Table Of ContentOLAVO
DE
CARVALHO
Inteligência,
Verdade
e
Certeza
Introdução
ao
Seminário
Permanente
de
Filosofia
e
Humanidades
RIO
DE
JANEIRO
INSTITUTO
DE
ARTES
LIBERAIS
1995
Hic
homo
singularis
intelligit.
STO.
TOMÁS
DE
AQUINO
1.
INTELIGÊNCIA
⎯
O
QUE
É?
...............................................
7
2.
NÃO
EXISTE
INTELIGÊNCIA
ARTIFICIAL
....................
10
3.
EVIDÊNCIA
E
CERTEZA
.....................................................
16
4.
INTELIGÊNCIA
E
VONTADE
.............................................
18
5.
PEQUENAS
E
GRANDES
VERDADES
..............................
22
6.
DEMISSÃO
DOS
INTELECTUAIS
.....................................
23
7.
“OPINIÃO
PRÓPRIA”
E
“JULGAMENTO
AUTÔNOMO”28
8.
O
ESTADO
DE
DÚVIDA
......................................................
29
9.
A
AUTOCONSCIÊNCIA,
TERRA
NATAL
DA
VERDADE33
10.
OS
GRAUS
DE
CERTEZA
.................................................
34
11.
A
TOPOGRAFIA
DA
IGNORÂNCIA
...............................
39
12.
A
IDÉIA
PURA
DE
CIÊNCIA
............................................
43
13.
CONDIÇÕES
DE
EXEQÜIBILIDADE
DESSA
IDÉIA....
50
4 OLAVO DE CARVALHO
14.
OS
DISPOSITIVOS
DE
REGISTRO
................................
68
15.
OS
ESQUEMAS
...................................................................
70
16.
OS
QUATRO
DISCURSOS
................................................
75
17.
A
EVOLUÇÃO
DA
CULTURA
..........................................
78
Este
livro
reproduz,
aumentadas
e
corrigidas
em
certos
pontos,
as
três
aulas
inaugurais
do
Seminário
Per-‐
manente
de
Filosofia
e
Humanidades
proferidas
em
Curiti-‐
ba
em
janeiro
de
1993,
que,
gravadas
em
fita,
foram
trans-‐
critas
por
Luciane
Amato
e
Anderson
da
Rosa,
aos
quais
agradeço
nesta
oportunidade.
Apresenta-‐se
aqui
o
núcleo
de
concepções
filosóficas
e
pedagógicas
em
que
tem
se
baseado
meu
trabalho
no
Instituto
de
Artes
Liberais
—
um
trabalho
cujos
resultados
não
poderiam
ser
atestados
melhor
do
que
nestes
depoi-‐
mentos
de
alunos:
“Uma
grande
porta
para
a
vida
intelectual,
para
a
formação
de
valores
humanos.”
ELISA
GALEFFI,
artista
plástica.
“Uma
escola
de
vida.”
EDNA
TIKERPE,
psicóloga.
“É
tudo
o
que
eu
havia
sonhado
em
matéria
de
educação
desde
a
minha
adolescência.”
AHMED
YOUSSIF
EL-‐TASSA,
médico.
“O
IAL
vem,
no
quadro
atual
da
educação
brasileira,
não
apenas
preenchendo
uma
sim-‐
ples
lacuna,
mas
ocupando
o
espaço
mesmo
des-‐
6 OLAVO DE CARVALHO
tinado
às
funções
de
toda
educação
que
se
pre-‐
tenda
superior.”
GUILHERME
MOTTA,
bacharel
em
Filosofia
pelo
IFICS,
Rio
de
Janeiro.
“Aprender
a
pensar
e
desenvolver
o
raciocínio
crítico.
Estes
eram
os
objetivos
do
curso
univer-‐
sitário
de
filosofia
que
frequentei.
Mas
esses
objetivos
ali
não
se
cumprem.
Não
se
pode
pen-‐
sar
repetindo
o
que
os
filósofos
disseram
ou
ten-‐
tando
absorver
idéias
de
tantos
filósofos
que
o
máximo
que
se
chega
é
a
uma
idéia
rasa
sobre
cada
um
deles.
Para
mim,
a
grande
diferença
en-‐
tre
o
meu
curso
universitário
e
o
IAL
reside
nis-‐
so.
No
IAL
é
que
comecei
a
juntar
as
peças,
a
compreender
o
que
é
pensar.
E
quando
se
des-‐
cobre
isto,
o
que
é
o
pensar
que
busca
a
verdade,
isto
se
torna
a
nossa
vida,
é
algo
que
aplicamos
a
qualquer
assunto
de
estudo.
Isto
é
educação,
isto
é
a
filosofia
mesma.
Isto
é
humanizar-‐se
E
isto
o
IAL
nos
dá
de
uma
maneira
que
não
vi
em
ne-‐
nhum
outro
curso.”
DENISE
HERCULANO,
formada
em
Filosofia
pela
PUC
do
Rio.
1.
Inteligência
⎯
o
que
é?
ESTE
CURSO
começou
em
São
Paulo
em
1986,
no
Rio
em
1987,
e
prossegue
nas
duas
cidades
até
hoje.
Sua
idéia
central
é
a
formação
da
inteligência
humana
para
que
de-‐
sempenhe
da
melhor
maneira
possível
a
função
que
lhe
é
própria.
A
inteligência,
neste
contexto,
não
quer
dizer
a
habilidade
de
resolver
problemas,
a
habilidade
matemáti-‐
ca,
a
imaginação
visual,
a
aptidão
musical
ou
qualquer
ou-‐
tro
tipo
de
habilidade
em
especial,
mas,
da
maneira
mais
geral
e
abrangente,
a
capacidade
de
apreender
a
verdade.
Quer
dizer:
quando
pensamos
algo,
mas
o
nosso
pensa-‐
mento
não
capta
propriamente
o
que
é
verdade,
então
o
que
está
em
ação
não
é
propriamente
a
inteligência,
no
rigor
do
termo.
O
pensar
e
o
inteligir
são
atividades
com-‐
pletamente
distintas.
A
prova
disto
é
que
muitas
vezes
você
pensa,
pensa,
e
não
intelige
nada
do
que
pensou,
e
outras
vezes
intelige
sem
ter
pensado.
A
inteligência
é
um
órgão
que
só
serve
para
isto:
captar
a
verdade.
Às
vezes
ela
entra
em
operação
através
do
pen-‐
samento,
às
vezes
através
da
imaginação
ou
do
sentimen-‐
to,
e
às
vezes
entra
diretamente,
num
ato
intelectivo
—
ou,
se
preferir,
intuitivo
—
instantâneo,
no
qual
você
capta
alguma
coisa
sem
uma
preparação
e
sem
uma
forma
re-‐
presentativa
em
especial
que
sirva
de
canal
à
intelecção.
Outras
vezes
existe
uma
longa
preparação
através
do
pen-‐
samento,
da
imaginação
e
da
memória,
e
você
não
capta
8 OLAVO DE CARVALHO
coisíssima
nenhuma:
cumpridos
os
atos
representativos,
a
intelecção
a
que
se
dirigiam
falha
por
completo;
dados
os
meios,
a
finalidade
não
se
realiza.
Basta
esta
distinção
para
percebermos
o
quanto
é
er-‐
rônea
a
direção
tomada
pela
atual
teoria
das
“inteligências
múltiplas”,
que
dissolve
a
noção
mesma
de
inteligência
numa
coleção
de
habilidades
—
que
vão
desde
o
raciocínio
matemático
até
a
destreza
física
e
o
traquejo
social
—,
sem
notar
que
todas
essas
capacidades
são
meios
e
que
a
inte-‐
ligência
não
é
propriamente
um
meio,
mas
o
ato
mesmo,
o
resultado
a
que
tendem
esses
meios
e
para
o
qual
nenhum
deles
é,
por
si,
uma
condição
suficiente.
A
teoria
das
inteli-‐
gências
múltiplas
surgiu
como
uma
reação
contra
a
teoria
do
QI,
que
por
sua
vez
identificava
a
inteligência,
exclusi-‐
vamente,
com
a
habilidade
verbal,
matemática
e
imagina-‐
tivo-‐espacial.
Mas
é
um
caso
típico
de
substituição
de
uma
falsidade
por
outra.
Sejam
poucas
ou
muitas
as
habilida-‐
des
com
que
se
identifica
a
inteligência,
o
erro
é
o
mesmo:
confundir
a
inteligência
com
os
instrumentos
de
que
se
serve.
A
maior
parte
das
pessoas
se
conhece
muito
mal,
mes-‐
mo
nas
coisas
práticas
e
nos
aspectos
mais
óbvios
da
vida.
Quanto
maior
não
seria
sua
dificuldade
de
captar
a
dife-‐
rença
sutil
entre
os
atos
representativos
e
a
inteligência!
Vendo
sempre
a
inteligência
atuar
através
do
pensamento,
da
memória,
da
imaginação,
do
sentimento,
confundem
portanto
o
canal
com
aquilo
que
por
ele
passa,
o
veículo
com
o
passageiro,
e
tomam
por
“inteligência”
os
meros
atos
mentais.