Table Of ContentBALDUINIA. n. 35, p.27-31, 30-V-2012
ESTUDO ANATÔMICO DO LENHO DE SAPIUM HAEMATOSPERMUM MÜLL. ARG
(EUPHORBIACEAE)I
ANELISE MARTA SIEGLOCH2 JOSÉ NEWTON CARDOSO MARCHIORP
SIDINEI RODRIGUES DOS SANTOS4
RESUMO
No presente estudo édescrito o lenho de Sapium haematospermum Müll. Arg., com base em material pro-
cedente de São Francisco de Assis, Rio Grande do Sul. Foram observadas as seguintes características
anatômicas, comuns emEuphorbioideae egênero Sapium: anéis decrescimento pouco conspícuos; poros de
diâmetro médio, pouco numerosos eem curtos múltiplos radiais; placas de perfuração simples; pontoações
intervasculares grandes; parênquima apotraqueal difuso-em-agregados; e raios uni e bisseriados,
heterocelulares, com cristais elactíferos.
Palavras-chave: Anatomia da madeira, Euphorbioideae, Sapium haemastospermum.
ABSTRACT
[Wood anatomy of Sapium haematospermum MülI. Arg. (Euphorbiaceae)].
The wood anatomy of Sapium haematospermum Müll. Arg. is described, based on material colleted in the
municipality of São Francisco deAssis, Rio Grande do Sul state, Brazil. The following anatomical features
that are common among woods of Euphorbioideae and genus Sapium were observed: growth rings almost
indistinct; few numerous medium vessels, inshortradial multiples; simpleperforation plates; largeintervascular
pits; diffuse-in-aggregates apotracheal parenchyma; and uniseriate and bisseriate heterocellular rays, with
crystals and laticifers.
Key words: Euphorbioideae, Sapium haematospermum, Wood anatomy.
INTRODUÇÃO Gymnanthes, Stillingia e Sapium (Judd et aI.,
A fanu1ia Euphorbiaceae sensu stricto com- 2009) por estarem representados na flora brasi-
preende as subfamílias Acalyphoideae, leira. Com cerca de 125 espécies, pantropicais
Crotonoideae eEuphorbioideae (Wurdack etaI., e em sua maioria americanas (Bacigalupo,
2005), sendo que aúltima distingue-se por apre- 2005), ogênero Sapium apresenta duas espéci-
sentar pólen tricolporado, pêlos simples elátex es nativas no Rio Grande do Sul: Sapium
branco, frequentemente cáustico (Judd et aI., glandulosum (L.) Morong e Sapium
2009). haematospermum Müll. Arg. (Alvarez Filho,
A subfamília Euphorbioideae contém 5 tri- 1997).
bos e54 gêneros (Wurdack et aI.,2005), salien- Sapium haematospermum, opopular curupi
tando-se Hippomane, Hura, Euphorbia, ou pau-de-leite, distribui-se de Mato Grosso,
Goiás e Minas Gerais ao Rio Grande do Sul
Recebido em 10-03-2012 e aceito para publicação em (Lorenzi, 1998), ocorrendo, ainda, noParaguai,
I
07-04-2012. Argentina e Uruguai (Biloni, 1990; Pompert,
2 Mestranda do Programa de Pós- Graduação em En- 1989). No Rio Grande do Sul, encontra-se no
genharia Florestal, Bolsista-CAPES, Universidade
Planalto Médio, Depressão Central, Serra do
Federal de Santa Maria, CEP 97105900, Santa Maria,
RS, Brasil. [email protected] Sudeste e, principalmente, na Campanha do
3 Engenheiro Florestal, Dr.Bolsista de Produtividade em Sudeste, habitando, sobretudo, em solos areno-
Pesquisa (CNPq-Brasil). Professor Titular do De- sos ou superficiais (Marchiori, 2000). Trata-se
partamento deCiências Florestais, Universidade Federal
de árvore com tronco curto, tortuoso, de casca
de Santa Maria.
espessa e copa globosa, com raminhos amare-
Biólogo, Dr. Departamento de Ciências Florestais,
4
Universidade Federal de Santa Maria. sthurt.bio- lados efolhagem salicácea, caducifólia. As fo-
@gmail.com. lhas, simples, subcoriáceas elinear- lanceoladas,
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apresentam ápice agudo, base aguda, margem detalhes para ogênero Sapium. Naprimeira, são
crenulada e 1-2 glândulas sésseis no pedolo relacionados raios ocasionalmente altos (100 ou
(Marchiori, 2000). Amadeira, branca, macia e mais células de altura), além da presença de
muito susceptível a deterioração, serve para canais radiais. Na segunda, constam: vasos com
caixotaria leve, lenha ecarvão (Lorenzi, 1998). mais de 200 /lm de diâmetro; pontoações raio-
Oaspecto ornamental da árvore recomenda seu vasculares circulares, semelhantes às in-
cultivo em áreas amplas, notadamente em par- tervasculares; elementos vasculares com cerca
ques. de 1400 /lm de comprimento; parênquima axial
Na literatura anatômica das Euphorbioideae em faixas contínuas; raios bisseriados com me-
destaca-se a contribuição de Mennega (2005), nos de 1000 /lm de altura; e presença de sílica
que estudou 34 gêneros e 84 espécies, abran- na madeira.
gendo as cinco tribos da subfamília (Stomato- O presente trabalho, ao descrever aestrutu-
calyceae, Hippomaneae, Pachystromateae, ra do lenho de Sapium haematospermum, visa
Hureae e Euphorbieae). Para o conjunto da a contribuir para o conhecimento das espécies
subfamília, a autora atribui uma grande seme- deEuphorbiaceae nativas noRio Grande doSul.
lhança estrutural: poros relativamente escassos,
pequenos a grandes, em curtos múltiplos radi- MATERIAL E MÉTODOS
ais e racemiformes; placas de perfuração sim- Omaterial em estudo consiste de uma amos-
ples; pontoações intervasculares médias agran- tra de madeira e respectivo material botânico,
des; pontoações raio-vasculares grandes, semi- incorporados ao Herbário do Departamento de
areoladas, regulares ouirregulares; parênquima Ciências Florestais (HDCF) sob n° 567, cons-
apotraqueal ondulado, em faixas estreitas e em tando os seguintes dados naficha dendrológica:
agregados; raios uni e bisseriados, fortemente J.N.C. Marchiori, São Francisco de Assis, RS,
heterocelulares, com exceção de Hippomane, 1981.
Hura, ePachystroma, frequentemente com cris- Para a confecção das lâminas histológicas
tais e/ou sílica; fibras por vezes gelatinosas; e foram extraídos trêscorpos deprova (1x2x3 cm)
lactíferos radiais na maioria dos gêneros, em- daparte mais externa dolenho, próxima aocâm-
bora escassos e difícil detecção, pela ausência bio, orientados para obtenção de cortes nos pla-
de células epiteliais. nos transversal, longitudinal radial e longitudi-
Para ogênero Sapium, amesma autora men- nal tangencial. Outro bloquinho foi também re-
ciona: baixa freqüência de poros/mm2; pon- tirado, com vistas àmaceração.
toações intervasculares grandes; fibras com di- Aconfecção das lâminas histológicas seguiu
âmetro de 30-40 /lm e 500-900 /lm de compri- a metodologia descrita em Burger & Richter
mento, com pequenas pontoações simples ou (1991). Amaceração foi realizada pelo método
areoladas, geralmente restritas às faces radiais deJeffrey (Freund, 1970). Os cortes anatômicos
daparede; freqüência deraios inferior a 10/mrn; foram tingidos com acridina-vermelha,
raios unisseriados com 16-20 /lm de altura; e crisoidina e azul-de-astra (Dujardin, 1964); o
raios multisseriados com 30-70 /lm de altura. macerado, apenas com safranina (1%).A mon-
Para Sapium haematospermum, foram observa- tagem das lâminas permanentes foi feita com
dos: anéis de crescimento delimitados por fi- Entellan.
bras radialmente achatadas e vasos de menor A descrição baseou-se nas recomendações
diâmetro no lenho tardio; elementos vasculares doIAWACommittee (Wheeler etaI., 1989). No
ovais, de 60-200 /lm (até 270 /lm) de diâmetro caso da percentagem dos tecidos, foram reali-
e1060 (830-1350) /lm de comprimento. zadas 600 determinações ao acaso, com auxílio
Nas obras clássicas deRecord &Hess (1949) de contador de laboratório, conforme proposto
e Metcalfe & Chalk (1972) constam poucos por Marchiori (1980). A abundância de poros
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foi obtida a partir de um quadrado de área co- ± 93 (150 - 387) ~m, compostas de 2- 4 célu-
nhecida, superposto a fotomicrografias de se- las (Figura 1F).
ções transversais da madeira. Raios: muito numerosos (14 ± 1,1(12 - 15)
As medições foram realjzadas em microscó- raios/mm), com 1- 2 células de largura, ocu-
pio Carl Zeiss, no Laboratório de Anatomia da pando 28 ±4,7 % do volume da madeira (Figu-
Madeira da Universidade Federal de Santa Ma- ra 1E,F). Raios um ebisseriados, de 351 ± 132
ria. Nas características quantitativas, os núme- (180 - 590) ~m e 9 (5-17) células de altura;
ros entre parênteses equivalem aos valores mí- heterocelulares, reúnem células procumbentes
nimos emáximos observados; ovalorque acom- no corpo central efileiras de células quadradas
panha a média é o desvio padrão. As foto- e/ou eretas nas margens, frequentemente com
micrografias foram tomadas em microscópio cristais (Figura 1C,E,F). Células perfuradas de
Olympus CX40, equipado com câmera digital raios e lactíferos diminutos, presentes. Raios
Olympus Camedia c3000, no Laboratório de axialmente fusionados, frequentes. Raios agre-
Anatomia da Madeira da Universidade Federal gados, células radiais de paredes disjuntas e
do Paraná. células envolventes, ausentes.
Fibras: libriformes, com pontoações simples
DESCRIÇÃO ANATÔMICA maisvisíveisnafaceramaldaparede;longas(1245
Anéis de crescimento: demarcados, fraca- ± 136(1020 - 1500) ~m), com 24 ± 4 (17- 35)
mente, pordelgada camada defibras radialmente ~m de diâmetro, de paredes finas 3,5 ± 0,6 (2-
estreitas no lenho tardio e por vasos de maior 4,5) ~m e seção frequentemente retangular, ocu-
diâmetro no início do anel seguinte (Figura pando 43,7 ±4,7 %dovolume damadeira (figu-
lA,B). ra 1A,B). Fibras gelatinosas, ausentes. Fibras
Vasos: poucos numerosos (7 ± 2,2 (4 -10) septadas,espessamentos espiraladosetraqueídeos,
poros/mm2), ocupando 10 ± 6,6 % do volume ausentes.
da madeira. Porosidade difusa. Poros em múlti- Outros caracteres: variantes cambiais, célu-
plos radiais de 2-5, solitários, menos frequente- las oleíferas, células mucilaginosas, estra-
mente racemiformes, de seção circular a oval, tificação emáculas medulares, ausentes. Inclu-
com mâmetro mémo (129 ±37(47,5-183) ~m) sões minerais, na forma de cristais prismáticos,
e paredes finas (4 ± 0,7 (2,5 - 5) ~m) (Figura dispersos em células eretas equadradas damar-
1A,B). Elementos vasculares de comprimento gem de raios.
médio (566 ± 104(310 - 770) ~m), com placas
de perfuração simples, circulares, e apêndices ANÁLISE DA ESTRUTURA ANATÔMICA
geralmente em uma extremjdade. Pontoações A madeira de Sapium haematospermum
intervasculares grandes (11 ± 0,6 (10 - 12,5) Müll. Arg. apresenta características típicas da
~m), alternas, poligonais, por vezes, estendidas, subfamília Euphorbioideae, de acordo com
com abertura em fenda elíptica, inclusa, não Mennega (2005): anéis de crescimento pouco
ornamentada (Figura 1F). Pontoações raio- conspícuos; poros pouco numerosos, de diâme-
vasculares com aréolas reduzidas, aparentemen- tro médio eem curtos múltiplos radiais; placas
te simples, alternas, tendentes aopostas, circu- de perfuração simples; pontoações intervas-
lares e/ou alongadas, ede diâmetro médio (8 ± culares grandes; parênquima apotraqueal difuso-
0,7 (7- 9,5) ~m). Espessamentos espiralados e em-agregados; raios uni e bisseriados, hete-
conteúdos, ausentes. rocelulares, compresença decristais elactíferos.
Parênquima axial: representando 18±2,0 % Comparado aoreferido porMennega (2005),
do volume damadeira; em arranjos apotraqueal o material em estudo apresenta menor número
difuso-em-agregados e paratraqueal escasso de poros/mm2, pontoações intervasculares mai-
(Figura 1A,B). Séries parenquimáticas de 324 ores e fibras mais estreitas (24 ~m), com
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FIGURA I- Aspectos anatômicos da madeira deSapium haematospermum Müll. Arg. A- Seção transversal, mostran-
do poros solitários, em múltiplos racemiformes, e parênquima apotraqueal difuso-em-agregados. B - Mesma seção,
destacando poros emcurtos múltiplos radiais, parênquima apotraqueal difuso-em-agregados efibras de paredes finas.
C- Raio heterogêneo, com células procumbentes nocorpo central ecélulas eretas equadradas nas margens, eventual-
mente com cristais (seção longitudinal radial). D- Seção longitudinal radial, mostrando placas de perfuração simples
(p)epontoações raio-vasculares estendidas, opostas (chave). E- Raios uni ebisseriados eparênquima axial em séries
(setas). F- Vasoscompontoações intervasculares poligonais, alternas, eraios unisseriados (seção longitudinal tangencial).
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pontoações simples restritas às faces radiais da LORENZI, H.Árvores brasileiras: manual de iden-
parede. tificação ecultivo deplantas arbóreas doBrasil.
Amaior parte dascaracterísticas anatômicas, Nova Odessa: Editora Plantarum, 1998. 352 p.
MARCHIüRI, J.N.C. Comprovação da viabilidade
todavia, concorda com oproposto por Mennega
da utilização da secção longitudinal tangencial
(2005): anéis de crescimento pouco distintos,
para a determinação histométrica dos elemen-
delimitados por delgada camada de fibras radi-
tos axiais doxilema secundário. In:Anais doIV
almente estreitas no lenho tardio e por vasos
Congresso Florestal Estadual, Nova Prata, RS,
de maior diâmetro no lenho inicial; poros cir-
p. 180-184, 1980.
culares ou ovais, com 129 11mde diâmetro; e MARCHIORI, J. N. C. Dendrologia das Angios-
elementos vasculares, com cerca de 566 11mde permas: das Bixáceas as Rosáceas. Santa Ma-
comprimento. ria: Editora UFSM, 2000. 240 p.
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