Table Of ContentDo ceticismo aos extremos:
Cultura intelectual brasileira nos escritos de Tristão de Athayde
(1916-1928)
Tese apresentada ao programa de
Pós-Graduação em História da
Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas, Universidade Federal
de Minas Gerais, como requisito
parcial para a obtenção do título
de Doutor em História.
Linha de pesquisa: História e Culturas
Políticas
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Eliana Regina
de Freitas Dutra.
Thiago Lenine Tito Tolentino
Novembro 2016
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À minha Mãe em silêncio a encarar o extremo.
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907.2
T649d
2016 Tolentino, Thiago Lenine Tito
Do ceticismo aos extremos [manuscrito] : cultura
intelectual brasileira nos escritos de Tristão de Athayde
(1916-1928) / Thiago Lenine Tito Tolentino. - 2016.
671 f.
Orientadora: Eliana Regina de Freitas Dutra.
Tese (doutorado) - Universidade Federal de Minas Gerais,
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas.
Inclui bibliografia
1.História – Teses. 2. Cultura – Teses. 3. Intelectuais –
Brasil – Teses. 4.Modernismo - Teses. I.Dutra, Eliana Regina
de Freitas . II.Universidade Federal de Minas Gerais.
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. III.Título.
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AGRADECIMENTOS
A muitos sou grato pela feitura deste trabalho. Minha orientadora, Eliana Regina de
Freitas Dutra, que há anos me convidou para participar do grupo Coleção Brasiliana: Escritos
e Leituras da Nação quando eu ainda estava na graduação. Sem dúvida, a Brasiliana foi
fundamental na minha formação como pesquisador e historiador. Sou grato a todos os
professores, pesquisadores, alunos, convidados e colegas com os quais convivi por tanto tempo.
Agradeço à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG)
pela bolsa de doutorado que financiou este trabalho. Também agradeço à CAPES pela bolsa
sanduíche que me permitiu ampliar significativamente os horizontes teóricos e documentais
desta pesquisa. Na França, fui recebido pelo professor historiador Jean-Yves Mollier da
Université de Versailles Saint - Quentin - En - Yvelines (UVSQ) a quem sou muito grato pelos
debates e orientações em torno da história intelectual francesa e da história dos impressos.
Agradeço aos Departamentos de História, Letras e Filosofia da UFMG, docentes,
discentes e funcionários, pelos anos de aprendizado constante e pela experiência única em
vivenciar um momento áureo da Universidade brasileira pública, gratuita e de alto rendimento
que parece agora entrar num período obscuro e decadente.
Agradeço aos membros do Projeto República: Núcleo de Documentação, Pesquisa e
Memória coordenado pela professora Dr.ª Heloísa Maria Murgel Starling. No República
aprendi muito sobre pesquisa e, principalmente, acerca da articulação entre conhecimento
historiográfico e sua tradução para linguagens que ultrapassam e muito o texto escrito. Aí fiz
amigos e criei laços que estão para além da Academia.
Sou especialmente grato a uma série de pessoas que viveram comigo o longo processo
que foi a feitura dessa tese que, mesmo em seus momentos finais, teve de lidar com as tragédias
que o destino guarda em cada esquina. À Raissa Brescia dos Reis, agradeço os debates, o apoio
e compreensão irrestritos. À Aline Magalhães Pinto, amiga de longa data que muito contribuiu
com esse trabalho. Aos amigos Raul Lanari, Rafael Cruz, Wilkie Buzatti, Pauliane Braga,
Marcela Lima, Bruno Viveiros, Alda Batista, Augusto Borges, Valdeci Cunha, Rafael e Gabriel
Amato, Igor Barbosa, Guilherme Melo, Taciana Garrido, Gabriel Nascimento, Carol Rossetti,
Thiago Prates, Ana Toledo, Cléber Cabral, Ramon Ramalho, Paulo Rocha, Lucas Matozinhos,
Douglas de Freitas, Mariana Silveira, Juliana Rezende, Suelen Maria, Flora Cândido, Filipe
Serra, Márcio Rodrigues, Leonardo Miranda, Cristiane Viana, Valéria Augusti...
Agradeço muito à minha família, especialmente à minha mãe, Laraene Alves
Tolentino, certamente a pessoa que mais encareceu o valor desta tese. Agradeço ao meu pai,
Eclison Tito Silva, e aos meus irmãos Marcos e Eclison Júnior.
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Resumo
Esta tese aponta para um processo geral pelo qual a cultura
intelectual brasileira teria passado entre as décadas de 1910 e 1930.
Especialmente, ressalta-se a ascensão de perspectivas contrárias aos
princípios da Constituição republicana de 1891 que passa a ser vista
como ultrapassada e decadente, notadamente após a Primeira Guerra
Mundial, a Revolução Russa e o advento do fascismo italiano. Neste
sentido, a trajetória intelectual e biográfica do crítico literário Tristão
de Athayde (Alceu Amoroso Lima) é bastante expressiva. Nele
revela-se tal processo geral em variadas esferas que compõem a
complexidade da cultura intelectual brasileira: os debates culturais,
as avaliações acerca do noticiário internacional, as análises políticas,
as reflexões críticas sobre identidade nacional e a cisão de um país
dividido entre sertão e litoral, as disputas em torno da arte moderna
brasileira, as discussões sobre o papel da religião no interior da
sociedade, os embates sobre os direitos e as questões de gênero, as
reflexões acerca do melhor regime político para o Brasil etc. “Do
ceticismo aos extremos” revela como muitos desses tópicos
deixaram de ser tomados segundo perspectivas plurais e
relativamente democráticas em função de visadas totalizantes em
que o horizonte revolucionário e a utilização da violência para a
consecução dos objetivos políticos tornaram-se uma verdade quase
banal.
Abstract
The purpose of this study is to reveal a general process by which the
“Brazilian intellectual culture” have passed between the 1910s and
1930s. In particular, it highlights the rising prospects against the
principles of the Republican Constitution of 1891 that is seen as
outdated after the First World War, the Russian Revolution and the rise
of Italian fascism. In this sense, the intellectual and biographical
trajectory of the literary critic Tristão de Athayde (Alceu Amoroso
Lima) is quite significant. Through his periodical work, it’s possible to
see the different aspects of this major process: cultural debates,
evaluations about international news, political analysis, critical
reflection on national identity and about the peculiar condition of a
country divided between hinterland and coast, disputes around the
Brazilian modern art, discussions about the role of religion in society,
conflicts about gender issues and women rights, the discussions about
the best political system for Brazil etc. "From skepticism to extremes"
reveals how each one of these topics stopped to embrace plurals views
and relatively democratic prospects, making the turning point to a
revolutionary horizon in which the use of violence to achieve political
goals became an almost banal truth.
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Algumas Especificações
Optou-se na citação dos artigos de Tristão de Athayde em utilizar as referências originais e
completas.
As referências bibliográficas serão feitas de forma completa na primeira aparição e depois
em forma resumida.
Referências idênticas (quase a totalidade do caso dos artigos de jornal) serão notificadas uma
vez por lauda, salvo quando intercaladas por outras referências.
As passagens de textos em língua estrangeira foram traduzidas pelo autor desta tese, salvo
quando expressa menção contrária.
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Sumário
Introdução .............................................................................................................................. 9
Primeira Parte - PRELIMINARES DE UM TRAJETO
De Alceu a Tristão e Vice-Versa ............................................................................................ 15
A crítica, a crítica literária e a cultura intelectual brasileira ................................................... 31
Uma República Cética? ........................................................................................................ 48
Três tempos em três contos ................................................................................................... 85
Segunda Parte - O CRÍTICO E OS SUPORTES DA CRÍTICA
A “invenção” de São Paulo ................................................................................................... 99
O Lançamento de O Jornal ................................................................................................. 109
O crítico expressionista ...................................................................................................... 119
Terceira Parte - DÚVIDA
Contra a “literatura”: Sertão ............................................................................................... 158
Contra a “literatura”: Litoral ............................................................................................... 195
Clássicos, românticos: modernos ........................................................................................ 249
Intermezzo: O Espetáculo da coluna da angústia e da esperança ......................................... 333
Quarta Parte - ANGÚSTIA
Política e Letras I ............................................................................................................... 354
Política e Letras II .............................................................................................................. 411
Entre civilizações: América, Europa e África
na cultura intelectual brasileira dos anos 1920. ................................................................... 510
Quinta Parte - DECISÃO
A criança, o louco e o santo ................................................................................................ 580
Conclusão .......................................................................................................................... 622
Referências bibliográficas. ................................................................................................. 628
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Introdução
A cultura intelectual brasileira vivenciou, ao longo da década de 1920, uma transição
caracterizada pelo abandono de perspectivas liberais e democráticas em função de
posicionamentos simpáticos a radicalismos políticos à direita e à esquerda. A produção do
crítico literário Tristão de Athayde constitui-se como um rico referencial a partir do qual torna-
se possível contemplar tal processo, mapeando-se as diversas questões, angústias, dilemas e
decisões que o constituíram. Tristão de Athayde foi uma das figuras mais expressivas da
dinâmica cultural brasileira neste período histórico. Tocando questões estéticas, notadamente
em torno do modernismo brasileiro, e políticas, especialmente acerca das crises do sistema
republicano brasileiro no período, o crítico pode ser visto como um ponto nodal no interior da
cultura intelectual brasileira, sobretudo por ter associado a tais perspectivas intelectuais a sua
própria trajetória pessoal e pública. No decorrer da década de 1920, ele viveu um conflito
intenso acerca de sua independência, ceticismo e liberalismo, confrontados aos movimentos
que, à época, cada vez mais, reclamavam o engajamento, o dogmatismo e soluções autoritárias
para as questões sociais e políticas. Esta passagem do ceticismo - representado por figuras como
Anatole France, Eça de Queirós e Machado de Assis - às posições extremas identificadas com
o fascismo, o comunismo e o catolicismo ultramontano - será uma experiência compartilhada
por vários intelectuais brasileiros neste período1.
Alceu Amoroso Lima, que neste trabalho é abordado quando era mais conhecido como
Tristão de Athayde, possui uma presença marcante e longa no cenário intelectual, cultural e
político brasileiro. Tendo vivido quase noventa anos, ele viu desde a eclosão da Primeira Guerra
Mundial, quando estava na França, até os movimentos contra a ditadura civil-militar brasileira
instaurada em 1964. Sua produção intelectual, iniciada “oficialmente” aos vinte e três anos, em
1916, soma dezenas de volumes, além de centenas de artigos publicados em jornais e revistas.
Uma produção que nunca se ateve a apenas um campo disciplinar. Em livro, publicou estudos
nas áreas de literatura, política, filosofia, religião, psicologia e sociologia, tendo, ainda, lançado
volumes de entrevistas e memórias2.
A abordagem de sua obra completa, assim como de toda a sua trajetória intelectual,
conforma-se como um desafio ao historiador da cultura e do pensamento político brasileiro. Tal
1 Sobre este aspecto, ver: CÂNDIDO, Antônio. Vários escritos. São Paulo: Duas Cidades, 1977, p. 33-88; BUENO,
Luís. Uma história do romance de 30. São Paulo: EdUSP; Campinas: Editora Unicamp, 2006, p. 103-159.
2 A enumeração de suas obras completas pode ser consultada em: RODRIGUES, Leandro Garcia. Alceu Amoroso
Lima. Cultura, Religião e Vida Literária. São Paulo: EdUSP, 2012, p. 212-216.
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desafio é, aliás, comumente reiterado pelos estudiosos de sua produção3. Nós compartilhamos
dessa perspectiva ao mesmo tempo em que nos distanciamos dela, pois não é nossa intenção
contemplar toda a trajetória intelectual de Tristão de Athayde, seja numa tentativa de abordar o
conjunto de sua produção bibliográfica, seja no interesse de confeccionar a sua biografia. A
questão que norteia nossa pesquisa procura compreender algumas das características e dos
processos vividos pela cultura intelectual brasileira na década de 1920 seguindo a trajetória de
um personagem específico sem se limitar a ele.
No interior da historiografia, a figura de Tristão de Athayde é tema de pesquisas que
abordam mais detidamente a década de 1930. Quando, aliás, ele é muito mais Alceu Amoroso
Lima, isto é, o líder católico proeminente, diretor do Centro Dom Vital, da revista A Ordem,
coordenador da Liga Eleitoral Católica, simpatizante do integralismo e contundente adversário
dos intelectuais de esquerda e dos comunistas. Sobre este período, a bibliografia historiográfica
é bem mais significativa4. A distinção entre as duas figuras, Tristão e Alceu, não é meramente
uma questão de assinatura. Ela marca disposições intelectuais distintas observáveis nas palavras
de Jackson de Figueiredo:
Tudo o mais não quero propriamente discutir. Já lhe disse que não me interessa. O
que quis reafirmar é meu horror à literatura neste como em outros casos, reafirmar
que só a amizade me leva a discutir-lhe o papel, a ação de crítico. É porque Tristão
é Alceu que Tristão me interessa5.
Na transição de Tristão a Alceu, mais do que uma conversão, trata-se da formação do herdeiro
político e ideológico de Jackson. Trata-se, para o criador da revista A Ordem (1921) e fundador
do Centro Dom Vital (1922), de se abandonar a “vaidade” acerca de uma “liberdade de pensar”
preocupada em atingir o “pensado por mim mesmo”, em nome de uma “desliteralização” que
realce o valor na “ordem e a beleza do passado”6. O próprio Alceu dirá, trinta anos após sua
conversão, que, ao abraçar o catolicismo, pensara em abandonar o pseudônimo de vez7.
3 Cf. RODRIGUES, L G. Alceu Amoroso Lima. Cultura, Religião e Vida Literária. São Paulo: EdUSP, 2012, p. 19.
4 ARDUINI, Guilherme Ramalho. Em busca da Idade Nova: Alceu Amoroso Lima e os projetos católicos de
organização social. (1928-1945). Campinas, SP: [s. n.], 2009. Dissertação de mestrado. Universidade Estadual de
Campinas; BEIRED, José Luís Bendicho. Sob o signo da nova ordem: intelectuais autoritários no Brasil e na
Argentina. São Paulo: Loyola, 1999; BRANDÃO, Berenice Cavalcante. O movimento católico leigo no Brasil (as
relações entre Igreja e Estado: 1930-1937). [Dissertação de Mestrado]. UFF: Niterói, 1975; FARIAS, Damião
Duque. Em defesa da Ordem: aspectos da práxis conservadora católica no meio operário em São Paulo (1930-
1945). São Paulo: USP/Hucitec, 1998. MONTEIRO, Norma Gouveia. Alceu Amoroso Lima: ideia, vontade, ação
da intelectualidade católica no Brasil. [dissertação de mestrado] Rio de Janeiro: PUC-RJ, 1991; RODRIGUES,
Cândido Moreira. Alceu Amoroso Lima: matrizes e posições de um intelectual católico militante em perspectiva
histórica (1928-1946). [Tese de Doutoramento] Assis: UNESP, 2006. RODRIGUES, Cândido Moreira. A Ordem:
Uma revista de intelectuais católicos 1934-1945. Belo Horizonte: Autêntica/FAPESP, 2005. ROMANO, Roberto.
Brasil: Igreja contra Estado. São Paulo: Kairós, 1979. SILVA, Valéria Jacó Da. Sociabilidade intelectual católica
na correspondência de Alceu Amoroso Lima (1928-1945). [Dissertação de Mestrado] Assis: UNESP, 2004.
5 FIGUEIREDO, J de; LIMA, A A. Correspondência: Harmonia dos Contrastes. Tomo I. Rio de Janeiro: ABL,
1991, p. 56.
6 Cf. FIGUEIREDO, J de; LIMA, A A. Correspondência. Tomo I, p. 56-61.
7 LIMA, Alceu Amoroso Lima. Meio século de presença literária: 1919-1969. Rio de Janeiro: José Olympio, 1969,
p. XV.
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