Table Of ContentLÚCIO CARDOSO
CPâNiCA DA'jCASA
EOIÇÃO COMEMORA'rIVÀ
lil?11ih:il'l
0 homem da casa assassinada
Para início de conversa, você, leitor, está de
parabéns. Não por causa da minha orelha mas
} porque num fím de século medíocre - dominado
pelo lixo televisivo internacional - se prepara
para ler uma obra-prima. Provavelmente, um dos
dez maiores romances dos últimos cem anos.
Crónica da casa
Existem grandes contadores de histórias que nãa
assassinada
dominam a técnica e grandese stilistas que não
têm o que contar. Lúcio Cardosot inha o que
contar e o fazia de modo estupendo. Pouco mais
que adolescente, eu ficava no bar Jangadeíros em
lpanema, olhando de longe para ele, que parava
um chope na metade, tirava uma caneta do bobo
e em dez minutos produzia um soneto perfeito,
comparável aos melhores de Mário Quintana e
Vinicius de Moraes. Depois voltava ao chope e à
anedota inacabada.
Quem quiser se lançar na aventura literária
precisa ler Crõr7fcad a casa assassf/cada.p ois, sem
perder o domínio da narrativa, o autor lança mão
de todos os expedientes (antigos, modernos e os
que ele mesmoi nventa) para dar acabamentoà
sua obra máxima: diários, anotações, teatro,
flashbacks e flashforwards. Quando vemos, esta-
mos envolvidos no drama. Seus torturados
personagensa, um certo momento, perdems uas
referências e acabam se esfacelando como ocorre
sempre que a burguesia se apoia demais nos pre-
conceitos e convenções. Nesse momento são con
frontados com a tragédia, aquele corredor escuro
l,zzcjo Cardoso
\
Crónica da casa
assassinada
Edição comemorativa de 40 anos
da primeira publicação
PREFÁCIOD E
André SefffiK
SBD-FFLCH-USP
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CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA
Rio de Janeiro
1999
4a.( É,'+s-s /
COPYRGI U T© Rafael Cardoso Denis, 1999 Sumário
CAPA
Eueblz Gmmacb
8C,'qi3 5
PROJETO GRÁFICO
Evelyn Gramacb e Jogo de SouzaL eite
C 2.e,h c'
PREPARAÇÃOD E ORIGINAIS
Nwua! Mandes Gonçalues
EDITORAÇÃO ELETRÓNICA
Arf l.i?ze PREFÁCIO0 7
Uma gigantesca espiral colorida. .A dré Se#ri
CRÓNICAOACASAASSASS[NADAiZ 3
l
-- Diário de André (conclusão) í9
CIP-BRASILC. ATALOGAÇÃO-NA-FONTE 2-- Primeira carta de Nina a Valdo Meneses 36
SiN01CAT0 NACIONAL OOS EDITORES DE LIVROS, RJ
3-- Primeira narrativa do farmacêutico 45
Cardoso, Lúcio. 1912-1968
C264c Crónica da casa assassinada/ Lúcio Cardoso. -- Rio de 4-- Diário deB etty( 1)5 2
Janeiro: Civilização Brasileira, 1999. 5-- Primeira narrativa do médico 68
518p
6-- Segunda carta de Nina a Valdo Meneses 79
7-- Segunda narrativa do farmacêutico 88
ISBN 85-200-0509-8
8-- Primeira confissão de Ana í02
1.R omancber asileiro1..T ítulo 9-- Diário de Betty( 1111 ]2
99-1368 CDD 869.93 10-- Carta de Valdo Meneses =Z2í
CDU 869.0(81)-3 11-- Terceira narrativa do farmacêutico :Z27
12-- Diáriod eB etty( 1112) 35
Todos os direitos reservados.P roibida a reprodução, armazenamentoo u
transmissão de partes deste livro, através de quaisquer meios, sem prévia 13-- Segunda narrativa do médico ]44
autorização por escrito.
14-- Segundcao nfissãod e Ana ] .í4
Direitos desta edição adquiridos pela BCD União de Editoras S.A. 15-- Continuação da segunda confissão de Ana í64
Av. Rio Branco, 99/ 20? andar, 20040-004, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
16
Telefone: (021) 263-2082, Fax / Vendas: (021) 2634606 -- Primeira narração de Padre Justino ] 73
17-- Diário de André jll) í84
PEDIDOS PELO REEMBOLSO POSTAL
Caixa Postal 23.052, Rio de Janeiro, RJ, 20922-970 18 -- Carta de Nina ao Corone] ]9S
19-- Continuação da carta de Nana ao Coronel 203
Impresso no Brasil
1999 20-- Diário de André (111)2 08
21-- Diário de André (]V) 2]9
22
-- Carta de Valdo a PadreJ ustino 226
23
DEDALUS - Acervo - FFLCH-LE -- Diário de Betty (IV) 233
l l ll l 24-- Terceira narrativa do médico. 243
25
--Diário de André (V) 2S3
21300122843
5
SUMAKiO
26 -- Diário de André (V) (continuação) 262 Uma gigantesca espiral colorida
27 -- Terceira confissão de Ana 270
28 -- Segunda narração de Padre Justino 279
29 -- Continuação da terceira confissão de Ana 283
30 -- Continuação da segundan arração de PadreJ ustino 289
31 -- Continuação da terceira confissão de Ana 295
32 -- Fim da narração de PadreJ ustino 304
33 -- Fim da terceira confissão de Ana 308
34 -- Diário de Betty (V) 3í5 SÓa s pessoasr ealmente fortes podem tiiuer
35 -- Segundac arta de Nina ao Coronel 322 na realidade definitiva das coisas; quase
36 -- Diário de André (VI) 328 todo mundo vaga numa atmosfera morna
37 -- Depoimento de Valdo 340 de fantasia.
38 -- Diário de André (Vl1) 347 Lúcio Cardoso(Diário do furor)
39 -- Depoimento do Coronel 3SÓ
40 -- Quarta confissão de Ana 367
41 -- Diário de André (Vl11) 379
Um tumulto de atmosferas opressivas, de ambientes convulsionados. Em rit-
42 -- Última narração do médico 387 mos alternados de exaltação e calmaria, uma trama que oscila em pólos de
43 -- Continuação do Diário de André (IX) 395
um simbolismo que vaga entre a luz e a treva, o amor e a morte, a beleza e a
44 -- Segundod epoimento de Valdo (1) 405 doença. Concerto para vozes dissonantess ob os alicerces de uma casa e de
45 -- Ú]timac onfissãod e Ana (1) 4] ]
uma família em franca degradação social e moral. Uma história que conhece-
46 -- Segundod epoimentod eV aldo (1114 .Z7
mos somente pelo relato de seusp róprios personagens, através de cartas, diá-
47 -- Última confissãod e Ana (11) 423 rios, memórias, confissões, depoimentos. Maciço perturbador cujos temas
48 -- Diário de André (X) 429 centrais são o adultério e o incesto, a loucura e a decadência. Segundo um crí-
49- - Segunddoe poimendteoV aldo(m ) 43s
tico da época, "uma vasta máquina de palavras"
50 -- Quarta narrativa do farmacêutico 442 Numa linguagem altamente metafórica, na qual a música das palavras
51 -- Depoimento de Valdo (IV) 450 atua sobre climas oníricos, monta-se um esquemae struturalmente comple-
52 -- Do livro de memórias de Timóteo (1) 462 xo, de arestas e sinuosidades onde verdade e mentira chegam aos limites do
53 -- Depoimento de Valdo (V) 469 paroxismo. Quanto aos personagens,L úcio Cardoso criou aqui pelo menos
54 -- Do livro de memórias de Timóteo j11) 479 dois seres inesquecíveis: Nina e Timóteo. Nina, com sua beleza e seu misté-
55 -- Depoimento de Valdo (VI) 487 rio, desencadeia o processo de dissolução da casa povoada de ruínas vivas.
56 -- Pós-escriton uma carta de Padre Justino 495 Timóteo é a voz da desagregaçãop, ara quem a única liberdade integral que
possuímos é a de "sermos monstros para nós mesmos"
APÊNOiCE .S09 Entre as estrelas de primeira grandeza, talvez Demétrio, a quem o
romancista não deu voz autónoma, também exerça fascínio, ao passo que
Cronologia SiZiZ
Valdo, apesar de sua forte presença, quem sabe tenda em muitos momentos
Obras de Lúcio Cardoso 513
à caricatura, sobretudo nos seusd epoimentos finais. Ana, figura recortada
Ediçõesd e Crónica da casaa ssassinada5 í7
numa dramaticidade admirável através de suas confissões e aparições fantas-
6 7
UMA GIGANTESCA ESPIRAL COLORIDA
CRÓN ICA DA CASA ASSASS l NADA
mais, é, no entanto, quase esvaziada de sentido no capítulo final ("Pós-escri-
firma-se ainda. uma vez essef ato. Os casos de Octávio de Faria, com O a/z/o
to numa carta de PadreJ ustino"), quando o autor pagas eu tributo ao cato-
de pedra (1944), talvez seu livro mais comoventemente humano, e de Cor-
licismo numa indisfarçável diluição do drama. Todavia, é Nina quem domi-
nélio Penna,c om 4 men!/zam orra (1954), não ficam à margem. O primeiro
na essesa mbientes cheios de som e de fúria, espécie de Capitu cardosiana.
atencipando-se um pouco, o segundo com pequeno atraso, de qualquer for-
Set odos os personagens" escrevem" num nível de requinte estilístico que
ma próximos dessai dade da razão que foi um ponto de identidade a unir
é antes do romancista, se o último capítulo dilui e desfibra boa parte da ten-
escritoresq ue, por sua própria natureza, quase nada tinham em comum.
são e ao enigma que o livro encerra, e se no todo a narrativa deixa transpa-
No que diz respeito à Cró !ca da casa assassi/fada,W ilson Martins afir-
recer um engenho demasiadamente literário, estes detalhes são infinitamente
mou que havia "o paradoxo da passagemp ara um plano de qualidade que a
pequenosa nte o poder extraordinário da poesia que se levanta destas pági-
obra anterior não permitia esperar". Numa visão geral, pouco há que acres-
nas. Impregnadasd e um expressionismo insólito e transfigurados são pági-
centar a estas linhas em termos de julgamento crítico inicial da obra do
nas arrancadas desse breu insondável da nossa humana condição.
autor como também às interpretações de Álvaro Lins, TemístoclesL inhares
Há quarenta anos de sua edição original, e depois de circular em pouco
e, recentemente, de Massaud Moisés e Alfredo Bosi. São visões, diga-se de
mais de uma dezena de edições, a trajetória da Crõfzica da casa assassizzadaé ,
passagem,n em semprec oincidentes mas modelares como ponto de partida
por vários motivos, singular Apesar de ter encontrado, em parte, uma aceita-
para qualquer análise futura do romancista.
ção quase imediata em sua época, é ainda o romance de interpretação um tan-
Na Cróm/ca ele deu voz a sua tumultuada galeria de personagens,o nde
to contraditória e desfiguradap ela ação tanto de seusd etratoresq uanto de
ganham eles seu verdadeiro contorno numa voz que é antes de tudo e unica-
seus admiradores mais fervorosos. Comumente, é livro referido e comentado
mente do autor. Delineando enfim seu retrato acabado de homem e de artis-
mas bem pouco lido, solitário e pouco explorado em sua dimensão. Porém,
ta, é nesta "gigantescae spiral colorida" que falam todas as suasv ozes.E nfim
sua importância só cresceun essesa nos todos, e não há nada na literatura bra-
o escritor se encontra com os seusp ersonagens, de maneira a fazê-los carne da
sileira que possa ser comparado a seu estuário temático e lingüístico.
sua carne, expressão dilacerada de sua angústia e inadaptação. Um universo
Lúcio não se filia a nenhuma das vertentes mais conhecidas do romance
polifónico, um espelhoe stilhaçadoo nde se estampam ultiplicado e único o
nacional, e apesard a marginalidade literária em que se viu mantido em vida
rosto do autor. "Como um sol visto de todos os lados, a sua figura resplande-
(e mesmom uitos anos após a morte), foi pouco a pouco conquistando seu lu-
cendo", para usar uma de suase xtraordinárias imagens.I magensd e um pro-
gar entre os clássicosd o século. Uma contingência que ele nunca ignorou, pois
sador que sempre escreveui luminado pelo poeta que nunca deixou de set
tinha consciência da sua frustração e dos planos que elaborava sempre além
A essênciad o livro, ele a desenhada em linhas duras num depoimento a
de suas forças. Mas aqui chegou a ser maior do que as suas forças pareciam
Fausto Cunha na época do lançamento:
permitia com sua parafernália de ecos,c om o terror do humano que carrega-
va como uma sombra, e o faz hoje cada vez mais, e estranhamente, presente.
"Meu movimento de luta, aquilo que viso destruir e incendiar pela visão de uma
Já se disseq ue um escritor encontra a sua maturidade entre os quarenta
paisagema pocalíptica e sem remissãoé Minas Gerais. Meu inimigo é Minas
e cinqüenta anos. É de se notar em Lúcio que a sua maturidade artística ocor-
Gerais. O punhal que levanto, com a aprovação ou não de quem quer que seja é
reu quase que simultânea à de alguns autores de sua geração: Erico Verissimo
contra Minas Gerais. Que me entendam bem: contra a família mineira. Contra
publicou a trilogia O temPOe o t/enfo de 1949 a 1962 (a obra-prima é de 49: a literatura mineira. Contra o jesuitismo mineiro. Contra a religião mineira.
O co/zfi/ze/zfe)J,o rge Amado publicou Gabrie/a praz/oe ca?ze/ae m 1958 e tal-
Contra a concepção de vida mineira. Contra a fábula mineira."
vez o seu melhor livro em 1961: Os z/e/bosm a //zbeiros.S ão os nossosc onta-
dores de histórias, que começaram a escrevers eus romances no início dos A despeito do sensacionalismo, estas linhas depunham contra certos
anos 30 e cerca de vinte anos depois realizaram suas obras mais importantes. artistas que afagam o "dolente cantochão elaborado por homens acostuma-
Com o Graciliano Ramos de Aagzísf/a( 1936), o JoséL ins do Rego de Fogo dos a seguir a trilha do rebanho e do conformismo, do pudor literário e da
modo (1943) e o José Geraldo Vieira de A qwadragésima porta (1943) con- vida parasitária"
B 9
UMA GIGANTESCA'ESPIRAL COLORIDA CRÓN ICA DA CASA ASSASS INADA
Ao contrário de muitos de seusc ompanheiros de geração, Lúcio viveu "Mas tendo afirmado que acredito no romance, quero acrescentar que acredito
consciente de suas deficiências e com uma noção muito nítida das verdadei- apenas naquele que é feito com sangue, e não com o cérebro unicamente, ou o
ras possibilidades da obra que realizava. Poucosa utores nacionais terão se caderninho de notas, no que foi criado com as vísceras, os ossos, o corpo inteiro,
elhado tanto na obra a ponto de fazer dela a história das suas frustrações o desesperoe a alma doented o seu autor -- do que foi feito como see scarras an-
e angústias, dos seus medos e conquistas. Numa de suas observações mais gue, contra a vontade e como quem lança à face dos homens uma blasfêmia"
udas, ele assinala: "Todos os meus livros eu os fiz à margem de minhas
paixões, quando minhas paixões é que deveriamv iver à margem de meus Seu caso não poderia ser diferente: é a condição humana que enfim mol-
livros." Todo o seu drama foi transposto nessab uscad esesperadad e si mes- da todo grandec riador chame-see le Leon Tolstoi ou Albert Camus,J oséd e
mo que foi a busca do romance. Resultado de uma maturidade que ele pres- Alencaro u Machado de Assis,E rico Verissimoo u Lúcio Cardoso.N o paro-
sentiaj á no fim dos anos 40, a Crónica vinha justificar o esforço Era o pai- xismo da Crõ/ziaã, naquele mesmo paroxismo que A /uz no s bso/o (1936)
nel de sua expiação e de sua problemática tentativa de comunhão com o delineava de maneira incipiente, e que podemos perceber timidamente, já nas
mundo. Nesses entido, a imprecaçãoc ontra o espírito de Minas, de impre- páginas de Sa/gueíro (1935), se insinua aquilo que passamos a conhecer como
vista gravidade, é fator determinante do nascimento do romance. Sobretudo o estilo cardosianoo u, pelo menos,o que há nele de mais característico.À
da sua posição diante de seusc ontemporâneosd, a literatura politicamente realidade ele contrapunha a verdade, e viveria à procura dessa verdade, da
engajada daquele tempo, tão contrária a sua visão de mundo. sm verdade,o bsessivae torturante. Assim, encarnou seusp ersonagensa pon-
Diante dessasq uestõesf undamentais, para a compreensãod e seu percur' to de imprimir neles a sua "alma doente" de autor (reitero: em nossa literatu-
se de escritor é indispensável hoje a leitura do Diário como/eto (1970) e de ra, poucas vezesv ida e obra terão caminhada tão limítrofes). Pois a Crõzzica,
"Confissões de um homem fora do tempo", onde see ncontra uma espécied e ao passo que era a superação do que veio antes, era também o elo que passou
arte poética do ficcionista: a dar sentido a todos os seusi mpassese procuras desde 1934.
Nessec aminho, é um achado a imagem do Esfolado que viu nele Tristão
"[.-] ouso declarar humildemente, mas em voz alta, que acredito no romance. de Athayde, escrevendo a respeito da primeira edição do D!(frio, em 1961:
[.-] Na realidade os nossosl iteratos só gritam muito forte quando se sabem
acompanhados, quando estão em bando. Mas isto é outra história... Quero ape' "Um homem com os músculos e os nervos à mostra. Ferido por tudo e por todos.
nas dizer que nas horas de guerra, a menos que seja chamado a cooperar com Inadaptadoa o seut empo e à suag ente. Mas insatisfeitoc om essai nadaptação.
um fuzil na mão, o lugar do sapateiro é fazendo sapatos, o do padeiro fazendo Procurando a todo transe compreender, mas não compreendendo a linguagem
pão, e do ator no teatro. Ora, considero-me, para infelicidade minha e de algu- dos seusc ontemporâneos.F echando-see m sua solidão para resguardara sua
mas pessoast,ã o romancistaq uanto um sapateiroé fabricante de sapatos Não independência. Mas sem nada de misantropo e de desesperado, antes amando
há nenhum desdouro nisto, pelo contrário. Por mais que procure, não me conhe- profundamente os homens e a vida."
ço nenhuma outra utilidade além desta. Não sou homem de sociedade, não sei
)ogar póquer; os problemas sociais não me preocupam senão de maneira indire- De maneira que é mesmo no Diário que se esclarecemm uitos dessesp on-
ta. Sinto-me habitado exclusivamentep or um mundo que desejod ar formas, tos que pendiam incompreensíveis na obra. Aquele clima de opressão e de
uma multidão de seresq ue às vezes costumam me atrapalhar na vida prática, angústia em que se debatem os personagens estava ali: era antes o clima em
mas que vou conhecendo aos poucos e a quem pretendo emprestar algumas das que vivia o autor a sua "vida de inventado", conforme escreveuó um dos
minhas modestas opiniões sobre este insigne mistério que é a vida." Poemasl /zéd/fos( 1982).
Lúcio só escreveud ois romances diferentes, na medida em que todo o
Trata-se de um depoimento cuja conclusão dá a medida do criador e da resto, de alguma maneira, foi um cadinho para a Crónica: À4a/ena( 1934) e
magnitude da sua matéria: Dias perdidos (1943). O tema explorado no incaracterístico romance de
10 1 1
UMA GIGANTESCA ESPIRAL COLORIDA
estréia, a figura do pai fundador de cidade, não diferia muito daquilo que era
realizado pela maioria dos autores do chamado romance de 30. Mas em
Dias perdidos ele exorcizava o demónio da infância e a figura do pai ausen-
te. É talvez um dos momentos mais ambiciosos do romancista, escrito numa
perspectiva inédita e que não teve continuidade.
Contudo, com exceção de algumas passagensd ramáticas, de intenso
lirismo, de A /uz no szzbso/oe Dias perdidos, é uma trajetória muito desigual
a que acompanhamos de À4óz/alfaa O en$eÍliçado (1954). Como já foi dito,
Crónica da casa
se o patamar alcançado com a Cró/liga tornava mais nítidas as deficiências
assassinada
dos livros anteriores, era também a partir da Crónica que se impunha uma
nova perspectiva de leitura para o que veio antes.S e a produção anterior tra-
zia pouco em termos de novidade técnica, o seu mérito estava inegavelmen-
te nas densas paisagensp sicológicas até então inéditas em nossasl etras. E,
nessea densamento, Massaud Moisés percebeu um existencialismo az/anf /a
Zeüre, digno de nota a partir de 1936.
A gênesed a Cró/fica está em alguns elementos que Lúcio veio trabalhan-
do obsessivamente,e que viviam nele muitas vezese m estado de potência. O
que corresponde, de mais a mais, àquela saturação de si mesmo apontada no
Diário do terror, saturação que minou um campo vasto da sua consciência e
do seu desassossego: "Nenhum escritor realmente grande produz antes de
uma completa saturação de si mesmo, uma espécied e inflamento dos elemen-
tos básicos do seu destino e da sua personalidade. Sofrimentos, experiências,
r descobertas,a quisições e amputações, tudo enfim o que esculpe sua mais verí-
F
dica e extrema imagem é chamado a compor o seu perfil exato." É a partir daí
que se abrem as amplas janelas que dão para a paisagem e a aventura da
Crónica da casa assassinada.
Em quatro décadas, acumularam-se já algumas lendas em torno deste
romance e de seu autor. Se é uma das obras que permaneceram na literatura
deste nosso século, quero crer que o autor a despeito de todas as contingên-
cias e das interpretações contraditórias que sofreu (vítima e algoz de si mes-
mo, inclusive), ainda é a figura mitológica que a maior parte de seusc ontem-
porâneos evitou aceitar ou entender.M as, apesard e tudo, um mito que as
novas geraçõest erão a oportunidade de visitar sempre.
ANDRÉ SEFFRIN
Rio, outubro de 1999.
12
A Veto Pentagna
Jesusd isse:t irai a pedra: Disse-lhe Mana, irmã do defunto
Senhor ele já cheira mal, porque já está aí há quatro dias.
Disse-lhe Jesus: Não te disse eu que, se tu creres,
verás a glória de Deus?
SãoJ ogo, XI, 39, 40