Table Of ContentA filosofia de Kant destaca-se de todas as outras
pela obrigação que instituiu para todo pensamen
to ulterior de examinar seus própr ios princípios.
Corno pensar a or igem dos conhecimentos hu
manos sem se interrogar sobre os limites, nos
terrnos insubstituíveis da Crítica da razão pura?
Corno pensar ou contestar a consciéncia moral
sem se referir à presença, ern nós, da lei, que
Kant considera urn fato da razão? Corno explicar
o belo, os fins da humanidade ou os do individuo
sem lançar mão dessa faculdade de julgar cuja
especial sutileza Kant soube exprimir?
Este livro de síntese e de reflexão tem o mérito
de fornecer as chaves para a compreensão de
um pensamento indubitavelmente complexo, de
destacar campo por campo sua importância his
tórica precisa, de extrair tudo o que ele
conserva de vivo e até mesmo inexplorado
para o filósofo contemporâneo.
Olivier Dekens, doutor em filosofia, é professor
adjunto na Universidade de Tours. É autor de vá
rias obras sobre a história da filosofia moderna e
contemporânea.
{ www.loyola.com.h
Compreender
Olivier Dekens
Co mpree nde r
T radução
Paula Silva
Biblioteca Padre Vaz
llllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllll/111
20101662
Compreender Kant
Edições Loyofa
r
liTULO ()f{!GIN,\L.:
Co111pre11dre f...:a11t
(' Arrnand Col in 2003
ISBN: 2-200-26426-7 sumário
PllU'.-\H.·\,\(I: ivlauricio B l eal
P1;11JET0 Gi;Arito: Ronaldo Hideo lnoue
Rrvis..\o: lVlaria de f :\lima Cavallaro
Nota bi bliog ráfica 7
J:l :·
Introdução
I S I i> A disposição filosófica 9
201 01 662-1 Uma filosofia da filosofia 1O
A natureza filosófica 11
A herança kantiana 13
Capitulo 1
A definição ka ntia na da filosofia 15
Edições Loyola
R ua !822 n" 347 - l piranga
Que é filosofia? 15
0421 6-000 São Pa ulo SP
Caixa Postal 42.335 - 04218-970 São Paulo SP
O dispositivo arquitetônico do pensamento kantiano 26
®
11 1 ) 6914-1922
@.) ( l i) 6163-4275
Homc pagc e vendas: www loyola com br
Editorial: !oyola(frloyola com br Capitulo li
Vendas: vcndas( ·loyola con1 br
A invenção do tra nscendental 33
liido.1 111·dir1.:ito.1· n·1·c11·ados Ne11/111111a f!ill"fC dc1w obro podi• 1·er
l'l'fll'odu:::ido
O sentido de uma revolução na teoria do conhecimento 33
011 tn111rn1itida Jllll' 111wlq11t•1 forma c/1111 1/ll(JÍ1·1111u· 111r.:io.1· (eh:rrri11ico 011
111ecâ11ico ilnluil/(lo jiJ /onipia e gra1·ari/1J ) 011 m·111ii1·mla em q11alr111e1 A estética. ou o a pnort dos sentidos 43
1·iste111a m1 hw1co de dados l'l.'111 f!t..TllliHâlJ l!l'lTÍfil da Editora
A analítica Conceitos. princípios subjetividade 47
ISBN: 97885* l 5*035236 A dialética, ou o desejo das idéias 70
(' EDIÇÕES LOYOLA. São Paulo. Brasi l. 2008
Capitulo Ili
Nota bibliográf ica
O fato do dever 85
Factum rat1A omno1ral como reflexão sobr e a consciência da obrigação 85
Os imperativos: o homem e seu dever 97
Da moral à religião. ou a religião moral 119
CAPÍTULO IV
O pri ncípio reflexivo 141
O lugar da reflexão 141
Do belo ao sublime: as faculdades em sua livre correspondência 148
Os fins da natureza 163
Os fins do homem 166
Capitulo V
O arquipélago da política 171 As obras de Kant são citadas segundo a paginação da edição de referência dita
"da Academia de Berlim" (abreviatura "AK" seguida do número do volume
Resistências do político 171
em romano e a página)
História e política 173
O direito e a racionalidade política 181
Política sensível e política racional: a necessidade da ação 189
Conclusão
O dever de filosofar 197
O filósofo e sua atualidade 198
A infância do pensamento 199
Bibliog rafia 201
Índ ice 205
7
Introdução
A disposição filosófica
Há filósofos sobr e os quais nos per gun tamos às vezes por que sua obra
con tinua a influenciar, muito tempo depois de sua morte, o campo do
pensamen to A influência de um texto filosófico pode dever-se à sua qualidade
objetiva, à personalidade do homem que o engendrou, à ruptura que
introduziu no curso tranqüilo da história das idéias ou ainda ao momen to de
sua irrupção Quando se trata de Kant, uma questão assim parece destituída de
sentido, pois os seus escritos superam, em originalidade e força conceitual,
os escritos da maior parte de seus contemporâneos, bem como da maior
parte da produção filosó fica As razões do sucesso são aqui manifestas:
criatividade da obra, majestade do sistema, sutileza das análises - tudo
isto concorre para a excelência do propósi to Mais ainda: a filosofia de Kan
t parece condenar todo pensamento ulterior a um novo exame de seus
próprios princípios, tornados frágeis pelo sopro da crítica Como refletir
seriamente sobre a origem dos conhecimen tos humanos sem levantar a
questão de seus limites, nos pr óprios termos, insubsti tuíveis, da Crítica da
razão pura? Como fundar a consciência moral, mesmo que fosse para
contestá-la em seguida, sem evocar o que Kant chama de um fato da razão: a
presença em nós, misteriosa e incompreensível, da lei? Como dizer o belo, os
fins da humanidade ou os do individuo sem aplicar essa
9
Compreender A disposição filosófica
faculdade de julgar da qual Kan t soube, malgrado tudo o que se possa
ao incondicionado -é justamente o que é preciso preservar e salvar, desem
censurar even tualmente em sua definição, exprimir a flexibilidade tão
baraçando-a de seus aspectos mais contestáveis e de suas errâncias ilegitimas
particular? Há, pois, um antes e um depois de Kan t, e teremos ocasião de
A crítica pode assim ser entendida como um dispositivo intelectual destinado a
mostrar em que essa revolução filosófica é sem dúvida uma revolução, para
afirmar o direito a uma disposição do homem com relação à metafisica
além da invejável fortaleza em que a tradição situa, de bom grado, o kantismo
O kantismo é, pois, uma filosofia da filosofia por sua letra -a
elaboração da reflexão como princípio de todo pensamento -e por sua
finalidade -sal var o filósofo natural que habita em todo homem Tal é, ao
Uma filosofia da filosofia
menos, o sentido último das análises que gostaríamos de propor aqui, e o
de algumas observa ções que nos parece necessário acrescen tar a esta
Mas há mais ainda Para expressá-lo de modo simples, o pensamen to critico
breve apresentação, antes mesmo de entrarmos no cerne do corpus
parece-nos dever ser definido como uma filoso fia da filoso fia Devemos nos
kantiano
en tender bem sobre esta fórmula, que poderia ser apenas um slogan Kan t
não propõe, em nenhum caso, uma filosofia última, que reagruparia,
unificando as, as tentativas anteriores, fornecendo-lhes desse modo a caução
A natureza filosófica
do sistema Kan t, como homem e como filósofo, não tem tais pretensões
Mas não se trata tampouco de reduzir o pensamen to crí tico a uma longa
Define-se comumente a crítica kan tiana como uma avaliação dos poder es da
interrogação so bre a iden tidade da filosofia, em que Kan t seria só um
razão, tan to teórica como prática 'Tra tar-se-ia, em suma, de determinar os
exemplo entre outros desse exercido habitual que consiste em perguntar "o
limites da razão cognoscente e o dever da razão agente Tudo isso é verdade
que é a filosofia?" Esse estilo de prosa consti tui um verdadei ro gênero na
E preciso acrescentar, primeiramen te, que esse procedimento não visa princi
história do pensamen to, que não gerou apenas obras-primas Dito de outro
palmente a restringir as aspirações da razão, mas antes a guiá-la, a fim de que
modo: se o criticismo é uma filosofia da filosofia, não é por se furtar ao
ela manifeste seu valor, sua utilidade e sua vocação da maneira mais sólida e
trabalho da construção da fi losofia, mas porque inventa a própria forma de
mais legitima Kant constrói, pois, seu pensamen to como uma defesa e uma
reflexividade que toda filosofia põe em andamento
ilustração da razão humana em seu destino fundamen tal Convém, pois, que
Neste sentido, Kant, em cada um de seus escritos, faz duas coisas ao mes
nos interroguemos brevemente sobre a natureza dessa faculdade
mo tempo: de um lado, elabora, e muito bem, as condições de possibilidade do
A razão kan tiana é, primeiramen te, o poder mais elevado do espirito, pelo
conhecimen to, da moral ou do juízo estético (en tre outros); de outro, deter
qual as regras do entendimen to -que organiza a experiência dos sentidos -
mina, de modo casual, o próprio instrumento de seu pensamen to, aquilo que
são conduzidas à unidade de um principio' Esta razão é, contudo, marcada
deve em suma figurar no princípio de todo procedimento filosófico
por uma tendência mais essencial ainda: aspira ao infinito, ao além dos fenô
A obra kantiana é, portanto, uma filosofia da filosofia por uma razão ain
menos, ao que Kant chama de Idéias Não é, pois, a arma triunfante de um
da mais profunda, que se poderia expressar assim: o pensamento crítico pre
espirito inteiramente senhor de si, mas a faculdade própria do homem, pela
tende ser a elaboração de uma filosofia do homem como animal filosó fico.
qual este se abre obscuramente àquilo que não pode verdadeiramente conhe
Kant considera, com efeito, que há, no mais profundo do ser humano, um
cer: Deus e a liberdade. Na origem do projeto kantiano, acha-se assim uma
desejo, uma tensão apon tando para o além da experiência, que seria ilusório
potência inquieta, "curvada sob o peso de questões que não pode descartar"',
preten der controlar A natureza metafísica do espírito é um dado, ou antes,
que ela pr ópria produz, sabendo que não poderá responder a elas Se ela não
uma disposição originária do pensamento, que a filosofia pode e deve
é, como acabamos de ver, uma faculdade perfeitamente independente, não se
exprimir, mas que não é chamada a combater Kant vai mais longe Esta
tendência de pensar Deus, a liberdade, o mundo -esta orientação do
homem em direção
1 Cf Crítica da razão pura (doravante CRP), A 302/B 359
2 lbid . A Vil
10 11
Compreender A disposição filosófica
deve tampouco considerá-la um puro espaço de recepção daquilo que ultrapas
A herança kantiana
sa o saber A razão kantiana não é nem mística, nem submetida a uma fonte
exterior qualquer da experiência O trabalho crítico deve, assim, compreen
Filosofia da filosofia, filosofia do homem, filosofia da razão, o kantismo aparece
der-se como uma partilha entre uma boa receptividade da razão em relação a
assim como um pensamento antes de mais nada preocupado em não quebrar
certas Idéias ou em relação à lei moral e uma má receptividade da razão, que a
o grande impulso do espírito humano A recepção dada a Kant, desde seus pri
condena a perder sua autonomia constitutiva
meiros leitores alemães, insistiu muito no caráter destruidor de sua obra, que
A razão kantiana está em semiliberdade Produtora de conceitos e capaz
exclui, com efeito, todo conhecimento teórico de um objeto não-sensível Esse
de síntese, não é livre na escolha de suas questões Mais exatamen te: a
juízo deve ser matizado à luz do que dissemos sobre os direitos da razão Kant é,
razão não é livre para buscar o que é verdadeiramente a finalidade do
segundo sua própria terminologia, um pensador dos limites, mais que um pen
homem, ou aquilo que existe além da experiência sensivel3 Como esta sador das fronteiras'; isso significa que ele não busca restringir o campo de apli
nunca satisfaz sua aspiração ao absoluto, a razão é obrigada a ir além do
cação da razão, mas sim delimitar suas difer entes partes E é aqui que intervém
sensível Os conceitos que ela vai criar então -a alma, o mundo, Deus
a faculdade cuja importância sublinhamos logo no início de nossa exposição: a
-não são nunca o fruto de
reflexão A crítica é o exercício pelo qual a reflexão determina a fronteira entre
um poder, mas o efeito de uma dependência interna da razão em relação a seus
os campos possíveis da racionalidade; tal levantamento do campo da reflexão
próprios fins. A crítica nunca deverá reprimir ou desconsiderar essa aspiração permite, in fine, à razão expressar sua natureza metafísica onde deve fazê-lo (a
Deverá se contentar -mas a tarefa é talvez ainda mais difícil -em orientar a
moral), e fazê-la calar onde é preciso (a ciência) O kantismo não destrói, pois, a
tensão metafísica para seu domínio de aplicação legítima, isto é, em Kant, para razão clássica, unificante e soberana; ele a rompe, constituindo espaços de
o domínio da moral
especialização, cada um com suas regras próprias de funcionamento. A razão
Kant qualifica de dialética tal tendência do espírito a superar os limites prática pode se permitir o que é proibido à razão teórica; mais ainda: deve fazê-
do saber assegurado Existe aí, bem entendido, certo vicio em pretender co lo
nhecer o que não pode ser conhecido; mas tal vicio é virtude, na medida em A leitura que propomos será a narrativa desse levantamento critico.
que essa louca pretensão dá ao filósofo a possibilidade de compreender que Tentaremos ver como a reflexão age, a cada vez, para conceder o devido lugar
uma outra relação com o além da experiência, distinta da ciência é, ao mesmo à voz da razão, salvaguardando desse modo a disposição filosófica que Kant
tempo, possível e legítima, a da lei moral O trabalho aparentemen te negativo detecta, em germe, em todo ser humano Atravessaremos sucessivamente
da crítica teórica transforma a exigência da razão submetida a priori ao fogo seus mo mentos essenciais: a crítica do poder da razão teórica; a de uma
de questões que ela não escolheu em fon te fecunda de conceitos práticos que razão prática que se dá na evidência de um fato, a consciência moral; enfim, a
encon tra todo o seu valor precisamente no fato de não provir da experiência de uma razão ainda mais hesitante, que busca, tateante, sinais de sua própria
O criticismo não é um ceticismo Certamente, a razão vagueia fr eqüente presença no território da estética ou no da política Esse percurso estaria
mente Mas tal errância é salutar, pois nos indica um espaço de pensamento, o incompleto sem uma análise mais aprofundada de algumas pistas que
da prática, onde o filósofo vai construir o que é, para ele, o essencial. Condenar acabamos de esboçar rapidamente; a definição kantiana da filosofia, a do
a razão em nome da certeza cientifica atentaria contra seu direito mais funda homem como ser metafísico e, enfim, a determinação original do conceito de
mental, o de pensar a liberdade e o dever Voltaremos a essa hierar quia dos reflexão, tal como podemos encontrá-lo na Critica da faculdade de julgar
cam pos da razão, que vê a moral como verdadeiro objeto do pensamento É, pois, por essas questões que começaremos Elaborá-las nos permitirá talvez
crítico seguir, sem perigos excessivos, as sinuosidades do procedimento kantiano,
que constituem toda a força e - por que não dizê-lo? -todo o encanto
de seus escritos
3 (f Profegõmenos a toda metafísica futura que possa se apresentar conw ciência, AK IV, 4 Esta distinção essencial é longamente elaborada nos Prolegômenos Cf AK V, 352; P !I,
351; P li, p 135: "É verdade, não podemos dar, fora de toda experiência possível_ um conceito
p 136
deter minado do que podern ser as coisas em si Mas não somos contudo livres, em face das
investi gações que as concernem, de delas nos abster completamente"
12 13
Capítulo 1
A definição kantiana da
filosofia
Se nossa hipótese de lei tur a é correta -o kantismo é uma filosofia da
filoso fia -, os textos consagrados à definição da filosofia deveriam
naturalmente ser numerosos e impor tantes. Eles o são, o que facilita muito
o trabalho do intérpr ete Mas não nos enganemos Kant não determina
verdadeiramente a especificidade do trabalho da filosofia nas passagens que
lhe consagra As pá ginas, também numerosas e importan tes, em que Kant
elabora sua doutrina do juízo, da reflexão ou do procedimento critico são bem
mais significativas a esse respeito, já que essas diferen tes noções estão no
principio de toda filoso fia, e não somente no de sua própria filosofia
Uue é filosofia?
Di to isto, é impor tan te ler um pouco mais aten tamen te alguns tex tos expli
citamen te destinados a determi nar os objetos da filosofia Kant põe ai em
andamen to a separação cr í tica , e expõe a organização de seu pensamen to, e
enuncia o resultado da aplicação da reflexão à totalidade dos objetos possí
veis de análise
15
Compreender A definição kantiana da filosofia
Os objetos da filosofia que faz o inven tário dessas condições, forma o esqueleto da metafísica, se
pelo menos nos contentarmos com esta definição puramente teórica do
Dois textos podem ser aqui evocados O primeiro é tirado da Teoria transcen termo A separação entre um saber legítimo e uma pretensão ilegítima de
dental do método, que fecha a Critica da razão pura Kant define aí o conceito saber é a pri meira função da filosofia Essa separação torna necessária a
de inter esse da r azão, isto é, as questões às quais a razão está condenada a elaboração do que Kan t chama de transcenden tal, isto é, o conjunto das
responder por seu próprio interesse A passagem é das mais célebres: condições de possibilida de do conhecimento, concei to em torno do qual se
organiza a primeira Critica.
Todo interesse de minha razão (tan to especulativo como prático) concentra-se Vol taremos a este ponto
nas três questões seguintes: A primeira questão concerne ao saber, à ciência, em suma, a tudo o que
1ª Que posso conhecer? Kant chama de teoria. A segunda é, por sua vez, exclusivamen te prática. O
2ª Que devo fazer? que significa simplesmen te que se tra ta, para Kan t, de refletir sobr e a ação
e sobre a maneir a de conduzi-la Elaborar a ques tão "Que devo fazer?"
3ª Que posso esperar'? 1
consis te, pois, em explici tar aquilo que se apresen ta à consciência como
obrigação moral A filosofia absolu tamen te não delibera mais aqui a respei
O segundo texto em que uma mesma tentativa de definição aparece é o
to da nat u reza de nosso saber; ela não é mais, nesse sentido, transcenden
da Lógica. Não se trata aqui propriamente de um texto de Kant, mas de ano
tal, mas trata do que a razão prática deve ser enquan to faculdade moral Os
tações feitas por ocasião do cutso de lógica que ele deu ao longo de sua vida
Fundamentos da metafisica dos costumes e a Crítica da razão prática
de professor Kant r epete aí as três perguntas citadas, explicando que se trata
aplicam-se em responder a esta questão, que é, para Kant, a mais importan te
não somente de determinar os fins da razão, mas também de delimitar o cam
A última questão é muito mais difícil de compreender Retenhamos pro
po da filosofia' Dito de outro modo: a Filosofia é um pensamento que tenta
visoriamente que Kan t, ao respondê-la, determina o que o homem pode es
responder às questões que a razão se põe, ou antes, que ela é obrigada a se pôr
perar de uma vida conduzida segundo o respeito à lei moral Essa questão
Essa divisão tripartida do tr abalho da filosofia é cômoda, e Kant esforça-se por
vem, pois, logicamente na seqüência da segunda e concerne, muito direta
r espeitá-la cada vez que apresenta sua obra O que ela nos ensina?
men te, como diz a Lógica , à religião Isso não significa que os textos que
As três perguntas não nos dizem o que é a filoso fia , mas aquilo de que ela
I<ant consagra à religião - principalmen te A religião nos limites da
se ocupa Seu primeiro objeto, a resposta à per gun ta "Que posso conhecer?",
simples razão
corr esponde, diz Kan t na Lógica , à metafisica Esta observação de Kant traz,
-respondam à questão Pode-se até dizer que é bastan te delicado atribuir
na verdade, pouco esclar ecimen to sobre a natureza exata do trabalho reque
a uma única obra a tarefa de respondê-la Digamos simplesmente, e ainda
rido. Pode-se, contudo, compr eender esta afirmação com base no que ele es
provisoriamen te, que a cada vez que Kan t se interroga sobre a finalidade
creve em outra parte sobre a metafísica, por exemplo nos Prolegômenos a toda
do homem como ser moral e ten ta estabelecer que gênero de felicidade
meta fisica futura: "a critica, e só ela, contém em si o plano total bem
um ho mem virtuoso tem o direito de esperar ele responde a essa terceira
examinado e provado, e mesmo todos os meios de execução que permitem
questão E é a este titulo que a Critica da faculdade de julgar , mas também
realizar a me tafisica como ciência"3 Em outros termos: a metafisica é a forma
numerosas passagens da Critica da razão prática corr espondem a esse
exaustiva e detalhada da critica, considerada como a exposição das condições
objetivo
de possibi lidade a prio1i e dos limites do conhecimento humano A Critica da
A filosofia kantiana -e 2 filosofia em geral -deve abordar sucessiva
razão pura ,
mente o problema dos limites do conhecimen to, o do dever e, enfim, o das
esperanças legítimas de todo homem Tal programa de trabalho pode fazer
1 CRP, A 805/B 833 pensar que a filosofia se reduz, no fundo, a um conjunto sistemático de conhe
2 Cf Lôgica. AK [X, 25; trad Guillermit, Paris, Vr in, 1969_ p 25 cimentos que um estudan te consciencioso poderia assimilar progressivamen
3 Prolegórnenos AK IV, 365; P li, p 152
te Kant não se atém naturalmente a esta concepção escolar da filosofia, que
ele qualifica até mesmo de escolástica Acrescenta, pois, um pouco adiante,
16
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