estética do apocalipse

475 Pages·2004·38.82 MB·Portuguese

ESTÉTICA DO APOCALIPSE
(RE) CONSIDERAÇÕES ACERCA DA (DES) ARBORIZAÇÃO URBANA DE NATAL E SEU
CONTRIBUTO À SAÚDE PÚBLICA

VOL. I
EUGÊNIO MARIANO FONSÊCA DE MEDEIROS

ESTÉTICA DO APOCALIPSE
(RE) CONSIDERAÇÕES ACERCA DA (DES) ARBORIZAÇÃO URBANA DE NATAL E SEU
CONTRIBUTO À SAÚDE PÚBLICA

Dissertação de Mestrado apresentada ao
Departamento de Arquitetura da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, por Eugênio
Mariano Fonsêca de Medeiros, para a obtenção
do título de Mestre, sob orientação da Profa
Françoise Dominique Valéry.

NATAL
Rio Grande do Norte
2003
Catalogação da Publicação na Fonte.UFRN / Biblioteca Central
Zila Mamede. Divisão de Serviços Técnicos

Medeiros, Eugênio Mariano Fonsêca de.

Estética do apocalipse : (re) considerações acerca da

(des) arborização urbana de Natal e seu contributo à saúde pública /

Eugênio Mariano Fonsêca de Medeiros. – Natal, 2003.

2v. : il.

Orientador : Françoise Dominique Valéry.

Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio

Grande do Norte. Departamento de Arquitetura.

Inclui bibliografia.
IN MEMORIAM

Dedico esse trabalho aos mortos da minha família, com quem aprendi
lições essenciais para meu aprendizado ambiental: João Batista de Medeiros, meu
avô paterno, que pacientemente me orientou sobre os valores, propriedades e
peculiaridades das plantas regionais; Mons. Expedito de Medeiros, meu tio
paterno, que me arejou a santidade do meio ambiente através das propriedades das
águas; Cecília Soares da Fonsêca, minha avó materna, com quem aprendi sobre a
diversidade de aromas e cores das humildes plantas de seu pequeno quintal; Áurea
da Fonsêca Lopes, minha tia materna, que seguindo os passos de sua mãe me
ensinou os alquímicos segredos da transformação dos vegetais em sabores
celestiais; e a Mario Sergio Fonsêca de Medeiros, meu irmão mais novo, com
quem aprendi sobre ventos e ondas da dinâmica do mar.
AGRADECIMENTOS

Os agradecimentos sendo tantos mereceriam um volume à parte, detalhando o quanto
tantas pessoas foram importantes para essa viagem sem retorno, na busca de um Graal (nem
tão imaginário assim) do suicídio coletivo.
A priori, é claro, é Dra. Françoise Valéry, que não somente foi minha orientadora
(literalmente), por ser a mais exigente e disciplinada com força suficiente para me segurar no
chão (houve muitos vôos), mas também a compassiva alma (a quem desorientei inúmeras
vezes) que com uma infinda paciência me azucrinou tenazmente o juízo para assegurar que
tudo ficasse pronto com legibilidade (apesar da prolixidade).
Apesar de tanta prolixidade, é impossível deixar passar oculto o nome de pessoas que
foram de extrema importância para tudo o que se segue. O meu departamento foi de uma
extrema simpatia, particularmente as professoras – nada contra os professores – que também
me deram uma grande colaboração, particularmente Carlos Newton (o bardo), com quem
aliviei a carga de arte, estética, e vírgulas (meu trauma e de Silvia Benigno) e Marizo Vitor
que me amarrou na proa do barco para ouvir o canto das sereias.
Mas as mulheres foram decididamente mais presentes. E tanto, que considero esse,
um trabalho pesadamente feminino. Por exemplo: com Virginia Dantas (que vigiou meus
exageros como co-orientadora virtual) tive duelos impressionantes entre o morrer de rir (dela)
do meu sarcasmo delirante (que a professora Zenóbia do Depto. De Letras, chama de verve) e
o morrer de medo (dela, de novo) de uma gafe científica, que terminou por resultar num
polimento exagerado (meu), porém essencial, para dar ao ridículo uma aparência séria, e
também sem a qual não teria adquirido tanto conhecimento sobre a problemática ambiental
urbana. Sônia Marques (que vigiou de luneta, as lacunas), e suas pernas fabulosas, foi a
espada de Ockham, que redimensionou todo o meu pequeníssimo conhecimento de coisas
urbanas para a dimensão do mundo (e olhe que esse senhor – o mundo – ela conhece bem),
quando tudo o que queria era saber porque as cidades falham exatamente no momento em que
parecem estar dando certo.
Gleice Elali (que controlou minhas dúvidas técnicas e espaço 1,5), administrou
extraordinariamente bem minha ira (justificda) contra as normas da ABNT, além de agüentar
as infindáveis sessões de descarado confisco de cafezinho para temperar os montes de Free
Box que foram fulminados pelo gigantesco cinzeiro enferrujado da área de estar. Edja
Trigueiro (a rainha da aloofness) que me presenteou com insights fabulosos, particularmente
quando dava socos cerebelares necessários como o clássico mude-isso-mas-não-sei-te-vira, e
depois da devastação cerebral se voltava distraidamente e soltava uma única frase, de efeito
total. Era o toque da mestra.
Mas acima de todos, a Iana Rufino que – coitada – além da gestação em pleno
andamento (de um infante do tamanho dela), foi afligida por uma perseguição sem trégua
(como o moscardo que perseguiu Io à África) de laboratório em laboratório, de sala em sala,
para tornar visível os minuciosos mapas visuais da realidade virtual, e ainda assim conseguiu
desdobrar-se de atenções (arfantes) para me ajudar com o medonho e complicado ArcView e,
sem o qual não teria sido possível visualizar os mapas.
E como esses mapas foram feitos? Ah! É uma história de muitos anos de amizade com
ex-alunos: Kenya e Eduardo Grunauer que me ensinaram Auto CAD e me aturaram várias
noites e dias, fervendo de frustração atrás de bolinhas & mais bolinhas (não, não são bolinhas
psicotrópicas) e comandos esquisitos tipo Alt+F-qualquer-coisa. Sem contar a perseguição
exasperada de “pare-de-fumar”, os gritos de Giovana e as inesperadas sessões de riso
incontrolável quando as bolinhas (leia-se, árvores) se transformavam em gabaritos de vaso
sanitário, cubos texturizados, telhas de cerâmica ou as letras ficavam maiores do que a área de
trabalho. Assim como ao afeto muito particular de Viviane Telles que me doou de coração a
calma materna de uma amiga muito fraterna nas horas mais aflitas.
Também é impossível não agradecer a Sheila (não, não é a Carvalho do É o Tchan, é a
Oliveira de Carvalho do LabInfo) que aturou minhas infindáveis sessões de mau humor e
descarga elétrica mental, na hora de fabricar mapas, mapas e mais mapas, plotar (neologismo
horrendo!) mapas, mapas e mais mapas; descobrir depois de dois dias de Auto CAD que todo
o que eu tinha feito tinha simplesmente sumido, e como uma fadinha modesta, com uma
calma impressionante devolvia magicamente aqueles arquivos traiçoeiros de volta ao serviço.
Também não posso deixar de agradecer a Maria Elisa e sua turma (ah, esses alunos),
que (conforme eles mesmos dizem) foi “uma mão na roda” (?) e tentou pacientemente me
ensinar tudo do Excel (apesar de não ter aprendido muita coisa), me marcando com a
paranóica lembrança daquelas pizzas enjoadas que aumentam de tamanho (e sem nenhum
gosto palatável) ao PowerPoint. Mário Rúbio e seu estranho modo de digitar figuras arbóreas
no Corel como se estivesse tocando um xilofone, e a criaturinha mais doce deste infernal
underground pensante: Jennifer! Uma relaxante presença para o stress (calminha e gracinha),
sentadinha e sorrindo tanto que a gente acaba rindo (mesmo) e esquece dos abusos científicos,
ai ela vem e ajeita todas as bobagens que a gente faz no computador.
Assim como não posso deixar de agradecer a turma mais sacrificada de todas, a de 99,
que teve de agüentar sessões intermináveis de tortura mental, patadas, botes, e mordidas
perigosíssimas, e mesmo assim conseguiu sobreviver estóicamente a tudo, particularmente a
moderada Caliane, sem cujas lágrimas não teria me dado conta de estar ultrapassando a
barreira da sanidade social. Dank!
A lista de alunos que acabaram entrando na dança (não das horas) mas das estações
sazonais e dos vegetais é interminável. Na verdade o agradecimento maior é ao imenso
carinho (mesmo) e desvelo desse mundaréu de criaturas fantásticas e criativas que têm uma
vida pela frente e, é claro, querem continuar a tê-la, e para tanto mergulharam no tema da
dissertação e usaram o conhecimento partilhado (e um bom protetor solar) para a sua (deles)
convivência cotidiana com a UV solar.
E, quando o mundo me pareceu completo, descubro (nem tão casualmente assim) que
ele tanto podia ir para frente quanto para trás, tanto em tamanho quanto em dimensão e
conteúdo, e aporto - assim - maravilhado à biologia molecular através do pareamento mais
interessante e paradoxal dessa área enroscada: a delicada (e finíssima) Dra. Liana Mello
Soares (uma mulher impactualmente bonita!) e a esfuziante (mesmo!) e arengueira Lívia
Elizabete Luz, sem as quais eu jamais teria compreendido os misteriosos e cabalísticos
diagramas dos dímeros de pirimidina, o hermetismo da apoptose, e o elusivo gene P53! E que
através das quais eu tive a oportunidade de conhecer e ré-conhecer os insidiosos e muito
humanos campos do Sr. Câncer em sua gênese (i.e., Oncogênese). Não através de um Moises
bíblico, mas através de AZULAY via Dr. Arnóbio Pacheco, que com suas tábuas das Leis da
Oncogênese e a luta contra o Melanoma de Ouro me convenceram que a luta não é inglória, é
somente parte da glória. Bem, como se vai a Roma e não se deixa o papa de lado, fui ao HC
(Hospital das Clinicas, e não o das Cínicas!) e recebi a triste (e infeliz) incumbência de
rastrear pela Internet o melhor diagrama de pele no mundo para expor ao papa da pele (Dr.
Pedro Trindade) algo substancial: ela, a pele, nua, crua e visível.
Na verdade, é um trabalho sobre o feminino e é dedicado a todas as mulheres do
mundo que agüentaram e agüentam as tiranias de homens manhosos que as trai, não em sua
ambigüidade conquistadora, mas em sua raiva frustrada por tentar compreender um mistério
que não lhe pertence. Mistérios não se compreendem, se sentem. É isso mesmo! Falta
sentimento entre, não somente os homens, mas igualmente entre as mulheres, particularmente
as com poder nas mãos e que perderam a capacidade ou oportunidade de senti-lo.
É impossível esquecer meus pais, Manoel e Inês, que tiveram de aturar pacientemente
meu desespero em tentar lutar contra os perigos de uma cidade em plena atividade de
autodestruição, através da remoção de sua coberta vegetal, e que sempre aumentava quando
com suas prodigiosas memórias me contavam a história de cada casa construída (e seus
habitantes), rua terminada (e seus percalços), cada árvore de cada trecho pesquisado e
analisado: quem plantou, quando plantou e porque plantou essa ou aquela espécie; seu horror
e decepção ao ver, impotentes, a destruição da história natural da cidade em que se criaram e
me criaram. E, ao mesmo tempo, a muda aliança estabelecida, entre um passado renegado, um
presente destroçado e um futuro impreciso e assustador.
A pior parte, aquela que evitamos como seres humanos, a tristeza das separações,
tornou-se inevitável entre nós, pois as árvores tinham história. Uma historia muita precisa de
pessoas, situações e acontecimentos peculiares e pessoais ligadas a cada um. E quando uma
determinada árvore sumia sentíamos que arrancava-se uma parte de um passado de nossas
histórias que sumia para sempre. Exatamente como um vírus de computador que lentamente
apaga cada arquivo toda vez que é ligado, o que cria um paradoxo: ligar a memória e perder a
essência ou perder a essência e não ligar a memória. Muitas vezes quando pessoas de nossas
vidas não podem mais estar presentes fisicamente, seus espíritos nos visitam através de seus
feitos e, deles, o mais nobre e justificativo para nossas existências são suas realizações mais
palpáveis, entre as quais árvores plantadas por essas pessoas, pois exsudam através de suas
cores, texturas e perfumes sua intensa emoção e marcam suas existências em nossas
memórias.
Esse é o lado perverso e desfigurador da ausência de memória afetiva dos lugares,
esses elementos passam a ser troços mesquinhos, coisas sem significado, trens, nadas
Meu agradecimento também estende-se às pessoas gananciosas, ignorantes e
mesquinhas e que à custa de tanto provincianismo e narcisismo, hoje são as proprietárias de
uma cidade destroçada, tosquiada e maquiada de cenário de cartolina, porque me ensinaram
que essa perversidade não passa de um sintoma de impotência face à perda do paraíso de seus
espaços, e pureza de suas vidas, de uma ausência de felicidade e história pessoais frutuosas; e,
que lutar e trabalhar esse lado desconhecido, é uma das tarefas mais dignas para o
conhecimento e o amor aos próximos, sejam estes: animais (onde estamos) vegetais (onde se
quer estar), minerais (onde não se está) e temporais (onde, infelizmente, não se quer estar).
Meu último agradecimento é dirigido às forças criadoras e mantenedoras do equilíbrio
do universo e (particularmente) à mamãe-Gaia, pois sei que apesar de tanta suavidade e
delicadeza intervirá de modo violento e indiscriminado em seu próprio e desesperado auxílio,
mesmo que isso signifique a exclusão da parte podre do corpo ferido.
RESUMO

O presente trabalho teve como principal objetivo, verificar o estado de
conservação da coberta vegetal da cidade de Natal e sua relação com a qualidade
de vida. No entanto, ao longo dessa inglória trajetória de contar árvore a árvore
em seus lugares e estado de conservação, nos deparamos com algo muito mais
sinistro e preocupante do que somente a destruição do patrimônio verde: a
associação muito próxima entre o desaparecimento dessa coberta vegetal e o
surgimento de aspecto degenerativos e mórbidos da saúde de humanos inseridos
nessa paisagem, o que causou uma modificação na estrutura da pesquisa que
terminou por estabelecer a relação entre modismos paisagísticos, ignorância e
ganância administrativas, suas mesquinhas causas e desastrosos efeitos, na saúde
pública. Para evitar que outros não tivessem as dúvidas que tivemos, adentramos
os mistérios da estética: dos clássicos aos renovadores locais; do meio ambiente:
do simples grão de areia à formação da paisagem; das condicionantes ambientais:
do sol à radiação ultravioleta; do câncer: do DNA à Oncogênese, e deste à
morbidade em Natal e no RN; terminado por esboçar um pequeno e prático guia
de sobrevivência nessa que se proclama a cidade mais saudável do mundo, apesar
dos índices e evidências contraditórios.
ABSTRACT

This study intends to establish a relation between environmental degradation,
particularly the devastation of the green canopy, and public health. Utilizing a mapping of the
trees included in the researched area, each individual tree was analyzed according to its age,
taxonomic listing, architecture, shape and size (determined by aesthetic/convenience reasons
or deformed by pruning). Initially investigated were the covert reasons lying underneath the
constant aggression against trees (which many times seem to contain elements of hatred and
contempt) within the urban environment. In addition to that, the aspects concerning
environmental modifications and the consequent impact on public health were also assessed.
Two main problems promptly emerged as a result of the removal of trees: a) without a canopy
to protect the areas, they became subject to winds directly blown from SW Africa and
impregnated with aerosol particles, which are common causes for respiratory disorders and, b)
direct UV solar radiation, which causes some types of skin cancers and eye disorders. To
reach such results, we studied the origins and formation of UV radiation induced cancers and
searched for the UV radiation spectra of action, e.g., usual intensity and quantity reaching
clear and shadowed spaces in a certain area and its consequences. In a second instance, we
also searched for pertinent data resources in order to confirm the increase of skin cancer cases
due to exposure to UV radiation and the relation between the destruction of the green canopy
and the above mentioned problems. We believe that a few significant results have been
achieved by this study, namely: the relation between a culture based on medieval beliefs and
its consequences on the environment; how this culture exploits and deforms nature in pursuit
of financial and psychological interests to a point of transforming the landscape into a copy of
something devoid of any relation to latitude and altitude; and above all, the indifference
concerning the alarming results carried by these modifications.