Table Of ContentROSSANA SAMARANI VERRAN
INVENTÁRIO CIENTÍFICO DO BRASIL NO SÉCULO XVIII: A
CONTRIBUIÇÃO DE ALEXANDRE RODRIGUES FERREIRA PARA O
CONHECIMENTO DA NATUREZA E DOS ÍNDIOS
Tese de Doutorado apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em História, da Faculdade
de Filosofia e Ciências Humanas da Pontifícia
Universidade do Rio Grande do Sul, como
requisito à obtenção do título de Doutor em
História: área de concentração: História das
Sociedades Ibero-Americanas.
Orientadora: Profª. Drª. Ruth Maria Chittó Gauer
Porto Alegre
2006
ROSSANA SAMARANI VERRAN
INVENTÁRIO CIENTÍFICO DO BRASIL NO SÉCULO XVIII: A
CONTRIBUIÇÃO DE ALEXANDRE RODRIGUES FERREIRA PARA O
CONHECIMENTO DA NATUREZA E DOS ÍNDIOS
Tese de Doutorado apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em História, da Faculdade
de Filosofia e Ciências Humanas da Pontifícia
Universidade do Rio Grande do Sul, como
requisito à obtenção do título de Doutor em
História: área de concentração: História das
Sociedades Ibero-Americanas.
Aprovada em ____________ de ____________ de 2006.
Banca Examinadora:
________________________________________________
Orientadora: Profª. Drª. Ruth Maria Chittó Gauer – PUCRS
________________________________________________
Profª. Drª. Beatriz Teixeira Weber – UFSM
________________________________________________
Profª. Drª. Núncia Santoro de Constantino – PUCRS
________________________________________________
Prof. Dr. Celso de Paula Rodrigues – IPA
________________________________________________
Prof. Dr. Eduardo Neumann – UFRGS
À memória de meu pai, à minha mãe e
aos meus amados filhos Frederico e
Carolina.
AGRADECIMENTOS
À minha orientadora Profa. Dra. Ruth M. C. Gauer, que esteve presente em
todos os momentos da pesquisa, com seu apoio e dedicação.
Aos meus colegas de curso, pelas idéias trocadas ao logo deste percurso,
sempre de grande valia.
Faço um especial agradecimento ao Prof. Dr. José Pereira da Silva, da UERJ,
que cedeu, para execução dessa pesquisa, os arquivos digitalizados da
documentação de Alexandre Rodrigues Ferreira.
RESUMO
A tese apresenta uma proposta de análise da documentação referente à “Viagem
Filosófica pelas capitanias do Grão-Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá”
empreendida pela Coroa Portuguesa e chefiada por Alexandre Rodrigues Ferreira
entre os anos de 1783 e 1792. Parte-se dos pressupostos teórico-metodológicos da
História das Idéias, para a qual o objeto de estudo são as idéias que, para além de
um indivíduo ou de um campo de conhecimento específico, atingem grupos e
movimentos sociais. A idéia de ciência moderna, no século XVIII, havia ultrapassado
os limites do campo específico das ciências da natureza, alcançando grande
difusão. As novas teorias da física após a síntese newtoniana demonstraram uma
capacidade de explicação dos fenômenos da natureza e de previsão do futuro
anteriormente desconhecidas. O Estado Absolutista Português pautou suas ações
político-administrativas nestas idéias, para o assunto da tese importa lembrar a
Reforma da Universidade de Coimbra e a conseqüente criação do Curso de Filosofia
Natural. Assim que se formou, o naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira foi
escolhido para chefiar uma expedição científica pelas regiões da Amazônia e
Centro-Oeste do Brasil com o objetivo de inventariar todos os recursos naturais do
país; de elaborar mapas e fazer a demarcação do território colonial pertencente à
Coroa Portuguesa e de investigar a cultura indígena. Em sua bagagem o naturalista
levou os conhecimentos obtidos nos anos de estudo em Coimbra. Sua pesquisa
seguiu rigorosamente os procedimentos do método científico da época. As
classificações de animais e plantas basearam-se no sistema de nomenclatura
binária de Lineu, a observação empírica fundamentou as análises e as descrições
demonstravam objetividade. Na análise da cultura indígena, os mesmos parâmetros
científicos foram utilizados. O contato com a alteridade, no entanto, suscitou
questões complexas que não poderiam facilmente ser elucidadas pelo conhecimento
científico do século XVIII, nestes momentos a empiria substituiu a teoria e o
naturalista limitou-se a observar e descrever seu objeto de estudo: o índio.
Palavras-chave: Ciência moderna, Viajantes do Século XVIII, Filosofia Natural,
Cultura indígena, Iluminismo Português.
ABSTRACT
The main objective of this research is to present a suggestion of analyzes of a
documentation related to “Philosophical Trip to Jurisdictional Provinces in Grã-Pará,
Rio Negro, Mato Grosso and Cuiabá” that was organized by the Portuguese Crown
whose leader was Alexandre Rodrigues Ferreira - from 1783 to1792. We took into
consideration the theoretical and methodological presuppositions of the History of
Ideas. The object studied were the ideas that go beyond the individual person or the
specific field of knowledge – its reflections can be observed in groups as well as in
social movements. In the XVIII century, the conceptions of the modern science
surpassed the limits of the specific science of nature – its reflections were of an
ample spectrum. The new physics theories, after the summary of Newton’s thoughts,
demonstrated a brand new way to explain the phenomenon of nature and also the
prediction of the future that were not known before. The Portuguese Absolutist State
based its political and administrative actions on the former ideas. In this study, we
have to highlight the Reformation of Coimbra University as well as the creation of the
Natural Philosophy Course. After the naturalist, Alexandre Rodrigues Ferreira,
graduated, he was chosen the leader of the scientific expedition to Amazon and
Central West regions in Brazil in order to inventory all natural resources in the
country, to draw up maps, to fix the boundaries of the colonial territory that belonged
to the Portuguese Crown and also to investigate the Indians’ culture. The naturalist
had all the knowledge acquired at University of Coimbra to achieve his objectives.
His research followed rigorous procedures of the scientific method that was being
used at that time. The classifications of animals and plants were based on Lineu’s
binary system of nomenclature, the empirical observation was based on the analysis
and the descriptions showed objectivity. While analyzing the Indian culture, the same
scientific parameters were applied. However, in the contact with the other, many
complex questions were trigged that could not easily be explained by the scientific
knowledge of the XVIII century. Thus, the empirical basis substituted the theory, and
the naturalist just observed and described his object of study – that was the Indian.
Key-words: Modern Science, Travelers of the XVIII Century, Natural Philosophy,
Indian Culture, Portuguese Enlightenment.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO............................................................................................................9
1 O PENSAMENTO DO SÉCULO XVIII...................................................................26
1.1 A CIÊNCIA E A REPRESENTAÇÃO DO MUNDO...........................................26
1.2 A RE-APRESENTAÇÃO DO UNIVERSO PELA CIÊNCIA MODERNA............35
1.3 OS QUESTIONAMENTOS DO SÉCULO XVIII................................................47
1.4 O ILUMINISMO PORTUGUÊS.........................................................................51
1.5 A POLÍTICA REFORMISTA DO ESTADO ABSOLUTISTA PORTUGUÊS......54
1.6 A REFORMA NA UNIVERSIDADE DE COIMBRA...........................................56
1.7 A CRIAÇÃO DO “CURSO MATEMÁTICO” .....................................................59
1.8 A CRIAÇÃO DO "CURSO FILOSÓFICO" ........................................................67
2 AS VIAGENS E A FILOSOFIA NATURAL NO SÉCULO XVIII: NOVAS FORMAS
DE VER O MUNDO................................................................................................75
2.1 A FILOSOFIA NATURAL..................................................................................75
2.2 UM NOVO HOMEM..........................................................................................83
2.3 UM NOVO PROFISSIONAL: O FILÓSOFO NATURAL....................................89
2.4 OS VIAJANTES NATURALISTAS E A DESCOBERTA DO NOVO MUNDO...94
2.5 FRAGMENTOS BIOGRÁFICOS DA VIDA E DA OBRA DE ALEXANDRE
RODRIGUES FERREIRA ...............................................................................109
2.6 A VIAGEM E ALTERIDADE AMERICANA: A ELABORAÇÃO DE UM NOVO
CONHECIMENTO...........................................................................................119
2.7 A “VERDADE” NOS RELATOS DE VIAGENS...............................................127
3 O CONHECIMENTO DA NATUREZA ATRAVÉS DA FILOSOFIA NATURAL...144
3.1 O DOMÍNIO DO ESPAÇO ATRAVÉS DA CIÊNCIA MODERNA....................144
3.2 A NATUREZA TORNA-SE OBJETO DA CIÊNCIA MODERNA......................151
3.2.1 A Classificação Botânica e Biológica de Lineu.......................................153
3.2.2 O Professor Domingos Vandelli.............................................................156
3.3 “A VIAGEM FILOSÓFICA” E O LEVANTAMENTO DOS RECURSOS
NATURAIS DA COLÔNIA...............................................................................161
3.4 ALEXANDRE RODRIGUES FERREIRA E A CONSTRUÇÃO DE UM NOVO
CONHECIMENTO A RESPEITO DA NATUREZA BRASILEIRA....................165
3.5 A POLÍTICA PORTUGUESA DE OCUPAÇÃO DO TERRITÓRIO BRASILEIRO
NO SÉCULO XVIII..........................................................................................171
3.6 MEDIDAS POLÍTICO-ADMINISTRATIVAS QUE CONSOLIDARAM A
CONSTRUÇÃO DAS FRONTEIRAS NO BRASIL DO SÉCULO XVIII......... 177
3.7 A OCUPAÇÃO DO TERRITÓRIO PELOS NOVOS “SÚDITOS DO REI”.......180
4 A COMPREENSÃO DA DIFERENÇA: A DESCRIÇÃO DO ÍNDIO A PARTIR DA
FILOSOFIA NATURAL........................................................................................190
4.1 AS PRIMEIRAS IMPRESSÕES A RESPEITO DO OUTRO...........................190
4.2 O CONHECIMENTO A RESPEITO DO HOMEM: O INDÍGENA TORNA-SE
OBJETO DE ESTUDO DA FILOSOFIA NATURAL.........................................193
4.3 O EU E O OUTRO COMO CAMPOS DE INVESTIGAÇÃO............................198
4.4 CORPOS DESFIGURADOS: OS MONSTRUOSOS......................................207
4.5 O “ESPÍRITO” DOS INDÍGENAS...................................................................215
4.6 A “CONSTITUIÇÃO MORAL” DOS INDÍGENAS............................................228
CONCLUSÃO.........................................................................................................238
REFERÊNCIAS.......................................................................................................246
INTRODUÇÃO
Esta pesquisa é o resultado do interesse despertado pela leitura de parte da
obra de Alexandre Rodrigues Ferreira publicada pelo Conselho Federal de Cultura1.
A idéia de ciência moderna e sua influência no Iluminismo Português foi o tema de
minha dissertação de mestrado, na qual analisei, entre outras questões, a Reforma
Pombalina na Universidade de Coimbra e a criação dos cursos de Matemática e
Filosofia Natural. Durante a execução desta pesquisa, fiz um levantamento das
informações a respeito dos Egressos da Universidade de Coimbra no período
posterior à Reforma que poderiam ser encontradas nas bibliotecas mais próximas,
foi então que tive contato com a obra citada acima.
Sabendo tratar-se esta publicação de apenas uma parte do acervo
documental bem mais extenso referente à “Viagem Filosófica” empreendida no final
do século XVIII pela Coroa Portuguesa, procurei maiores informações sobre a
localização do mesmo. Para dar andamento à pesquisa, tornou-se necessário, em
janeiro de 2004, visitar a Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, onde se encontra a
maior parte do acervo em micro-filmes. A exploração inicial de alguns documentos
foi suficiente para constatar a riqueza de possibilidades para a pesquisa que oferece
a documentação.
Posteriormente entrei em contato com o Prof. Dr. José Pereira da Silva que
anos antes havia orientado um projeto de pesquisa que visava a transcrição,
digitalização e organização de todo o acervo referente a Alexandre Rodrigues
1 FERREIRA, Alexandre Rodrigues. Viagem Filosófica pelas Capitanias do Grão-Pará, Rio Negro,
Mato Grosso e Cuiabá. Conselho Federal de Cultura, 1974.
10
Ferreira para posterior publicação. Os primeiros exemplares da obra, fruto deste
projeto de pesquisa, já haviam sido publicados. Gentilmente, o professor cedeu em
CD os arquivos com a documentação transcrita para a utilização nesta pesquisa.
A decisão de eleger como objeto de pesquisa os relatos da “Viagem
Filosófica” explica-se em função de ter sido Alexandre Rodrigues Ferreira um
profissional formado pela Universidade de Coimbra no período posterior às
Reformas Pombalinas, o que significa que sua formação baseou-se nos princípios
da ciência moderna, tema que daria continuidade ao assunto que eu já vinha
pesquisando desde o mestrado.
A partir de 1775, D. José I, rei de Portugal e seu ministro, o Marquês de
Pombal, empreenderam diversas reformas de cunho iluminista no reino. Apesar de
não haver uma uniformidade nas idéias do Iluminismo europeu do século XVIII,
todas as linhas de pensamento tinham em comum a consciência da mudança como
sendo um fenômeno positivo na vida humana e na história. Neste período, a idéia de
progresso estava ganhando cada vez mais forma a partir de uma nova concepção
de tempo, que concebia o mesmo como sendo aberto e linear.
Segundo os iluministas, a ciência e a política deveriam ser assuntos
independentes da fé. Muitas universidades da Europa passaram por reformas, assim
como todo o sistema de ensino. Os governantes entendiam que ser necessário um
processo de retirada do poder das mãos da Igreja Católica tanto no que se refere à
política quanto à educação. A atuação do Estado Português na perseguição aos
jesuítas, que anteriormente dominavam o sistema educacional, e as suas
divergências com a Igreja não significavam um ideal anti-religioso, mas uma
preocupação em impor limites e definir papéis tanto para a Igreja, a qual deveria
caber apenas a esfera espiritual, quanto para o Estado ao qual caberiam as
decisões políticas e administrativas.
Com a Reforma da Universidade de Coimbra em 1772, D. José I pretendia
oficializar o ensino científico no Reino Português. Para isso implantou-se no currículo
dos cursos universitários as bases da nova ciência. Anteriormente, este estudo
ficava restrito às academias, como a Academia de Ciências de Lisboa, não era
ministrado nas instituições de ensino. Foram criados novos cursos: o de Matemática
Description:reafirmada como falsa e herege. Apesar disso, Galileu já tinha dito e provado uma série de coisas que abalaram o mundo medieval. Durante o século