Governadores gerais do estado do Brasil (séculos XVI‑XVII)

166 Pages·2009·84.484 MB·Portuguese

by  Francisco Carlos Cosentino

GERAIS
GOVERNADORES
DO ESTADO DO BRASIL
(SÉCUUOS XVI-XVII)
Ofício, regimentos, governação e trajetórias
Francisco Carlos Cosentino
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FRANCISCO CARLOS COSENTINO T í
GOVERNADORES GERAIS
DO ESTADO DO BRASIL
(SÉCULOS XVI-XVII)
I OFÍCIO, REGIMENTOS,
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O - F L GOVERNAÇÃO E
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R TRAJETÓRIAS
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ANNAl/By3LLULME
Infothes Informação e Tesauro AGRADECIMENTOS
C867 Cosentino, Francisco Carlos
Governadores Gerais do Estado do Brasil (Séculos XVI-XVII): oficio, regimentos
governação e trajetórias. / Francisco Carlos Cosentino. - São Paulo: Annablume- Belo
Horizonte: Fapemig, 2009.
366 p.; 16 x 23 cm
ISBN 978-85-7419-956-6
1. História do Brasil. 2. Brasil Império. 3. História Política. 4. Poder. 5 Governança
6. Governador Geral. 7. Tomé de Souza. 8. Francisco Giraldes. 9. Gaspar de Souza'
I Título90 Mend°nÇa Furtad° 11' Roque da Cos,a Barret0 12- Avaliação de Gestão!
CDU 981
----------------------------------------------------------------------------------- CDD 981
Catalogação elaborada por Wanda Lucia Schmidt - CFIB-8-1922
governadores gerais DO ESTADO DO BRASIL (SÉCULOS XVI-XVIII-
OFICIO, REGIMENTOS, GOVERNAÇÃO E TRAJETÓRIAS V
Começo dizendo que esse livro, originário quase na íntegra de nossa tese de
doutorado, é o resultado de um esforço pessoal, mas também do apoio, do incentivo,
Coordenação de produção: Ivan Antunes do carinho e do amor de Antonieta que me acompanha a mais de vinte e cinco bem
Revisão: Ivan Antunes vividos anos. Também estão presentes, com a sua paciência, incentivo e carinho,
Diagramação: raijopes
Capa: Carlos Clémen Daniel e Ana, meus filhos queridos. Ao Daniel, o agradecimento especial pelo
sobre gravura de Leila Bivar documento essencial conseguido no Arquivo da Bahia. Aos três dedico esse livro.
Finalização: Lívia C. L. Peraira
Ao Paulo do Vai, Maria Olympia Rubião do Vai e Carmen Maria Noder, pessoas
especiais e caras, que não viveram para ver esse livro, mas que estão presentes na
nossa vida e deixaram no mundo a sua marca, cóm os seus exemplos de integridade,
CONSELHO EDITORIAL
Eduardo Penuela Canizal respeito ao outro e solidariedade.
Norval Baitello Júnior
Aos meus pais, meus irmãos e sobrinhos, e ao Luís, agradeço pelo carinho e
Maria Odila Leite da Silva Dias
Celia Maria Marinho de Azevedo apoio, criadores das condições para o meu abrigo e conforto no Rio de Janeiro.
Gustavo Bernardo Krause Ao longo de nossa vida fomos cultivando amizades que até hoje permanecem.
Maria de Lourdes Seketf IJn memoriam)
Cecília de Almeida Sailes Amigos e amigas que torcem de perto ou de longe para que possamos alcançar
Pedro Roberto Jacobi nossos objetivos. Amigos feitos ontem, amigos recentes. Felizmente são muitos, nem
Lucrécia D’Aléssío Ferrara
sempre presentes. A todos eles, minha gratidão. Em especial, agradeço ao Eliezer e a
Claudia, amigos de tantos anos, compartilhando tantas afinidades. Ao André,
1- edição: julho de 2009 reencontro prazeroso que trouxe de volta uma parte da minha história de vida e mais
incluiu na nossa vida uma doce e carinhosa nova/velha amiga, Helena. Ainda
Francisco Carlos Cosentino
recentemente, a Luciana, amiga dos tempos da UFV Aos meus alunos de Viçosa que
ANNABLUME editora . comunicação me permitem realizar sonhos, como professor.
Rua Madins, 300 . Butantã
05511-000. São Paulo . SP . Brasil Aos amigos da confraria lisboeta, de tão querida lembrança, Didier, Carlos e
Tel. e Fax. [phone] - Televendas 3031-1754 Ana. A eles digo que o trabalho está pronto.
www.annablume.com.br
SUMARIO
Agradeço a dois professores, marcantes na minha trajetória. Manuel Maurício
de Albuquerque que despertou o gosto pela História. Carla Anastásia, querida
professora e amiga, presente desde a época do mestrado.
Os professores Pedro Cardim, pelo apoio em Portugal, Fernanda Bicalho,
Arno Wheling, Guilherme Pereira Neves e Junia Ferreira Furtado pelas avaliações,
críticas e sugestões pertinentes quando da defesa de nossa tese.
Agradeço ainda ao CNPq e ao Programa de História da UFF pela bolsa, num
momento tão necessário, e a CAPES, que viabilizou minha ida a Portugal.
Deixo para o final o agradecimento a Maria de Fátima Silva Gouvêa, que não
mais está entre nós devido às tramas que a vida nos impõe. Agradeço a Fátima,
minha orientadora durante o doutorado, o respeito e o incentivo dispensado ao meu
trabalho. Agradeço as suas intervenções e sugestões, pertinentes e adequadas, que,
nos momentos necessários, me auxiliaram na elaboração desse trabalho.
A Fátima nossas saudades, conscientes de que a História perdeu uma
pesquisadora talentosa e a Universidade, uma professora dedicada.
11 PREFÁCIO
15 INTRODUÇÃO
Ia PARTE: A MONARQUIA PORTUGUESA DURANTE OS SÉCULOS XVIE
XVII: ADMINISTRAÇÃO DO IMPÉRIO E O GOVERNO GERAL DO ESTADO
DO BRASIL
21 Io Capítulo: As monarquias modernas: revendo conceitos e repensando UgJ
AS CARACTERIZAÇÕES DO ABSOLUTISMO
21 1.1 Resgatando a dignidade das palavras, reconstruindo conceitos
8 1.2 Superando a dicotomia: conflito, negociação, exploração, cooperação
8 1.3 Repensar, desconstruir e reconstruir
£ 1.4 Soberania ou centralização do poder? o protagonismo régio
3 1.5 Novos caminhos para a História política
2o capítulo: A monarquia portuguesa nos século XVI e XVII. União Ibérica e
£
Restauração
2.1 A MONARQUIA NO ANTIGO REGIME EM PORTUGAL
Í
2.2 O SISTEMA POLIS IN ODAL E O CORPORATIVISMO: AS LIMITAÇÕES DO PODER DO MONARCA
U 2.3 A União Ibérica e a influência dos monarcas castelhanos
55 2.4 O fim da União Ibérica, a Restauração e a monarquia dos Braganças
59 2.5 A consolidação da dinastia bragantina
GOVERNADORES GERAIS DO ESTADO DO BRASIL (SÉCULOS XVI -XVII)
65 3° capítulo: A natureza e os poderes dos governadores gerais do Estado do >K)j 189 7.3 Roque da Costa Barreto: cedro pela perseverança, pela constância, & pela
Brasil GRANDESA
198 7.4 A BUSCA PEIA NOBILITAÇÃO
65 3.1 Caracterização do império ultramarino português
67 3.2 Os poderes dos governadores gerais 3a PARTE: OS REGIMENTOS DO GOVERNO GERAL DO ESTADO DO
72 3.3 Os regimentos e as cartas patentes do governo geral do Estado do Brasil BRASIL E A DINÂMICA GOVERNATIVA PORTUGUESA NO ULTRAMAR
78 3.4 O governo geral: um ofício régio superior
203 8o capítulo: Os regimentos e a natureza do governo geral
85 4o capítulo. Preito & menagem: nomeação e posse dos governadores gerais do
Estado do Brasil 204 8.1 Os regimentos ordenadores do governo geral do Estado do Brasil
210 8.2 0 tratamento dado ao governo geral do Estado do Brasil pela historiografia
& ’ 85 4.1 a escolha dos governadores gerais do estado do Brasil
brasileira
86 4.2 O PREITO & MENAGEM DOS GOVERNADORES GERAIS DO ESTADO DO BrASIL
89 4.3 As origens do preito & menagem 217 9o capítulo: O início do governo geral:Tomé de Sousa e o Io regimento
93 4.4 A CERIMÓNIA DE PREITO & MENAGEM
217 9.1 O contexto da criação do governo geral do Estado do Brasil
97 4.5 A APRESENTAÇÃO das CREDENCIAIS e a posse dos governadores gerais 220 9.2 O Regimento de Tomé de Sousa: desenhando uma forma de governo
2a PARTE: CARREIRAS E TRAJETÓRIAS SOCIAIS DE GOVERNADORES 223 10° capítulo: Os regimentos do Período Filipino: consolidando um governo e
GERAIS DO ESTADO DO BRASIL (SÉCULOS XVI E XVII) incorporando práticas castelhanas
105 5° capítulo: Ofício e nobilitação na monarquia portuguesa durante o Antigo 224 10.1 O Estado do Brasii. no início da União Ibérica e a política ultramarina
Regime: os governadores gerais do Estado do Brasil PORTUGUESA
227 10.2 Ampliando a presença portuguesa, integrando o território e estimulando
105 5.1 Atores, interesses soclais e a monarquia na expansão marítima portuguesa as atividades económicas
109 5.2 Lisboa, cabeça da monarquia e do império português 229 10.3 A política internacional dos Áustrias, as consequências para o império
112 5.3 Prerrogativas da nobreza portuguesa: recrutamento e remuneração de português e as providências para defesa da América portuguesa
serviços prestados à Coroa 233 10.4 Indígenas e mamelucos: incorporando experiências hispânicas nos regimentos
122 5.4 Trajetórias de enobrecimento e o governo geral do Estado do Brasil dos governadores gerais do período filipino
129 5.5 A experiência na governação e a proximidade com 0 centro da 236 10.5 0 alargamento dos poderes dos governadores gerais. Incorporando práticas
monarquia: os governadores gerais e o Conselho de Estado governativas espanholas
135 6° capítulo: Tomé de Sousa e Francisco Giraldes: a trajetória de dois 243 10.6 a união peninsular e a governação no Estado do Brasil
governadores gerais das partes do Brasil (século XVI) 245 11° capítulo: O regimento de Roque da Costa Barreto: a ordenação final do
136 6.1 Tomé de Sousa: o primeiro governador geral da América portuguesa governo geral do estado do Brasil
139 6.2 Francisco Giraldes: embaixador, donatário hereditário e governador 246 11.1 A Restauração bragantina e a conjuntura europeia na segunda metade do
geral do Estado do Brasil
século XVII
162 6.3 Tomé de Sousa e Francisco Giraldes, trajetórias de nobilitação e 249 11.20 período pós-Restauração, a ascensão das conquistas atlânticas e o
privilégios
Estado do Brasil
g ) 165 7° capítulo: Gaspar de Sousa, Diogo de Mendonça Furtado e Roque da 253 11.3 Compilação e sistematização: o regimento de Roque da Costa Barreto
Costa Barreto: a trajetória de três governadores gerais do Estado do Brasil e sua época
(século XVII) 257 11.4 Jurisdições: os poderes do governo geral e as capitanias do Rio de Janeiro
166 7.1 Gaspar de Sousa: uma trajetória familiar de enobrecimento interrompida e de Pernambuco
180 7.2 Diogo de Mf.ndonça Furtado: conquista, perda e recuperação de benefícios
o l—----------------------- uuvr.nivrtuuntQ btHAIò UU tòlAUU UU dKASII (StUULOS XVI -XVII) FRANCISCO CARLOS COSENTINOT
m
PREFACIO
263 11.5 Alargando poderes, ordenando punções e disciplinando a governação:
JUSTIÇA, PROVEDORIA E COMUNICAÇÃO COM A MONARQUIA PORTUGUESA
265 11.6 O CRESCIMENTO DA IMPORTÂNCIA DO AtI.ANTICO E DO BRASIL NO IMPÉRIO
português: arrecadação, carreira das índias E PRESENÇA ESTRANGEIRA
271 12° capítulo: As zonas de atuação dos governadores gerais: as regalias e os
PODERES DEFINIDOS NOS REGIMENTOS
272 12.1 Poderes típicos da regalia: a concessão de mercês e do grau de cavaleiro
278 12.2 Os ASSUNTOS DE justiça e o alargamento dos poderes DOS governadores
284 12.3 As instruções relacionadas com os assuntos militares e a defesa
292 12.4 As instruções no campo da oeconomia
298 12.5 Os regimentos e a ordenação dos procedimentos da governação
301 12.6 Os assuntos de consciência, a Igreja e os indígenas
305 13° capítulo: Governadores gerais e governação no Estado do Brasil no século % )
XVI E XVII
306 13.1 O governo df. Tomé de Sousa (1549-1553): os ayuntetf. fiz cerquar f viver O Governo-Geral do Estado do Brasil há muito que merecia um estudo de
EM HORDEM
carácter monográfico que efectuasse, de um modo sistemático, uma análise do lugai
316 13.2 O governo de Gaspar de Sousa (1612-1617): “lidar e trabalhar de dia e de ocupado por essa instituição no dispositivo político-administrativo da Coroa
NOITE NAS COISAS DO GOVERNO”
portuguesa. Incidindo no papel desempenhado pelos governadores-gerais do Estado
322 13.3 Diogo de Mendonça Furtado: “desconcordaram estas cabeças” do Brasil - território que se viria a tornar na parcela mais importante do
328 13.4 Roque da Costa Barreto (1678-1682): “ninguém o tentou General, que conglomerado ultramarino português da época moderna -, o trabalho de Francisco
não sentisse severo; ninguém o solicitou Governador, que o não experimentasse Cosentino responde, em boa medida, a esta lacuna. Com efeito, trata-se de um estudo
inteyro; ninguém o buscou Regedor, que o não acuasse recto” que se inscreve na já longa tradição historiográfica dedicada a este tema, mas que
332 13.5 'postos grandes....graduando-os conforme a estimação que se fez e faz de incorpora, também, sugestões de pesquisas mais recentes, com realce para os
CADA UM”
contributos de Maria de Fátima Gouvêa, Maria Fernanda Bicalho, João Fragoso,
Luiz Felipe de Alencastro, Pedro Puntoni ou Guida Marques. Combinando esses
333 CONCLUSÃO
contributos com o estudo de material empírico até hoje pouco trabalhado, o presente
livro proporciona uma análise muito abrangente das várias facetas da instituição do
335 FONTES E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
governo-geral no âmbito do Estado do Brasil, contemplando este cargo desde as suas
origens e acompanhando a sua trajectória até à segunda metade do período
seiscentista.
Situando a sua abordagem na linha de pesquisa que explora a dimensão
corporativa das monarquias de Antigo Regime, a análise de Francisco Cosentino
caracteriza as implicações políticas da concepção jurisdicionalista da função
govemativa, abarcando tanto o espaço europeu quanto os territórios ultramarinos
controlados pela Coroa portuguesa. O presente estudo mostra, assim, que, na época
moderna, se verificou um processo de transposição, para fora da Europa, de soluções
político-administrativas já testadas no Velho Mundo. No entanto, o trabalho de
Cosentino evidencia, também, que a experiência nos territórios extra-europeus foi
10 GOVERNADORES GERAIS DO ESTADO DO BRASIL (SÉCULOS XVI -XVII)
a trajectória da instituição do governo-geral, processo que decorreu num quadro de
constitutiva da dinâmica política europeia, e o caso do governador-geral ilustra, de
extrema pluralidade jurisdicional e que nem sempre passou pelo fortalecimento da
forma lapidar, aquilo que acabou de ser dito. De facto, muito embora seja uma
sua autoridade. No presente estudo toma-se igualmente evidente que tudo isso foi
instituição que se inspirou nas magistraturas extra-ordinárias que foram surgindo,
efectuado num ambiente de enorme informalidade e de casuísmo, ambiente esse no
no mundo ibérico, ao longo do período tardo-medieval e moderno, uma vez transposta
qual a actuação da Coroa consistiu mais na resposta circunstancial aos desafios com
para o cenário americano essa figura institucional sofreu múltiplas transformações e
que se foi confrontando, do que na implementação de uma grande estratégia de
adaptações decorrentes da sua aclimatação a um contexto radical mente diferente
colonização. Também se toma evidente que os luso-brasileiros, ao longo do penodo
daquele onde tinha nascido. E a verdade é que muitas das transformações que visavam
analisado, foram apurando a forma de impor os seus interesses junto das autoridades
dar resposta aos desafios americanos foram posteriormente aproveitadas para lidar
de Lisboa ou de Madrid, tomando-se, desse modo, plenos participantes da trama
com a realidade europeia.
A partir da análise exaustiva da actuação de cinco governadores - Tomé de política. . ,
O período em que Portugal esteve ligado à Monarquia dos Austnas consntui
Sousa, Francisco Giraldes, Gaspar de Sousa, Diogo de Mendonça Furtado e Roque da
um dos momentos fortes deste livro, pois - como mostra Cosentino - nesses anos
Costa Barreto -, este estudo reconstitui o processo de gradual institucionalização do
verificou-se uma significativa alteração do perfil político-administrativo dos
governo-geral, bem como a consolidação do seu âmbito jurisdicional. Tal é efcctuado
govemadores-gerais da América Portuguesa. E tal sucedeu não só porque, após 1581,
através da análise do conteúdo dos regimentos de cada um dos referidos governadores,
a América lusitana passou a ser olhada de forma articulada com a sua congénere
mas também mediante o estudo das vicissitudes da sua acção govemativa. Cosentino
espanhola - aí se colocando o problema dos limites entre as duas coroas, coexistindo
dedica uma atenção especial à interlocução - nem sempre harmoniosa - que tais
visões integradoras e perspectivas separatistas -, mas também porque o aumento da
governadores estabeleceram com as demais entidades políticas em presença, com
pressão militar francesa e neerlandesa sobre o Atlântico obrigou a modificar a natureza
destaque para os capitães-donatários. Com efeito, é bem sabido que a criação do
da actuação do governador-geral, incrementando-se a dimensão militar da sua
governo-geral não implicou a extinção do regime das capitanias: bem pelo contrário,
jurisdição. Além disso, e porque a América Portuguesa fazia agora parte do
tais soluções administrativas não só permaneceram no terreno como continuaram
conglomerado da Monarquia espanhola, a sua defesa tomou-se num assunto que
até a ser criadas, ora como primeiro enquadramento dos novos espaços sul-americanos
dizia respeito ao conjunto dos domínios dos Áustrias. O perfil dos governadores-
entrados na jurisdição portuguesa, ora como subdivisão de capitanias já existentes.
gerais foi, assim, influenciado pela experiência que a Monarquia Católica já detinha
Francis Dutra mostrou, há algumas décadas atrás, o quão difícil e paulatina foi a
na administração de vastas parcelas territoriais situadas em diversos continentes.
consolidação da autoridade dos governadores-gerais, em especial ante o poderio dos
Por último, refira-se que este livro também permite avaliar a influência da
capitães-donatários. O presente livro de Cosentino vem detalhar essa tese, abrangendo
ruptura luso-espanhola de 1640 na figura do governador-geral do Estado do Brasil.
uma cronologia mais alargada - a análise começa em meados do século XVI e
Com efeito, nas páginas que dedica a este tema Francisco Cosentino mostra que, sob
estende-se até aos anos subsequentes à ruptura de 1640 - e manuseando um vocabulário
a nova dinastia dos Bragança, a jurisdição do governador-geral manteve muitas das
historiográfico que lhe permite captar, de forma ainda mais nítida, toda a
«novidades» introduzidas no tempo dos Áustrias, sugerindo assim a impressão de
complexidade do jogo de forças que então se travou entre os governadores-gerais e os
que, no que concerne à jurisdição do principal governante do Estado do Brasil, a
capitães-donatários, demonstrando que, muitas vezes, os principais obstáculos à
mudança dinástica em Portugal não teve um impacto muito significativo.
consolidação do poder régio provinham do próprio dispositivo criado pela Coroa.
Oufta dimensão a realçar neste estudo relariona-se com a dimensão social da
Pedro Cardim
instituição do governo-geral. A partir de propostas recentes de Mafalda Soares da
Lisboa, Maio de 2009
Cunha e de Nuno Gonçalo Monteiro, este trabalho reconstitui, com precisão, o perfil
social dos cinco governadores atrás referidos para, a partir dessa informação,
caracterizar os processos de escolha e de recrutamento de tais figuras. Também
estudadas por Cosentino são as expectativas de remuneração dos serviços prestados,
tema abordado nas páginas dedicadas à trajectória subsequente dos dignitários que
ocuparam o mais alto posto govemativo da América Portuguesa.
Contudo, o âmbito jurisdicional é aquele que, sem dúvida, merece mais atenção
da parte de Francisco Cosentino. Através do seu estudo toma-se possível acompanhar
J 13
12 GOVERNADORES GERAIS DO ESTADO DO BRASIL (SÉCULOS XVI -XVII) FRANCISCO CARLOS COSENTINO f
INTRODUÇÃO
O trabalho que apresentamos, oriundo de um doutoramento, numa idade
mais madura, pouco comum nos dias de hoje, tem uma história e guarda vínculos
profundos com a nossa própria história de vida. Ele é um resultado das opções que
fizemos ao longo de nossa vida e que nos levaram a viver, sem arrependimentos, com
intensidade e prazer, experiências que diretamente ou indiretamente estão presentes
neste livro. A atividade política durante a década de 70, o término da licenciatura e
o início imediato do curso de mestrado em Ciência Política no final dos 80, concluído
no início dos 90 se manifestam na escolha pela história e cultura política, que dão
fundamento ao trabalho que ora apresentamos.
Em termos mais específicos, essa pesquisa tem uma história que começou
numa sala de aula de História da América. Instado pelos alunos, começamos a fazer
comparações a respeito da administração espanhola e portuguesa na América.
Baseados nos conhecimentos de seis anos atrás, ou na falta deles, identificávamos
diferenças que, naquele momento, ganharam a forma do “ladrilhador” e do “semeadori,
fascinantes imagens criadas por Sérgio Buarque de Holanda, no seu livro Raízes do
Brasil, para caracterizarmos o que considerávamos, naquela época, o que seriam as
diferenças e semelhanças da administração portuguesa e espanhola da América.
Tínhamos, assim, exercendo o nosso ofício, o lampejo inicial que desencadeou
o processo de elaboração de um projeto que acabou originando nossa proposta de
tese. Um primeiro projeto foi elaborado em 1999. Ao longo de 2000 foi reelaborado,
ganhou mais corpo com uma pesquisa preliminar da documentação disponível na
Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro e do Arquivo Nacional e permitiu nosso ingresso
no Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal Fluminense.
Naquele momento, era um projeto com alguns problemas, acho que todos são O papel central do governo geral e dos seus governadores exigiu o estudo
assim. Nosso foco no governo geral ainda não estava completamente claro. O desse ofício, que feito por meio da análise dos regimentos utilizados pela monarquia
envolvimento com a pesquisa documental sistemática na Biblioteca Nacional do Rio portuguesa no Estado do Brasil, das cartas patentes recebidas por estes governadores
de Janeiro e no Arquivo Nacional, as leituras e o diálogo com a minha orientadora, quando da sua nomeação e de outros documentos afins que possibilitaram identificar-
a ProP. Drd. Maria de Fátima Silva Gouvêa e com as outras disciplinas do curso, lhes os traços caracterizadores. Pretendemos, ao longo deste trabalho, indicar a
particularmente as disciplinas com a ProP. Dr*. Maria Fernanda Bicalho e com ó natureza elevada do ofício de governador geral do Estado do Brasil e a amplitude
Prof. Dr. Guilherme Pereira das Neves, permitiram que alguns recortes fossem feitos dos poderes e funções exercidas por esses governantes maiores dessa parte da América
A comparação ficou para trás, mas antes dela ficaram as imagens buarquenas, e portuguesa. Por isso, chamaremos atenção para as cerimónias que cercavam a
começou a ganhar corpo o trabalho que hoje apresentamos. A pesquisa em Portugal nomeação e posse dos governadores gerais, a forma de tratamento dispensada a eles
e em Simancas finalizou os recortes necessários e as “nossas descobertas” oriundas e, prinripalmente, os seus poderes, funções e atividades desenvolvidas durante o
das pesquisas deram a forma final a tese que hora transformamos em livro. exerdeio da governação.
O escopo do nosso trabalho nos obrigou a fazer algumas escolhas que deram A segunda parte, assim ordenada por perspicaz sugestão da ProP Junia Ferreira
forma ao texto final que ora apresentamos. Vamos descrever o oficio de governador Furtado, que nos deu a honra de tê-la em nossa banca de doutorado, analisará a
geral do Estado do Brasil nos séculos XVI e XVII por meio da contextuai,Vaç-in trajetória administrativa e social dos cinco governadores escolhidos para estudo.
caracterização e comparaçao dos regimentos trazidos por alguns desses governadores Inicialmente, apontamos os aspectos comuns existentes na carreira e trajetória sodal
«erais- Até*” disso, abordaremos alguns poucos aspectos do exercício vovern^rivõ dos cinco e as particularidades decorrentes seja da conjuntura em que foram nomeados
QK- desses governantes enviados a essa parte da América portuguesa. Por fim, nosso e enviados para a América portuguesa, seja pela importância que foi adquirindo o
trabalho vai reconstituir passagens significativas da trajetória administrativa e social Estado do Brasil no interior do Império ultramarino português. Levaremos em conta
—aj^uns governadores gerais nomeados e enviados para o F.siado do Brasil também, o caminho particular trilhado pelo governador em questão e pela sua família,
/ > Pretendemos ressaltar, com o nosso trabalho, a importância crescente dos assim como a intensidade e importância dos serviços prestados por ele e pelos seus,
governadores e do governo geral do Estado do Brasil, a amplitude doTTOdêres à monarquia portuguesa. O retrato que procuraremos construir em que os privilégios,
por eles exercidos e, em função do exercício desse ofício, as nosicôcc que as mercês e a busca de nobilitação se avultavam, demonstram a importânda que
acumularam na Corte lisboeta e as mercês que receberam e acumularam ao longo adquiriu na carreira desses altos servidores o exercício do ofício de governador geral
de suas vidas. ~
nessas partes da América portuguesa. Por fim, descreveremos a carreira e a trajetória
Estudamos o ofício de governador geral do Estado do Brasil e a pesquisa social de cada um dos cinco governadores, indicando: as suas origens familiares; as
documental que deu origem a este trabalho ocorreu em tomo de cinco governadores: partes do império português por onde passaram; os ofícios que exerceram e
Tomé de Sousa, Francisco Giraldes, Gaspar de Sousa, Diogo de Mendonça Furtado e acumularam; os benefícios e mercês recebidos; e tudo isso indicará a busca de cada
Roque da Costa Barreto. A escolha desses governadores, conforme analisaremos em um deles pela nobilitação.
detalhes neste trabalho, decorreu do fato de terem sido esses governantes os que Na terceira e última parte, vamos contextualizar o momento vivido pela
receberam, da monarquia portuguesa, regimentos originais e norteadores de vários América, a monarquia e o império portugueses. Caracterizar a conjuntura na
governos nas terras do Brasil.
qual, cada um dos cinco governadores que estamos estudando, foram enviados
O nosso trabalho foi dividido em três partes. Começamos caracterizando a para o Estado do Brasil e os regimentos que trouxeram, estabelecendo as relações
monarquia portuguesa no Antigo Regime, configurando-a como uma monarquia existentes entre eles, conjuntura e regimentos. Identificaremos o que permaneceu
corporatmsta, conforme a produção de história política e institucional contemporânea. e as mudanças incorporadas a cada um desses regimentos para dar nexo ao que
Essa caracterização foi necessária para que pudéssemos inserir a administração do permaneceu e ao que mudou, estabelecendo algumas relações com a prática
Império português e o governo geral do Estado do Brasil nessa ordem corporativista. governativa dos que efetivamente vieram ao Estado do Brasil. Essa parte está
Com isso, deixamos para trás um debate polarizado e recorrente sobre a centralização constituída por seis capítulos onde analisamos e comparamos os cinco regimentos
do poder real em Portugal e do governo geral, para ressaltarmos o papel proragônico conhecidos do governo geral do Estado do Brasil. Dividimos os governos em três
dos monarcas em Lisboa, centro da monarquia e do Império português, e o momentos - antes da União Ibérica, durante a união peninsular e após a
protagonismo do governador geral do Estado do Brasil, em Salvador, cabeça dessa Restauração - para contextualizar cada um deles, perceberemos como a prática
parte da América portuguesa.
governativa, associada às experiências portuguesas e espanholas dos seus impérios,
16 I-----
1 GOVERNADORES GERAIS DO ESTADO DO BRASIL (SÉCULOS XVI -XVII) FRANCISCO CARLOS COSENTINOf J 17
/
l /
foram sendo incorporadas, alteradas e acrescidas nas instruções regimentais dadas
aos governantes maiores do Estado do Brasil.
Ainda nessa parte do trabalho, analisaremos as instruções essenciais postas
nos regimentos através das quais os poderes régios são transferidos para os
governadores gerais, configurando o papel cimeiro que este oficio teve na administração
do Estado do Brasil e do Império ultramarino português. Por fim, finalizando a 2a
parte deste trabalho, excursionaremos pelo exercício cotidiano da governação,
retratando alguns aspectos do exercício dos poderes detidos pelos governadores que
vieram para o Estado do Brasil e que estamos estudando.
1a PARTE
A M onarquia Portuguesa durante os
séculos XVI e XVII: A dminstraçáo do
IMPÉRIO E O GOVERNO GERAL DO ESTADO DO
Brasil
8 GOVERNADORES GERAIS DO ESTADO DO BRASIL (SÉCULOS XVI -XVII)