Table Of Content© Celso R. Braida
ISBN 978-85-915251-0-2
c. r. braida
Filosofia e Linguagem
1ª edição
Florianópolis
ROCCA BRAYDE
2013
Sumário
Prólogo..............................................................................................................6
Platão: as palavras são para falar, não para conhecer...............................10
Aristóteles e o interdito à equivocidade.......................................................24
Experiência e compreensão no estoicismo...................................................32
Acerca do conceito de experiência sensível.......................................................33
A apresentação das coisas através da linguagem................................................41
A concepção moderna de linguagem............................................................52
O conceito de linguagem como instrumento de comunicação............................54
A teoria dos nomes de Stuart Mill......................................................................59
A teoria da intencionalidade da consciência e a linguagem................................64
A Filosofia da Linguagem como disciplina filosófica fundamental...........72
A concepção hermenêutica de linguagem....................................................84
Schleiermacher e as bases da concepção hermenêutica......................................89
Linguagem e análise lógico-semântica ......................................................104
As teses gerais sobre a linguagem....................................................................105
Sinal, sentido e significado..............................................................................121
O princípio do contexto...................................................................................126
O mapeamento das diferentes funções semânticas...........................................130
A concepção pragmática e intencional da linguagem...............................136
Dizer é fazer....................................................................................................138
As implicações do dizer...................................................................................143
Análise linguística como método de investigação filosófica.....................150
Filosofia e linguagem 4
Duas perspectivas atuais em teoria do significado....................................164
Michael Dummett e a prioridade do sentido ...................................................164
Donald Davidson e a prioridade da verdade.....................................................174
REFERÊNCIAS...........................................................................................184
Filosofia e Linguagem 5
Prólogo
O trabalho do filósofo incide sobre o que é dito e
sobre o sentido do que se fala e propõe acerca das dife-
rentes dimensões da vida; o efeito disso em quase todos
os casos exemplares é uma insegurança no uso das pa-
lavras. Desde os começos, os filósofos se perguntam
pela palavra capaz de dizer a própria palavra. Ainda as-
sim, embora os temas e problemas da Filosofia da Lin-
guagem estejam presentes nas discussões filosóficas
desde os gregos antigos, essa é uma disciplina recente
nos currículos de Filosofia. Com efeito, o poema de Par-
mênides, um dos textos inaugurais do pensamento oci-
dental, já estabelecia uma relação intrínseca entre ser,
pensar e dizer, assim como no livro de Heráclito o tema
discurso já era evidente. Todavia, com exceção dos re-
tóricos e gramáticos, os filósofos posteriores, ainda que
sempre considerassem questões relativas à linguagem e
ao discurso, trataram esse tópico como secundário e
derivado. Isso pode ser explicado pela diferença entre
tomar algo como objeto e tomar algo como meio ou con-
dição. A linguagem (as línguas, faladas e escritas, os
sistemas de sinais, os códigos, os simbolismos) sempre
foi tematizada como objeto de estudo e consideração
pelas diferentes filosofias, ao lado de outros objetos,
como a natureza, o humano, a história, a política, o divi-
no etc. Todavia, com o surgimento da Linguística como
ciência que tem como objeto o fenômeno geral da lin-
guagem e a diversidade das línguas, as considerações
Filosofia e linguagem 6
filosóficas deveriam sofrer uma transformação. Essa
transformação acontece, sobretudo, a partir do século
XIX, quando alguns filósofos, lógicos e matemáticos en-
tenderam que a linguagem não era apenas um objeto
entre outros, pois, assim argumentaram, sem lingua-
gem nós não teríamos consciência, pensamento, conhe-
cimento, julgamento; no sentido de que ser consciente,
pensar, conhecer e julgar teria como condição de possi-
bilidade e meio de realização a própria linguagem. Essa
condição, por conseguinte, caso fosse aceita, inviabili-
zaria ou, ao menos, prejudicaria a colocação da lingua-
gem como um objeto entre outros, pois o próprio dar-se
dos objetos pressuporia a linguagem. Em grande parte
foi esse argumento e essa transformação do conceito de
linguagem que levaram à introdução da disciplina Filo-
sofia da Linguagem como uma disciplina primária na
formação filosófica e da análise da linguagem como um
método de resolver problemas filosóficos.
O propósito destes ensaios é apresentar a Filoso-
fia da Linguagem a partir de perspectivas divergentes,
as quais apesar das diferenças têm em comum o fato
de, primeiro, abandonarem as concepções modernas e
tradicionais da linguagem como objeto, e, segundo, co-
locarem a linguagem como o lugar dos problemas e o
meio pelo qual estes se resolvem: a abordagem herme-
nêutica, fundada por Friedrich Daniel Ernst Schleier-
macher (1768-1834), a abordagem lógico-semântica,
inaugurada por Friedrich Ludwig Gottlob Frege
(1848-1925), e a abordagem pragmática, introduzida
por Charles Sanders Peirce (1839-1914) e desenvolvida
por John L. Austin (1911-1960). Essas perspectivas teó-
ricas, inauguradas no século XIX, justificam ainda hoje
a necessidade e a prioridade da consideração e da aná-
lise da linguagem na atividade filosófica. Além disso,
pretende-se apresentar teorias e modelos do significado
linguístico, tendo como foco principal o problema da fi-
Filosofia e Linguagem 7
xação do conteúdo semântico das expressões e o pro-
blema da equivalência semântica entre expressões dife-
rentes. Essa abordagem da linguagem por meio do con-
ceito de conteúdo semântico permitirá que se discuta
de modo unificado os problemas das perspectivas apre-
sentadas, sobretudo no que se refere às relações entre
linguagem, ação, pensamento e mundo.
O livro está composto de dez capítulos, os quais
estão estruturados para fornecer uma indicação inicial
dos temas em que se inter-relacionam filosofia e lingua-
gem. Deve-se ter sempre em mente que os diferentes
posicionamentos e as diferentes teorias sobre a lingua-
gem estão fundados em posições metódicas e escolas
de pensamento. Não se trata meramente de uma diver-
sidade caótica de opiniões, mas sim de articulação e
configuração de posições teóricas e procedimentos de
investigação que revelam aspectos diferentes e ofere-
cem soluções diversas para problemas diferentes. Por
isso, a pluralidade de opiniões deve sempre ser entendi-
da não apenas como contradição, mas, antes disso,
como facetas de um objeto polimorfo que não se deixa
esgotar por uma única abordagem metódica. O objetivo
aqui é esclarecer a função teórica do conceito de lin-
guagem. Nas diferentes teorias e abordagens importa
antes de tudo esclarecer qual o problema, as questões e
as urgências que o autor quer solucionar; fixado o pro-
blema, deve-se ir em busca da estratégia ou do método
de solução adotado, bem como dos recursos teóricos
(conceitos, argumentos, esquemas) utilizados. A solu-
ção final tem de ser uma consequência dessas escolhas.
O importante de uma resposta filosófica não é tanto a
própria resposta, mas antes o como de sua articulação
e justificação, a saber, a formulação do problema, o pro-
cedimento de abordagem e a reconfiguração dos dados,
a trama dos conceitos, teses, teorias e argumentos, mo-
Filosofia e linguagem 8
bilizados para tornar essa resposta evidente e adequa-
da.
A filosofia perfaz-se como exercício da e na lin-
guagem. Todavia, ainda assim a figura do filósofo é jus-
tamente a daquele que não quer se extraviar e por isso
ao entranhar-se no discurso estranha sempre mais a pa-
lavra.
Filosofia e Linguagem 9
1
Platão: as palavras são
para falar, não para
conhecer
No diálogo Crátilo,1 Platão põe em discussão
duas teses radicais e opostas sobre a origem da atribui-
ção dos nomes às coisas, a saber, a tese de Crátilo se-
gundo a qual “há uma denominação correta, por natu-
reza, para cada ente” (383a) e a tese de Hermógenes
segundo a qual “a correção dos nomes não é outra coi-
sa senão um acordo ou convenção”, sendo “o nome que
se atribui a um ente o nome justo” (384d). A interven-
ção de Sócrates na disputa pressupõe o conhecimento
público de ambas as teses. Platão mostra, assim, que
irá se pronunciar sobre um problema para o qual já fo-
ram apresentadas duas soluções, o que não significa
que ele reconheça o próprio problema como bem esta-
belecido. A sua estratégia será a de fazer o convencio-
nalista Hermógenes reconhecer que a linguagem não é
1 As citações da obra platônica serão feitas com base na edição francesa organizada e
traduzida por L. Méridier, Oeuvres complètes (Les Belles Lettres, 1950), com exceção
da obra Sofista, para a qual utilizo a tradução de J. Paleikat e J. Cruz Costa (Ediouro).
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