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FONTES TIPOGRÁFICAS DO ALMANACK LAEMMERT (1844-1889)
Aluna: Marcela de Figueiredo
Orientadora: Edna Cunha Lima
Resumo
Esta pesquisa estuda as fontes tipográficas display utilizadas no Almanack Laemmert,
entre as datas de 1858 e 1898, em especial no seu setor de anúncios publicitários. Foi construída
uma metodologia de pesquisa específica para esse estudo, ao longo dos resultados obtidos ao
pesquisar as paginas do Almanack. Percebeu-se uma necessidade de categorizar os tipos fantasia
utilizados, principalmente os de serifa toscana, que nunca antes haviam sido classificados. O
Almanack Laemmert foi uma publicação muito importante do Rio de Janeiro do século XIX, sem
que seus aspectos gráficos tenham sido anteriormente estudados. Esta pesquisa procura contribuir
para a melhor compreensão de aspectos da memória gráfica brasileira. O artigo descreve de que
forma se chegou nessa metodologia criada especificamente para esse estudo, e quais resultados
foram obtidos com isso.
Introdução
Este trabalho faz parte do projeto Memória Gráfica Brasileira: Estudo comparativos de
manifestações gráficas nas cidades do Recife, Rio de Janeiro e São Paulo, realizado em parceria
pela PUC-Rio e UFPE, com o apoio do edital PROCAD 2008 da CAPES. Trata-se de um
desdobramento da pesquisa Fundidoras de Tipos do Rio de Janeiro sob a responsabilidade da
Prof. Dra. Edna Lúcia Cunha Lima, pesquisadora nível 2 do CNPq.
Este projeto concentra-se na avaliação do uso de fontes tipográficas no Almanack
Laemmert, em especial no setor Notabilidades, que publicava anúncios de empresas que
apareciam anteriormente no corpo da publicação. Esses Almanaks são essenciais para o estudo do
Rio de Janeiro oitocentista, por reunirem dados sobre a Corte imperial, as instituições cariocas, o
funcionalismo público, empresas e empresários atuantes na cidade. Foram publicados pelos
livreiros e editores Eduardo e Henrique Laemmert, de grande prestígio no meio intelectual
brasileiro. Ampliando os negócios, além da livraria Universal, criam o setor gráfico do mesmo
nome, e iniciam a publicação do anuário, que logo se torna leitura obrigatória para todo o tipo de
informação sobre a cidade.
Reconhecendo sua importância como testemunha de uma época da vida da então capital
do país, grande parte destes impressos foram digitalizados e encontram-se disponíveis no site da
Fundação Biblioteca Nacional A digitalização vai de 1844, data da primeira edição, até 1889,
cobrindo o período imperial. Posteriormente, essa mesma Biblioteca estendeu a digitalização dos
anuários até 1949, disponíveis no site http://memoria.bn.br/.
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Muito se tem pesquisado nesses anuários, no entanto, pouca atenção tem sido dada do
ponto de vista de sua configuração gráfica. É o que pretendemos abordar, dando especial atenção
à incidência de tipos display nos anúncios que são nele veiculados. Os Almanacks pertencem a
uma fase em que a publicidade brasileira estava tendo início, sem que a existência de agencias de
publicidade se fizesse presente no cenário nacional. Um exame inicial das páginas revela que é a
escolha tipográfica, valorizando os tipos fantasia, a forma mais imediata de obter destaque para o
anúncio da empresa na página. Um dos critérios de seleção na escolha do impresso estudado é a
disponibilidade de Almanacks na Internet. Este fato além de tornar a pesquisa mais abrangente,
garante resultados mais consistentes que possam ser utilizados como parâmetros para a avaliação
e preservação destas manifestações tipográficas enquanto parte de nosso patrimônio histórico,
artístico e cultural. A escolha do Almanack Laemmert não foi aleatória, além de ter sido um
importante veículo para as informações sobre os serviços, comércio e indústria da cidade, sua
grande circulação a partir de 1844 garante que este impresso ainda esteja disponível em diversas
lojas de livros antigos pela cidade, o que facilita muito o exame do pesquisador.
É importante observar que estudando a tipografia de um anúncio é possível dizer muito
sobre ele. Se a escolha das fontes na atualidade reflete as características do produto anunciado,
denunciando suas intenções e garantindo que seu público alvo se reconheça em suas propagandas,
pouco temos a dizer sobre os anúncios brasileiros do século XIX. A pesquisa sobre a inserção da
tipografia no contexto editorial é essencial para comprovar a existência de fontes que estão
intimamente ligadas à publicidade brasileira desde seu início. A proposta da pesquisa é
selecionar, identificar e catalogar esses tipos, verificando suas origens através de uma análise
comparativa com a ajuda de catálogos de fundidoras nacionais e internacionais. Essa abordagem
resultará numa visão panorâmica das escolhas e usos tipográficos dentro de um sequenciamento
cronológico. Tal instrumento é importante para situar historicamente as convenções gráficas que
regem essas escolhas em cada época para cada público.
Objetivos
O principal objetivo deste trabalho é colaborar com subsídios teóricos e metodológicos para o
desenvolvimento de projetos no campo da Memória Gráfica Brasileira a partir da organização e
disponibilização dos dados referentes aos estudos citados acima e seus respectivos anúncios no
Almanack Laemmert. Neste sentido, este projeto tem como objetivos específicos:
1. Fazer um fichamentos selecionando e identificando as diferentes fontes tipográficas presentes
nos anúncios
2. Elaborar fichamento e catalogação dos anúncios que ilustram cada uma dessas décadas de
modo a ressaltar seus efeitos e contextos de uso.
3. Realizar análises comparativas entre os tipos presentes nos anúncios e aqueles existentes em
catálogos de tipos nacionais e estrangeiros.
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4. Estudar aprofundadamente os tipos toscanos, característicos da tipografia do séc. XIX, já que
não existem muitos estudos sobre este tipo.
5. Escrever artigos e relatórios sobre a pesquisa.
6. Desenvolver o projeto e seu detalhamento com vistas à execução de um site que apresente as
perspectivas assim como referências bibliográficas, tipografias e métodos, entre outras
informações pertinentes.
Metodologia
A metodologia básica desse trabalho é a documentação iconográfica do material
selecionado no site da Fundação Biblioteca Nacional na parte referente ao Almanack Laemmert.
A partir do corpus foi feita análise comparativa dos tipos usando-se catálogos de tipos. Foi
também realizada parte da classificação dos mesmos a partir da classificação AtypI. Esta
sequência metodológica tem como parâmetros as pesquisas realizadas por estudiosos do tipo
como: Stanley Morrison, Beatrice Warden, Nicolette Gray, James Mosley e Michael Twyman.
Na 1ª fase foi feita a organização dos fichamentos bibliográficos da literatura sobre
tipografia. A seguir, foram separadas as páginas de Notabilidades e feita a seleção dos anúncios
mais expressivos em cada década estudada. As seções de Notabilidades aparecem nos Almanaks a
partir do ano de 1857, portanto a seleção dos anuários foi feita a partir dessa data.
Além disso, foram selecionadas as paginas de exemplares de dois anos seguidos de cada
década até 1898 (por exemplo, foram selecionados os Almanaks de 1857 e 1858, depois de 1867
e 1868, assim por diante, até o ano de 1898). Com isso procurou-se estudar as tendências da
década. Para melhor definir a amostragem, foram separadas digitalmente as diferentes fontes
tipográficas, fichando-se o exemplo e suas condições de ocorrência (titulo do anuncio,
identificação da empresa, e/ou produto, etc.).
Na segunda fase, deu-se início ao trabalho de análise, identificação e classificação das
fontes utilizadas com a finalidade de obter um quadro sobre escolhas e preferências tipográficas
no decorrer das décadas do século XIX, visando um panorama da evolução da tipografia na
publicidade brasileira em seus primeiros anos, a partir do Almanack Laemmert. O exame do
material levou ao enfoque nos tipos toscanos, característicos do século XIX. Esses tipos possuem
muitas ocorrências no corpus analisado, e ainda não existem muitos estudos que os classifiquem,
havendo assim uma necessidade de ser pesquisado mais a fundo.
A fase final diz respeito as ações de comunicação dos resultados através de artigos e
construções de tabelas. Houveram também alguns desdobramentos da pesquisa, comparando os
tipos toscanos do século XIX com os tipos toscanos utilizados atualmente, fazendo uma análise
de seu uso.
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Desenvolvimento
Os primeiros exemplares do Almanak foram retirados digitalmente do site
<http://www.crl.edu/brazil/almanak> que apresenta todos os Almanacks desde 1844 a 1889. Foi
também utilizado o site da Biblioteca Nacional <http://memoria.bn.br/> como fonte de pesquisa,
aonde se encontram os Almanacks até a data de 1949.
As páginas com as fontes que se destacavam foram selecionadas. Na maioria das vezes,
aqueles em destaque foram os tipos fantasia, que se caracterizam por serem decorativos,
chamando atenção para os produtos ou empresas anunciados. A diagramação dos anúncios ainda
eram muito semelhantes entre si nas primeiras décadas das Notabilidades, e ainda não havia
muito uso de ilustrações. Anúncios com extensos textos descritivos podem ser encontrados na
década de 1850 e persistem por cerca de trinta anos (fig. 1). Era comum cada linha fosse
composta em uma fonte diferente, em alguns casos com mais de 10 variações (fig.2). Aos poucos,
os textos descritivos que eram extensos de 1857 a aproximadamente 1880, vão sendo substituídos
por imagens (fig. 3). Estas foram introduzidas por volta da década 1880, juntamente com uma
diagramação mais arejada. No entanto, os tipos ornamentais não perdem sua importância nesses
anúncios, presentes nos títulos e em outros termos, tais como a cidade ou o nome do anunciante.
Verifica-se que as convenções que hoje definem a identidade visual de empresas, com o uso de
marcas visuais e tipografias repetidas de acordo com regras bem definidas, não se aplicava ao
conjunto estudado.
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Figura 1: Anúncio de 1857, com textos descrevendo a empresa e os produtos anunciados.
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Figura 2: Anúncio de 1878, com uso de diversos tipos diferentes.
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Figura 3: Anúncio de 1887 com a introdução de imagens ilustrativas
Desse conjunto de anúncios foram separados 501, dos quais se verificou a presença
constante de uma espécie de tipo decorativo próprio da fase vitoriana, os tipos toscanos. Como
um desdobramento desse trabalho, surgiu a necessidade de alem de comparar com o catálogo de
tipos, caracterizar cada espécie de tipo toscano encontrado no Almanack.
Os tipos toscanos
Os tipos toscanos se caracterizam por possuírem serifas duplas ou triplas curvas e no século XIX
foram muito utilizados em anuncios (fig. 4). Segundo Gray (1976), a origem dos tipos toscanos
pode ser localizada na obra do calígrafo Furius Dionysius Philocalus, que trabalhava para o papa
Damasius (ativo entre 366 a 384), tendo produzido textos em pergaminhos e inscrições lapidares.
Seu estilo foi copiado ao longo dos anos, emergindo nos anos oitocentos como um sucesso nas
fundidoras de tipo inglesas, rapidamente se espalhando em outros países.
Estas fontes possuíam uma gama extensa de atributos, e suas variações consistiam em
ornamentos, cavidades e protuberâncias. Sua utilização foi bem marcante na era vitoriana, os
anunciantes se aproveitavam de suas características peculiares para tornar seus anúncios mais
atraentes.
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Figura 4: Tipo toscano retirado do Almanack Laemmert de 1898
Sua primeira aparição se deu em 1815, no catálogo de tipos de Vincent Figgins. Este
fundidor de tipos também projetou os tipos tridimensionais e os de serifa egípcia, que também
eram utilizados nas propagandas publicitárias para atrair a atenção do consumidor. A necessidade
de utilizar fontes decorativas e de corpo pesado surgiu após a Revolução Industrial, pois nessa
época a concorrência no comercio se tornou acirrada, fazendo com que os anunciantes
precisassem utilizar novos recursos em seu anuncio. (MEGGS, 1983)
Resultados
Observando a infinidade de variações e notando-se a ausência de classificações para elas,
a pesquisa começou a criar um enfoque em caracterizar este tipo.
Nesta fase, o objetivo foi entender como os primeiros tipos toscanos se comportavam.
Para tanto, tendo em vista a abundância de ornamentos que caracteriza essas fontes nitidamente
vitorianas, foi necessário estudar os atributos que caracterizam esta ornamentação. Foram criados
três grupos: serifas, adornos e tridimensionais1
Para cada grupo foram observados atributos do tipo que descrevemos a seguir.
Grupo 1 – serifa
Serifa é o acabamento da extremidade da haste de um tipo, que no caso dos tipos toscanos
costuma a ser ornamental.
Características
• Serifa bifurcada – a serifa é dividida em 2, cada parte formando uma curva.
• Serifa trifurcada – a serifa similar a serifa bifurcada, tendo no meio uma saliência curva.
Grupo 2 – adorno
São elementos decorativos que podem ser presentes na própria haste da fonte ou
envolvendo as mesmas.
1 Essa divisão segue e amplia a utilizada para a descrição de tipos vernaculares similares pintados em barcos amazônicos (MARTINS, 2008).
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Características
Adornos na haste
Essa categoria se dá ao elementos que preenchem as hastes na fonte, adornando o seu
interior. Os adornos consistem em grafismos, protuberâncias ou cavidades de diversos formatos.
• Círculo – o circulo é acrescentado na haste vertical na parte interna ou externa ou em
ambas.
• Pontos – presentes nas hastes de tipos outline (contorno).
• Hachura – linhas horizontais de preenchimentos das hastes; podem ocupar toda ou apenas
partes das hastes.
• Hachura graduada – hachuras de tamanho e distanciam variadas, dando a sensação de
variação de cor (degrade).
• Bico na haste – a haste vertical apresenta uma saliência que se projeta para fora, tanto
externa quanto interna.
• Vírgula na haste – a haste vertical apresenta uma saliência em forma de virgula, que se
projeta para o lado esquerdo.
• Inline – Linha interna que adorna a haste.
Adorno envolvendo o tipo
Essa categoria se dá quando os adornos envolvem as hastes na fonte, porém não fazem
parte de seu preenchimento, adornando o seu exterior. Os adornos são grafismos de diversas
formas, às vezes imitando elementos, como plantas. Eventualmente aparecem preenchendo o olho
(parte interna) dos tipos.
Grupo 2 – tridimensionais
Os tipos tridimensionais (3D) são os que possuem recursos para dar a sensação de volume
na letra. Esses recursos se dão basicamente em duplicar a haste deslocando-a para cima, ou para
baixo, para o lado esquerdo ou direito, assim como o desenho de um cubo, por exemplo. Em
alguns casos esse recurso dá sensação de perspectiva ao tipo.
• 3D para a esquerda – a projeção tridimensional nesse caso se da para a esquerda.
• 3D para a direita – a projeção tridimensional nesse caso se da para a direita.
• 3D preenchido – a projeção, independente da posição, é preenchida, com uma cor sólida,
ou hachura.
• 3D outline – projeção, independente da posição, é em outline, ou seja possui apenas uma
linha de contorno, sem preenchimento.
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Para facilitar a compreensão, e poder visualizar melhor as características dos recortes
tipográficos do Almanack Laemmert de cada ano, foi feita uma tabela demonstrando que tipo
toscano possui qual característica (fig. 5), e também foram retirados da tabela 2 exemplos de tipos
classificados com suas respectivas características (fig. 6 e 7).
O próximo objetivo da pesquisa é desenvolver classificações para todos os tipos display
encontrados no Almanack, criando tabelas para cada fonte encontrada.
Figura 5: Exemplo de tabela criada para organizar e classificar os tipos toscanos.
As figuras 6 e 7 a seguir demonstram a utilização dos atributos para descrever o tipo
encontrado nos diversos Almanacks.
Figura 6: Tipo toscano retirado do Almanack de 1858.
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