivel e indefinivel. Aprissionou-me desde o
fazem aquele trajeto uma vez por ano, e quando terminam a
primeiro momento em que meus olhos se lan?aram sobre ele, at£
lenta subida, acendem enorme fogueira-guia no topo da colina.
o derradeiro e relutante voltar de cabe?a. Ja nao podia consi-
Minha prdpria camirihada se fez quatro dias depois da
derar-me um homem livre, quando aquelas cadeias invisiveis re*
deles, e o fogo amarelo ainda estava aceso. Manifestava-se,
tiniam ao redor de meus pes.
espasmodicamente, em nevoa pesada e leitosa que amortalha-
Mesmo quando pensei, no memoravel ano em que o Eu va o pico, dando-lhe o aspecto de fantasma gigantesco, sob
Superior estendeu sua mao e tocou-me, que a volta as distantes a luz das estrelas.
terras do Ocidente, As frias, cinzentas, mas vitalizantes terras
A lua cheia espiava para baixo, de um c£u anilado, ilu-
do Norte, salvaria minha saude das nuvens sombriamente obs-
minando a enorme estrutura que se erguia, muito alia, sobre
curecedoras da prostrafao ffsica, que pairavam, ameagadoras, so
o portao. Dois morcegos voaram rapidamente, em descida, e
bre mim, nao dimensionei corretamente a for?a daquela atrafao.
quase rogaram meu rosto. Repousei num nicho da parede, onde
O tempo cruzou comigo o oceano e fez sentir ainda mais
fiquei sentado durante alguns minutos, a contemplar a sombria
pungentes os ventos frios de Janeiro, os dias g^lidos de feverei-
silLueta que tinha a minha frente, e a sentir a paz serena da
ro, o nevoeiro lutuoso de novembro — todos aquSles elementos
noite. Algumas arvores marcavam o cenario, mas o resto era
do clima da Europa, realmente, que outrora, em minha ignoran-
rocha e p6.
Com uma lampada de bolso iluminando o caminho mal
(2) Habitantes de determlnada zona da India Meridional, definido, fui subindo, finalmente, escalando as rochas de gra
que falam o ta.mil.
nito circundadas pelos cactos, que a natureza espalhara com
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mao pnSdiga. Avancei o mais rapidamente que me foi possivel,
estreitos, apontariam, simbdlicamente, para algum ponto do
disposto a alcancar o topo antes que o sol da manha se forta-
ce\i, onde a materia desaparecia, fundindo-se com o espfrito
lecesse ate ov piountos da violencia. As n£voas se adelgac,aram, infinito? A estrutura em espiral do templo, com seus pago
tornando-se finos, semitransparentes, e movendo-se len- des voltados para cima, ofereceria silenciosa alegoria de pedra?
tamente cm redor do pico. Com sua passagem, a primeira luz Suas formas curiosamente piramidais levavam meus pensamen-
cinzenta que preludiava o alvorecer mostrou-se no oriente, atra- tos de volta ao Egito, a terra onde torres similares podiam ser
ves do povoado, e tocou a face da paisagem quando olhei em vistas sobre os velhos portoes dos templos, inteiramente des-
derredor. De vez em quando um vulto imenso de rocha fgnea pojadas, contudo, daqueles profusos e elaborados ornamentos.
avermelhada mostrava-se & beira do caminho, apresentando em Os pilones egfpcios tinham os mesmos flancos em declive, os
seus flancos as marcas do formao do canteiro — evidencia mesmos topos truncados, as mesmas estreitas escadas internas,
de que a colina tinha sido usada como pedreira e fora las- mas daf por diante a semelhanga cessava.
cada em busca do material com o qual se construiu o templo.
O gosto revelado por eles era mais simples, mais severe,
Toda a face sombria da colina depressa tomou aparencia e o resultado talvez fosse maior, mais impressive De novo
enrubescida sob a transforma?ao temporaria que sofria, diante meditei sobre a misteriosa analogia entre o antigo Egito e a
do alvorecer em crescimento. Daquele colorido viera o seu nome, India pr£-ariana, e recordei a declaracSo de um grande Vi-
dente, o Maharichi, que vivia no sop£ da colina, e que me
pois Arunachala nio 6 senao a palavra sanscrita para "Coli
contava como o continente perdido da Lemuria se estendera
na Vermelha".
inteiramente, outrora, atrav^s do Oceano Indico, envolvendo
Trope^ando um pouco, as vezes escorregando, saltando
em seus limites o Egito, a Abissfnia, e o Sul da India.
ocasionalmente por sobre fendas, reuni toda a minha energia
Eu conhecia grande quantidade de indicacoes reveladoras
para fazer rapida a subida, e quando o sol do oriente chegou
de que a sociedade e os monumentos dravidianos () do Sul
3
a difundir-se maciamente pelo horizonte, em grandes massas
da fndia derivavam da Lemuria, e que entre os colonizadores
dt violento colorido vermelho, eu havia terminado um terco
do Nilo estavam seus primos, ou parentes ainda mais pr6ximos.
da minha tarefa.
Assim, a cultura da perdida Lemuria fora levada em fluxo
A noite desaparecera completamente, as estrelas ja nao dirigido para o Ocidente, a fim de mesclar-se no Egito com a
habitavam o c6u, o dia mostrava-se em plena ascensao, e re- cultura dos atlantes(), que disseminaram sua civiliza?ao por
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pousei sobre o topa liso de um penedo, para bebericar um muitas e longfnquas regioes do Oriente Pr6ximo. De inicio,
pouco de cha e contemplar a paisagem que se estendia aos os lemurianos se instalaram no Alto Egito, enquanto os adantes
pis da colina. Todo o quadro via-se envolvido na amarelada se espalhavam pelo Baixo Egito. Dai os "E)ois Reinos", que
luz tropical que di aquela cena seu esplendoroso remate. duraram tao longamente, antes que os tempos hist6ricos tes-
temunhassem a sua uniao.
Daquela altura se recebia a visao imponente do projeto
geral do templo, planejado em meio a bazares e ruas estreitas, # * *
no centro do pequeno povoado ficando este ultimo, por sua
vez, no centro de uma grande extensao de terra, inteiramente
Fiquei ouvindo o bater monotono dos tantas, vindo do
plana. Nove altaneiros port5es-t6rres, completamente recober-
templo, e entao volvi os olhos para o ocidente, para onde se
tos com uma riqueza de figuras entalhadas, levantavam-se, em
esculturada magnificenria, do conjunto retangular cercado pelas
muralhas. (3) Povo do Sul da Asia — Da India ao Anam.
(4) Habitantes da Atl&ntida, continente altamente dvlliza-
As formas daqueles pagodes gigantescos, que iam paula-
do, que foi submerso durante um cataclismo, que at€ o present©
tinamente diminuindo, com suas bases amplas e seus cimos se considera como histdria prfeticamente lendaxia.
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estende o matagal enfezado e seco, manchas verdes parcimo-
solado, sentei-me sobre um penedo chamuscado, juntei as maos
niosamente pontilhadas de rochas de um torn castanho, de
ao redor dos joelhos, recostei-me contra uma pilha de pedras
ocasionais e enormes penedos, cujas formas se mostravam ca-
roladas, para repousar e contemplar a impressionante paisa
nrichosas e de estdreis trilhas de pedregulhos, o todo sus-
gem que tinha a volta e abaixo de mim. A luz do sol matinal
tentando'a vida arida dos cactos espinhosos e das urtigas pi-
batia-me em cheio na cabeca desguarnecida, porque eu me
cantes e farpadas.
dava ao capricho, de vez em quando, de perambular sem um
Aquela regiao estava oficialmente assinalada nos registros
capacate protetor, s6 para desafiar os raios solares e fortalecer
do Governo como Area Reservada de terra devoluta, e tinha
minha resistencia contra eles.
cerca de trezentas milhas quadradas de extensao. Toda a pai
O templo mostrava, agora, o tamanho de uma estrutura
sagem do matagal parecia envolvida numa aura de silencio.
de brinquedo, e o mundo que o rodeava se havia tornado re
Aquela planta agreste e misteriosa, o cacto de aspecto selva-
mote. Eu podia sentar-me, confortavelmente, separado do tea-
gem, mostrava-se ubiqua e abundante ali, de forma que para
tro planetario que fora o palco de minhas atuacoes durante tan-
onde quer que se olhasse, esporoes de um cinzento esverdeado
tos anos. Daquele pico final podia avaliar as atividades e as
apontavam, como que desafiando o mundo. O cacto selva-
pessoas, tanto do Oriente como do Ocidente, com as quais
gem 6 uma dessas plantas que prosperam em circunstancias ad-
tinha sido posto em contato, mas, especialmente, as do Oci
versas. As cobras tem predilecao especial pelas suas raizes
dente. ]
retorcidas. La em baixo, na planicie, amendoim e arroz, os
Observei um enorme abutre que pairava sobre mim, alto,
dois principais produtos alimenticios, eram alternadamente cul-
no c£u, precipitar-se depois para baixo, fazendo circulos, vindo,
tivados. Os arrozais, rodeados de pitorescas palmeiras ou de
finalmente, empoleirar-se sobre um penedo quadrado, agarrando-
coqueiros vastamente carregados de frutos, formavam brilhan-
-se a ele com suas feias e imensas garras. Depois de alguns
tes ilhas verdes no mar circundante de poeira escura.
grasnidos estridentes compos suas penas, de maneira desa-
Em torno da base da colina corria um estrada circular,
jeitada, mostrando o horrivel pescoco, vermelho e implume.
suas margens salpicadas de curiosos santuarios e templos em
A minha esquerda havia enorme caldeirao preto, e em re-
miniatura, agora decrepitos pelo atrito dos anos, e quase que
dor dele varios potes de barro, vazios, que tinham contido a
reduzidos a pedras e p6. No todo, era uma bonita regiao
canfora e o oleo de manteiga usados para alimentar a fogueira-
rural, com seus declives, arvores, rochas e acudes.
-guia, todos os anos. O caldeirao ainda ardia, e as ultimas cha-
A estrada levava ao lei to pedregoso e ingreme de um
mas fumacentas apareciam por sobre a sua borda. A tradicao
riacho que socara. Algumas cavernas tinham sido cavadas em
antiga dedicara aquela coluna e seu templo ao deus Chiva ( )
5
seus flancos, e outras deviam sua formacao a Natureza, atra-
que aparecera no topo sob a forma de um jato de chamas. Por
ves de grandes pilhas de penedos. Suas entradas, as vezes,
isso, o costume estabelecera o habito de acender a fogueira-
eram resguardadas por moitas baixas e bravias. Em certa
-guia como recorda^ao anual do acontecimento que terminara
£poca tais cavernas representavam refugio natural para leopar-
com as trevas que outrora envolviam o mundo. Imensa era
dos e tigres, mas agora os animais tinham desaparecido, dei-
a felicidade prometida ao adorador que, no topo da colina,
xando-as vazias, ou ocupadas por eremitas e monges que ha-
avistasse a primeira labareda a saltar do caldeirao, na escura
viam renunciado ao mundo, afastando-se dos confortos e pra-
noite de dezembro. Pensei que, embora tendo perdido a opor
zeres da vida.
tunidade de ter aquela boa fortuna, podia, pelo menos, satis-
Com o rosto voltado para cima, continuei a subida escar-
pada. Meu sapatos iam moendo lascas de rochas contra o pe-
dregulho vermelho, a proporcao que eu subia. Quando, por
(5) Chiva, ou Siva, 6 uma das divindades da trindade do
tun, alcancei o t6po pr6priamente dito, tao estranhamente de-
hindulsmo — Brama, Vixnu, e Siva.
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fazer-me com a idem de que era a ultima pessoa a observar,
^ O Sabio selecionou, certa vez, alguns versos de antiga
naquele ano, a morte da chama.
escritura historica da India, que se refere a essa notavel co
Na verdade, ja tinha encontrado minha propria boa sorte
lina. Tal escritura, conhecida como Skanda Purana, e, ela
e nao precisava de outra, porque de hi muito descobrira um
propria, de imensa antigiiidade. Seus versos selecionados aqui
dos ultimos super-homens espirituais da India, em seu ere-
vao, livremente traduzidos:
miterio, que dormia entre os coqueiros, no sop£ da colina.
Nao era outro senao o misterioso Maharichi, o "Grande V i- Este e o lugar sagrado! Arunachala £ o mais sa-
grado de todos! Ela e o coragao do mundo. Deves
dente", o Sabio Iluminado de Tiruvannamalai. "Sentei-me a
saber que ela £ o secreto e sagrado centro do coragao do
seus p&", conforme diz, poeticamente, a antiga frase da India
deus Chiva! Neste lugar ele sem pre existe como o glo-
referente ao aprendizado, e aprendi desse modo, atrav£s de
rioso Monte Aruna.
uma experiencia dinamica, de que materia divina e imortal e
feito o homem. Que fortuna maior do que essa podemos n6s, Chiva disse: "Embora realmente violento, o apa-
insignificantes mortais, exigir? recimento sombrio de uma colina neste lugar se deve h
graqa e h amorosa solicitude pelo erguimento espiritual
A meio caminho da descida da colina, e de certa forma
do mundo. Aqui eu sem pre re sido como o Ser Perfeito.
inclinando-se para um dos lados, no qual um riachinho de
Medita, entao, que do coragao da Colina emana a gloria
agua fria e cristalina saltava de uma fenda entre as rochas es-
espiritual, dentro da qual estao contidos todos os mundos.
caldantes, havia uma grande caverna natural, onde o Maharichi
Aquela cuja visao e suficiente para remover todos
tinha morado, desconhecido e despercebido, sem reconheci-
os pecados que impedem as criaturas vivas de conhecer
mento e sem apreciacao por parte dos demais, durante um pe-
sua verdadeira natureza espiritual, e est a gloriosa Aru
riodo de sua jovem, ascetica, e quietistica ( ) masculinidade.
6
nachala.
Ano apos ano ele deve ter ficado ali, contemplando a mesma
O que nao pode ser adquirido sem infinito sofri-
paisagem, observando afastadamente a humanidade, daquela al-
mento — a verdadeira significagao das misticas revela-
tura, observando o mundo representado pelo templo e pela
goes das escrituras — e facilmente apreendido por todos
povoacao que acola estavam, o mundo que ele deixara. Tres
aqueles que contemplem diretamente esta Colina, ou mes
ou quatro eremiterios maiores, cada um deles abrigando alguns
mo concentrem seus pensamentos nela, se estao distantes.
anacoretas ( ) ficavam espalhados pela colina.
7
7
Ordeno que a moradia dentro de um circulo de
Naquela sombria caverna o Maharichi havia passado horas
trinta milhas desta Colina seja o suficiente para redimir
incontaveis de intensa concentrac,ao espiritual, em paz asce
todos os defeitos e mesclar o homem com o Espirito
tica, fechado nos refolhos de seu proprio coracao, onde a di-
Supremo**
vindade habitava. Ficava sentado, imdvel como um rochedo
no oceano, pernas cruzadas, em meditacao. Imaginamos, to-
lamente, que um homem assim deixou de manter-se ao nivel Mas nao i preciso que se va tao longe naquele livro mal-
da tumultuosa marcha da vida. Nunca nos ocorre que ele pos- tratado pelo tempo para descobrir a mistica reputacao de Aru
sa ter ultrapassado de muito essa marcha. nachala. Porque o proprio Maharichi compos alguns curtos
poemas em prosa, de singular sentimento patetico( ), diri-
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gidos a Colina. Tomo alguns versos, ao acaso, e ligoos frou-
^ i „ « ao Quietismo, sistema mistico que v6 a per-
( 6) R e l a t i vo
ieic&o no amor de Deus e na vida contemplativa.
(8) Qualidade na fala, no escrito, ou no acontecimento, que
temp lItiva ° P
( Pe880a q UC F e t l ra d m u n do a ra f a z er v l da c on
provoca piedade ou tristeza.
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