Table Of ContentGustavo Barroso
HEROISe
BANDIDOS
Os cangaceiros do Nordeste
Capa e ilustração:
Heron Cruz
Editoração Eletrônica:
Luiz Carlos Azevedo
Revisão:
Francisco J. (Carvalho
Pedidos:
Rua Eduardo Salgado, 156 - Bairro: Aldeota
Fone: 3264-3648
CEP: 60150-140 - Fortaleza - Ceará
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
B277h Barroso, Gustavo (1888-1959).
Heróis e bandidos: os cangaceiros do Nordeste /
Gustavo Barroso.- Rio - São Paulo - Fortaleza: ABC Edi
tora, 2012.
197 p.: il.
(Coleção Nosso Brasil)
1. Lampião - 1990-1938 2. Cangaceiros I. Título.
ISBN:
CDD:920
Impresso no Brasil Printed in Brazil
Ao meu amigo
Afrânio Peixoto
I- AS CAUSAS
Heróis e Bandidos....................... yj
n - OS TIPOS
Cunhas e Patacas........................... gj
Os Cacundos...................................... g?
Mourões e Moquecas................................................... 97
Liberatos e Guabirabas...........................................................Ю1
O Cabeleira e o Condurú........................................................107
Rio Preto....................................................................................ui
Brilhantes, Limões e Suassunas.............................................115
Variatos.......................................................................................137
Adolpho Meia Noite.................................................................143
Os Dois Jose-Antonios..............................................................147
Athayde.......................................................................................151
João do Bonfim........................................................................155
Antônio Silvino..........................................................................157
NOTA....................................................................................................197
I
AS CAUSAS
“La Moderna, Itália, neWapice delia sua viltà e nulUità, mi ma
nifesta e dimostra ancora agli enormi e sublimi delitti che tutto di vi si
van commettendo, ch ella, anche, adesso, piu che ogni altra contrada
d 'Europa, abbonda di caldi e ferocissimi spiriti a cui nulla manca, per
fare altre cose, che il campo e i meai. ”
Alfieri — “II Príncipe e le lettere ”.
HERÓIS E BANDIDOS
Gustavo Barroso
-A^grande região compreendida entre o rio São Francis
co e o vale do Cariri, estendendo-se da serra do Quicuncá à do
Martins, dai às faldas da Borborema, aos contrafortes da Baixa
Verde e dos Dois Irmãos, é o habitai do banditismo. Ali se en
contram e se aproximam as fronteiras de sete Estados, tendo
nesgas de territórios que se enfiam umas nas outras, como cu
nhas. O meio, a cumplicidade do habitante e a facilidade de
fugir dum Estado para outro oferecem guarida segura a todos
os criminosos.
Para o sul do Ceará, a grande planura do sertão ressequi
do alonga-se com as várzeas e campos ermados ao sol. O gado
faminto rompe, destramando garranchos, caatingas e carrascos
sem folhas. Serrotas escuras, pedrentas, áridas, avultam à luz.
Uma alta barra mais azul que o céu demora no recuado hori
zonte. E a chapada do Araripe com oitenta e muitos quilôme
tros de largura, calçada de lajes calcárias, atapetada de pasturas,
onde, à sombra dos piquis, se aprumam os “tombadores”. Ao
pé, se estende o vale do Cariri. Nele não se sente mais o rescaldo
da planície crestada nem se avistam somente agruras e pasta
gens amarelas se desfazendo em pó. Há sombras. Roças capina
das verdejam. Tem-se a alegria de vér coisas verdes depois que
se atravessou a extensão comburida e maninha, africana e ar
dente, que o português apelidou “sertão de Mombaça”. Vale
relativamente fértil, destinado a sofrer menos nas secas, alcança
as raias do Pereiro e se espraia até Guaribas, Brejo Secco, Nova
Roma, Missão Velha e a Serra de S. Pedro.
Heróis e bandidos — Gustavo Barroso
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O Cariri é célebre por sua historia. Nele se deram os mo
tins de Filgueiras e Pinto Madeira, de Belém e do Padre Cícero.
Lá, quando foi da república do Equador, Tristão Gonçal
ves de Alencar Araripe guardava as melhores reservas de homens.
É imensa a herança de lutas e guerrilhas. Até hoje, houve ali
quinze rebeldias! Etemizam-se as questões intestinas e repetem-
se amiudadamente ataques e incêndios de povoações. Sua far
tura convida os cangaceiros errantes. Seus núcleos de fanatis
mo os acolhem e geram uma ociosidade perniciosa.
No interior da Paraíba, esse papel é exercido pela vila do
Teixeira e terras circundantes, cortadas pela estrada que, partin
do do São Francisco, atravessa a bacia do Piranhas, por onde tran
sita o maior comércio daqueles lugares. Os baluartes da
Borborema impedem a marcha dos elementos civilizadores que
vêm do litoral e as suas alfurjas dificultam as perseguições. Os
mais afamados cantadores sertanejos documentaram a celebri
dade do Teixeira. Essa tradição oral é uma das mais sinceras fon
tes para a historia do cangaço. O velho Nicandro dizia em 1877:
“Que fim levaram os cangaceiros,
Que malhavam1 no Teixeira?”
Ugolino cantava também:
“Goyana é para ladrão
E Teixeira pr’a valentão!”
Os sertões de Triunfo e Pajeú de Flores são os maiores
valhacoutos de bandidos, em Pernambuco. Todo o grande cri-
1 Malhar, ação do gado reunir-se e deitar-se para ruminar, repousadamente, em
lugar sombrio e agradável. Empregado por extensão “que malhavam”, isto, que
estadeavam, demoravam, viviam.
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Heróis e bandidos — Gustavo Barroso
minoso matuto passou por ali. Saint-Adolphc, baseado cm do
cumentos oficiais, afirma que já em 1750, existiam no Pajeú tre
zentos e cinquenta criminosos em liberdade!
Se, atualmente, no sertão baiano, à margem do Vasa Bar
ris ou de outros rios, não estadeiam nem se homiziam milhares
de bandoleiros, não se deve esquecer que ali fizeram frente a
um exercito inteiro, dando exemplo duma resistência poucas
vezes registada pela historia.
No conjunto das zonas apontadas vivem os bandidos sob
a proteção do terror que inspiram, das autoridades politicantes
ou dos chefes de partido e mandões da terra, atravessando as
fronteiras, quando precisam fugir a perseguições policiais ou
vinganças particulares, mutuamente se ajudando nas evasões,
rapinagens e matanças. Tudo isso relembra a Albânia com a eter
na quizília de seus beys, as lutas dos clãs gaélicos, as partidas ,
mexicanas do Chihuahua, as pelejas sem tréguas de todos os
povos anarquizados e retardados.
Não somente nessas zonas sertanejas existem cangaceiros.
Ai surgem em maior número e continuadamente, enquanto
noutras paragens rareiam, dispersam-se e causam danos tanto
menores quanto lhes falta a força derivada do número e do
mútuo esforço.
' As causas do banditismo - o mais importante fenômeno
/ da rude vida do sertão - são complexas e o seu estudo oferece
sérias dificuldades.
Agrupamentos de muitas causas primárias e secundárias
formam, com a ausência de umas, com o conserto de outras ou
com a reunião de todas, a razão da existência do tipo social do
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