Table Of ContentBelo Horizonte | Veneza
DIRETOR EDITORIAL ÂYINÉ
Pedro Fonseca
COORDENAÇÃO EDITORIAL
André Bezamat
CONSELHEIRO EDITORIAL
Simone Cristoforetti
PRODUÇÃO EDITORIAL
Fábio Saldanha
EDITORA ÂYINÉ
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+55 (31) 32914164
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PAUL VALÉRY
MAUS PENSAMENTOS & OUTROS
TRADUÇÃO Pedro Sette-Câmara
REVISÃO Maria Fernanda Alvares
TÍTULO ORIGINAL:
MAUVAISES PENSÉES ET AUTRES
© 2016 EDITORA ÂYINÉ
IMAGEM DA CAPA: Julia Geiser
PROJETO GRÁFICO: Estúdio Âyiné
UMA PRODUÇÃO: Zuane Fabbris Editor
SUMÁRIO
Maus pensamentos & outros 7
Biografia 173
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A
Não se esqueça de que toda mente é moldada pelas experiências mais banais.
Dizer que um fato é banal é dizer que é um daqueles que mais concorreram para a
formação das tuas ideias essenciais. Ele entra na composição da tua substância
mental mais do que 99% das imagens e das impressões sem valor. E acrescenta que
as vistas estranhas, os pensamentos novos e singulares tiram todo seu valor desse
fundo vulgar que os ressalta.
*
A origem da “razão”, ou da noção de razão, é talvez a transação. É certo que é
necessário transigir, ora com a “Lógica”, ora com o instinto ou a intuição; ora com os
fatos. Tenta, portanto, todas as vezes que a palavra Razão vier a ti, ou de ti mesmo
ou de outros, trocá-la por “transação”. Assim, acaba-se a deusa…
*
Há em nós certezas inexplicáveis e dúvidas sem causa, o que produz místicos e
filósofos. Como nada consegue explicar as primeiras nem justificar as segundas,
somos levados a pensar que, em um milhão de homens, dúvidas e certezas estão
distribuídas como “ao acaso”…
*
O objeto próprio, único e perpétuo do pensamento é: aquilo que não existe.
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Aquilo que não está diante de mim; aquilo que foi; aquilo que será; aquilo que
é possível; aquilo que é impossível.
Às vezes esse pensamento tende a realizar, a elevar ao verdadeiro aquilo que
não existe; e às vezes a tornar falso aquilo que existe.
*
Todo pensamento é uma exceção a uma regra geral que é: não pensar.
*
O pensamento talvez seja apenas uma peculiaridade que a natureza oferece a
uma espécie, do mesmo modo que ela produz aqueles chifres de ruminantes raros
ou desaparecidos que podem ser vistos nos museus: armas ou enfeites tão
curiosamente extensos, encaracolados ou espiralados, ou tão frondosos que
chegam a ser mais incômodos do que inúteis ao animal que coroam.
Não? Por que não? Nossa cabeça está carregada de questões e de ideias
enredadas na floresta dos fatos, e ela nos mantém embaraçados, orgulhosos de
estar assim, condenados a bramir poemas e hipóteses – orgulhosos e desesperados.
*
O aguilhão de cada vida intelectual é a convicção do fracasso, ou do aborto, ou
da insuficiência das vidas intelectuais anteriores.
*
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Notei que, entre os partidários e os adversários de uma tese qualquer (e que
por ela são unidos), a grande maioria se compõe de pessoas que não a conhecem
realmente.
Também reparei que aquilo que chamamos de “convicção” não passa da falsa
atitude enérgica exigida pela consistência frágil própria de uma opinião. Toda a força
colocada na forma – mesmo interior – é sinal de dúvidas voluntariamente
reprimidas.
Enfim, quando se diz que uma teoria “consegue se sustentar”, não se está
dizendo que ela precisa de alguém que a sustente? Por si própria, ela cai, e que caia.
*
Julga as inteligências observando para onde elas se inclinam. Algumas que se
apresentam como grandes só levam seu homem ao vazio. Se seus pensamentos se
desenvolvessem, elas morreriam de inanição. É preciso compreender que as ideias
só possuem valor transitivo. Uma ideia só vale pela expectativa que instiga e pelas
chances que traz de uma perfeição maior de nosso ser, que reagirá sobre ela, e
levará ela própria a um estado superior de simplicidade, de riqueza e de esperança.
É por isso que não se deve construir sistemas. Um sistema é uma parada. É
uma desistência. Parar numa ideia é parar sobre um plano inclinado, é um falso
equilíbrio. Não existe ideia que tenha seu fim em si mesma e que interdite ou
absorva todo desenvolvimento ou toda resposta ulterior. Essa parada sobre um
plano inclinado deve-se portanto a alguma resistência passiva. Por exemplo, a
grande satisfação que se tem ao encontrar certa solução ou certa fórmula, e que
seduz a deter-se nele, a fixá-la, a torná-la pública, é uma resistência desse tipo,
assim como seriam o cansaço ou qualquer outra causa alheia ao pensamento por ela
interrompido.
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*
Toda filosofia poderia ser reduzida a procurar laboriosamente aquilo mesmo
que se sabe naturalmente.
Ou a isto: descobrir, por meditações e confrontos que aquilo que se enxerga
no espelho e aquele que o mira têm algumas propriedades comuns ou indivisas.
Buscar alguma coisa pode ter uma importância maior do que trazer prazer ou
dor, bem-estar ou incômodo?
*
Que todos os sistemas terminam em mentiras, não há dúvida. O contrário
seria impossível, e não natural.
Quanto a seus começos, pode-se discutir sua boa-fé.
*
FALSOS FILÓSOFOS
Aqueles engendrados pelo ensino da filosofia, pelos programas. Nestes, eles
aprendem problemas que não teriam inventado e que não sentem. E eles os
aprendem todos!
Os verdadeiros problemas dos verdadeiros filósofos são aqueles que
atormentam e que tornam a vida incômoda. O que não quer dizer que eles não
sejam absurdos. Porém, ao menos esses nascem em vida – e são verdadeiros como
as sensações.
*
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