Table Of ContentCrítica e Verdade
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Coleção Debates
dirigido por J. Guinsburg
Equipe de realização — Tradução: Leyla Perrone-Moisés; Revisão:
Geraldo Gerson de Souza; Produção: Ricardo W. Neves e Raquel
Fernandes Abranches.
roland barthes
CRÍTICA
E VERDADE
EDITORA PERSPECTIVA
Títulos dos originais em francês
Critique et Vérité e Essais Critiques
Copyright © by Editions du Seuil, Paris
Dados internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Barthes, Roland
Crítica e verdade / Roland Barthes; [tradução Leyla
Perrone-Moisés], — São Paulo: Perspectiva, 2007. —
(Debates; 24 / dirigida por J. Guinsburg)
Título original: Critique et vérité e Essais Critiques
2ª reimpr. da 3. ed.
Bibliografia
ISBN 978-85-273-0201-2
1. Ciências humanas 2. Comunicação 3. Crítica
literária 4. Teoria literária I. Guinsburg, J.. II. Título.
III. Série.
07-2514 CDD-801.95
Índices para catálogo sistemático:
1. Crítica literária 801.95
3 edição — 2a reimpressão
Direitos reservados em língua portuguesa à
EDITORA PERSPECTIVA S.A.
Av. Brigadeiro Luís Antônio, 3025
01401-000 São Paulo SP Brasil
Telefax: (011) 3885-8388
www.editoraperspectiva.com.br
S U M Á R I O
Apresentação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
ENSAIOS CRÍTICOS
Prefácio. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
Literatura e Metalinguagem. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
Escritores e Escreventes. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
A Imaginação do Signo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
A Atividade Estruturalista. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
Estrutura da Notícia. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57
A Literatura Hoje. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69
Literatura Objetiva. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81
Literatura Literal. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93
Uma Conclusão sobre Robbe-Grillet?. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101
Literatura Descontínuo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111
Mãe Coragem Cega. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 125
A Revolução Brechtiana. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129
As Tarefas da Crítica Brechtiana. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 133
De um Lado e do Outro. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 139
As Duas Críticas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 149
O que é a Crítica. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 157
Literatura e Significação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 165
CRITICA E VERDADE. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 185
Nota da digitalizadora: A numeração de páginas aqui refere-se a edição
original, que encontra-se inserida entre colchetes no texto.
Entende-se que o texto que está antes da numeração entre colchetes é o que pertence aquela página e o
texto que está após a numeração pertence a página seguinte.
A P R E S E N T A Ç Ã O
“Deve-se queimar Roland Barthes?” Esta pergunta, inscrita
numa fita de papel envolvendo os Essais critiques, situa Barthes
como um objeto de polêmica. E com efeito ele o tem sido, desde seu
primeiro artigo, em 1947, até sua mais recente publicação, S/Z
(1970).
A primeira obra de Barthes, Le degré zero de l’écriture (1953),
tratava de uma certa escritura neutra, escritura no grau zero,
característica de nosso tempo e que constituiria “o último episódio de
uma Paixão da escritura, que acompanha o dilaceramento da
consciência burguesa”. Surgindo como um crítico marxista, [pág. 07]
mas recusando o determinismo histórico e social direto, Barthes
atraiu desde logo as suspeitas da direita e da esquerda.
Em Michelet par lui-même (1954), Barthes enveredou por uma
crítica de base psicanalítica, também recebida com certas reservas.
Mas foi ao atacar Racine de um modo totalmente novo, segundo vias
psicanalíticas um pouco diversas das de seu Michelet, que Barthes
atraiu a ira da crítica tradicional. O crítico tocara um objeto sagrado,
e sua iconoclastia provocou a santa indignação dos defensores do
templo.
O livro de Raymond Picard, Nouvelle critique, nouvelle imposture,
foi o anátema lançado pelos cultores do classicismo intocável. A este
livro, Barthes retrucou com Critique et Vérité, que pela segurança de
argumentos e por sua requintada ironia definia e enterrava de uma
vez por todas a “velha crítica” (puisque nouvelle critique il y a).
Considerado desde então como o verdadeiro mestre da nova
crítica francesa, paradoxalmente e felizmente, Barthes não foi de
todo assimilado. Continuou sendo alvo de ataques vindos dos mais
variados pontos. Uma das críticas que mais freqüentemente se
fizeram e se fazem, ainda hoje, a Barthes, é a que se refere a sua
inconstância.
Mesmo os que aceitam uma crítica de base marxista,
psicanalítica, fenomenológica, estilística, estruturalista ou
semiológica, relutam por vezes a aceitar esse crítico que assume
todas essas posições alternadamente ou ao mesmo tempo. Em nome
de um purismo ideológico irrealizável e indesejável numa verdadeira
crítica, acusam Barthes de charlatanice e de inconstância.
Acusam-no de “seguir a moda”, esquecidos de que a moda,
considerada em certo nível, é algo muito sério, é o sistema de formas
que define uma época. Por outro lado, qualquer pretensão a uma
visão intemporal dos fenômenos é ilusória. A abertura de Barthes à
contemporaneidade, sua permanente disponibilidade para o novo,
são as qualidades que seus detratores vêm como defeitos.
Quanto à inconstância, só quem conhece superficialmente a
obra de Barthes pode atacá-lo por essas “infidelidades”. Em primeiro
lugar, Barthes é um escritor [pág. 08] vivo; sua obra não se
apresenta como algo acabado, fechado, mas caracteriza-se por uma
“suspensão de sentido” (usando sua própria expressão) que permite
uma constante reformulação. Mais do que um escritor vivo, portanto
em mutação, Barthes é um escritor, e “o escritor é um
experimentador público: ele varia o que recomeça; obstinado e infiel,
só conhece uma arte: a do tema e das variações”1.
Postas essas ressalvas, podemos dizer, por outro lado, que esta
obra aberta e em evolução apresenta algumas linhas de força que
permanecem constantes sob a variação. Vejamos alguns dos pontos-
chave da obra barthesiana.
Primeiramente, a afirmação da autonomia da linguagem
1 V. p. 15.
literária. Escrever, para Barthes, sempre foi “um verbo intransitivo”2.
A obra literária não é mensagem, é fim em si própria. A linguagem
nunca pode dizer o mundo, pois ao dizê-lo está criando um outro
mundo, um mundo em segundo grau regido por leis próprias que são
as da própria linguagem. O sistema da linguagem não é análogo ao
sistema do mundo, mas homólogo. A linguagem literária nunca
aponta o mundo, aponta a si própria: “O escritor concebe a literatura
como fim, o mundo lha devolve como meio; e é nessa decepção
infinita que o escritor reencontra o mundo, um mundo estranho,
aliás, já que a literatura o representa como uma pergunta, nunca,
definitivamente, como uma resposta”3.
A literatura, para Barthes, é um “sistema deceptivo”,
caracterizado pela “suspensão do sentido”. Entra aqui uma distinção
básica da obra barthesiana: a distinção entre sentido e significação:
“Entendo por sentido o conteúdo (o significado) de um sistema
significante, e por significação o processo sistemático que une um
sentido e uma forma, um significante e um significado”4. A literatura
nunca é sentido, a literatura é processo de produção de sentidos, isto
é, significação.
A função da crítica não é pois descobrir e explicar o sentido de
uma obra literária, mas descrever o funcionamento do sistema
produtor de significação. Não o [pág. 09] que a obra significa, mas
como a obra chega a significar. Além disso, a crítica é
metalinguagem, linguagem sobre a linguagem, e está portanto
submetida às mesmas exigências da linguagem literária. Assim como
a linguagem literária não pode dizer o inundo, a linguagem crítica
não pode dizer a obra. O crítico é aquele que, mais do que a obra de
que fala, deseja sua própria linguagem. E o sentido dessa é tão
suspenso quanto o da literatura. O que faz a boa crítica não é sua
2 V. p. 33.
3 V. p. 33
4 V. p. 66 (nota).
veracidade, mas sua validade, a força de sua sistemática.
O próprio da linguagem literária é ser uma linguagem da
conotação e não da denotação (V. Eléments de sémiologie,
Communications nº 4, 1964). Portanto, o que interessa à literatura
não é o referente (aquilo que é denotado) mas o próprio poder
conotativo do signo lingüístico, sua polissemia. Estudando o signo
literário em confronto com os signos dos demais sistemas simbólicos,
Barthes tem contribuído enormemente para a semiologia ou
semiótica, ciência geral dos signos na qual os estudos literários se
integrarão um dia.
Assim anunciou Saussure a semiologia, como a grande ciência
que englobaria todos os estudos de sistemas simbólicos. Esta não é,
entretanto, a posição de Roland Barthes; considerando que “tout
système sémiologique se mêle de langage”5, afirma ele que a
semiologia será uma parte da lingüística, aquela que se encarregará
das grandes unidades significantes do discurso.
Partindo do princípio de que tudo é linguagem, Barthes se alia
naturalmente àqueles que vêem a lingüística como o modelo das
ciências humanas. Dessa forma, tem participado ativamente dos
estudos conjuntos para a elaboração de uma ciência da literatura,
através de um tipo de análise que toma o estruturalismo lingüístico
por guia.
Mas o estruturalismo literário de Barthes não é ortodoxo, como
não o foram suas utilizações do marxismo e da psicanálise. Como ele
próprio diz, em “O que é a crítica?”, é nos arredores dessas
“ideologias” que surge a crítica mais criadora. Acima de sua vocação
de pesquisador e de professor, está sua vocação de escritor, e esta
exige dele uma liberdade, uma disponibilidade [pág. 10] que tem sido
por vezes confundida com infidelidade. Entre a poética e a crítica,
5 “Eléments de sémiologie”, Le degri zero de l’écriture, Editions onthier, 1965, p. 80