Table Of Content__________________________________________
Copyright© 2004 dos autores
Organização
Mary Del Priore
Coordenação de textos
Carla Bassanezi
Preparação
Rose Zuanetti
Projeto gráfico
Jaime Pinsky
Ilustração de capa
“Dia de Verão”, Georgina de Albuquerque, 1926
Capa
Mônica Arghinenti e Elias Akl Jr.
Diagramação
Niulze Rosa
Revisão
LRM - Assessoria Editorial
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
__________________________________________
História das mulheres no Brasil / Mary Del Priore (org.); Carla
Bassanezi (coord. de textos). 7. ed. – São Paulo : Contexto, 2004.
Bibliografia.
ISBN 85-7244-256-1
1. Mulheres – Brasil. 2. Mulheres – Brasil – História I. Del
Priore, Mary. II. Bassanezi, Carla.
97-0065 CDD - 618.175
NLW-WP580
__________________________________________
Índices para catálogo sistemático:
1. Brasil: Mulheres: História: Sociologia 305.420981
Apoio da FAPESP
Proibida a reprodução total ou parcial.
Os infratores serão processados na forma da lei.
2004
Todos os direitos desta edição reservados à
Editora Contexto (Editora Pinsky Ltda.).
Diretor editorial Jaime Pinsky
Rua Acopiara, 199 - Alto da Lapa
05083-110 - São Paulo - sp
PABX : (11) 3832 5838
FAX: (11) 3832 1043
[email protected]
www.editoracontexto.com.br
Sumário
Capa
Rosto
Ficha Catalográfica
Apresentação
Eva Tupinambá, Ronald Raminelli1
A arte da sedução: sexualidade feminina na Colônia, Emanuel
Araújo
Magia e medicina na Colônia: o corpo feminino, Mary Del
Priore
Homoerotismo feminino e o Santo Ofício, Ronaldo Vainfas
Mulheres nas Minas Gerais, Luciano Figueiredo
Maternidade negada, Renato Pinto Venâncio
Mulher e família burguesa, Maria Ângela D’Incao
Mulheres do sertão nordestino, Miridan Knox Falei
Mulheres do Sul, Joana Maria Pedro
Psiquiatria e feminilidade, Magali Engel
Mulheres pobres e violência no Brasil urbano, Rachel Soihet
Escritoras, escritas, escrituras, Norma Telles
Mulheres na sala de aula, Guacira Lopes Louro
Freiras no Brasil, Maria José Rosado Nunes
Ser mulher, mãe e pobre, Cláudia Fonseca
De colona a boia-fria, Maria Aparecida Moraes Silva
Trabalho feminino e sexualidade, Margareth Rago
Mulheres dos Anos Dourados, Carla Bassanezi
Os movimentos de trabalhadoras e a sociedade brasileira, Paola
Cappellin Giulani
Mulher, mulheres, Lygia Fagundes Telles
Os autores
Referência bibliográfica das imagens
APRESENTAÇÃO
Em seu óleo sobre tela, que ilustra a capa deste livro, a brasileira Georgina de
Albuquerque pinta, sobre o fundo de cores suaves, uma bela mulher olhando, entre curiosa e
pensativa, para trás da cortina. O olhar volta-se, não para o espectador do quadro, mas para
algo que não nos é dado ver. Ela bem poderia ser uma de nós, ou uma de nossas avós,
desnudando o passado, imaginando o que teria acontecido com tantas outras mulheres que
nos antecederam.
Este livro se propõe a contar a história das mulheres. Pretende fazê-lo atingindo a todos
os tipos de leitores e leitoras: adultos e jovens, especialistas e curiosos, estudantes e
professores. É um livro que procura arrastá-los numa viagem através do tempo, fazendo-os ver,
ouvir e sentir como nasceram, viveram e morreram as mulheres, o mundo que as cercava, do
Brasil colonial aos nossos dias.
A história das mulheres não é só delas, é também aquela da família, da criança, do
trabalho, da mídia, da literatura. É a história do seu corpo, da sua sexualidade, da violência
que sofreram e que praticaram, da sua loucura, dos seus amores e dos seus sentimentos.
Para apresentar ao leitor tantas informações, constituiu-se um projeto editorial. Não
queríamos fazer uma simples coletânea de artigos sobre as mulheres mas, sim, criar uma obra
de referência como já existe em outras partes do mundo. Uma obra pioneira, feita com
seriedade e prazer, voltada a todos aqueles que querem saber mais sobre essas “irmãs do
passado” e, através delas, sobre si mesmos.
Convidamos, então, pesquisadores conhecidos por seus trabalhos nas áreas aqui
abordadas. Gente que lida com documentos, alguns antiquíssimos e em péssimo estado, que
nos permitem voltar ao passado e que são as testemunhas mais falantes de como viviam as
mulheres. Para observá-las entre os séculos XVI e XVIII, foram utilizados processos da
Inquisição, processos-crime, leis, livros de medicina, crônicas de viagem, atas de batismo e
casamento. No século XIX, recuperou-se uma imagem mais nítida das mulheres através de
diários, fotos, cartas, testamentos, relatórios médicos e policiais, jornais e pinturas. No século
XX, elas ganham visibilidade por meio de livros e manifestos de sua própria autoria, da mídia
cada vez mais presente, dos sindicatos e dos movimentos sociais dos quais participam, das
revistas que lhes são diretamente dirigidas, dos números com que são recenseadas. Enfim,
toda sorte de documentos que o historiador utiliza para desvendar o passado foram
largamente consultados para jogar o máximo de luz sobre histórias tão ricas e tão diversas.
Além de nos permitir estudar o cotidiano das mulheres e as práticas femininas nele
envolvidas, os documentos nos possibilitam aceder às representações que se fizeram, noutros
tempos, sobre as mulheres. Quais seriam aquelas a inspirar ideais e sonhos? As castas, as fiéis,
as obedientes, as boas esposas e mães. Mas quem foram aquelas odiadas e perseguidas? As
feiticeiras, as lésbicas, as rebeldes, as anarquistas, as prostitutas, as loucas.
As histórias aqui contadas refletem as mais variadas realidades: o campo e a cidade, o
norte, o sudeste e o sul. Os mais diferentes espaços: a casa e a rua, a fábrica e o sindicato, o
campo e a escola, a literatura e as páginas de revista. E, finalmente, os múltiplos extratos
sociais: escravas, operárias, sinhazinhas, burguesas, heroínas românticas, donas de casa,
professoras, boias-frias. Este livro traz ainda um belíssimo e inédito texto da escritora Lygia
Fagundes Telles.
Escolhemos mulheres que escrevem sobre mulheres, mas também homens que escrevem
sobre mulheres. A eles e elas foi solicitado um texto livre do jargão acadêmico, gostoso de
saborear e pródigo em informações. A diversidade de autores, e de pontos de vista, o respeito
por suas especialidades e a escolha dos temas refletem o estágio atual das pesquisas sobre as
mulheres no Brasil. Seus artigos reforçam que a história das mulheres no Brasil, diferentemente
do que se possa pensar, tem provocado pesquisas sérias e bem documentadas. A história das
mulheres é relacional, inclui tudo que envolve o ser humano, suas aspirações e realizações,
seus parceiros e contemporâneos, suas construções e derrotas. Nessa perspectiva, a história
das mulheres é fundamental para se compreender a história geral: a do Brasil, ou mesmo
aquela do Ocidente cristão.
Teria então chegado o tempo de falarmos, sem preconceitos, sobre as mulheres? Teria
chegado o tempo de lermos, sobre elas, sem tantos a priori ? Muito se escreveu sobre a
dificuldade de se construir a história das mulheres, mascaradas que eram pela fala dos homens
e ausentes que estavam do cenário histórico. Esta discussão está superada. As páginas a seguir
oferecem o frescor de uma estrutura na qual se desvenda o cruzamento das trajetórias
femininas nas representações, no sonho, na história política e na vida social.
Este livro quer também enfatizar a complexidade e a diversidade das experiências e das
realizações vivenciadas por mulheres, durante quatro séculos. Erguendo o véu que cobre sua
intimidade, os comportamentos da vida diária, as formas de violência das quais elas são
vítimas ou os sutis mecanismos de resistência dos quais lançam mão, os textos resgatam, para
além de flashes da história das mulheres, a excitação de fazer novas perguntas a velhos e
conhecidos documentos, ou de dialogar com materiais absolutamente inéditos.
A informação disponível, rara para os primeiros séculos da colonização, torna-se caudalosa
para os dias de hoje. Ainda faltam mais historiadores, homens e mulheres, que interpretem
com maior frequência o estabelecimento, a gênese e a importância dos fatos históricos que
envolvem as mulheres; faltam mais pesquisas regionais ou sínteses que nos permitam resgatá-
los de regiões do país onde o tema ainda não despertou vocações.
Todas essas questões, contudo, só fazem encorajar a existência deste livro; um livro que
quer ocupar espaço, fazer perguntas, trazer respostas, formar leitores, atrair interessados,
desmistificar dogmas. Se isso não bastasse, ainda poderíamos nos perguntar: para que serve a
história das mulheres? E a resposta viria, simples: para fazê-las existir, viver e ser. E mais, fazer
a história das mulheres brasileiras significa apresentar fatos pertinentes, ideias, perspectivas
não apenas para especialistas de várias ciências – médicos, psicólogos, antropólogos,
sociólogos etc. –, como também para qualquer pessoa que reflita sobre o mundo
contemporâneo, ou procure nele interferir. Esta é, afinal, uma das funções potenciais da
história.
Não nos interessa, aqui, fazer uma história que apenas conte a saga de heroínas ou de
mártires: isto seria de um terrível anacronismo. Trata-se, sim, de enfocar as mulheres através
das tensões e das contradições que se estabeleceram em diferentes épocas, entre elas e seu
tempo, entre elas e as sociedades nas quais estavam inseridas. Trata-se de desvendar as
intricadas relações entre a mulher, o grupo e o fato, mostrando como o ser social, que ela é,
articula-se com o fato social que ela também fabrica e do qual faz parte integrante. As
transformações da cultura e as mudanças nas ideias nascem das dificuldades que são
simultaneamente aquelas de uma época e as de cada indivíduo histórico, homem ou mulher.
Nosso esforço foi o de trazer algumas respostas a questões que são formuladas por nossa
sociedade: qual foi, qual é, e qual poderá ser o lugar das mulheres?
O historiador Jaime Pinsky, editor da CONTEXTO, não apenas teve a ideia inicial deste livro,
como me desafiou e aos autores convidados a estabelecer um diálogo entre pesquisadores e
público leitor, entre academia e sociedade.
Dar vida a um livro, trazer à luz textos com características, linguagens e interpretações tão
diversas não é tarefa fácil. A editora cercou os autores de condições para que sua matéria
literária tivesse vida longa, ganhando musculatura mas também fineza. A CONTEXTO soube
ainda estabelecer uma cumplicidade deliciosamente cerebral entre os autores, deixando-os
construir a história das mulheres como quem refaz o mundo à altura de seus sonhos: cavando
túneis, abrindo canais, plantando montanhas onde há planícies, para que o leitor tivesse ao
seu alcance a paisagem histórica mais nítida possível.
Mary Del Priore
EVA TUPINAMBÁ
Ronald Raminelli
Viu, pois, a mulher que o fruto da árvore era bom para comer,
e formoso aos olhos, e de aspecto agradável;
e tirou do fruto dela, e comeu; e deu a seu marido,
que também comeu. E os olhos de ambos se abriram;
e tendo conhecido que estavam nus,
coseram folhas de figueira, e fizeram para si cinturas.
(Gênesis: 3, 6-7)
O cotidiano feminino entre os tupinambás pode ser vislumbrado a partir dos relatos de
viajantes que observaram a cultura indígena no Brasil colonial. É verdade que a documentação
dos séculos XVI e XVII é pouco precisa e muito contraditória ao tratar dos antigos tupinambás;
no entanto, esses documentos são bastante valiosos quando os concebemos como
representação da realidade, como imagens europeias sobre as sociedades indígenas radicadas
no litoral do Brasil. É preciso antes considerar que os viajantes adotavam uma perspectiva
típica da tradição cristã, pouco se preocupando com as particularidades dos habitantes do
Novo Mundo; viam os tupinambás pelo viés europeu, que estranhava, julgava e por vezes
reavaliava os próprios valores.
Nas terras do além-mar, os costumes heterodoxos eram vistos como indícios de barbarismo
e da presença do Diabo; em compensação, os bons hábitos faziam parte das leis naturais
criadas por Deus. O que os conquistadores fizeram, então, foi uma comparação das verdades
próprias do mundo cristão com a realidade americana. A cultura indígena foi descrita a partir
do paradigma teológico e do princípio de que os brancos eram os eleitos de Deus, e por isso
superiores aos povos do novo continente. O desconhecimento da palavra revelada, da
organização estatal e da escrita foram vistos como marcas de barbárie e de primitivismo. As
diferenças eram consideradas desvios da fé, transgressões capazes de conduzir os americanos
ao inferno. A alteridade significava o afastamento das leis naturais. Se houvesse hábitos
coincidentes, eles só comprovariam a catequese promovida pelo profeta são Tomé, que no
passado tinha percorrido o continente e difundido os ensinamentos cristãos. A marca de suas
pegadas nas pedras era a prova material de sua presença entre os ameríndios.
Assim, a lógica das narrativas sobre o cotidiano ameríndio prende-se aos interesses da
colonização e da conversão ao cristianismo. Representar os índios como bárbaros (seres
inferiores, quase animais) ou demoníacos (súditos oprimidos do príncipe das trevas) era uma
forma de legitimar a conquista da América. Por intermédio da catequese e da colonização, os
americanos podiam sair do estágio primitivo e alcançar a civilização. Esses princípios formavam
uma espécie de filtro cultural que distorcia a lógica própria dos ritos e mitos indígenas.
Nesse sentido, a cultura nativa da colônia não era independente do imaginário do
conquistador. Os hábitos que os missionários descreviam eram ou reminiscências do
cristianismo primitivo ou deturpações promovidas pelo Diabo; não havia a hipótese de serem
concebidos apenas como estranhos ao universo cristão. Essa possibilidade feria um importante
princípio da ortodoxia cristã: a ideia da monogenia dos seres humanos e de que todos os