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Tradução de ALVES CALADO
1995
EDITORA RECORD
Este livro é dedicado ao espírito da reforma no atendimento
hospitalar e à santidade do relacionamento médico-paciente.
Espero com fervor que estas duas coisas não sejam
mutuamente excludentes.
PPPPrrrróóóóllllooooggggoooo
DEZESSETE DE FEVEREIRO foi um dia fatídico para Sam
Flemming.
Sam considerava-se uma pessoa extremamente afortunada.
Como corretor de uma das grandes empresas de Wall Street,
tornara-se rico aos vinte e seis anos. Depois, como um jogador
que sabia quando parar, recolhera seus ganhos e fora para o
Norte, fugindo dos cânions de concreto de Nova York para a
idílica Bartlet, em Vermont. Ali começara a fazer o que
realmente sempre quisera: pintar.
Parte de sua boa sorte fora sempre a saúde. Mas às quatro e
meia de 17 de fevereiro alguma coisa estranha começou a
acontecer. Numerosas moléculas de água dentro de muitas de
suas células começaram a se partir em dois fragmentos: um
átomo de hidrogênio relativamente inofensivo e um radical
livre hidroxila, altamente reativo e perversamente destrutivo.
Enquanto ocorriam esses eventos ao nível molecular, as
defesas celulares de Sam foram ativadas. Mas especificamente
naquele dia essas defesas contra os radicais livres se exauriram
depressa; até mesmo as vitaminas antioxidantes E, C e
betacaroteno que ele tomava diligentemente todos os dias não
puderam impedir a maré súbita e avassaladora.
Os radicais livres hidroxilas começaram a abocanhar o cerne
do corpo de Sam Flemming. Em pouco tempo, as membranas
das células afetadas começaram a vazar líquido e eletrólitos.
Ao mesmo tempo, algumas das enzimas das células foram
partidas e desativadas. Até mesmo muitas moléculas de DNA
foram atacadas, e genes específicos foram danificados.
Em sua cama no Hospital Comunitário de Bartlet, Sam
permanecia inconsciente da perigosa batalha molecular
dentro de suas células. O que ele percebia eram algumas
seqüelas: uma elevação da temperatura, alguns distúrbios
digestivos e o princípio de uma congestão peitoral.
Quando veio examiná-lo no final daquela tarde, o Dr.
Portland notou com alarme e desapontamento a febre. Depois
de ouvir-lhe o peito, tentou explicar-lhe que aparentemente
houvera uma complicação. Disse que um princípio de
pneumonia estava interferindo com a recuperação da cirurgia
no quadril, que afora isso vinha correndo bastante bem. Mas
Sam tinha começado a ficar apático e ligeiramente
desorientado. Não compreendia o relatório do Dr. Portland
sobre seu estado. A prescrição de antibióticos e a garantia de
uma recuperação rápida não se registraram em seu
pensamento.
E, pior ainda, os prognósticos do médico se mostraram
errados. O antibiótico prescrito não conseguiu interromper o
desenvolvimento da infecção. Sam jamais se recuperou
suficientemente para apreciar a ironia de sobreviver a dois
assaltos em Nova York, à queda de um avião em Westchester
County e a um terrível acidente entre quatro veículos na
auto-estrada de Nova Jersey somente para morrer de
complicações resultantes da queda numa calçada coberta de
gelo diante da Loja de Ferragens Staleys, na Main Street em
Bartlet, Vermont.
QQQQUUUUIIIINNNNTTTTAAAA----FFFFEEEEIIIIRRRRAAAA 11118888 DDDDEEEE MMMMAAAARRRRÇÇÇÇOOOO
Diante dos empregados mais importantes do Hospital
Comunitário de Bartlet, Harold Traynor fez uma pausa por
tempo suficiente para desfrutar o momento. Ele acabara de
pedir silêncio. O grupo reunido — todos os chefes de
departamentos — havia se calado em obediência. Todos os
olhos estavam grudados nele. A dedicação de Traynor ao seu
cargo de chairman da diretoria do hospital era um motivo de
orgulho. Ele saboreava esses momentos, quando ficava claro
que sua simples presença provocava admiração e reverência.
— Obrigado a todos por terem saído de casa no meio da neve,
esta noite. Convoquei esta reunião para deixar claro como a
diretoria do hospital está levando a sério o infeliz ataque
contra a enfermeira Prudence Huntington no estacionamento
de baixo, na semana passada. O fato do estupro ter sido
impedido pela chegada súbita de um membro da segurança do
hospital não diminui em nada a seriedade do crime.
Traynor fez uma pausa, deixando os olhos pousarem
significativamente em Patrick Swegler. O chefe da segurança
evitou o olhar acusatório de Traynor. O ataque contra a Srta.
Huntington fora o terceiro episódio do mesmo tipo no ano
anterior, e Swegler sentia-se, compreensivelmente,
responsável.
— Esses ataques devem parar! — Traynor olhou para Nancy
Widner, diretora de enfermagem. Todas as três vítimas
tinham sido enfermeiras sob sua supervisão.
"A segurança de nosso pessoal é uma questão básica — disse
Traynor enquanto seus olhos saltavam de Geraldine Polcari,
chefe da nutrição, para Gloria Suarez, chefe do departamento
de limpeza. — Conseqüentemente, a diretoria executiva
propôs a construção de um prédio-garagem na área do
estacionamento de baixo. Ele será ligado diretamente ao
prédio principal do hospital e terá iluminação adequada e
câmeras de vigilância.
Traynor acenou com a cabeça para Helen Beaton, presidente
do hospital. Pegando a deixa, Beaton levantou um pano sobre
a mesa de reuniões para revelar uma maquete detalhada do
complexo hospitalar existente, além do acréscimo proposto:
uma estrutura maciça, de três andares, projetando-se atrás do
prédio principal.
Entre exclamações aprovadoras, Traynor caminhou ao redor
da mesa para se posicionar perto da maquete. A mesa de
reuniões do hospital costumava ser repositório de
parafernálias médicas a serem avaliadas para compra. Traynor
estendeu a mão para remover um suporte com tubos de
ensaio afunilados, de modo que a maquete pudesse ser mais
bem observada. Em seguida, examinou a audiência. Todos os
olhos estavam grudados na maquete; todo mundo menos
Werner Van Slyke, que ficara de pé.
O estacionamento sempre fora um problema no Hospital
Comunitário de Bartlet, especialmente quando fazia mau
tempo. Traynor sabia que o acréscimo proposto seria bem
recebido mesmo antes da seqüência de ataques no
estacionamento de baixo. Ficou satisfeito ao ver que sua
revelação estava acontecendo com o sucesso que ele previra.
A sala reluzia de entusiasmo. Somente o carrancudo Van
Slyke, chefe de engenharia e manutenção, continuava
impassível.
— Qual é o problema? — perguntou Traynor. — Você não
aprova esta proposta?
Van Slyke olhou para Traynor, ainda com a expressão vazia.
— E então? — Traynor sentiu que ficava tenso. Van Slyke
tinha uma capacidade especial de irritá-lo. Traynor jamais
gostara na natureza lacônica e sem emoção do sujeito.
— Está bom — disse Van Slyke em voz opaca.
Antes que Traynor pudesse responder, a porta da sala de
reuniões foi aberta com violência, chocando-se contra o
batente preso ao chão. Todos saltaram, especialmente
Traynor.
De pé na entrada estava Dennis Hodges, um homem vigoroso
e atarracado de setenta anos, com feições grosseiramente
esculpidas e pele envelhecida. Seu nariz era róseo e bulboso,
os olhos saltados e remelentos. Vestia um paletó de lã verde-
escuro sobre as calças de veludo cotelê sem vincos. No topo
da cabeça tinha um boné de caçador vermelho xadrez,
pintalgado de neve. Na mão esquerda, que mantinha erguida,
segurava um maço de papéis.
Não havia qualquer dúvida de que Hodges estava irado. Além
disso, fedia a álcool. Seus olhos, escuros como cano de
espingarda, metralharam as pessoas reunidas, e em seguida
miraram Traynor.
— Quero conversar com você sobre alguns de meus ex-
pacientes, Traynor. Com você também, Beaton. — Hodges
lançou um olhar rápido e enojado para a mulher. — Não sei
que tipo de hospital vocês pensam que estão dirigindo aqui,
mas posso dizer que não gosto nem um pouco!
— Ah, não! — murmurou Traynor assim que conseguiu se
recuperar do aparecimento inesperado de Hodges.
Rapidamente a irritação superou seu choque. Um olhar rápido
pela sala assegurou-lhe que os outros estavam quase tão
felizes quanto ele por verem Hodges. — Dr. Hodges —
começou Traynor, forçando-se a ser educado. — Acho que dá
para notar que estamos no meio de uma reunião. Se nos
desculpar...
— Estou me lixando para o que vocês fazem. O que quer que
seja, não é tão importante quanto o que estão fazendo com
meus pacientes. — Hodges aproximou-se lentamente de
Traynor. Instintivamente, Traynor recuou. O cheiro de
uísque era intenso.
— Dr. Hodges—disse Traynor com irritação evidente.—Isto
não é hora para interrupções desse tipo. Ficarei satisfeito em
marcar uma reunião com você amanhã, para conversarmos
sobre suas queixas. Agora, se puder fazer a gentileza de nos
deixar e cuidar de seus afazeres...
— Eu quero falar agora! — gritou Hodges. — Não gosto do
que você e sua diretoria estão fazendo.
— Escute, seu velho bobo! Baixe a voz! Eu não tenho a menor
idéia do que se passa na sua cabeça. Mas vou dizer o que eu e
a diretoria estamos fazendo: estamos nos arrebentando para
manter este hospital aberto, e não é uma tarefa simples para
qualquer hospital hoje em dia. Portanto, não gosto de
qualquer alusão em contrário. Agora, seja razoável e deixe-
nos prosseguir com a reunião.
— Não vou esperar — insistiu Hodges. — Quero falar com
você e Beaton agora mesmo. As bobagens da enfermagem, da
nutrição e da limpeza podem esperar. Isto é importante.
— Ah! — disse Nancy Widner. — É bem o seu feitio, Dr.
Hodges, entrar feito um louco aqui dentro e sugerir que as
questões da enfermagem não são importantes. Pois saiba
que...
— Parem! — disse Traynor, estendendo as mãos num gesto
conciliatório. — Não vamos começar um quebra-quebra. O
fato, Dr. Hodges, é que estamos aqui falando sobre a tentativa
de estupro que aconteceu na semana passada. Tenho certeza
de que não está sugerindo que um estupro e duas tentativas de
estupro feitas por um homem com máscara de esquiador não
são importantes.
— São importantes — concordou Hodges. — Mas não tão
importantes quanto o que se passa na minha cabeça. Além
disso, o problema do estupro é obviamente uma questão
interna.
— Espere um segundo. Você está sugerindo que conhece a
identidade do estuprador?
— Vamos colocar a coisa do seguinte modo: eu tenho minhas
suspeitas. Mas no momento não estou interessado em discuti-
las. Estou interessado nestes pacientes. — Para enfatizar o que
dizia, Hodges bateu com os papéis sobre a mesa.
Helen Beaton fez uma careta e disse:
— Como ousa entrar aqui como se fosse dono de tudo,
dizendo o que é importante e o que não é? Como
administrador emérito, esse não é o seu papel.
— Obrigado pelo conselho que não pedi — disse Hodges.
— Certo, certo — Traynor suspirou frustrado. Sua reunião
degringolara numa confusão verbal. Ele pegou os papéis de
Hodges, colocou-os nas mãos dele e em seguida conduziu-o
para fora da sala. A princípio, Hodges resistiu, mas acabou
permitindo que o outro o levasse.
— Nós precisamos conversar, Harold — disse Hodges assim
que chegaram ao corredor. — Este negócio é sério.
— Tenho certeza de que é. — Traynor tentou parecer
sincero. Sabia que acabaria tendo de ouvir as queixas de
Hodges. Hodges fora administrador do hospital quando
Traynor ainda estava na escola primária. Mantivera o cargo
quando a maioria dos médicos não se interessava pela
responsabilidade. Nos trinta anos que passara no comando,
construíra o Hospital Comunitário de Bartlet a partir de um
pequeno hospital rural, transformando-o num verdadeiro
centro de atendimento terciário. Fora essa instituição em
pleno processo expansivo que ele entregara a Traynor ao
deixar o cargo três anos antes.
"Olhe — disse Traynor —, o que quer que esteja se passando
em sua cabeça pode esperar até amanhã. Vamos conversar na
hora do almoço. Vou providenciar para que Barton Sherwood
e o Dr. Delbert Cantor se reúnam conosco. Se o que você
deseja discutir tem a ver com política, que é o que eu
presumo, seria melhor termos também o vice-diretor e o
chefe do pessoal médico. Não concorda?
— Acho que sim — admitiu Hodges relutante.
Então está combinado — disse Traynor em tom apaziguador,
ansioso por voltar e salvar o que pudesse da reunião, agora
que Hodges estava aplacado. — Vou contactá-los esta noite.
— Eu posso não ser mais o administrador, mas ainda me sinto
responsável pelo que acontece aqui. Afinal de contas, se não
fosse por mim, você não teria sido indicado para a diretoria,
muito menos eleito diretor geral.
— Sei disso — disse Traynor, e em seguida brincou: — Mas
não sei se agradeço ou se lhe rogo uma praga por essa honra
dúbia.
— Estou preocupado com a possibilidade de ter deixado o
poder subir-lhe à cabeça — disse Hodges.
— Que história é essa? O que está querendo dizer com
"poder"? Este cargo não passa de uma dor de cabeça depois da
outra.
— Você está dirigindo uma instituição de cem milhões de
dólares. E que é o maior empregador nesta parte do estado.
Isso significa poder.
Traynor riu nervosamente.
— Ainda assim é uma chateação. E temos sorte de ainda
estarmos funcionando. Não preciso lembrá-lo de que nossos
dois concorrentes não existem mais. O Hospital Valley
fechou, e o Mary Sackler foi transformado numa casa de
repouso.
— Continuamos funcionando, mas temo que o pessoal das
finanças esteja esquecendo qual é a missão do hospital.
— Ah, besteira! — disse Traynor rispidamente, perdendo um
pouco de controle. —Vocês, médicos da antiga, precisam
despertar para uma nova realidade. Não é fácil dirigir um
hospital no clima atual, com cortes nos custos, planos de
saúde particulares e intervenção do governo. Não é mais uma
questão de um pequeno lucro acima dos custos, como na sua