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A citação deve ser textual, com indicação de fonte conforme abaixo.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
DEMOCRACIA e Forças Armadas no Cone Sul / Organizadores
Maria Celina D’Araujo e Celso Castro. Rio de Janeiro: Ed.
Fundação Getulio Vargas, 2000. 336p.
Disponibilizado em: http://www.cpdoc.fgv.br
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
Maria Celina D’Araujo e Celso Castro 7
PARTE I – CASOS NACIONAIS 19
ARGENTINA
Democracia e Forças Armadas – entre a subordinação militar e os “defeitos” civis 21
Marcelo Fabián Sain
BOLÍVIA
Cultura estratégica, democracia e Forças Armadas 56
Juan Ramón Quintana
BRASIL
Forças Armadas, direção política e formato institucional 98
Eliézer Rizzo de Oliveira e Samuel Alves Soares
CHILE
A detenção do general Pinochet e as relações civis-militares 125
Francisco Rojas Aravena
PARAGUAI
O fim da era Stroessner: militares, partidos e a rota para a democracia 158
Carlos Martini
URUGUAI
Forças Armadas e democracia: um olhar para o passado recente a partir do final do século 179
Selva López Chirico
PARTE II – DEBATES 215
PRIMEIRA SESSÃO
A transição do regime militar para a democracia 217
Comentários de Maria Celina D’Araujo e Celso Castro
SEGUNDA SESSÃO
Os militares sob o poder civil 244
Comentários de Ernesto López
TERCEIRA SESSÃO
Perspectivas para o futuro 263
Comentários de Felipe Agüero
ANEXOS 291
Em nome da pacificação nacional: anistias, pontos finais e indultos no Cone Sul 293
Ludmila da Silva Catela
Alguns dados comparativos sobre as ditaduras e as transições no Cone Sul 314
Cronologia dos regimes militares e das transições democráticas no Cone Sul 316
ÍNDICE ONOMÁSTICO 329
SOBRE OS AUTORES 335
INTRODUÇÃO
MARIA CELINA D’ARAUJO E CELSO CASTRO
Este livro reúne, na parte I, os trabalhos apresentados no seminário
Democracia e Forças Armadas no Cone Sul, realizado no Centro de Pesqui-
sa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fun-
dação Getulio Vargas em 26 e 27 de abril de 1999.1 Na parte II, é apresenta-
da uma seleção dos debates realizados na ocasião.
O objetivo principal do seminário foi examinar como os militares têm-
se inserido na nova ordem democrática que se seguiu ao fim dos regimes
1 A realização do seminário só se tornou possível com o decisivo apoio da Financiadora de
Estudos e Projetos (Finep), agência que vem há muitos anos prestando assistência ao
CPDOC e, em particular, à linha de pesquisa iniciada em 1991 sobre os militares na histó-
ria contemporânea do Brasil, atualmente com o projeto Democracia e Forças Armadas no
Brasil e nos Países do Cone Sul. O seminário constitui também uma atividade do projeto
Brasil em Transição: um Balanço do Final do Século XX, do Programa de Apoio a Núcleos
de Excelência (Pronex), que tem o CPDOC como instituição-sede e o Programa de Pós-
Graduação em Antropologia e Ciência Política da Universidade Federal Fluminense como
instituição associada.
Para o desenvolvimento do projeto e a organização do seminário, contamos também com
o apoio decisivo e competente de nossa equipe de assistentes e bolsistas — Ludmila Cate-
la, Leila Bianchi Aguiar, Carlos Sávio, Tatiana Bacal, Priscila Brandão, Simone Freitas,
Suemi Higuchi, Micaela Bissio Neiva Moreira, Rosane Cristina de Oliveira, Samantha Viz
Quadrat, Simone Silva, Luiz André Gazir Soares, João do Valle e Carolina von der Weid —
e de Clodomir Oliveira Gomes, técnico de som. Para a edição do livro, contamos ainda
com o apoio providencial do Unibanco.
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(cid:86) DEMOCRACIA E FORÇAS ARMADAS NO CONE SUL
militares nos países do Cone Sul, entendido aqui como um conjunto de seis
países: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai. Trata-se de
uma unidade que, como tantas outras, pode ser facilmente criticada, mas
que, para nossos objetivos, possui em sua definição dois elementos históri-
cos fundamentais. Em primeiro lugar, todos esses países viveram, em déca-
das recentes, sob governos militares autoritários. Desse modo, experimenta-
ram questões relacionadas ao envolvimento direto da instituição militar na
política, à transição de governos militares para governos civis, à consolida-
ção das novas democracias e à discussão do papel que as Forças Armadas
devem assumir nesse novo cenário. Em segundo lugar, esses países vivem
hoje um esforço comum de integração em um bloco regional, através do
Mercosul. Ou seja, existe uma coincidência entre o que estamos tratando
por Cone Sul e o Mercosul (considerando que Chile e Bolívia são membros
associados).
Apontar essas proximidades não deve levar à idéia de que pretende-
mos avançar no sentido de explicações gerais para a questão militar no
Cone Sul. A perspectiva comparada, por nós adotada na pesquisa que esta-
mos desenvolvendo sobre o tema e que deu origem ao seminário, visava
principalmente a prevenir o estabelecimento de conclusões e generaliza-
ções apressadas. Se há similaridades entre os diferentes países quanto às
questões da democracia e das Forças Armadas, há também profundas dife-
renças e particularismos. Não pretendemos, portanto, enfatizar nem o pólo
das semelhanças nem o das diferenças, mas mover-nos entre eles. Esse mo-
vimento entre a experiência histórica de países por vezes tão próximos, por
vezes tão distantes, produziu uma alternância entre sensações de familiari-
dade e de estranhamento que, acreditamos, se mostrou produtiva.
A opção por esse esforço comparativo levou-nos a montar um seminá-
rio no qual se enfatizasse não a exposição “vertical” dos casos particulares de
cada país, mas a discussão “horizontal” de três eixos temáticos: a) do regime
militar à democracia; b) os militares sob o poder civil, e c) perspectivas para
o futuro. Para tanto, solicitamos previamente que seis especialistas no assun-
to produzissem trabalhos, estruturados em torno desses três eixos, acerca de
cada país, de modo a estabelecer uma certa padronização que facilitasse a
discussão. Os trabalhos específicos produzidos para cada país foram distri-
buídos com antecedência aos participantes do seminário e lá debatidos. A
função de estimular a discussão temática ficou a cargo de comentadores es-
colhidos para cada um dos três diferentes eixos temáticos. O resultado desse
esforço, incluindo os debates realizados, é apresentado a seguir.
No caso argentino, tratado por Marcelo Fabián Sain, a transição teve
como marco decisivo a derrota ante a Grã-Bretanha na Guerra das Malvinas
(1982). Iniciou-se então um rápido processo de transferência do poder para
os civis, sempre caracterizado, na literatura sobre o tema, como um colapso.
A derrota político-militar das Malvinas converteu-se rapidamente em uma
crise do regime, alimentada pela fragmentação do poder militar. Com isso,
as Forças Armadas não conseguiram articular uma saída política controla-
da, o que as levou a iniciar uma retirada quase incondicional. Essa oportu-
nidade não foi claramente percebida nem aproveitada pela oposição civil,
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INTRODUÇÃO (cid:86)
também ela dividida quanto ao relacionamento a ser estabelecido com o po-
der militar e a como deveriam ser tratados os crimes cometidos durante a
ditadura. Em conseqüência, o processo de transição que se seguiu ao gover-
no militar não foi forte o suficiente para negociar um pacto com setores po-
líticos civis (como nos casos do Brasil, do Chile e do Uruguai), mas também
não ocorreu a pronta ocupação, pelo poder civil, de todos os espaços aber-
tos pela democracia. Chegou assim ao fim a ditadura mais repressiva da his-
tória argentina, deixando para trás cicatrizes profundas na consciência na-
cional.
O primeiro governo civil, sob a chefia de Raúl Alfonsín (1983-89), da
Unión Cívica Radical, privilegiou a manutenção da estabilidade institucio-
nal democrática em detrimento da completa subordinação militar, a partir
de uma avaliação — segundo Sain equivocada — do grau de resistência e de
desestabilização que os militares poderiam oferecer e da possibilidade con-
creta de um retorno ao autoritarismo. Desse modo, a política do governo
em relação aos militares limitou-se à tentativa de revisão judicial das viola-
ções aos direitos humanos, sem que fossem implementadas reformas profis-
sionalizantes e democratizantes nas Forças Armadas.
A lógica de Alfonsín era que o peso do julgamento recaísse sobre os
membros das juntas e sobre alguns destacados chefes militares, ficando de
fora a maioria dos oficiais envolvidos na “guerra suja”, dentro da ótica de
que haviam cumprido ordens. A justiça federal conseguiu, no entanto, am-
pliar o universo dos militares processados, levando o governo, em reação, a
aprovar as leis “do ponto final” e, em seguida à primeira rebelião cara-pinta-
da (abril de 1987), de “obediência devida”, isentando de julgamento a gran-
de maioria dos militares.
A redefinição das relações civis-militares no sentido da imposição da
supremacia do controle civil levou à reformulação do papel institucional
das Forças Armadas, através da Lei de Defesa Nacional de abril de 1988,
fruto de amplo consenso partidário, e que implicou a desmilitarização da
segurança interna e a restrição das funções militares à defesa externa. O es-
pírito que regeu essa iniciativa, no entanto, foi logo reformulado no contex-
to que se seguiu à invasão, em janeiro de 1989, de uma unidade do Exérci-
to por um pequeno grupamento de esquerda, iniciativa prontamente repri-
mida. Alfonsín criou então um Conselho de Segurança, para atuar como
órgão de assessoramento presidencial em matéria de segurança interna e,
particularmente, com relação à “ação anti-subversiva” que incluía os chefes
das Forças Armadas.
Alfonsín, em um primeiro momento, privilegiou o Ministério da De-
fesa, subordinando a ele as Forças Armadas. No entanto, a oposição militar
e a falta de firmeza governamental impediram a implementação de mudan-
ças estruturais. Algo semelhante ocorreu em relação a duas outras questões
importantes: as promoções ao generalato e os orçamentos militares. Embo-
ra a renovação da cúpula militar tenha sido significativa e os gastos milita-
res tenham sofrido cortes consideráveis, essas medidas não foram acompa-
nhadas por iniciativas consistentes de reorganização da instituição militar, o
que reforçou a crise de identidade militar iniciada com o fim da ditadura.
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As três rebeliões caras-pintadas ocorridas durante o governo Alfonsín não
foram tentativas de golpe de Estado e sim provas evidentes da existência de
um sério conflito no interior do Exército.
Em julho de 1989, Carlos Menem, o candidato peronista vitorioso nas
eleições presidenciais, assumiu o governo com a preocupação principal de
controlar a hiperinflação em curso. Na área militar, Menem procurou, em
primeiro lugar, resolver as questões pendentes do governo anterior quanto à
revisão do passado. Com o intuito de promover a “pacificação” e o “reen-
contro” nacionais, Menem indultou tanto os que praticaram delitos durante
a ditadura, quanto os envolvidos nos levantes militares caras-pintadas. Não
obstante, a questão da revisão do passado voltou à tona quando o Senado
negou, em fins de 1994, a promoção de dois oficiais envolvidos na repres-
são, o que levou Menem a, pouco depois, defender publicamente a atuação
das Forças Armadas durante a “luta contra a subversão”. Em março de 1995,
porém, o ex-capitão-de-corveta Adolfo Scilingo tornou pública a existência
dos “vôos da morte”, gerando um clima que levou, no mês seguinte, o co-
mandante do Exército, general Martín Balza, a fazer um pronunciamento
público reconhecendo os erros cometidos por sua força durante o regime
militar. Esses fatos trouxeram de volta ao centro do debate político a ques-
tão da revisão do passado.
Em relação aos caras-pintadas, Menem procurou controlá-los designan-
do oficiais de perfil institucionalista para o comando do Exército. Em decor-
rência, estourou em dezembro de 1990 o maior e mais violento levante des-
se grupo, prontamente reprimido. Com isso, foi desarticulada a presença
política dos caras-pintadas dentro do Exército, o que Alfonsín não havia
conseguido, por interpretar as insurreições como tentativas de golpe de Es-
tado e não, como Menem, como conflitos fundamentalmente internos ao
Exército. Apesar disso, no que diz respeito ao papel institucional das Forças
Armadas, Menem, em diversas oportunidades, procurou criar um consenso
favorável à possibilidade de intervenção militar em assuntos de segurança
interna, contrariando o estabelecido nas leis de defesa nacional e de segu-
rança interna.
As iniciativas de Menem em relação às Forças Armadas também visa-
ram a adaptá-las às diretrizes governamentais de política externa, marcadas
pelo alinhamento com os Estados Unidos, pela busca de normalização das
relações com a Grã-Bretanha e pelo esforço de integração regional no âmbi-
to do Mercosul. Como resultados dessa orientação, a Argentina começou a
participar ativamente de forças de paz (por exemplo, enviando tropas ao
golfo Pérsico em 1991 e à Croácia em 1992), desativou o projeto de mísseis
de médio alcance Condor II e passou à condição de “grande aliado extra-
Otan” dos Estados Unidos em 1997.
A propósito da reforma da instituição militar, o governo Menem não
diferiu em muito das orientações de Alfonsín. A ampla margem de mano-
bra de Menem com relação aos militares não se traduziu em iniciativas de
fundo que visassem à reestruturação da instituição militar. Sua maior preo-
cupação foi simplesmente adequar as Forças Armadas à política econômi-
ca. Com isso, os gastos militares continuaram sendo reduzidos, o que resul-
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INTRODUÇÃO (cid:86)
tou — como observa Sain — numa “virtual paralisia funcional” das Forças
Armadas. A extinção do serviço militar obrigatório, em 1994, também obe-
deceu mais a um clima conjuntural (no caso, o repúdio público ao assassi-
nato por espancamento de um recruta) do que a uma orientação política
global de redefinição do perfil profissional dos militares.
Em que pese às incertezas e aos desencontros, sob os governos civis
assistiu-se, na Argentina, ao surgimento de um novo tipo de relação civil-
militar. O longo passado de autonomia militar e de posicionamento político
ofensivo deu lugar a um padrão defensivo, limitado ao interior da burocra-
cia do Estado, com as Forças Armadas desempenhando um papel secundá-
rio e subordinado no cenário político. Mas, apesar do espaço e das possibili-
dades para desenvolver iniciativas que visassem a reformular mais profun-
damente a instituição militar e o conceito de defesa, a falta de políticas
claras e efetivas nesse sentido deixou evidente, segundo Sain, a incompetên-
cia com que os sucessivos governos civis abordaram a questão militar.
Hoje, segundo o autor, o alto grau de subordinação das Forças Arma-
das argentinas aos poderes constitucionais é um fato. O novo cenário mun-
dial, marcado pelo fim da Guerra Fria, contribuiu para a perda de relevân-
cia da dimensão militar no cenário internacional e, no âmbito do Cone Sul,
essas alterações foram acentuadas pelo processo de integração regional ini-
ciado em 1985. Apesar desse contexto favorável à implantação de profun-
das reformas nas Forças Armadas, necessárias inclusive para que chegue ao
fim a profunda crise de identidade e de papel institucional que vivem, os
governos civis não as implementaram porque não o quiseram.
Com isso, conclui Sain, corre-se o risco de perder uma oportunidade
histórica importante para assentar em novas bases institucionais, de espíri-
to democrático, a organização e o funcionamento da defesa nacional e das
Forças Armadas, em sintonia com as condições internacionais, regionais e
domésticas que se apresentam na atualidade. Se, nesse quadro, a Argentina
viesse a mergulhar no caos econômico e em situações de grave conflito so-
cial, e alguns dirigentes políticos e certos militares postulassem a interven-
ção militar, estaria aberta a possibilidade de um substancial retrocesso insti-
tucional, causado desta feita não pela atuação autônoma dos militares e,
sim, pela falha da classe política em exercer plenamente seu papel.
A história recente da Bolívia, tratada neste livro por Juan Ramón
Quintana, também é marcada, como a argentina, pela experiência de uma
derrota, embora mais antiga: a de 1952, quando as Forças Armadas foram
batidas nas ruas pelas forças populares da Revolución Nacional. O peso his-
tórico dessa derrota se fez presente por várias décadas no imaginário nacio-
nal, particularmente o militar, como mostra o autor.
A transição do ciclo autoritário militar iniciado em 1964 para um re-
gime democrático representativo começou em 1978 e só se completou 1982.
Nesse ínterim, a Bolívia viveu um dos períodos mais conflituosos de sua
história, ponto culminante — segundo Quintana — de um longo processo de
crise estatal acumulada e não resolvida desde os primeiros anos da Revolu-
ción Nacional. Essa situação, que se convencionou denominar “empate ca-
tastrófico” entre o Estado e a sociedade, teve como característica fundamen-
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(cid:86) DEMOCRACIA E FORÇAS ARMADAS NO CONE SUL
tal uma permanente tensão entre o movimento sindical, reunido em torno
da Central Obrera Boliviana (COB), e as Forças Armadas como braço arma-
do do pólo hegemônico do Estado.
No caso boliviano, o processo de transição não teve, como em outros
países da região, um calendário mais ou menos pactuado. O retorno à de-
mocracia decorreu de uma decisão praticamente unilateral das Forças Ar-
madas, confiantes na vitória do candidato corporativo nas eleições de 1978.
A derrota sofrida pelo governo lançou a Bolívia numa situação de caos polí-
tico marcada por golpes e contragolpes violentos que levaram o país à beira
de uma guerra civil – dizia-se anedoticamente que cada dia marcava um
golpe frustrado e o início do planejamento do próximo. A situação de ano-
mia teve seu paroxismo na ditadura cleptocrática do general Luis García
Meza (1980/81), profundamente envolvido com o narcotráfico e com gru-
pos paramilitares de direita, e que recebeu o apoio de militares argentinos.
Em 1982, o efeito cumulativo das divisões internas nas Forças Arma-
das, da pressão do movimento sindical, da perda de apoio dos camponeses
(tradicionais aliados políticos dos militares), da oposição de um movimento
regional centrado na próspera região de Santa Cruz de la Sierra e da pres-
são internacional (particularmente a norte-americana) fez com que as For-
ças Armadas se retirassem incondicionalmente do centro do poder político,
humilhadas por uma derrota política e temerosas de que, a exemplo de
1952, essa derrota se transformasse em um desastre militar. Assumiu final-
mente a presidência o candidato eleito em 1979, Hernán Siles Zuazo, apoia-
do por um amplo setor de esquerda reunido em torno da Unión Democráti-
ca y Popular (UDP).
Ao contrário do ocorrido em outros países da região, os militares não
mantiveram prerrogativas jurídicas ou constitucionais condicionando a con-
solidação democrática, nem interferiram significativamente no processo po-
lítico, salvo episódios isolados. Por outro lado, como demonstra o autor, a
consolidação da supremacia civil sobre as Forças Armadas não foi produto
de uma estratégia explicitamente formulada pelos governos civis democráti-
cos. A desprofissionalização militar atingira seu ponto máximo durante a di-
tadura, que praticamente transformou as Forças Armadas em uma polícia
política. Além disso, a instituição havia mantido elevado grau de autono-
mia institucional por 18 anos. Por isso, fica difícil entender a conduta de su-
bordinação assumida pelas Forças Armadas sob o poder civil. Isso, contu-
do, segundo o autor, já é um fato, e prova disso são os 17 anos de democra-
cia representativa sem turbulências provenientes das Forças Armadas. A
rápida desarticulação da estrutura repressiva e a profunda depuração nos
quadros militares que se seguiu à ditadura de García Meza ajudam a expli-
car esse aparente paradoxo. Além desses dois elementos, o autor ressalta,
entre outros, a habilidade da engenharia política de Siles Zuazo no trato
com os militares e a já mencionada memória do trauma de 1952. Por outro
lado, a atomização do sistema partidário e a forte presença no Congresso da
Acción Democrática Nacionalista (ADN), partido de Hugo Bánzer, ditador
no período 1971-78, impediram que se iniciasse imediatamente um julga-
mento dos delitos cometidos pelos militares.