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RISTÓVÃO OLOMBO
DIÁRIOS DA
DESCOBERTA
DA AMÉRICA
AS QUATRO VIAGENS E O
TESTAMENTO
Tradução de Milton Persson
Introdução de Marcos Faerman
Notas de Eduardo Bueno
www.lpm.com.br
Para numerosos viajantes, o cenário americano estava repleto
de misteriosas e inegáveis possibilidades. Ali, o milagre
parecia novamente incorporado à natureza: uma natureza
ainda cheia de graça matinal, em perfeita harmonia e
correspondência com o Criador. O próprio Colombo, sem
dissuadir-se de que atingira pelo Ocidente as partes do
Oriente, julgou-se em otro mundo ao avistar as costas
verdejantes da América, onde tudo lhe dizia estar a caminho
do verdadeiro Paraíso Terreal.
As mesmas imagens bíblicas, reafirmadas pelos cosmógrafos
mais acreditados da época, acharia Colombo em seu
desembarque nas Antilhas: terras de fertilidade inaudita,
árvores de copas altíssimas, fragrantes e carregadas de frutas, a
eterna primavera musicada pela alegria dos cantares de
pássaros de mil cores...
SÉRGIO BUARQUE DE HOLANDA em
A Visão do Paraíso
Sumário
INTRODUÇÃO
APRESENTAÇÃO
A PRIMEIRA VIAGEM
A SEGUNDA VIAGEM
A TERCEIRA VIAGEM
A QUARTA VIAGEM
O TESTAMENTO
CRONOLOGIA DA VIDA E DA ÉPOCA DE CRISTÓVÃO COLOMBO
INTRODUÇÃO
Aventuras e Visões de um Velho Marinheiro
"Fundarei um novo céu e uma nova terra, e não mais se
pensará no que era antes."
ISAÍAS
Os marinheiros estavam inquietos com este almirante que os
levava para terras desconhecidas. A certa altura da viagem,
ensaiariam a revolta. Seria este senhor, Cristóvão Colombo,
homem de confiança? Não ouviram dizer que tantos
sacerdotes e homens da corte o tinham como louco? O
almirante era silencioso. Parecia mais interessado em sonhar
com as terras descritas por outro aventureiro, um tal Marco
Pólo. Que promessas de riquezas poderiam confortar os
marujos espanhóis, em tal aventura?
O almirante não apreciava muito a sua embarcação, a Santa
Maria. Ele a tinha por navio pesado; como escaparia num
baixio? Navegador desde criança, Cristóvão Colombo andara
até por mares gelados, acima da Inglaterra, e pelas costas
opostas, na Africa. Preferia estar nas outras caravelas da
expedição, a Niña ou a Pinta. Mas se devia conformar com o
seu próprio barco, de propriedade de Juan de La Cosa,
morador das vizinhanças de Paios, de onde partiam. Os
proprietários de navios de Paios ficaram aborrecidos com as
ordens reais de fornecer embarcações para a estranha viagem
deste almirante ali desconhecido. Era negócio sem garantias.
Temia-se a perda de dinheiro e de vidas. Os ventos só
mudariam quando a família Pinzón aprovou a estranha
expedição. O próprio e honrado Martin Pinzón iria no
comando da Pinta. Ah, se o senhor Pinzón aceitava tal
viagem, era bom sinal - pensavam os moradores de Paios. Os
espertos Pinzón, por sua vez, pensavam em todos os prêmios
mirabolantes propostos por suas altezas católicas. Dinheiro e
glória: por que não apostar?
Os pilotos das três caravelas tinham opiniões diferentes sobre
o lugar em que se achavam, já no quinto dia de viagem - 8 de
agosto de 1492. Mas o almirante era de palavras fortes. Queria
ganhar as ilhas Canárias, para aí deixar a caravela Pinta, que
fazia água. Além do mais, desde o começo da viagem, percebia
que as coisas não iriam bem com Martin Pinzón. Ele,
Cristóvão Colombo, sonhara toda a vida com a descoberta de
um novo mundo em nosso mundo. Desenhou mapas para
viver, nos seus tempos em Portugal; leu muitas narrativas de
viagens, nas bibliotecas dos conventos; ouvia nas tavernas os
marujos falando dos mais remotos pontos do mundo - e
chegara a ver o mar dos gelos; e um dia lhe caiu nos olhos, em
uma leitura do Livro Sagrado, uma palavra que mais ouvia do
que lia - e era como se o profeta Isaías com ele estivesse
falando: "Eu fundarei um novo céu e uma nova terra e não
mais se pensará no que era antes". Era o sonho de sua vida
esta nova terra, e aquele Pinzón queria roubar o seu sonho.
Os homens tinham medo. Estes ventos não os estariam
levando aos monstros das lendas do mar? Nem 20 dias de
viagem e uma coisa tão estranha aconteceu. Das montanhas
da ilha de Tenerife, muito elevadas, eles viram surgir o
grande fogo. Isto escreveria depois o almirante em seu Diário
de Bordo. Os homens ficaram espantados. O almirante falou
com calma. Não sabiam que semelhante fogo existia no monte
Etna, na Sicília, e em outras montanhas? Os marujos
silenciaram. Mas viam no vulcão sinais de muito azar.
Mas, para o almirante, seus planos se cumpriam. Seguindo os
ensinamentos do mapa do célebre Toscanelli, seus navios
desceram pela costa africana, até as ilhas Canárias,
conquistadas a ferro e fogo pela Coroa espanhola, e de lá
saltariam para a ilha de Cipango. Era a viagem pelo
desconhecido, mas - pensava o almirante — o piloto não
devia mais do que conduzir a nave pela mesma latitude,
sempre no rumo Oeste. E se os navios atingissem Cipango,
não mais de que um salto - e era a terra firme do Cathay,
como queriam os relatos de Marco Polo, o viajante. Mais do
que o vulcão de Tenerife o preocupou não encontrar nas ilhas
um bom navio para comprar. Pinta reparada, últimas
provisões a bordo, e depois de alguns dias de tantas ansiedades
e rumores — uma esquadra portuguesa, se dizia, poderia
bloquear a expedição - e o vento Nordeste bateu nas velas; o
pico do Tenerife desapareceu no Este, e só havia água, agora;
os navios e o mar; os homens e o mar.
Era um domingo aquele 7 de setembro e o almirante devia
advertir seus marujos que conduziam mal a embarcação.
Silencioso, apanhou a pena e se pôs diante do Diário de
Bordo. "Neste dia, eles perderam completamente de vista a
terra. Acreditando não revê-la por muito tempo, muitos
choravam e suspiravam. O almirante os reconfortou com
promessas de muitas terras e riquezas, a fim de que
conservassem a esperança e perdessem o medo que eles
tinham de tão longo caminho." A viagem se faz longa; o
almirante decidiu dela falar com brandura aos seus marujos.
Sabia o que o desânimo podia fazer em homens no alto-mar.
A 11 de setembro, avistam o mastro de um grande navio
naufragado. Maus presságios. Um cometa atravessa o céu, a 15
de setembro - e cai no mar. O que diziam os céus? Chuvas e
neblinas neste dia 16. Tudo era razão para dúvidas. E o que
significavam os pássaros vistos da Nina, aquelas andorinhas do
mar? Mas o domingo, 16, era repousante. O almirante sentia
um grande prazer. Sentia falta apenas do canto de rouxinóis.
Disse aos homens: "Parece que estamos num abril da
Andaluzia". E eram os tufos de ervas muito verdes que davam
mais esperança aos marinheiros. Pareciam destacados há
pouco da terra. Estariam perto de uma ilha? "Porque, para
mim, a terra firme é mais adiante", foi o que o almirante
anotou no Diário.
Navegavam para o Oeste, e entre dia e noite faziam 50 léguas
e mais. A corrente os ajudava. E era cada vez mais erva. E ela
vinha do poente. Pensavam estar próximos de terra. Os
pilotos tomaram o Norte. Mas achavam que as agulhas
declinavam. "Os marinheiros estão inquietos e tristes",
constatou o almirante. Não diziam por quê. Desde aquela
aurora — era o 17 de setembro -, o almirante recomeçava a
tomar o Norte. Ora, as agulhas estavam certas. "Por que,
então, a estrela Polar parecia mover-se, mas não as agulhas?",
indagava-se o comandante. (O meridiano magnético não
correspondia ao meridiano astronômico: problema científico
impossível de resolver àquela altura desta história e da
História. Mas era a bússola ou os astros que mentiam? O que
fazer nesta extensão de água?)
Era uma segunda-feira esquisita, de emoções conflitantes. Os
marinheiros ficavam atemorizados com os desvãos dos
movimentos da bússola e alegres pelas ervas, que pareciam
fluviais, e pelas águas, cada vez mais quentes.
Os marinheiros estavam alegres, e os navios eram levados
pelo vento célere, e pareciam disputar a glória e o ouro
reservado ao primeiro homem que gritasse: "terra". Os
homens do Niña até caçaram um atum. Cristóvão Colombo
viu um pássaro que jamais dormia no mar e esperava que "o
Muito Alto, aquele que tem nas mãos todas as vitórias, lhes
desse a terra".
Por alguns dias, eram bandos de pássaros, multidões de
pássaros passando sobre as caravelas. Os marinheiros
sonhavam com a terra; o almirante sonhava com algo além. O
tempo era bom; se Deus quisesse, na volta, olhariam estas
ilhas. Cristóvão Colombo há tanto tempo pensava em outra
coisa, se desentendia de todos. Era um homem estranho de
quem mal se sabia onde nascera. Parecia conhecer muitos
pensamentos célebres, livros náuticos e de viagens; mas não
seria de breves passagens por bibliotecas, ou do tempo em que
vendera livros - nascente comércio - para viver? Tudo era
obscuro, e nenhum doutor destes da Universidade de
Salamanca, a mais célebre, apostaria em sua cultura. Mas
tinha nos olhos azuis, sinceridade e a voz podia ter a força
mística que impressionava a rainha Isabel, a quem procurou
na Corte, e para quem falou com paixão de caminhos
marítimos novos e de glórias e riquezas possíveis para a
Espanha que derrotava os mouros, vivia, com os reis
Ferdinando e Isabel, neste delírio, a Inquisição, na qual todos
os considerados ímpios podiam ter a tortura ou a fogueira
como penas. Os homens viviam entre todas as superstições e
terrores e alguns conhecimentos náuticos, científicos; sempre,
aqueles albatrozes que vinham pousar, a 20 de setembro, na
caravela do almirante podiam dizer, apenas, terra próxima, ou
alguma outra espécie de notícia, mística, sinal dos deuses;
sorte ou azar.
O almirante ficou feliz quando a Santa Maria vagou pelo oeste
norte-oeste; ventos que sopravam para cá, para lá. Em seu
Diário, anotaria: "Este vento contrário me foi muito
necessário, porque meus homens estavam em grande
fermentação, pensando que nestes mares não sopravam
ventos para voltar à Espanha".
Navegar na direção do poente.
Sempre a oeste.
Os marinheiros entraram em pânico, no dia 24 de setembro,
quando viram muitas procelarias. Os homens do mar sabem
que estas aves prenunciam tempestades e a morte. Quanto
mais os indícios de terra se mostravam vãos, mais os
marinheiros murmuravam. Eles se retiraram para o interior
dos navios. Eles disseram que o almirante, por seus loucos
disparates, Se tinha proposto a se tornar grande senhor, à
custa de riscos e perigos, e de condená-los a uma morte
abandonada. "Porque - e nós estamos lendo, agora, a direta
narrativa do almirante - eles já tinham cumprido sua
obrigação, tentando a fortuna, e se afastando da terra de todos
os socorros mais do que ninguém, nunca; e eles não deviam
mais se fazer autores de sua própria ruína, nem seguir este
caminho até que o arrependimento se tornasse vão." E a
narrativa está cheia de ameaças, vejam, pois os homens
começavam a dizer que ninguém poderia condená-los por
qualquer coisa que fizessem. "O almirante era um estrangeiro,
não gozando de favor algum, tendo sido sempre desaprovado
e sua opinião contradita por tantos homens doutos e sábios, e
ninguém agora o apoiaria ou defenderia."
"E não faltou quem falasse que toda a discussão devia cessar -
isto era o melhor - e que se o almirante não quisesse
renunciar ao seu projeto eles podiam jogá-lo ao mar, e
proclamar em seguida que ele tinha caído por descuido,
querendo olhar as estrelas e seus indícios; que ninguém
poderia verificar a verdade do acontecimento e que este era o
meio mais seguro para seu retorno e sua salvação."
Cristóvão Colombo escreveu estas linhas com a amarga
tranqüilidade de quem conseguira convencer mais uma vez os
seus adversários. Há muito tempo sua vida era marcada por
estes conflitos. Não era fácil para um homem carregar a sua
obstinação. Nos tempos de Portugal, tentou - e não teve
sucesso - convencer a Coroa de seus planos. Mas foi nos
desvãos da corte portuguesa que soube da existência do mapa
de Toscanelli - que parecia dar força à sua idéia do mundo, e à
possibilidade de chegar às índias cruzando os mares, por onde
o homem jamais passara. Cristóvão Colombo mandou uma
carta sugestiva a Toscanelli, que vivia em Florença. Algumas