Table Of ContentColeyao Big Bang
Dirigida por Gita K.Guinsburg
Dialogos
sobre
0
Conhecimento
•
Feyerabend
•
Tradu<;ao e Notas
Gita K. Guinsburg
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PERSPECTIVA
EquipedeRealizayao- Revisao:SandraMarthaDolinsky;Capa:SergioKon;EditorayaoEletronica: ~,\\~
Ponto&Linba;Produyao:RicardoW.NeveseRaquelFernandesAbranchcs.
Titulo dooriginal italiano
Dialoghi sulfa conoscenza
Sumario
Dados Intemacionais deCatalogayao naPublicayao (CIP)
(Camara Brasileira doLivro, SP,Brasil)
Feyerbend, Paul K., 1924-1994.
Dialogos sobre 0conhecimento /Feyerabend ;
traduyao enotas Gita K. Guinsburg. -- Sao Paulo:
Perspectiva, 2008. --(Big Bang)
Titulo original: Dialoghi sulla conoscenza.
Iareimpr. da 1.ed. de2001. Algumas Observa<,;oes daTradutora 9
ISBN 978-85-273-0237-1
Fantasia Platonica 11
AoTermino de UrnPasseio Nao-Filosofico entre os Bosques 65
1.Ciencia -Filosofia 2.Conhecimento -Teoria
Posfacio 113
3.Filosofia -Teoria I.Guinsburg, Gita K. II.Titulo.
III. Serie. Cronologia Resumida daVida e da Obra de Paul Feyerabend 119
Indices para catalogo sistematico:
1.Ciencia :Filosofia 501
Direitos reservados em lingua portuguesa it:
EDITORA PERSPECTIVA S.A.
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01401-000 - Sao Paulo - SP- Brasil
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www.editoraperspectiva.com.br
Algumas Observa~6es
da Tradutora
Asideias de Feyerabend suscitaram grande interesse e poletl1icas
das mais acirradas nos meios cientificos eacademicos devido adesafian-
te postUl'a critica desse fisico e filosofo que ganhou renome a partir da
decada de 1960, quando passou adedicar-se especialmente aanalise dos
fundamentos das teorias da fisica e da epistemologia cientlfica. Aprinci-
pal acusa<,;aolevantada contra suas concep<,;oesera ade ser um pregoei-
1'0do relativismo e do anarquismo intelectual. Eos di{llogosque sao tra-
vados neste liv1'Oeque me proponho alevar ao conhecimento do leitor
clelingua portuguesa giram precisamente em torno desses dois focos.
Neles,o autor procura tanto esclarecer e circunscrever a natureza e 0
alcance de seus pontos de vista, quanta os dos conceitos que os susten-
tam, de modo ainfirmar os argumentos de seus ferozes adversarios.
POl' discutiveis que sejam algumas de suas concep<;oes, a discus-
S;IOe 0 modo de discuti-Ias sao de grande riqueza, e 0 pensamento clo
qual sao portadoras apresenta aspectos efetivamente vanguardeiros na
abordagem de algumas das grandes preocupa<,;oes da sociedade contem-
por;l11eana pauta do tecnicismo, da diversidade cultural e da individuali-
dade da pessoa, da trans e multidisciplinaridade e das rela<;oes entre
clf:ncia, politica e etica. Com esse largo espectro de exame, os Dialogos
.wbre 0 Conhecimento desenvolvem a dialetica de um analista ousado e
agudo, cujas proposi<,;oeshao de incitar areflexao quer nos caminhos da
fllosol1aquer nos da fisica.
Nao posso, entretanto, encerrar 0 meu breve comentario sobre as
ideias desse pensador sem mencionar asdllVidassurgidas em rela<,:aoaos
seus vinculos com 0 nazismo, nao s6 por Feyerabend ter sido criado na
atmosfera da Alemanha de Hitler e participado da Segunda Guerra
Fantasia Platonica
Mundial como combatente do exercito germanico, mas tambem pela
estranheza causada por algumas de suas declara<,:oesrelativas asrespon-
sabilidades do povo alemao nos terriveis atos contra a humanidade em
geral eos judeus em particular perpetrados pelo IIIReich.Aesse prop6-
sito cumpre-me dizer que essas coloca<,:oesnao podem ser interpretadas
como uma defesa da ideologia e das praticas dos criminosos de Hitler,0
que seria e e inaceitavel, sob qualquer 6ptica, mas e mister analisa-Ias e
compreende-Ias no contexto do seu pensamento, que se empenha em
transporta-Ias do plano coletivo para 0 da etica individual e,nesse senti-
do, relativiza-Ias.
A cena se desenvolve numa celebre universidade durante Uln
seminario. Uma pequena sala sombria, com uma mesa e algumas
cadeiras. Olhando-se para fora, pela janela, veem-se arvores, passari-
nhos, carros estacionados e duas escavadeiras, que procuram abrir
um grande buraco. Lentamente, a sala povoa-se de Ulna variedade de
jJersonagens, entre os quais Arnold, um estudante serio, de 6culos
grandes, com uma por(:ao de livros debaixo do bra(:o e um ar desde-
nhoso no semblante; Maureen, uma atraente senhora de cabelos rui-
vos, que parece Ulnpouco confusa; Leslie, um sujeito, ou ao menos,
tun tipo encrenqueiro, possivelmente tmnbem estudante, que tem
todo 0jeito de ser um cara criador de casos e de estar sempre pronto
a desandar it minima provoca(:ao;Donald, um individuo dificilmen-
te classificavel, armado de Uln caderno de anota(:oes e de um lapis
cuidadosamente apontado; Charles, um estudante coreano, de olhos
ir6nicos debaixo dos 6culos brilhantes; Seidenberg, tun senhor idoso,
com pesado acento centro-europeu, sem nada mais defastidioso para
o ambiente; Li Feng, um estudante chines dejisica ou matematica, a
julgar pelos titulos dos livros que coloca sobre a mesa; Gaetano, jovem
e timido, tem 0 ar de quem escrevepoesia;]ack, um l6gico de modos
1r{lormais e com uma dic(:aoprecisa que contradiz a versao estadou-
ntdense dessa profissao, carrega uma grande sacola...Entra 0 doutor
(:ole, 0professor, de uns trinta e dois cmos, Ulna nova aqutsi(:ao da
faculdade, inteligente no sentido estrito do tenno, acabou de concluir David - Sim,e esse mesmo que queremos.
uma tese sobre 0 ceticismo, sob a orientaftao de Donald Davidson, e Dr.Cole (mais irritado do que antes) - Espero que saibam qual deles
esta pronto a disseminar 0 conhecimento tal como ele 0 entende. vao fazer.POl'favor,sentem-se (sentam-se a sua volta, ele abre a
pasta, tira os apontamentos e uma capia do Teetetol). - Bern,
quero dizer que pensei que seria melhor tel'urn ponto de referen-
ciapara anossa discussao, de modo que elanao venha adispersar-
(Aprimeira escavadeira eletrica estrondeia.) se,e pOl'isso sugeri discutir hoje 0 Teeteto de Platao.
(Estrondeia tambem a segunda escavadeira etetrica.) Jack - Nao e algo urn tanto atrasado no tempo?
Leslie (paz um comentario e ri;Donald, que parece ter entendido,
mostra-se gravemente ofendido).
Jack - Bern...(tira da sacola um exenlplar do dialogo), esse tipo viveu
Dr.Cole (distancia-se para par as coisas no lugar.) ha mais de dois mil anos, nao conhecia nem a logica nem a cien-
(DuPlo estrondo das escavadeiras eletricas.) cia moderna; assim,0 que podemos aprender dele sobre 0 conhe-
cimento?
(Dez minutos depois, cb:Cole volta, gesticula em direftao itporta, sai;
os outros 0 seguem, com uma expressao resignada no rosto.) Bruce - Evoce pensa que os cientistas sabem 0que e0conhecimento?
Maureen (cmninhando pelo corredor, vira-separa Arnold) - Ii esta a Jack - Nao falam dele, mas 0 produzem.
aula de cozinha pos-moderna? Bruce - Nao sei qual ciencia voce tinha em mente, mas no meu campo,
Leslie (que percebeu 0 sentido, ri ruidosamente) - A cozinha pos- a sociologia, esta em curso urn debate sobre 0"metodo con"eto".
moderna? Nao h;lcomo enganar-se,o curso e este. De lU11lado se diz que nao se pode tel' conhecimento sem a esta-
tistica. De outro, ao inves, dizem que e preciso tel' a"prfltica" da
Arnold - Nao everdade! Este e urn seminario sobre gnoseologia!
area que se est;l examinando, de modo a estudar pormenorizada-
Leslie - Equal e adiferenc;;a?Que seja.
mente os casos individuais e descreve-Ios, quase como faria urn
romancista. Houve apenas urn pequeno escandalo a proposito de
Dr.Cole (gesticulando em direftao a uma outra sala) - Aqui dentro, urn livro, A Transformaftao Social da Medicina Americana; 0
pOl'favor. autor, Paul Starr,discutiu alguns fenomenos interessantissimos,
tendo a seu favor a evidencia, mas nada de nllmeros; autorizados
(Agora esta1nos numa enorme sala sem janelas, com uma mesa e
sociologos recusaram-se atoma-Io aserio; outros, entretanto, tam-
algumas cadeiras nov[ssimas, mas tambemmuito incamodas.)
bem abalizados, defenderam-no, ecriticaram amaneira pela qual a
Dr.Cole (senta-se it cabeceira da mesa) - Estou aborrecido com 0atra- estatistica eusada. Empsicologia sao os comportamentalistas eos
so e a confusao. Finalmente podemos dar inicio ao nosso semina-
introspectivistas, os neurologistas e os psicologos clinicos...
rio sobre gnoseologia.
David e Bruce (aparecem itporta) - Ii este 0 seminario de filosofia?
I. Teeteto, Ol{ Sobre 0Conhecimento, dialogo platonico de Socrates com outras persona-
Dr.Cole (ligeiramente irritado) - Urndos muitos. H;loutros ... gens, entre as quais figura 0 matematico Teodoro, que, ao discutir a posi<,;aode
Protagoras sobre a"opiniao verdadeira", vai buscar, apedido de seu interlocutor, 0
David(guardando 0prospecto) - ...quero dizer,aquele sobre gno...gno... "embora nao bela, masbem dotado intelectualmente" jovemTeeteto, para encetar uma
investiga<,;;lOsobre aciencia. Essedialogo [oium dos llltimos escritos par Platao com 0
Bruce - Gnoseologia.
objetivo de del~1()liLQEelatiyisn1Qe--(H:~J!hismo_d0S.Sofi£tas,
Jack - Bem...as ciencias sociais ... Arthur - POl'que os experimentos?
Bruce - Saociencias ou nao? Jack - POl"queas observa<,;oesa olho nu nem sempre SaGconfiaveis.
Jack - Voces ai ja viram elaborada uma coisa tao simples, bela e bem- AJ.thur - Como voce faz para sabe-lo?
sucedida como a teoria de Newton?
Jack - Outras observa<,;oesmo dizem.
David - Naturalmente que nao! As pessoas SaGmais complicadas do
Arthur - Quer dizer que uma observa<,;ao Ihe diz que voce nao pode
que os planetas! Tanto e assim que as maravilhosas ciencias natu-
confiar numa Olltraobserva<,;ao?Como?
rais de voces nem ao menos se arriscam a tratar dos fenomenos
Jack - Voce nao sabe como? Bem...,enfie um bastao na agua; parece
atmosfericos ...
curvo, mas voce sabe que e reto pOl"queteve a sensa<,;aodisso.
Arthur (que per111aneceu junto ({porta, ({escuta, e agora adentra, vol-
AJ.'thur- Como fazpara sabe-lo?Asensa<,;aode que ele era reto poderia
tando-se para jack) - Desculpe-me, nao pude deixar de ouvir.
ser enganosa!
Sou historiador da ciencia e penso que voces tern uma ideia acer-
ca de Newton um pouco superficial demais.Antes de tudo, aquilo Jack - Os bastoes nao se encurvam quando SaGimersos em agua.
que chamaram de"simples ebelo"nao equivale aquilo que chama- Arthur - Realmente? Nao sediria issoseguindo aobserva<,;ao,como voce
ram de "bem-sucedido" - ao menos, nao em Newton. "Simples e me aconselhou. Olhe aqui (pega U111capo d'agua, que estava
belo" refere-se aos seus prindpios basicos; "bem-sucedido" e 0 diante do dr.Cole, e i111ergenele a lapis).
modo pelo qual ele os aplica. Nesse caso, ele usa uma cole<,;aoum
Jack - Mas 0 que me diz daquilo que voce sente quando 0 toea?
tanto incoerente de novas assun<,;oes,dentre elas uma, segundo a
AJ.thur- Bem...sedevo ser honesto, 0que sinto efrio,enao estou muito
qual Deus interfere periodicamente no sistema planetario a fim
certo de poder julgar a forma do lapis. Mas suponhamos que eu
de impedi-lo que caia aos peda<,;os.ENewton faz, na verdade,
consiga; entao, tudo aquilo que estou com vontade de fazel',aten-
filosofia. Elese baseia num certo nllmero de prindpios que dizem
do-me asuas sugestoes, e acompila<,;aode um rol:0lapis se enclU"-
respeito aos procedimentos corretos. Formula os prindpios da
va quando e visto au"aVeSda agua, 0 lapis e reto quando e tocado
pesquisa e insiste muito neles. Adificuldade e que ele viola esses
na agua, 0 lipis e invisivel quando fecho os olhos ...e assim pOl'
prindpios no proprio momenta em que come<,;aafazer pesquisa.
o mesmo vale para muitos outros fisicos. Num certo sentido, os diante, e neste caso 0 lapis e definido pelo elenco.
cientistas nao SaGaqueles que fazem... Jack - Mas e absurdo - ele e sempre 0 lapis!
Arthur - De acordo, se quer falar de algo que tem uma propriedade
Jack - Certamente, quando come<,;amafilosofm".Euposso compreender
que, entrando nessa area confusa, eles tambem se confundem. estavel mesmo se ninguem 0 observa, voce pode faze-lo, mas as
observa<,;oesdevem COlTerde Olltro modo.
Arthur - E sua pesquisa permanece inaiterada, malgrado tal confusao?
Jilek - Esta bem, concordo. Mas trata-se de simples senso comum, que
Jack - Bern...,se afilosofia confunde ate apesquisa, e uma razao amais
nao tern nada avel' com afilosofia.
para mante-la fora da ciencia.
Arthur - Ao contrario, tem sim! Muitos debates filosoficos, inclusive
Arthur - Ecomo se faz isso?
aquele contido no diilogo que temos a nossa frente, versam pre-
Jack - Atendo-se 0 maximo possivel aobserva<,;ao! cisamente sobre tal questao!
Arthur - Eos experimentos?
Jllck - Bem...se a filosofia e essa, voce pode ficar com ela. Quanto ao
Jack - Naturalmente, observa<,;oes e experimentos! que me diz respeito, manter que os objetos nao SaGapenas elen-
\\
r .(
,'f \ i
FantasiaPlatonica 0 17
J v -
I '
cos de observa<,;oes,mas entidades com caractedsticas proprias, e 'll '~.~tAl:tijur- Eassim,uma boa teoria, ate mesmo uma teoria excelente, pode
somente uma questan de senso comum - e os cientistas seguem ~1 estar em dificuldade pOl'causa de talfenomeno. EpOl'"boa"teoria
.I,'
o senso comum. "~!~, \:" :entendo uma teoria que concorda com todos os experimentos
,
isentos de pecha. E,como asvezes precisamos de anos, senao secu-
Arthur - Mas isso nao e verdade, ao menos nao esse genera de senso
comum! 0 que temos, dizia Heisenberg quando trabalhava num ~ ~.~: \ los,para remover os defeitos, temos necessidade de manter viva a
de seus primeiros escritos, sanasraias espectrais, suafreqiiencia e ,'~ j. ~ ~ teoria de qualquer modo, embora indo de encontro a evidencia.
l!
sua intensidade; de modo que e preciso encontrar Ull1esquema Jack - Seculos?
que nos diga como essas coisas se associam, sem postular "obje-
Arthur - Com certeza. Pense na teoria atomica! Foi introduzida pOl'
tos" subjacentes. Edepois de introduzir as matrizes, que san elen- \oj Democrito ja fazmuito tempo. Desde entao, foi criticada freqiien-
cos, embora urn pouco complicados. ~ 011'f~3\,'temente, e com excelentes razoes, se se considerar 0 conhecimen-
Jack - De acordo.Agora direi que os cientistas pautam-se segundo 0 to da epoca. POl'volta do fim do seculo passado, alguns fisicos con-
senso comum, amenos que aexperiencia nao lhes diga algo diver- "~ -! t tinentais consideravam-na urn monstro antediluviano, motivo pelo
so. Como quer que seja, nao ha necessidade alguma da filosofia. I•~• '.'- ual nao era incluida na ciencia. Todavia, foi mantida viva, e isso
constituiu urn bern,porquanto asideias sobre 0atomo forneceram
Arthur - As coisas nao san tao simples! Quando falei de "experiencia",
otimas contribui<,;oes a ciencia. Ou entao, tome a ideia do movi-
pretendi talar de complicados resultados experimentais.
mento daTerra! Elaexistia naAntigiiidade; foi criticada severamen-
Jack - Sim.
te e de maneira assaz razoavel pOl'Aristoteles. Mas sua lembran<,;a
Arthur - Eos experimentos complicados estao, muitas vezes, cheios de sobreviveu, eissofoimuito importante para Copernico, que colheu
'"'
imperfei<,;oes,especialmente quando entramos num novo campo (,) a ideia e a levou ao triunfo. POl'isso, e born manter viva a teoria
de pesquisa. Imperfei<,;oes,quer pr{tticas - alguma parte da ins- r~utadg.bomnaoSe<:l~.ix;~~~~i~_~i.Rf~;~~~i~=e,
trumenta<,;aonao funciona como deveria-,querteoricas - alglU1s pelos experimentos!
~,..,_".·~"'N~~'~'''.''''"~_.'..',~••._.".•.~
efeitos san descurados ou calculados erroneamente.
,
';' Arthur:- :N:ao,~nos ?somos~cient~istas, :pO~l'con:seg~uinte,~proc:ura:rem;os~,~l~~~;r,~::~:~~:~~~;~~=;
.'\
Arthur - Mas esta dito que voces estao salvos. Os computadores estao Ht~\
programados para efetuar aproxima<,;oes, e estas podem acumu-
~I if
larosede modo adistorcer os resultados. Sejacomo for,san muitis-
simos os problemas. Pense somente nas numerasas tentativas de \ r i \.~\mundo independente daquele do qual nos falam as observa<,;oes/Ii
descobrir urn so polo magnetico, ou Ulllquark isolado.Alguns os II~.~•l...• t''!.'Ii disponiveis, mas apto asustentar uma refutada tese pat·ticular. I)
encontraratl1, outros nao, outros ainda descobriratn coisas trans ... Jrackr- Mas isso e metafisica!
",d~~'~;~~~:·~;Q:;~:;,:,::C'~~;2:~~:~~~~';;;;:
Jack - 0 que tern avel' tudo isso com filosofia?
Arthur - Vou dizer-lhe dentra de urn minuto! Como quer que seja,voce
concorda que nao seria prudente presumir que todos osexperimen-
tos efetuados num novo campo dao,derepente, 0mesmo resultado?
I "J,."\'" .( .
\."
argumentos metafisicos para continual' a se desenvolver; hoje ela repetida nao apenas pOl'uma so personagem, mas pOl'muitas.
nao seria 0que e sem essa dimensao filosofica. Nao, a dificuldade do trabalho cientffico e que ele the conta uma
fabula. Quando Thomas Kuhn2 entrevistou os participantes da
Jack - Bern...terei de pensar nisso! Como quer que seja,uma filosofia
revoluc;:aoquantica ainda vivos na epoca, eles repetiram, de infcio,
desse genera estaria estritamente conectada a pesquisa - e,em
aquilo que aparecia impresso. Mas Kuhn se preparara bem. Lera
vez disso, 0que encontramos aqui,em Platao (indica 0 livro)? Urn
cartas, relatorios informais, etodos esses documentos diziam algu-
dialogo, quase uma telenovela, urn monte de conversa fiada daqui
ma coisa de muito diferente. Eleindicou a circunstancia e,pouco
e de la...
a pouco, as pessoas come<,;aramarecordar aquilo que havia real-
Gaetano - Platao era urn poeta ...
mente acontecido.Tambem Newton corresponde a esse modelo.
Jack - Bern...se era,entao aminha opiniao esta confirmada; nao ecerta- No fim das contas, depois de tudo, fazer perguntas significa intera-
mente este 0 genero de filosofia de que temos necessidade! gir com m~teriais altamente idiossincraticos ...
Arnold (para Gaetano) - Nao penso que se possa afirmar que Platao Jack - Trata-se da tipica instrumentac;:ao experimental.
era urn poeta! Eledisse coisas muito duras sobre apoesia, de fato Arthur - Quao pouco sabem voces, logicos, daquilo que sucede nos
falou de uma "longa batalha entre filosofia e poesia" e alinhou-se laboratorios enos observatorios! Ainstrumenta<,;ao tfpica funcioml\i
firmemente ao lado dos filosofos.
para a perda de tempo tfpica, nao para a pesquisa que procura\
Jack (voltando ao ataque) - Epior do que eu pensava! Nao the agrada- impelir os limites um pouco mais aIem.Nesse caso, ou voce usa a "
vaapoesia enao sabia como escrever urn ensaio decente, pOl'isso instrumentac;:ao tfpica de urn modo atipico, ou entao precisa inven-
caiu numa versao enfadonha da poesia ... tar coisas inteiramente novas, cujos efeitos colaterais nao the sao
Arnold - Altola!Altola!Permita que eume explique! Platao econtrario a familiares, de forma que deve aprender aconhecer 0 seu aparelho
como se faz com uma pessoa, e assim pOl'diante - nada de tudo
poesia. Masetambem contrario aqualquer coisa que sepoderia cha-
aquilo que seapresenta nos relatorios tradicionais que sao publica-
mar prasa cientit1ca.E ele 0 dizde urn modo bastante explicito...
dos.Masaquestao agora ediscutida em conferencias, seminarios e
J
!Jf
pequenos coloquios.Tais discussoes, onde urn argumento e defini-
Arnold - Nao, em outro dialogo, Fedro.Eleinsinua do e mantido a superficie grac;:asao debate continuo, constituem
fico e,em grande parte, umaf;~~lde. uma parte absolutamente necessaria do conhecimento cientffico,
Bruce - Nao havia urn artigo que se intitulava E 0 ensaio cientifico sobretudo laonde ascoisas semovem de maneira muito veloz.Urn
umafraude? matem;ltico, um fisico de altas energias, um biologo molecular, que
conhecem somente os tratados mais recentes, nao so estao atrasa-
Arthur - Sim,voce tern razao, e de Medawar, urn laureado do premio
Nobel, mas nao me lembro onde 0vi. dos em meses, como nao sabem sequel' sobre 0 que versa a obra
impressa; ela poderia tambem escapar-lhes inteiramente. Tambem
Arnold - Seja como for,aquilo que preocupava Platao era 0fato de que liFedro,e esse me parece ser precisamente aquilo que Platao pre-
urn ensaio fornece resultados e talvez algumas demonstra<,;oes,
tendia; ele queria uma "troca viva", como 0 denomina; e e essa
mas diz a mesma coisa, repetidas vezes, quando a gente propoe
troca, e nao a sua reprodu<,;ao estilizada*, que de define como
uma pergunta.
Arthur - Bern...tambem urn dialogo escrito diz amesma coisa repetidas
2. Vide A Jistrutura etasRevo!u\xies CientfJicas,de Thomas S.Kuhn, traer.brasileira, Sao
vezes; a {mica diferenc;:a e dada pelo fato de que a mensagem e I Paulo, Perspectiva, 1976.
conhecimento. Naturalmente, Platao utilizou dialogos, enao prosa
Maureen (que esta ficando menos confusa e mais interessada) _
cientifica, que tambem existia em seu tempo e ja estava bem
Quer dizer que Socrates falava de filosofia sabendo que estava
desenvolvida. Como quer que seja,0conhecimento nao esta conti- para mOlTer?
do no dialogo, mas, sim,no debate de onde brota, e que 0 partici-
Lt.:slie- Estranho! Um professor que fala e fala,embora saiba que seus
pante recorda quando Ie0 dialogo.Direi que ao menos, aesse res-
verdugos estao realmente esperando por ele fora da sala de aula.
peito, Platao emuito moderno!
Como epossivel isso?
Donald (com voz queixosa) - POl'que nao podemos comec;ar agora
Sddenberg (excitado) - Nao esoisso!Osdoispersonagens principais do
com Platao?Temos um texto - todo esse palavrorio sobre ciencia
dialogo que 0 professor Cole pretende ler conosco, Teeteto e
esta acima de meu alcance e,aIem disso, nao cabe num seminario
Teodoro, eram personagens historicos, ambos eminentes matemati-
sobre gnoseologia. Nos devemos definir 0 conhecimento ...
cos. ETeeteto - e dito na introduc;ao - fora gravemente ferido
Maureen - Ainda estou confusa; e este curso de...
numa batalha epouco depois morreu de disenteria.Num certo sen-
Leslie - ...de cozinha pos-moderna? Naturalmente que sim! Mas h;1 tido,o dialogofoiescrito em suamemoria, em memoria de umgran-
razoes. Querosaber um pouco mais sobre Platao.Dei apenas uma
de matematico que tambem havia sido um valoroso combatente.
olhada na 1iltimapagina (pega uma c6pia do dialogo que estava
Estassao coisasmuito interessantes. Emprimeiro lugar,pelo fato de
com Donald eindica um trecho) eajulgomuito estranha. Quando
ser um dialogo; de nao ter nada aver com apoesia, se entendida
tudo acaba,Socrates vai ajulgamento. Masele nao foimOt10?
supertlcialmente como um discurso ligeiro;de derivar de uma con-
Dr.Cole - Bem...penso que deveremos comec;ar pdo inicio. cepc;aoespecial do conhecimento ede esta concepc;ao estar muito
Seidenberg - Posso dizer uma coisa? vivaainda hoje em dia,como dizArthur,nao"emmaterias atrasadas"
(lan<r'auma olhada para Jack), mas entre as disciplinas mais res-
Dr.Cole (levanta os olhos para 0 teto com um ar desesperado).
peitadas ede desenvolvimento maisrapido, como amatem;ltica ea
Seidenberg - Nao, creio que e importante. De inicio pensei que esse
fisica das altas energias. Em segundo lugar,encontra-se aquilo que
senhor ai(aponta para Leslie) nao estivesse muito interessado na
se pocleria chamar cle"climensoes existenciais", vale clizer,o moclo
filosotla.
pelo qual acOt1Versac;aointeira esta insericlanassituac;oesextremas
Leslie - Pode muito bem dize-Io...
ciavidareal.Eume dou conta de que issoemuito cliferente clegran-
Seidenberg - Nao,nao, nao everdade. Olhe! (Voltou sua ate11(;aopara de parte ciatllosofia moderna, que so analisa aspropriedacles logi-
a ultima pagina e repentinamente mostrou interesse). cas dos conceitos epensa que isto sejatuclo0 que sepode dizer a
Leslie - Bem,e um pouco estranho ... seu respeito.
Seidenberg - Demodo algum! Everdade, Socrates foiacusado de impie- David (hesitante) - Li0 cli;llogopOl'que queria estar preparado para a
dade eprecisou apresentar-se perante aassembleia geral.Aconde- aula. Ate eu fiquei surpreso com 0 final,mas nao vejo que efeito
nac;aoamorte era uma conseqiiencia possivel. EmOlltrodiilogo, pocleria ter sobre 0 debate, que se assemelha muito a uma aula
o Fedon, ele j;1estava condenado it morte, presume-se que deva como aquela que eu tambem assisti; alguem diz qllC~~oconheci-
beber 0veneno aopar-do-sol. Eleassim0fazemon-e,precisamen- ~E.!.2-.texperiencia ...
te no fim do dialogo.
Dr.Cole - P:~~eP<i:.'l.o..
Davicl- ...Bem ...que 0 co-n-h-ec-i-m-e-n-t-o--~e~r~s;.ao,..algum Olltroofere-
,',No original, em ingles, streamlined cross-section, que significa literall11ente"se\;ao trans- -, ~-.,
versal aerodinamica". ce contra-exemplos, e assim por cliante.Everdacle,0 clialogoeum
a
pouco palavroso, mas nele nao se faz nenhuma referencia Leslie - Por que nao?Ambos sac membi'os dara<;;ahumana! Charles tem
morte.Ao fim,Socrates imprevistamente diz que deve ir ao tribu- realmente razao.Moner pelas proprias iddas nao produz automa-
nal. Poderia tambem dizer que estava com fome e que iria cear. ticamente santos.Veja 0que se diz aqui - encontrei justamente 0
Seja como for,parece aposto apenas para produzir efeito e nao trecho.O que significa 0 ntlmero 173escrito amal-gem?
acrescenta nenhuma dimensao existencial aos conceitos ... .tkCole (querendo jaZar).
Seidenberg - Masno Fedon... ,/y'nold (mais rapido do que dr.CoZe)- E0ntlmero dapagina da edi<;;ao
Charles - Eu 0 tenho aqui (soergue um livro). Penso que seja ainda critica aqual os estudiosos fazem normalmente referencia ...
pior. De fato, como come<;;a?Socrates esta em companhia de
alguns de seus admiradores. Eeis sua mulher (Wa texto do livro)
,'Arnold - Nao,epratico. Hamuitas edi<;;oes,tradu<;;oesetc. todas diferen-
"com seu filho nos bra<;;os".Elachora ethe diz:"agora,seus amigos
tes umas das outras. Emvez de fazer referencia auma obscura tra-
vido falarcom voce pela tlltima vez,Socrates" - pelo menos con-
du<;;aoque ninguem conhece, mas que por acaso acabou entre
forme 0 relato urn pouco desdenhoso fornecido por Fedon, 0 suas maos, da-se este ntlmero da edi<;;aocritica...
principal interlocutor. "Ela diz todo genera de coisas que as
Leslie - ...de toda maneira, parece que diz aqui haver uma diferen<;;a
mulheres estao propensas a dizer em certas ocasioes" - tal e 0
entre 0 cidadao comum e 0 filosofo. Ora, agrada-me aquilo que e
modo como ele fala dela. ESocrates 0 que faz?Pede aseus amigos dito do filosofo - "Elevaga a"\Tontadede um argumento ao outro
que a conduzam para casa a fim de que ele possa falar de coisas
e do segundo a um terceiro"--"-,isto e,0 modo do qual haviamos
mais elevadas. E urn tanto insensivel, diria.
falado e que e,pois, 0 motivo por que estamos ainda aqui. Mas
Maureen - Masele est;l para morrer!
depois e dito que "um advogado" anda sempre depressa, pOl"que
Charles - Por que deveria alguem jamais ser levado aserio epOl'que se ha limites de tempo nos tribunais: ele ridiculariza 0 advogado que
deveria permitir que se comportasse como urn bastardo so por- anda sempre depressa e diz que "acomida muitas vezes preserva
que ele esta para moner? sua vida". Bem,tenho aimpressao de quenao pretende referir-se
Bruce - Epar culpa dele mesmo! somente aos advogados, mas tambem aos cidadaos comuns. Estes
nao tem tanto dinheiro quanto Platao, e precisam cuidar da fami-
Maureen - 0 que pretende dizer com isso?
lia e dos filhos. Um modo de pensar que ocupa uma vida inteira
Bruce - Nao sera,talvez,verdade que eleproferiu asuaarenga diante de
apenas para propor simples perguntas nao lhes ede nenhuma uti-
uma assemblda geral que 0 condenara, mas the dera apossibilida-
lidade - morreriam logo de fome. Elesprecisam pensar de forma
de de defender-se? ESocrates escarneceu deles -leia aApoZogia!
difc!rente.E,em vez de simpatizar com sua dificil condi<;;aoe pre-
Depois disso,condenaram-no por uma margem ainda mais ampla.
za1"a.s solu<;;oespor eles encontradas, Socrates escarnece deles e
Tratara aassembleia com 0mesmo cuidado que havia dispensado
os trata com desprezo, como procedeu com aassembleia.
asua mulher e ao filho.
Dr.Cole - Bem...isso e Platao e nao Socrates ...
Maureen - Masmorreu por suas ideias,nao cedeu.
Leslie (Ull1pouco enraivecido) - Platao, Socrates, nao me importam
Charles - Tampouco Goering, no processo dos nazistas."E 0 poder" - nada!Aidda de filosofia que aparece justamente aqui, neste dialo-
disse ele - "que decide uma questao, enos 0desfrutamos enquan- go,com sua"dimensao existencial", implica que, quando se pensa
to esse durou". Edepois se suicidou, realmente como Socrates.
e se age para sobrevivel- emanter apropria familia,agente mere-
Seidenberg - Nao acho que se deveria comparar aspessoas desse modo. ce ser tratada com desprezo.