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esmo as teorias científicas KARL POPPER:
FILOSOFIA E PROBLEMAS
espetaculares e bem-sucedidas devem ser
vistas como hipóteses que jamais poderão ser
definitivamentej ustificadas e estabelecidas.
Assim, afirma Popper, na ciência nunca
estamos seguros de possuir a verdade acerca
de nosso belo e estranho mundo, que sempre
pode opor-se às teorias que tentam desvendar
sua estrutura mais íntima e profunda. Nem
por isso devemos abandonar a busca da
verdade e naufragar num ceticismo estéril. O
espírito científico manifesta-se exatamente
na invenção de conjecturas e em sua
incessante renovação a partir de severas
objeções que apontam os erros cometidos.
Adotando conscientemente o método crítico,
é possível aprender com os erros, melhorar
as opiniões e progredir com respeito à
verdade. Para tanto, um sistema de
enunciados da ciência empírica não pode ser
imune ao falseamento: deve ser possível, em
princípio, refuta-lo pela experiência. Sob
q
certos aspectos, a evolução do conhecimento
científico é comparável a um processo de
FUNDAÇÃO EDITORA DA UNESP
Presidented o Conselho Curador
Antonio Manoel dos Santos Sova
Dirá {or-Piesi demt e ANTHONY O'HEAR
roséC astilho Marques Neto
ORGANIZADOR
Assessor Editorial
Jézio Hernani Bomfim Gutierre
Conselho EdiioriaIAcadêmico
Aguinaldor oséG onçalves
Àlvaro Oscar Campana
Antonio Celso Wagner Zanin
Carlos Erivany Fantinati
fausto Foresti
rosé Aluysio Reis de Andrade
Marco Aurélio Nogueira KARL POPPER
Mana Sueli Parreira de Arruda
Roberto Kraenkel
FILOSOFIA E PROBLEMAS
Rosa Mana leiteiro Cavalari
EcÍilor Executivo
Tubo Y. Kawata
Editoras Assim! entes
MaltaA pparecidaF . M. Bussolotti
Mana Dolores Prados
Tradução
Luiz Paulo Rouanet
U/dito«a
,editora CAMBRIDGE
Ü NESPW
NESP UNIVERSI'l'Y PRESS
FUNDAÇÃO
Copyright© 1995b y The Royal Instituto
of Philosophy and the ConLributors.
Título original em inglês: Kar/ rapper
Philosophy and Problems.
Copyright © 1997 da tradução brasileira
FundaçãoE ditorad a UNESP (FEU)
SUMÁRIO
Av. Rio Branco, 1210
01206-904 São Paulo SP
Tel./FaÊ: (O11)223-9560
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Kart Popper: filosofia e problemas / Anthony O'Hear (Org.);
Introdução 7
tradução de Luiz Paulo Rouanet. São Paulo: Fundação
Anthony O'Hear
Editora da UNESP, 1997. (UNESP/Cambridge)
l Popper, ciência e racionalidade 21
Título original: Kar/ f'apper: Philosophy and Problems.
W. H. Newton Smith
ISBN 85-7139-159-9
2 Popper e o confiabilismo 41
1. Popper, Kart Raimund, Sir, 1902-1994. 1. 0'Hear, An
Petcr Lipton
thony. 11. Série.
97-3999 CDD-193 3 0 problema da base empírica 57
E. G. Zahar
Índices para catálogo sistemático: 4 "Revolução permanente": Popper
e a mudança de teorias na ciência 91
1. Popper:O bras filosóficas 19 3
Jottn 'Worraíí
2. Filosofia austríaca 193
5 A contribuição de Popper à filosofia da probabilidade 125
Donalá Gitties
6 Propensões e indeterminismo 147
Editora afinada DaviáM.i!!er
7 Popper e o determinismo 177
reter Ctark
Anda
8 Popper e a teoria quântica 193
Assoclacíõn dc Edltorlalcs Unlxcrsitarlas Associação Btasílelra de ~g:g.,/ Michae! Redhea(i
de Amérlca Latina y el Carlbe Editoras Universitárias
6
ANTHONY 0'CEAR
9 0s usos de Karl Popper 211
Günter Wãclttershãuser
10 Popper e o darwinismo 227
John '#atkitts
11 Popper e o ceticismo da epistemologia
247
evolucionista, ou, para que foram feitos os humanos?
/Uickae! Smithurst INTRODUÇÃO
12 Popper explica a explicação histórica? 267
Kentteth ]\4ittogtle
13 0s fundamentos do anel-historicismo 287
Gravam M.acáonatd ANTHONY O'CEAR
14 Qual a utilidade de Popper para um político? 307
15 Fundamentos éticos da filosofia de Popper 325
Htibeft Kiesewettef
Este conjunto de ensaios sobre a obra de Sir Karl Popper se baseia
Obras de Karl Popper citadas no texto 341 na série anual de conferências do Royal Institute of Philosophy, reali-
Notas sobre os colaboradores 345 zada em Londres, de outubro de 1994 a março de 1995. Popperm orreu
em agosto de 1994,p ouco antes do início das conferências. Sua morte
Índice onomástica 349
foi causa de tristeza para todos os envolvidos nesse trabalho. Alguns,
na verdade, eram amigos próximos de Popper havia muitos anos e
outros, seus colegase conhecidos, alguns mais próximos, outros mais
distantes. Mesmo os que não o conheciam pessoalmente se referiram,
em suas conferências, ao profundo estímulo intelectual que haviam
recebido pela leitura de suas obras
Quase no final do trabalho de planejamento dessa série de confe-
rências, procurei, com algum receio, Popper. Sua reação foi, a um
tempo, generosa e modesta. Tendo inicialmente me dito que não
invejava minha tarefa de contatar conferencistas, ao ver o esboço do
programa, escreveu que 'os planos para o curso sobre minha filosofia
são muito interessantes, muito mais do que eu julgava possível". O
crédito deve ser conferido a quem de direito. Assim que o Roya]
Institute determinou o tema, tanto os assuntos quanto os conferen-
cistas surgiram naturalmente, e não houve dificuldade em persuadir os
colaboradores potenciais do Reino Unido a participar. Popper sugeriu
que Günter Wãchtershãuser, de Munique, e Hubert Kiesewetter, de
Eichstatt, deviam ser acrescentados à lista original de colaboradores, o
8 ANTHONY 0'CEAR KART POPPER:F ILOSOFIA E PROBLEMAS 9
que foi feito. Agradecemosa todos que participaram da série e que sentarem como ciência ao mesmo tempo em que se recusam a aceitar
ajudaram a tornar este livro tão abrangente como é. refutaçõese mpíricas como conclusivas, existem alguns empreendi-
mentos intelectualmente respeitáveis que não são científicos. Exem
Popper também concordou em participar de uma sessão de pergun
Eas e respostas ao final da série. Que isso não tenha sido possível é uma Pios seriam a matemática, a ética e a própria filosofia. Embora não
grande lástima, tanto pessoal como intelectualmente. M.uitas observa- sejam suscetíveis de refutação empírica, possuem tradições bem esta-
belecidasd e crítica como fundamento de sua racionalidade. A raciona-
ções e críticas originais foram efetuadas ao longo das conferências, em
relação às quais teria sido fascinante ouvir as reações do próprio Popper. lidade é, desse modo, vista por Popper como a aplicação generalizada
A despeito do sentimento de pesar, compartilhado por todos os envol- do método crítico.
vidos na série, as conferências, tal como se deram e foram aqui reprodu- No campo da ciência, a ênfase de Popper à crítica, combinada a um
zidas, envolveram-se de modo pleno e crítico com a filosofia de Popper. forte compromisso com o realismo, leva-o a desenvolver uma argumen-
Não são nem encomiásticas nem constituem discursos de despedida; ao tação original a respeito da probabilidade. Ele considera os enunciados
contrário, dão testemunho de que, independentemente da morte de de probabilidade como objetivos e falseáveis. Não são vistos como ex-
I'opper, suas idéias continuam a propor problemas, ter consequências pressõesd e nossa ignorância no que se refere aos determinantes causais
ainda a ser plenamente exploradas e gerar assim frutos intelectuais. plenosd os eventos, mas como descrições de propensões efetivas, porém
A filosoJlia de Popper é marcada por um fôlego e uma coerência não-deterministas, presentes no mundo real. O mundo não é inteira-
incomuns para um filósofo moderno. Se seus ins/g#fsf undamentais mente determinista, mas em muitas áreas é governado por esse tipo de
derivam de sua filosofia da ciência, o que ele afirma ali se estende à propensões, produzindo tendências reais mas não-determinantes de
política, à teoria da racionalidade e à própria natureza da vida. No que que os eventos ocorram de uma dada maneira. O compromisso de
concerne à ciência, o pensamento de Popper é marcado por uma Popper com o indeterminismo vincula-se estreitamente com a crença
profunda hostilidade a qualquer profissão de certeza, ou a qualquer na liberdade e criatividade humanas, as quais, segundo ele, seriam
pretensão de justificação. Ele aceita o ceticismo humeano sobre a excluídas por qualquer forma de determinismo. Sua crença nas propen-
indução, assumindo a consequência de que isso significa que jamais sões permite que ele pense nas probabilidades como forças obÍetivas
podemos saber se uma teoria universal é verdadeira. Ele acredita que que dão margem ao exercíciod a liberdade.
mesmo enunciados observacionaisu sam de modo implícito teorias Crítica, liberdade e racionalidade são centrais para as concepções
universais, pois ao nos referirmosa objetosc omo o vidro ou a água de Popper sobre a política e a sociedade aberta, concepções que encon-
estamos emitindo enunciados sobre como elesi rão se comportar num traram ressonânciae ntre as pessoasd o Leste europeue de outros
futuro ainda desconhecido. Seu ceticismo é, por conseguinte, bastante lugaresq ue viveram e sofreram sob ditaduras. É-nos dito, exemplo do
profundo, mas ele acredita poder basear uma explicação da racionali- ceticismo epistemológico geral de Popper e de sua hostilidade em
dade científica na atividade negativa de tentar refutar teorias. A refu- relação a qualquer forma de justificacionismo, que todas as nossas
tação empírica de uma teoria é conclusiva, enquanto qualquer mon- ações e políticas provavelmente possuem consequências imprevistas e
tante de evidência em favor de uma teoria permanece inconclusivo. Os não desejadas. Isso é especialmente importante em lugares nos quais
verdadeiros cientistas efetuam conjecturas ousadas e, então, de modo mudanças políticas em larga escala estão sendo tentadas. Assim, deve-
igualmente ousado, tentam refuta-lasp or meio dos mais severost estes mos suspeitar de governantes e políticos que - mesmo com as melhores
que podem conceber. Seguindo esse procedimento, podemos aceitar razões para tal desejam impor planos abrangentes a uma sociedade.
provisoriamente teorias até o momento não falseadas, embora não Em lugar de dar nosso assentimento a tais ambições ditatoriais, deve-
devamos pensar que isso signifique que elas estejam definitivamente mos trabalharem prol das sociedades abertas, sociedades nas quais cada
comprovadas. A verdadeira ciência é demarcada das outras atividades um é autorizado, ou mesmo encorajado, a criticar a política, e nas quais
pela rigorosa aceitação do método de falseamento e seus resultados. os governantes podem ser afastados pelos governados dentro da lei e
Embora algumas atividades não-científicas como o marxismo e a de modo pacífico. Aceitando sua própria e inevitável ignorância dos
psicanálise sejam intelectualmente desacreditadas pelo fato de se apre efeitos das políticas, os governantes devem restringir suas atividades à
0
1 ANTHONY 0'CEAR KARL POPPER: FILOSOFIA E PROBLEMAS ll
erradicaçãod e males manifestos, em vez de tentar impor ao resto da científica em termos desses valores institucionais, mesmo que haja
população suas concepções de felicidade não experimentadas, e possi- menos clareza sobre considera-los como justificados ou desejáveis em
velmente malvindas.
virtude do êxito da ciência
Ciência e política devem, portanto, ser caracterizadas pela admis- reter Lipton também examina o antiindutivismo de Popper,e con
são de nossa ignorância e pela tentativa de eliminar falsas teorias e fronha-o com o que ele chama de perspectiva confiabilista l"re/ía&///sr
remediar os efeitos negativos de nossas políticas. A própria vida passa
a7rroac#"] do conhecimento. Segundo essa abordagem, pode-sed izer
a ser vista por Popper em termos bem similares de "resolução de
que alguém conhece algo se adquiriu uma crença verdadeira mediante
problemas". No processod e evolução, ocorre todo tipo de modificação um método que é de fato conEiável. Não é preciso, além da confiabili-
entre as criaturas existentes. Como uma falsa teoria científica, a maior
dade efetiva, provar que o método em questão de fato funcione. Se os
parte dessas modificações é excluída e refutada pelo meio ambiente. E métodos indutivos (ou alguns métodos indutivos) são de fato confiá-
a exclusão pelo meio ambiente que nos assegura, de fato, que nossas veis, contrar apper, pode-se considerar que produzem conhecimento
teorias dizem respeito a um mundo real, progridem em várias direções. A opinião filosófica se dividirá no que concerne a decidir se essa
Mas, em nossa teorização científica, seguimos as mesmas sequências abordagem essencialmente naturalista do conhecimento é um avanço
evolutivas que as mais primitivas ameias, partindo do problema inicial no campo da epistemologia ou é sua supressão final, pelo fato de que
para uma tentativa de resolvê-lo. Então, depois de eliminarmos o erro tal abordagem supõe, de saída, que podemos efetivamente identificar
da solução proposta, com sorte poderemos alcançar uma solução par- feixes de teorias verdadeiras. Lipton, no entanto, acrescenta que um
cial e, assim, passar para novos problemas. A diferença entre os seres método popperiano de falseamento pode ser não apenas necessário
humanos e outras formas de vida é que podemos efetuar nossas para o conhecimento positivo, pelo fato de que as pretensões positivas
modificações e propor soluçõesd e modo exossomático, em símbolos, de conhecimento precisam sobreviver às tentativas de falseamento,
fora de nossos corpos. O meio ambiente crítico pode atacar nossas mas também suficiente para ele. Isso se deve ao fato de não poder existir
teorias, que morrem em nosso lugar, e não, como no caso da evolução falseamento sem um fundo de verdade aceita, o que constitui uma
biológica, o organismo modificado. maneira interessante de considerar a conhecida sugestão de que o
As linhas principais do pensamento de Popper são claras, abran- método de falseamento de Popper necessita de uma base de verdade
gentes e de longo alcance. Como seria de esperar, suas doutrinas o justificada sobre a qual se apoiar.
puseram em conflito com muitas das modas intelectuais de sua e de Elie Zahar concordaria com isso, ainda que conceba tal base de
nossa época - por exemplo, com tentativas de elaborar teorias positivas modo diferente de Lipton. Zahar aceita o ceticismo popperiano a
com base na indução, com o anti-realismo na filosofia da ciência, com respeito das teorias gerais, e mesmo a respeito de enunciados observa-
o subÍetivismo na teoria quântica, com o marxismo na política e com cionais singulares,n os quais o que se afirma ter sido observados ão
as abordagens deterministas da história e de nosso futuro. Todas essas objetos e estados de coisas do mundo externo. Mas, seguindo Brentano,
disputas e controvérsias são mencionadas e exploradas nos ensaios Zahar elabora uma sólida defesa para considerar os enunciados sobre
seguintes. os estados psicológicosc omo, ao mesmo tempo, Justificados e - o que
Os primeiros quatro ensaios tratam de alguns problemas básicos talvez seja mais controvertido - como "aquilo que deve ser explicado"
e familiareqs ue surgemd a análisep opperianad a ciência.W . H. nas teorias da ciência. Segundo Zahar, deveríamos ver tais enunciados
Newton-Smith é o mais recente numa longa linhagem de críticos de como a base empírica firme e justificada da ciência, algo que Popper
Popper que se perguntam até que ponto se pode realmente afirmar que rejeitada enfaticamente, mas, sem tal base, seu sistema pareceu aos
ele prescindiu da indução em sua análise da ciência. Newton-Smith, críticos estar irremediavelmente à deriva, nas correntes cambiantes da
história.
no entanto, leva a crítica um passo adiante do que a maioria, sugerindo
que a filosofia da ciência deva abandonar a tentativa de defender Retomando algumas das controvérsias entre Poppere Kuhn, Laka
diretamente um método específico para a ciência, seja ele falseacionis- tos e outros filósofosq ue examinarama história da ciência,J ohn
ta, indutivo ou outro. O que ela deve fazer é analisar a racionalidade Worrall sustenta que a concepção de Popper da teoria científica é
12 ANTHONY 0'HEAR KART POPPER:F ILOSOFIA E PROBI.AMAS 13
excessivamente simplificada. Em especial, as inovações na teoria cien- Que o vínculo entre as concepções de Popper sobre o indetermi-
tífica não deveriam ser vistas, como desejaria Popper, como conjecturas nismo e sua crença na criatividade genuína não é, em absoluto, claro é
a conclusão do artigo de I'eter Clark. Clark admira a seriedaded o
ousadas, imaginativas, produzidas, como as mutações darwinianas,
sem nenhuma instrução externa. Worrall mostra como, no caso do compromisso de Popperc om a liberdadee a criatividade humanas, mas
desenvolvimentof eito por Fresneld a clássica teoria ondulatória da luz, questiona a relevância para tanto de seus argumentos a respeito da im-
as novas teorias foram produzidas de maneira inteiramente dirigida, previsibilidade. Afinal, as coisas, incluindo nós mesmos, podem ser
por meio de raciocínio sistemático e lógico, a partir do que já era imprevisíveis sem serem indeterminadas. Clark aceita que a teoria da
conhecido. Embora não estritamente incompatível com as linhas mais propensão é uma sólida tentativa de resolver o espinhoso problema da
gerais do falseacionismo de Popper, Worrall com certeza faz algo para existência de regularidades estáveis, estatisticamente significativas no
nuançar a retórica mais extremada de Popper sobre a natureza profun- mundo físico, mas elet em dúvidas de que ela resolva outros problemas
damente não-baconiana do processoc ientífico. aos quais rapper a aplicou, como o problema da medida zero em
mecânica estatística ou os paradoxos da teoria quântica
Os três artigos seguintes centram-se na teoria popperiana da
propensão da probabilidade e no compromisso de Popper com o inde No primeiro dos dois artigos relativos à aplicação do pensamento
terminismo. Donald Gillies sugereq ue a teoria da propensão deixa de de Popper a áreas específicas da ciência, Michael Redhead concentra-se
resolver o problema da objetividade dos enunciados probabilísticos nas incursões de Popper no terreno da teoria quântica. Tais incursões
remontam a 1934 e continuaram até os anos 80. Se, como mostra
singulares - para os quais foi originalmente proposta -, mas afirma que
assim mesmo ela é útil-p or evitar o operacionalismo inerente à teoria Redhead, as sugestões de Popper são falhas nos pormenores, é certa-
freqüencial. Ele prossegue esboçando uma análise de tom popperiano mente sustentável que o artigo de Popper de 1934 possa ter influen-
do falseamento de enunciados probabilísticos e termina mostrando ciado Einstein no que viria a ser conhecido como o paradoxo EPR
que a corroboração não é uma função da probabilidade; Popper ansiava (publicado em 1935). O interesse de Popper pela teoria quântica foi
por defender essa concepção como parte de seu antiindutivismo, em- desdeo início motivado por um forte compromisso com o realismo,
bora Gillies, como ele próprio diz, chegue à mesma conclusão por uma numa área e numa época em que o realismo estava nitidamente fora
rota nitidamenten ão-popperiana. de moda. SÓ isso já poria Popper no campo de Einstein, embora sua
adesãoa o indeterminismo, mais tarde, o pusessee m parte fora dele
David Miller aceita que o determinismo, como tese filosófica, não
Além dos detalhes fornecidos por Redhead (muitos dos quais derivando
é empiricamente falseável (e, portanto, nos termos de Popper, é 'me-
de conversas e correspondência particulares, e até agora inéditas), o que
tafísico"). No entanto, várias dificuldades com explicaçõesd eterminis-
fascina na relação de Popper com a teoria quântica é que vemos aí o
tas completas do mundo físico ('determinismo científico") expõem seu
método de conjectura e refutação posto em prática, assim como uma
sfzzfasd e teoria mais propriamente física do que científica, e devem levar
disposição da parte de Popper em curvar-se diante da crítica e da
à sua rejeição. Miller prossegue examinando um dos argumentos pre-
refutação, algo que nem sempre fora tão evidente em sua filosofia pu ra
diletos de ]'opper a favor do indeterminismo, o da lâmina de Landé, e
Günter Wãchtershàuser também relaciona a filosofia da ciência de
considera-o inconclusivo a esse respeito. Na parte final do artigo,
mostra que a mais recente abordagem de Popper da propensão, como Popper a uma área específica da ciência, neste caso à biologia e ao estudo
aquela que propicia o surgimento de possibilidades genuinamente da origem da vida. Ao examinar a obra de Van Helmont, Berselius e
novas, é algo que vai além do que se entende por probabilidaden o outros pioneiros da área, Wãchtershãuser afirma que a biologia realizou
cálculo de probabilidade; pois, nesse cálculo, possibilidades genuína o objetivo popperiano de ficar cada vez mais próxima da verdade por
mente novas devem ter zero de probabilidade.A pesar disso, Miller métodos definitivamente não-indutivos. Entretanto, trabalhos mais
conclui com a tese de que a propensão zero não implica necessariamen- recentes sobre o caldo pré-biótico, a partir do qual a vida supostamente
te impossibilidade, e que muitas coisas que de fato ocorreram, como a ter-se-ia originado, têm sido dominados pelo indutivismo e, segundo
pintura da Roída Raiz/rnao u a construção do Partenon, não foram Wàchtershãuser, foram, em grande parte, inconclusivos. Ele conclui
prefiguradas por propensões nos primeiros segundos do universo. seu artigo delineando sua própria teoria sobre a or.agemd a vida. Embora
KARL POPPER:F ILOSOFIA E PROBLEMAS 15
14 ANTHONY 0'CEAR
a pintura de Turner, é com certeza um bom antídoto contra aqueles
apresentada inicialmente sem .apoio. observacional ou expe::Tntal, teóricos da evolução que tendem ao ceticismo, vendo a nós mesmos e
conseguiu capturar a atenção de muitos cientistas, em virtude de seu a nossas faculdades como limitados e condicionados pelo nosso meio
poder de explicação. Está sendo providenciado o teste e refinamento físico imediato.
empírico da teoria
Seguem três artigos sobre a filosofia social e política de Popper.
No primeiro de dois artigos sobre a discussão de Popper,da teoria nneth Minogue discorda enfaticamente da análise de Popper da vida
da evolução,J ohn Watkins desenvolveu m refinamentod essa teo-
social e política em termos de resolução de problemas e também de sua
ria originalmente sugerido pelo próprio Popper em 1961. Batizado por
proposta de que., em essências o.s mesmos métodos devam ser usados
Watkins de "modelo ponta de lança", a sugestão é de que, em organis- nas ciências física e social. M.inogue sustenta que, na descrição e
mos complexos, existem sistemas de controle, assim como a estrutura explanação das ações humanas e na narrativa histórica em geral, o que
física de membros, órgãos e outras partes do corpo Na evolução, ambos está em questão não é a tentativa de subsumir eventos particulares sob
os sistemas podem se desenvolver de maneira independente. O sistema leis gerais (que é o modelo de explanação de Popper tanto no mundo
de controle pode superar em ambição o sistema motor, o qual sem ele humano como no físico). Mesmo na mais básica descriçãod a ação
permaneceria sem uso, mesmo que potencialmente vantapso. O de humana, há sempre um elemento de explanação: nós sempre descre-
senvolvimento evolutivo é assim conduzido por avanços nos sistemas vemos as ações em termos das razões e intenções que supomos pos-
de controle. Podemos ver desse modo por que mesmo pequenas mu- suírem seus agentes. Além disso, esse pressuposto de que mesmo a ação
como
danças estruturais podem ser úteis aos organismos, e também humana em nível mais básico é vista em termos de fornecimento e
certas mutações de maior alcance podem ser dirigidas para.propósitos busca de razões é sempre fundado na tácita rede de hábitos, rotinas e
úteis, em vez de permanecerem sem uso ou mesmo serem francamen-
princípios no interior da qual vivemos e em relação à qual algumas das,
te obstrutivas. Watkins considera a consciência nos seres humanos mas não todas, situaçõess e apresentamc omo problemasa serem
como nosso sistema de controle; sugere também que o ímpeto. da resolvidos. M.inogue não tem muito a dizer em resposta ao difícil
controle a
seleção sexual' pode muito bem levar no.sãoss tste.mas de problema que surge quando agentes de um determinado contexto de
desenvolver aptidões em nós, como a habilidade do.pianista de con- hábitos deparam com os de outro contexto, mas tampouco. Popper é
certo a tocar Chopin, que estão bem acima do que é necessãno para de grande ajuda nesse ponto. Suas próprias discussõesd o valor: vistas
nossa sobrevivência. a um só tempo como bastante enraizadas e comuns, do ponto de vista
A superação evolutiva também é bbleto da atenção de Michael analítico são, como afirma M.inogue, pobres
Smithurst, e em termos um tanto similares. Após .fazer eco a algumas Gravam Macdonald examina cuidadosamente a emaranhada teia
das reservasd e Worrall a respeito da análise darwiniana de Popper da dos argumentos amei-historicistas presentes em Tüe Povefr/ ofH/suor/-
formulação da teoria científica, ele considera o que o darwinismo cfsm [Á mfsérfa do Alsroriclsmo], de Popper. Ele não está convencido de
poderia ter a dizer sobre traços como a habilidade de produzir mate- a insistência de Popper sobre o papel do imprevisível desenvolvi-
mática superior ou astrofísica. A .respostad e Smithurst é que, se a mento do conhecimento humano deixe o suposto previsord o curso
evolução decorrente da luta pela sobrevivência no ambiente físico pode futuro da história sem recursos. Ainda assim, podem ser discernidas
ter desenvolvido nossa capacidade de quebrar nozes, tem pouca relação importantes, embora imprecisas, linhas de desenvolvimentosú teis na
direta com muitas de nossas atividades mais vistosas, intelectuais e realização de previsões. Macdonald considera a obra de G. A. Cohen
culturais. Estas se desenvolveram em virtude de nossa neotenla - o que sobre o desenvolvimento tecnológico e o "indicador de ênfase política"
significa que os seres humanos nascem mais imaturos, e portanto mais de Jack Goldstone como apontando tendências nas quais as previsões
muitas outras criaturas --, e também por causa de
poderiam basear-se; se Popper veria isso como uma interessante e forte
versão do historicismo é algo que permanece em aberto. (Afinal, Popper
não exclui toda referência a tendências na história, ao menos enquanto
não considerarmos que tais tendências encarcerem os agentes em
do que ocorre quando pesquisamos o mundo quântico ou apreciamos
16 ANTHONY 0'HEAR KART POPPER: FILOSOFIA E PROBI.AMAS 17
futuros específicose inflexíveis). Macdonald também examina a defesa Além disso, a concepção de ciência proposta em T#e Zog/c o/' Scfenri/7c
de Popper de mudanças políticas em pequena escala. Ele assinala Z)lscoveW[a /Ógícad a r'esgz/lsac le r@ca] possui tanto uma base ética
algumas das dificuldades em decidir o que pode e o que não pode ser como implicações éticas. Como afirmou Popper nesse livro (p.38), as
considerado como pequena escala, e faz a interessante observação de propostasa li contidas foram guiadas, "em última análise, por juízos de
que, em algumas ocasiões, aquilo concebido pelos governantes como valor e predileções"; a libertação do dogmatismo que ele sustenta ali
mudanças de pequena escala teve resultados de longo alcance, e mesmo não pode justificar-se unicamente em bases epistemológicas,m as
revolucionários. supostamente conduz a uma atitude mais humana em relação à vida
e à sociedade. Kiesewetter vê a filosofia da ciência de Popper como uma
Bryan M.agee possui experiência acadêmica e política. Em sua
síntese do individualismo racional de Kant e uma perspectiva einste-
opinião, parte excessiva da discussão política, especialmente entre
niana da ciência. rapper também partilha com Kant um compromisso
pessoas inteligentes, é teórica demais, tendendo a produzir projetos
com muitas virtudes cristãs, como a igualdade,a paz, a tolerância,o
afastados do que realmente existe e dos reais motivos e aspirações das
amor pelo próximo e uma crença na unidade do gênero humano
pessoas( que, de qualquer modo, mudam constantemente). Magee
Kiesewetter, efetivamente, não vê conflito entre um cristianismo
defende a abordagem popperiana da política, abordagem que trata a
não-dogmático e uma fé popperiana na razão. A religião à qual Popper
atividade política, em essência, como uma busca de soluções para
(como Kart) se opunha era a que se baseava no misticismo e exigia a
problemasg enuínos e que funciona mediante discussão e atividade
supressão de nossas faculdades críticas, a qual levaria de modo inelu
crítica e disposição para ouvir o oponente. As concepções políticas de
Lavei a sacrifícios coletivistas do indivíduo.
Rapper se situam com certeza na tradição liberal-democrata, e, embora
Popper (como Magee) não dê espaço para o pessimismo cultural tão A comparação de Kiesewetter entre Popper e Kant se sustenta?
em moda entre os intelectuais, Magee procura mostrar que Popper não Ou, para pâ-lo de outro modo, qual será a avaliação de Popper daqui a
é um conservador( no sentido em que o artigo de Minogue, por 200 anos? E claro, é muito cedo para julgar a respeito. O que com
exemplo,é ). A atitude de Poppere m relaçãoà s instituições é radical, certeza é verdadeiro é que, no final do séculoX X, Karl Popper revela-se
mais do que conservadora, exigindo (como a baronesa Thatcher) que uma das figuras filosóficas mais notáveis. O que não significa que ele
elas sejam de tempos em tempos examinadase criticadas de forma tenha sido em todo momento o pensadord a moda (ainda que se deva
contínua. Embora este)a convencido da importância e vitalidade da dizer que sua queixa frequente de ter sido negligenciado pelos colegas
filosofia política de Popper, Magee conclui seu artigo com um exemplo, acadêmicos é exagerada e, em retrospecto, parece equivocada). Mas
a partir do qual o próprio Popper poderia ser acusado de assumir uma Popper não participou da filosofia da linguagem, seja em sua fase da
atitude excessivamente intelectual em relação a uma questão política; linguagem comum, seja nas davidsonianas. Sua hostilidade em relação
mesmo o arquicrítico do intelectualismo na política não pode suprimir ao justificacionismo não o levou a desenvolver um interesse pelo que
toda a mácula de seu mér/er. é conhecido como epistemologia naturalizada ou por abordagens wi-
ttgeinsteinianas. Não deu importância à moda carnapiana da definição
O último artigo, de Hubert Kiesewetter, associa as concepções
formal, que dominou por certo tempo a filosofia da ciência americana;
sociais e políticas de Popper à sua filosofia da ciência. As primeiras
as minúcias dos debates mais recentes entre realistas e anta-realistas de
influências de Popper incluíam seu parente distante, o reformador
ambos os lados do Atlântico foram, em grande parte, ignoradas por ele,
social Popper-Lynkeus, a pacifista Bertha von Suttner e o explorador e
assim como as complicaçõesd a lógicad os mundos possíveise da
defensor de uma noção moral entre as nações, Fridtjof Nansen. Um
chamada ciência cognitiva. A despeito de ter um interesse considerável
agudo senso de ética, portanto, marcou Popper desde o início, assim
pelo eu lse/H e pela mente, mostrou pouco interesse pela filosofia
como, a princípio conforme observa igualmente Bryan Magee --, uma
contemporânea da mente, e o mesmo poderia ser dito de seu relacio-
inclinação para a esquerda. Mas a influência mais profunda sobre
namento com a filosofia política contemporânea de Rawls e Nozick.
Popper, à qual Kiesewetter tem prazer em compara-lo, é Immanuel
Kart. Com Kant, Popper compartilha um forte compromisso com o Não que, de sua perspectiva filosófica, Popper não tivesse algo de
individualismo ético e uma crença no poder e necessidaded a razão. interessantee relevantea dizer sobre essest ópicos, bem como sobre
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1 ANTHONY 0'HEAR KART POPPER;F ILOSOFIA E PROBLEMAS 19
muitos outros. Na verdade, elem ostrou uma independência de espírito bém não fica claro até que ponto sua visão da explicaçãon as ciências
sobre todos os tópicos pelos quais se interessou. Segundo seus amigos, sociais é aceitável, ou em que medida um modelo darwiniano é apro-
essa independência evitou que ele desperdiçasse tempo com novidades priado para o pensamento humano. Nessas e em outras áreas, a questão
efêmeras, enquanto seus críticos verão nisso um efeito de uma falha não é tanto a correção ou o erro das teses de Popper, nem há nenhuma
sistemática de sua parte em lidar com a filosofia de ponta. dúvida de que, diferentemente de muitos filósofos contemporâneos,
Não ser conduzido pelo espírito do tempo, ou melhor, não ser Popper possui uma noção excepcional de onde de fato residem as
influenciado pela retórica que se baseia numa definição tão persuasiva questões mais profundas. A questão que precisamos considerar é até
é inteiramente apropriado para um crítico de noções historicistas. E foi que ponto os argumentos que ele propõe nos levam efetivamente a
nessa área, na área da política, da ciência social e da psicologia mais uma maior compreensão do que está em jogo. Os que se interessam
geral que a influência de Popper foi mais abrangente e mais salutar. Por em obter uma idéia provisória da estatura filosófica de Popper fariam
ocasião de sua morte, mais de um jornal trazia por título do obituário bem em ler os ensaios que seguem mantendo isso em mente.
"0 homem que matou Marx e Freud". Os acadêmicos podem torcer o
nariz ao caráter grosseiro de tais manchetes, e eles sem dúvida dirão
que as críticasd e Poppera Marx e Freudn ão eram, por sua vez,
irrefutáveis. E da natureza do esforço intelectual o ser raras vezes
conclusivo
O que não dá margem a dúvidas, e um dos motivos pelos quais
sempre serei grato a Popper, é que durante um período intelectualmen-
te muito ruim, ele foi extremamente influente na criação de um clima
de debates no qual se tornou possível afirmar que, em termos metodo-
lógicos, poderá haver algo de profundamente errado, tanto com o
marxismo como com a psicanálise.E ele fez isso sem ter nenhuma
conexão com o irracionalismo ou com o que ele chamava de filosofia
oracular. De maneira similar, sua franca defesa do realismo na área da
física quântica e da teoria da probabilidade,a inda que o pusesse mais
uma vez contra a moda do momento, foi um lembrete oportuno e
salutar de que a física não precisa incorrer em irracionalismo, e não deve
fazê-lo. De modo mais geral, como mostram diversos colaboradores
deste volume, há muito de desafiador e impulsionador na defesa de
Popper da abertura na política e da criatividade da natureza humana
Num século que foi especialmente suscetível ao irracionalismo e a
dogmas inumados, a vigorosa defesa de Popper do individualismo e da
razão assume, por vezes, um caráter inspirador.
Por outro lado, quando examinámos os argumentos de Popper de
modo detalhado, o quadro é menos claro. Poucos observadores qualifi-
cados acreditam que Popper conseguiu resolver o problema da indução
ou apresentar uma abordagemn ão indutivista da ciência, e muitos
julgam seu modelo de teorização científica excessivamente simplifica-
do. Restam dúvidas consideráveis no que concerne aos pormenores e
mesmo à importância da teoria da probabilidaded a propensão. Tam