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O Jovem Médico
Robin Cook
Título original: THE YEAR OF THE INTERN
Tradução de: MARIA LUÍSA GONÇALVES DOS SANTOS
1972
Este livro é dedicado ao ideal da Medicina que todos nós acalentamos
ao entrarmos para a escola médica.
AGRADECIMENTOS
Este livro foi escrito sob as águas do oceano Pacífico, quando o seu
autor se encontrava a efetuar uma operação de patrulha a bordo do
submarino "Polaris U.S.S." e a sua execução não teria sido possível
sem a gentileza e a compreensão do comandante James Sagerholm.
Para ele aqui fica a minha profunda gratidão.
Os agradecimentos vão também para Craig Van Dyke, médico
psiquiatra em formação, cuja experiência pré-profissional permitiu
apoiar o autor ao longo de muitas noites sombrias de dúvida e revisão.
A PRIMEIRA PALAVRA
Os Americanos agarram-se aos seus mitos. Em parte alguma esse
fato se toma mais evidente do que no reino altamente emocionante da
medicina e da assistência médica. As pessoas acreditam naquilo em
que sempre acreditaram e ignoram ou rotulam de falso tudo o que
ameaça a cômoda confiança que depositam nos seus médicos
pessoais ou no tipo de tratamento médico que possam receber.
Só há muito pouco tempo, e com relutância, o público começou, de
um modo geral, a libertar-se da suposição complacente de que o
pessoal e a assistência médica dos Estados Unidos são os melhores
do mundo. E até mesmo este despertar forçado foi despoletado mais
por motivos de caráter econômico do que pela razão em si, mais pela
subida dos custos da assistência médica do que pela qualidade desta.
Embora a Sr.a Brown possa reconhecer que há coisas que não estão
bem, continua a apegar-se, não obstante, à convicção de que o seu
querido médico pessoal da esquina da rua é o melhor da cidade - um
homem tão extraordinário! E todos aqueles jovens internos, Deus os
abençoe - tão dedicados e benfazejos!
A base que sustenta esta admiração pelo mundo médico tem raízes
profundas na psique do americano moderno. 0 seu romance com a
medicina é demonstrado pelas horas que, diariamente, passa em
frente do televisor, assistindo ao triunfo do diagnóstico e da
terapêutica dos médicos oniscientes.
Tal romantismo, com a credibilidade que lhe está associada, e,
conseqüentemente, a tolerância limitada de que se reveste, toma a
apresentação de idéias contrárias extremamente difícil. Esse é, apesar
de tudo, o objetivo a que este livro se propõe retirar a mitologia e
mística contemporâneas ao ano de internato médico e demonstrar a
dura realidade que lhe é inerente. Os efeitos psicológicos que o
internato exerce sobre o médico são profundos. (Então imaginem as
conseqüências que o mesmo não tem sobre um exército interminável
de doentes!)
Peço fervorosamente ao leitor que adote um espírito aberto, pondo de
lado essa tendência quase irresistível de glorificar a medicina e as
pessoas nela envolvidas e tente compreender os verdadeiros efeitos
que o internato exerce sobre o indivíduo em si. As pessoas que se
encontram inseridas no mundo da medicina são pessoas comuns,
dominadas por toda uma série de fraquezas - ira, ansiedade,
hostilidade, egocentrismo. Quando colocadas num meio ambiente
adverso, reagem como pessoas, não como curandeiros super-
humanos. E apesar dos dramas apresentados na televisão, o
internato, tal como hoje se processa, é um meio ambiente adverso.
(As horas de sono insuficientes podem, só por si, explicar toda uma
série de comportamentos aberrantes; estudos recentes demonstraram
que o indivíduo privado de horas de sono suficientes depressa
se toma esquizofrênico.)
Todos os acontecimentos aqui descritos são reais. Eles fazem parte
dos dias típicos - não esporádicos - da vida de um médico interno. 0
próprio Dr. Peters representa uma síntese das minhas próprias
experiências e da daquelas que foram vividas pelos meus colegas
internos. Assim, ele possui facetas de várias pessoas reais. Embora
não demonstre as aberrações de qualquer personalidade psicossocial
em particular representa, não obstante, em maior ou menor grau,
todos os internos. O fato de aparecer, muitas vezes, como um
indivíduo vencedor e reivindicativo que falha socialmente ao mesmo
tempo que progride profissionalmente, não deve surpreender. É certo
que o Dr. Peters evolui consideravelmente em termos de
conhecimentos e experiência médica; adquire, de igual modo, uma
atitude mais objetiva em relação à morte. Simultaneamente, contudo,
verifica-se uma intensidade concomitante na sua raiva e hostilidade,
que conduz a um isolamento mais profundo, a um comportamento
mais alheio ao mundo exterior, a fortes sentimentos de auto-
compaixão e a uma incapacidade de estabelecer relacionamentos
interpessoais significativos.
São apresentados aqui outros aspectos da prática da medicina que
irão colidir com crenças estabelecidas. Volto a implorar ao leitor que
ignore os preconceitos, que se lembre de que a maior parte da
impessoalidade e da anonimidade que caracteriza o relacionamento
com os pacientes é apenas o resultado inevitável da familiaridade que
existe em relação aos males humanos.
Essa impessoalidade pode, como é evidente, ser levada a extremos
em que o paciente cessa inteiramente de ser um indivíduo e
transforma-se num mero objeto a ser tratado. Este comportamento é,
sem dúvida, patológico. 0 perigo potencial de se atingir este estado é
bem real para o interno. De fato, ele é, virtualmente, levado a adotar -
normalmente sem que o orientem nesse sentido - essa atitude,
impelido pela sua natureza.
Antecipando-me a uma crítica específica: como o Dr. Peters começou
a exercer a sua profissão num hospital-escola regional em vez de o
fazer num centro médico universitário, alguns poderão objetar que as
conclusões porventura retiradas deste livro só deverão ser aplicadas a
esse meio. Talvez esse comentário tenha algum mérito, no entanto
não acredito que diminua a validade do meu argumento central. Pelo
contrário, as experiências vividas por Peters poderiam, perfeitamente,
ser intensificadas se tivessem tido lugar num centro universitário. 0
espírito de competição que nesses locais existe entre os médicos
internos -o jogo de se adiantar sempre ao tipo que vai na frente - é, na
maior parte dos casos, mais severo, e nesse contexto é muito
provável que o trabalho de investigação e pesquisa na literatura
médica ocupem, no sistema habitual de valores, uma maior atenção
do que os pacientes em si. Penso que as experiências vividas pelo Dr.
Peters se aplicam, na sua essência, tanto aos programas de ensino
comunitários como aos universitários. Os acontecimentos que tiveram
lugar na sua vida são consubstanciados por uma convincente
similaridade de incidentes que me foram relatados por vários médicos
de cada um dos dois tipos de internato existentes.
O meio hospitalar que não é aqui representado é o do hospital que
não exerce as funções de escola, de universidade. Assim, é possível
que essa crítica se aplique, efetivamente, ao internato efetuado nesse
gênero de instituições.
O manuscrito deste livro foi lido por oito médicos, nenhum deles com
mais de três anos passados sobre as respectivas experiências de
internato. Foram unânimes em concordar, com exceção de um único,
que o seu conteúdo é autêntico, friamente realista e totalmente
representativo da situação vivida por cada um deles. 0 dissidente
afirmou que os médicos que se encontravam a prestar serviço no
hospital em que fizeram o seu internato tinham sido mais eficientes e
prestimosos nos ensinaMentos administrados, mais sensíveis às suas
necessidades do que aqueles que aqui são descritos. Este médico
fizera o seu internato num centro médico universitário da costa
ocidental.
Talvez a lição a retirar deste fato seja a de que todos os médicos
recém-formados deveriam passar a sua fase de internato hospitalar
em locais semelhantes àquele em que ele esteve.
Volto a afirmar que se trata de um livro onde são relatados casos
verídicos. Se não representa todos os médicos internos de todos os
hospitais, fá-lo, no entanto, em relação à maioria em muitos desses
estabelecimentos. Reflete, com toda a honestidade, uma situação
generalizada, que é desanimadora no mínimo e perigosa na pior das
hipóteses. Razão suficiente para ter escrito Jovem Médico.
Dia 15