Table Of ContentSumário
Introdução — A. J. P. Taylor
Apresentação à edição americana — V. I. Lênin
Prefácio
Notas e esclarecimentos do Autor
1. O pano de fundo
2. A tempestade se aproxima
3. A véspera
4. A queda do Governo Provisório
5. Seguindo em frente
6. O Comitê de Salvação
7. O front revolucionário
8. A contrarrevolução
9. A vitória
10. Moscou
11. A conquista do poder
12. O Congresso Camponês
Apêndices
Cronologia
Outras leituras
Introdução
A. J. P. TAYLOR
Em 1964, a Penguin Books decidiu publicar o clássico relato de John Reed sobre a revolução
bolchevique, Dez dias que abalaram o mundo, e convidou-me a escrever uma introdução à
obra. A viúva de John Reed doara os direitos do livro ao Partido Comunista da Grã-Bretanha.
Minha introdução foi submetida a Lawrence Wishart, seus editores, e voltou repleta de
&
objeções. Supostamente, diziam respeito a aspectos de ordem factual, embora para mim
parecessem, em sua maioria, questões de opinião. Mesmo assim, acatei diligentemente essas
objeções, alterando algumas observações, ou suprimindo-as no caso em que as mudanças
acabariam por induzir a erros. A segunda versão, revisada, também foi a eles submetida.
Replicaram, então, que minha introdução ainda continha erros e que apenas uma pequena
parte do texto seria aceitável por eles — atitude que eu já esperava desde o começo. Lawrence
Wishart sugeriram, então, que outra pessoa escrevesse uma introdução que lhes fosse
&
aceitável. A Penguin Books optou, na ocasião, por editar o livro sem nenhuma introdução.
Agora, quando os direitos autorais já caducaram, minha introdução pode, a(cid:224)nal, ser
publicada.* E o leitor poderá julgar, livremente, se ela é aceitável ou não.
O livro de John Reed é um antigo clássico da política. Seu tema é a revolução bolchevique
de 7 de novembro de 1917, e, pela primeira vez, um grande tema encontrou um narrador à
altura. George Kennan, diplomata e historiador norte-americano, escreveu que “o relato de
Reed sobre os acontecimentos daquela época situa-se acima de todos os demais registros
contemporâneos, graças a sua força literária, sua profundidade, sua riqueza de detalhes. Ele
será lembrado para sempre, enquanto os outros acabarão no esquecimento”. A obra de Reed
não só é o melhor relato da Revolução Bolchevique, como está muito perto de ser o melhor
relato já realizado sobre qualquer revolução. Revoluções são eventos tumultuosos, difíceis de
ser acompanhados a seu tempo. Os que delas participam estão ocupados demais para registrar
as próprias experiências durante seu desenrolar, e os vitoriosos estão ocupados demais, nos
momentos subsequentes. De todos os líderes bolcheviques, apenas Trótski escreveu uma
história detalhada da revolução, e isso muitos anos mais tarde, quando já se encontrava no
exílio. Os vencidos tinham todo o tempo do mundo para fazê-lo, e muitos deles escreveram
memórias. Tais memórias, porém, são frequentemente marcadas pelo atordoamento e pelos
ressentimentos que se seguem a uma derrota. Sukhanov, o menchevique relutante, foi um dos
poucos que conseguiram recompor o espírito da época.
Os observadores estrangeiros situavam-se do lado de fora dos acontecimentos, mesmo
quando procuravam ser simpáticos à revolução — e poucos o foram. Ninguém seria capaz de
ler com entusiasmo os relatos da Revolução Bolchevique produzidos pelos embaixadores
britânico e francês. Alguns jornalistas (cid:224)zeram algo um pouco melhor, sobretudo Philips Price,
d o Manchester Guardian. Mas era patente que mesmo o melhor deles escrevia sobre
acontecimentos que lhe eram estranhos, em um país estranho. John Reed ocupava uma posição
diferente. Não estava engajado diretamente na revolução, tendo, por isso, tempo su(cid:224)ciente
para observar aquilo que se passava: tempo para reunir jornais e pan(cid:225)etos; tempo para ouvir
as conversas nas ruas; oportunidades até mesmo de atravessar fronteiras e saber o que ocorria
do outro lado. Mas Reed, embora não estivesse engajado (cid:224)sicamente na Revolução
Bolchevique, estava-o do ponto de vista moral. Aquela revolução era também dele, e não um
acontecimento qualquer em um país estrangeiro. Reed era um norte-americano radical,
formado em Harvard e, naquela ocasião, um socialista apaixonado. Estava na Rússia como
representante do The Masses, que era, então, o principal jornal radical e socialista dos Estados
Unidos. A seus olhos, a Revolução Bolchevique não era apenas uma grande sublevação na
Rússia. Era o começo da revolução internacional que ele, tal como os bolcheviques, estava
empenhado em realizar. Reed compreendia o ponto de vista bolchevique, entendia a
necessidade de uma revolução ampla e desejava o sucesso dessa revolução. Era um jornalista
bom demais para escrever mero proselitismo, mas tampouco ocultava para qual lado pendiam
suas simpatias. Tinha, ainda, uma outra qualidade, que complementava as demais: era um
grande escritor. Tornando a citar Kennan: “Reed era um poeta de primeira grandeza”. Este
livro é uma prova de que ele era, também, um prosador de primeira grandeza.
De tão fascinados que (cid:224)camos diante do trabalho de Reed, podemos, por vezes, perder a
exata noção do que esse trabalho realmente é. Não se trata da História redigida com
imparcialidade, com ampla bibliogra(cid:224)a e a maior compreensão possível dos eventos que se
podia ter à época. Este livro é uma contribuição para a história, não uma análise estruturada a
posteriori. Quando escreve aquilo que vê e experimenta na prática, Reed dá um testemunho de
primeira mão. Mas muito do que aqui se encontra não é de primeira mão. Muitas vezes, Reed
está sentado no silêncio de seu quarto de hotel, um cigarro à boca, batendo à máquina o seu
texto para o The Masses. Ele reúne fragmentos de conversas e detalhes imaginados daquilo que
provavelmente teria ocorrido, coroando isso tudo com um texto brilhante.
Reed costuma a(cid:224)rmar, por exemplo, que o Smolny, que sediava o soviete de Petrogrado,
estava sempre “agitado”, com as luzes acesas a noite inteira, mensageiros e Guardas
Vermelhos lotando seus corredores. O Smolny aparece, assim, como uma espécie de colmeia,
com poucos detalhes a respeito do que as abelhas faziam ali. Reed, na verdade, não sabia. Era
um jornalista estrangeiro, ainda que simpatizante, e os bolcheviques lhe revelavam poucos
segredos. Como todo bom repórter, transmite a sensação de uma agitação desenfreada,
quando, na realidade, na maior parte do tempo simplesmente não estava acontecendo nada, e
ele próprio estava apenas conversando com outros jornalistas norte-americanos. Os próprios
bolcheviques se mostravam preocupados com o arrefecimento do ímpeto revolucionário, fator
essencial para levá-los à ação antes que fosse tarde demais.
Cabe, ainda, outra observação. Em 1927, Eisenstein, o famoso diretor de cinema, fez um
(cid:224)lme por ocasião do décimo aniversário da Revolução Bolchevique, dando-lhe o mesmo título
do livro de Reed, Dez dias que abalaram o mundo, e usando a obra como roteiro. A tendência
é vermos o (cid:224)lme como algo que vem con(cid:224)rmar de alguma forma aquilo que é contado no
livro. Mas não se trata disso. O (cid:224)lme de Eisenstein não se baseou em registros documentais
cinematográ(cid:224)cos ou em pesquisas que lhe dessem bases históricas concretas. Ele apenas
adaptou o livro para a linguagem cinematográ(cid:224)ca. A maior parte do (cid:224)lme é (cid:224)cção, como é,
aliás, boa parte do próprio livro de Reed.
Não se pode con(cid:224)ar na obra de Reed em todos os seus detalhes. Seu grande mérito foi ter
captado o espírito daqueles dias tão arrebatadores. Como a maioria dos escritores, Reed
exagerava na dramaticidade, e essa dramaticidade, por vezes, estava acima da realidade.
Muitos bolcheviques, ao relembrar aqueles tempos, com frequência baseiam suas recordações
muito mais no livro de Reed do que em sua própria memória. Isso é muito comum. Veteranos
da Primeira Grande Guerra enxergam as trincheiras pelos olhos de Robert Graves, Edmund
Blunden e Sigfried Sassoon, e suas próprias lembranças são nebulosas. Nesse sentido, o livro de
Reed instituiu uma lenda, que se sobrepunha amplamente aos fatos. Não que essa lenda fosse
mentirosa. A maior parte das lendas surge de fatos. Mas o clima e as emoções que
acompanhavam a revolução bolchevique não teriam vindo à tona com tanta clareza se Reed
não tivesse estado ali para registrá-los. O livro de Reed constitui uma lenda, também, sob
outro aspecto. Reed acreditava que os líderes bolcheviques sabiam exatamente o que estavam
fazendo, e a vitória da revolução con(cid:224)rmava essa crença. Os registros disponíveis, porém,
sugerem outra coisa. Todos os dirigentes políticos se moviam em meio a uma neblina de
revolução, que parecia, muito mais, a neblina de uma batalha. A revolução bolchevique não foi
uma obra de todo orquestrada, com uma partitura prévia. Ela foi composta, como a maior
parte dos acontecimentos, por muita confusão e mal-entendidos, por grandes realizações e
grandes falhas humanas, cujo desenlace surpreendeu os vitoriosos tanto quanto atordoou os
vencidos.
O livro de Reed, como sugere o título, concentra-se nos acontecimentos do começo de
novembro de 1917, quando os bolcheviques tomaram o poder em Petrogrado, tornando-se,
então, dominantes em toda a Rússia. Esses acontecimentos constituíam o último ato de um
drama e, ao mesmo tempo, o primeiro de um outro drama. O primeiro era a Revolução Russa,
que se desenrolava desde março de 1917. O segundo drama deveria ser a vitória do
comunismo internacional, mas tornou-se algo bem diferente disso. Ambos estão implícitos no
livro de Reed.
Em agosto de 1914, a Rússia Imperial se envolveu na grande guerra europeia. A Rússia era
uma autocracia, cujos destinos eram de(cid:224)nidos pelo medíocre tsar Nicolau II. Havia um
parlamento, a Duma, dotado de pouco poder. Havia partidos políticos. Havia até mesmo um
Partido Social-Democrata. Sua ala esquerda, os bolcheviques, contava com alguns poucos
milhares de membros. Era o único partido contrário à guerra. Sua voz era quase que ignorada.
Seu jornal, o Pravda, estava proibido. A maior parte de seus líderes se encontrava no exílio —
alguns na Sibéria, e Lênin, o mais antigo deles, na Suíça. A Rússia estava mergulhada no caos.
Todo um sistema arcaico ruía diante das pressões oriundas daquela guerra moderna. As
estradas de ferro estavam sobrecarregadas, levando suprimentos para tantas tropas. Nas
cidades a comida era escassa, a não ser para os ricos. Os moradores de Petrogrado passavam
fome. Muitos políticos pregavam uma mudança de regime. Mas ninguém fazia nada.
Em março de 1917, ocorreram levantes por comida em Petrogrado. A guarnição local,
formada por reservistas de meia-idade que não queriam ser mandados para o front, juntou-se
aos amotinados. Os cossacos,** em geral responsáveis pela manutenção da ordem,
mantiveram-se passivos. O tsar estava no quartel-general do exército. Integrantes da Duma
instaram-no a abdicar. Os generais apoiaram a iniciativa. Nicolau II aquiesceu. E essa foi a
Revolução Russa de março de 1917. Ela se realizou nas ruas de Petrogrado, sem líderes e sem
qualquer programa. O tsar se foi. Quanto ao restante, nada mudou. As tropas continuavam a
lutar toscamente no front. A máquina burocrática continuava a emitir ordens no vazio. Nas
palavras de Trótski, o poder estava nas ruas.
Durante o levante, foi constituído em Petrogrado um Soviete ou Conselho de Deputados
Operários e Soldados, nos moldes do que ocorrera na Revolução Russa de 1905. Seus
dirigentes eram socialistas moderados, bastante desejosos de não fazer nada que fosse ilegal.
Eles solicitaram aos integrantes da Duma que assumissem o poder, e estes logo formaram um
governo provisório. Embora fosse chamado de democrático, esse governo não tinha nenhum
mandato popular, e contava com pouco apoio entre os habitantes. Simplesmente levou adiante
o velho sistema, da mesma forma como o corpo de uma galinha continua a se mover pelo
quintal depois de ter a cabeça cortada. Ninguém sabia para onde ir. Ao voltarem da Sibéria, os
primeiros bolcheviques, entre eles Stalin, também acataram o poder do governo provisório e
deram apoio patriótico à guerra.
Longe, na Suíça, Lênin entrava em desespero. Em sua visão, uma grande oportunidade
estava sendo perdida — oportunidade não apenas para uma revolução socialista na Rússia,
mas para a eclosão de uma centelha capaz de detonar a revolução em toda a Europa. Se o povo
russo pusesse (cid:224)m à guerra, os trabalhadores de todos os demais países beligerantes seguiriam o
exemplo; haveria uma revolução generalizada, e o socialismo internacional se instituiria. Este
era o ponto central da política de Lênin: revolução em toda a Europa, não apenas na Rússia.
Seus seguidores bolcheviques não acompanhavam essa política, e ele não contava com nenhum
tipo de apoio na Suíça. Por isso precisava, de alguma forma, voltar para a Rússia. O governo
francês recusou-lhe autorização para cruzar seu território. Hesitante, Lênin fez um acordo com
o Estado-Maior germânico e, acompanhado de outros trinta revolucionários russos, atravessou
a Alemanha em um trem blindado. Em Petrogrado, não perdeu tempo. Encaminhou-se
diretamente para o quartel-general dos bolcheviques e disse: “Defendo a realização de uma
segunda revolução”. A proposta de Lênin foi derrotada por doze votos a um, sendo este último
dele próprio. Ele simplesmente riu e a(cid:224)rmou: “O povo russo é mil vezes mais revolucionário
do que nós”.
Esse fato (cid:224)cou demonstrado pelos acontecimentos de julho, que marcaram o segundo ato
da Revolução Russa. O I Congresso Pan-Russo de Sovietes reuniu-se em Petrogrado.
Exatamente ao mesmo tempo, Kerenski, um socialista moderado que encabeçava o governo
provisório, ordenou uma nova ofensiva contra os alemães. Essa ofensiva se revelou um erro
catastró(cid:224)co. Grandes manifestações se realizavam em Petrogrado, pedindo o (cid:224)m da guerra e
“todo poder aos sovietes”. Os dirigentes dos sovietes mandaram as pessoas voltarem para suas
casas. Até mesmo Lênin reconhecia que a reivindicação era prematura. A população de
Petrogrado se encontrava em clima de revolução, mas seu espírito ainda não ganhara o
restante do país. Petrogrado estava isolada. Sem organização e sem uma liderança clara, as
manifestações se esvaíram.
Kerenski avaliou, então, que chegara a hora de pôr um (cid:224)m à revolução. Vários líderes
bolcheviques foram presos. O mais proeminente deles era Trótski, que retornara dos Estados
Unidos em maio e tinha acabado de aderir ao partido bolchevique. Seu nome acabaria por
predominar nos acontecimentos seguintes. Lênin também preferia ser preso e lançar o desa(cid:224)o
de um julgamento público. Mas contra ele pesavam fortes acusações de que seria um agente
germânico. Seus colegas bolcheviques temiam que ele fosse assassinado na prisão, e por isso
insistiam que se mantivesse escondido. Lênin foi para um vilarejo próximo, onde nadava em
um lago e ajudava a cuidar do feno. Quando a polícia começou a fazer buscas, ele se mudou
para Helsinque, a capital da Finlândia, então uma província autônoma do Império Russo. Ali,
alojou-se na casa do delegado de polícia local, que era também bolchevique — um arranjo
bastante conveniente. Lênin estava seguro, mas Helsinque (cid:224)cava a cinco horas de trem de
Petrogrado. Ele era obrigado a acompanhar pelos jornais o que ocorria em Petrogrado e só
podia exercer alguma in(cid:225)uência sobre os bolcheviques por meio de cartas e pan(cid:225)etos que
escrevia. Ficava cada vez mais impaciente, inquieto. O fulgor revolucionário diminuía cada vez
mais. Poucas pessoas ainda se preocupavam em participar das reuniões dos sovietes. O Soviete
de Petrogrado, que ocupava um prédio maravilhoso no centro da cidade, foi deslocado para o
Instituto Smolny, antigo colégio suburbano para as (cid:224)lhas da nobreza. Kerenski acreditava que
logo conseguiria pôr fim à existência do soviete.
Kerenski, porém, calculara mal. Encorajou o general reacionário Kornilov a marchar sobre
Petrogrado e restabelecer a ordem. Mas foi surpreendido ao saber que Kornilov pretendia
destruir não só os sovietes, como também o próprio governo provisório. Kerenski fez um
apelo, então, aos trabalhadores de Petrogrado para que salvassem a revolução, ou seja, ele
próprio. Os bolcheviques foram libertados das prisões. Trótski tornou-se o presidente do
Soviete de Petrogrado, e um comitê militar revolucionário sob sua direção organizou a Guarda
Vermelha — equipada, ironicamente, à custa do governo. O avanço de Kornilov sobre
Petrogrado foi suspenso. Houve pequenos con(cid:225)itos. Os soldados de Kornilov simplesmente
voltaram para suas casas ou passaram a integrar a Guarda Vermelha. Kornilov desapareceu na
obscuridade e foi assassinado em março de 1918 durante a guerra civil.
É nesse momento, meados de setembro, que começa o livro de Reed. De um lado estavam
Kerenski e seu governo provisório, ainda editando ordens, ainda falando em nome da Rússia,
mas com pouca autoridade no país e sem forças para reverter essa situação. Do outro lado, os
bolcheviques agora tinham a maioria no Soviete de Petrogrado e em vários outros, inclusive o
de Moscou. Controlavam a Guarda Vermelha. Mas não faziam uso desse poder. Com Lênin
afastado, não sabiam como proceder. Pronunciavam discursos intermináveis. Alertavam as
massas contra os perigos da contrarrevolução, que acreditavam estar iminente. Aguardavam,
assim, dentro de um clima de tensão que Reed soube descrever muito bem.
Em 28 de setembro, o comitê central do partido bolchevique se reuniu. Lênin, ainda na
Finlândia, enviou uma “Carta de Afar”. Ele dizia: “Deveríamos de uma vez por todas começar
a planejar os detalhes práticos de uma segunda revolução”. Os dirigentes bolcheviques, que
tempos depois ostentariam sua intrepidez revolucionária — Trótski, Stalin, Zinoviev, Bukarin
—, mostraram-se horrorizados com isso. Decidiram, por unanimidade, destruir todas as cópias
da carta de Lênin. Por sorte, uma delas sobreviveu. Passavam-se as semanas. Lênin decidiu
desa(cid:224)ar a orientação do comitê central de permanecer na Finlândia. Em 20 de outubro, ele
volta para se instalar em um subúrbio de Petrogrado, onde permaneceria escondido. Para
disfarçar, raspou todo o rosto e, no dia decisivo da revolução, falou ao soviete sem a usual
barbicha ruiva.
Em 23 de outubro, o comitê central voltou a se reunir no subúrbio onde Lênin estava —
ironicamente, na casa de Sukhanov, um menchevique. A mulher de Sukhanov era uma
bolchevique. Ela ligou para o marido e disse-lhe que, como estavam ambos muito cansados, ele
deveria permanecer em Petrogrado e lá passar a noite. Lênin insistiu na necessidade de uma
tomada imediata do poder; o comitê (cid:224)nalmente concordou, por dez votos contra dois, mas se
deu conta de que não tinha nenhum papel para registrar a decisão. Lênin pegou um caderno
escolar do (cid:224)lho de Sukhanov e redigiu a resolução a lápis em um pedaço de papel
quadriculado. Já era madrugada. Alguém perguntou: “Bem, em qual dia será?”. Lênin, já se
preparando para partir antes que as ruas começassem a clarear, respondeu, virando-se: “28 de
outubro”.
Em 28 de outubro, nada aconteceu. O soviete se reuniu como de costume. Discursos foram
pronunciados. O dia passou assim. Lênin (cid:224)cou furioso. Convocou, então, uma nova reunião
do Comitê Central, ampliada com os delegados das seções locais do partido. Mais uma vez, os
bolcheviques votaram pela tomada do poder, agora para o dia 2 de novembro. Mais uma vez,
nada aconteceu. Reed relata uma outra reunião no Smolny, em 3 de novembro, em que Lênin
(cid:224)xava o dia 7 de novembro para a ação, data em que estava marcada a realização do II
Congresso Pan-Russo de Sovietes. Nesse caso, a imaginação de Reed levou-o longe demais.
Essa reunião, de 3 de novembro, nunca existiu. Lênin não reapareceu no Smolny até o (cid:224)m do
dia 6 de novembro. É provável que ele tampouco houvesse de(cid:224)nido a data de 7 de novembro.
Ele pressionava, a todo tempo, pela tomada imediata do poder em nome do partido
bolchevique, e não dos sovietes. Os demais bolcheviques tinham menos con(cid:224)ança na
capacidade do partido para angariar apoio su(cid:224)ciente e procuravam se esconder por trás do
nome dos sovietes. Talvez Trótski, sendo presidente do Soviete de Petrogrado, voltasse um
olhar mais favorável para os sovietes. Alguns bolcheviques até mesmo esperavam que não fosse
necessária uma revolução. O Congresso Pan-Russo teria uma maioria bolchevique. A maioria
elegeria um novo comitê executivo, controlado pelos bolcheviques, e esse comitê se tornaria,
por sua vez, o próprio governo, quase que imperceptivelmente.
Apesar da persistente incitação de Lênin, os bolcheviques não estavam, na verdade,
preparados para assumir o poder. Os planos bolcheviques consistiam em estabelecer
precauções defensivas para o caso de Kerenski tentar uma contrarrevolução e eram elaborados
pelo comitê militar revolucionário, composto por três homens obscuros que não ocupavam
posições de destaque no partido. Nenhum dos três tornou-se conhecido. Um deles morreu em
um acidente automobilístico poucos dias após a tomada do poder; outro morreu durante a
guerra civil; e o terceiro lutou na Espanha vinte anos depois e foi assassinado durante os
expurgos promovidos por Stalin. Os líderes bolcheviques estavam muito ocupados fazendo
discursos, em vez de planejar a revolução. Nenhum deles deu o empurrão de(cid:224)nitivo. Nem
mesmo o próprio Lênin.
O sinal para a revolução foi dado, de modo bastante estranho, pelo homem contra o qual o
levante deveria ser dirigido: ninguém mais do que Kerenski, que encabeçava o governo
provisório. Kerenski imaginava que conseguiria consolidar seu poder aparecendo como o
guardião da ordem. Os eventos de julho ainda estavam vivos em sua memória. As massas,